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Literatura Contemporânea - Unidade Nº 2 - Do Teatro à Prosa Literatura Contemporânea Unidade Nº2 - Do Teatro à Prosa Leonora Cabral Gerardino Introdução Olá, seja bem-vindo a mais uma unidade! Você já se perguntou sobre a capacidade de persuasão que a dramaturgia pode ter na nossa sociedade? Quando você assiste aquele filme ou aquela peça que tanto gosta, qual o impacto que ela causa Literatura Contemporânea - Unidade Nº 2 - Do Teatro à Prosa em sua vida? Qual a reflexão a ser feita sobre o contexto e a nossa sociedade? Você sabia, também, que a poesia não é só um conjunto de formas líricas e que você pode, sim, interagir com ela? Nesta unidade, veremos um pouco da dramaturgia marginal e o quanto ela está associada ao nosso contexto. Além disso, irá conhecer um pouco da poesia concretista e suas peculiaridades. Bons Estudos! 1. O Teatro Marginal de Plínio Marcos Na unidade anterior, você estudou sobre a influência da dramaturgia no contexto pós-moderno e aprendeu sobre as dificuldades e atribuições que esta linguagem textual teve durante a época da censura, dentre vários nomes da dramaturgia, não podemos esquecer de citar Plínio Marcos (1935 - 1999). Figura 1 - Plínio Marcos - Fonte: Homoliteratus O santista Plínio Marcos foi caracterizado por sua dramaturgia marginal, escrevendo várias peças de teatro durante o regime militar, começou com o envolvimento no teatro em 1958 sob a influência da escritora e jornalista Pagu. Sua primeira peça teatral foi Barrela, cujo enredo baseia-se numa história real e é centralizada numa cela de prisão em que houve o estupro de um jovem. Plínio atuou na televisão por muito tempo, mas em 1970 voltou a investir no teatro, produzindo peças que ele mesmo promovia, inclusive vendendo os ingressos nas portas dos teatros. Durante a década de 1980 - devido à censura - passou a escrever para diversos jornais e revistas do Brasil. Após o fim da censura, voltou a escrever suas peças de teatro para o público infantil e adulto. Literatura Contemporânea - Unidade Nº 2 - Do Teatro à Prosa Suas peças tinham linguagem crua e sempre voltavam para o foco da marginalidade, dos trabalhos mais famosos, vale destacar: - Barrela (1959) - cujo foco é voltado ao estupro de um jovem na cela de prisão; - Dois Perdidos Numa Noite Suja (1966) - que faz uma metáfora entre os mecanismos de poder das classes sociais brasileiras; - Navalha na Carne (1968) - no começo, essa peça foi proibida pela censura. Relata a história de três personagens que representam as minorias, são eles: a prostituta Neusa Sueli, o gigolô Vado e o homossexual Veludo. Você quer ver? Assista ao especial feito pelo programa Metrópolis, da TV Cultura “Metrópolis: 80 Anos de Plínio Marcos”. Neste especial, você saberá um pouco mais sobre a trajetória de Plínio Marcos, além de depoimentos de outros artistas sobre o dramaturgo. Assista aqui. A dramaturgia marginal de Plínio foi consagrada por muitos críticos das artes e bastante difundida até os tempos atuais. O maior destaque de suas obras é, com certeza, a Navalha na Carne, tanto pela sua reflexão sobre as minorias quanto pela forte crítica ao governo. No mesmo âmbito, temos o escritor francês Jean-Paul Sartre, com o existencialismo. Vamos observar e comparar os dois movimentos e fazer um paralelo entre eles. 1.1. Navalha na Carne e o existencialismo de Jean-Paul Sartre em “Entre Quatro Paredes” - (Huis Clos). Para começar, vamos entender quem era Jean-Paul Sartre. Sartre era um escritor, filósofo e crítico francês, nascido em Paris em 21 de junho de 1905 e falecido na data de 15 de abril de 1980, na mesma cidade. Foi um escritor de destaque no movimento do existencialismo francês, acreditava que os intelectuais deveriam desempenhar um papel bastante ativo na sociedade. Além disso, foi militante e um grande apoiador das causas políticas de esquerda. https://youtu.be/bb7i9CywXVw Literatura Contemporânea - Unidade Nº 2 - Do Teatro à Prosa A respeito do existencialismo, Sartre acreditava que no caso humano, a existência precede a essência, ou seja, o homem deve primeiro existir, para só depois se definir como sujeito. Para falar sobre esse paralelo do existencialismo de Sartre e a dramaturgia marginal de Plínio Marcos, vamos analisar suas obras mais famosas: ”Entre Quatro Paredes” e ”Navalha na Carne, respectivamente". Faremos uma breve panorâmica sobre Entre Quatro Paredes, de Sartre: ● Temos 3 personagens principais (Garcin, Inês e Estelle), além do Criado, que não assume um papel tão característico do qual deveríamos nos aprofundar; ● O cenário passa em um quarto de hotel, que na verdade poderia representar o purgatório, uma vez que os personagens estão mortos; ● Cada personagem faz uma reflexão de si, baseando-se nas fraquezas do outro. Cada um ajuda ao outro, de certa forma, a lidar com o peso que fora deixado na vida de cada um; ● Todos os personagens foram responsáveis por atrocidades e fizeram outras pessoas sofrerem; ● As definições de sujeito (importantes no existencialismo) de cada personagem referem-se a características de membros com valores que não são aceitos na sociedade. Agora, faremos uma breve panorâmica de Navalha na Carne, de Plínio Marcos: ● O cenário é composto por três personagens, são eles: Vado, Neusa Sueli e Veludo; ● Também é passado em quarto de hotel - que apresenta caraterísticas humildes, com poucos móveis e aparência deplorável; ● O linguajar é bastante chulo, com diversos termos de baixo calão e linguagem obscena dos personagens; ● A violência e a rotina dos personagens referem-se muito a categorias de minorias da população (prostitutas, drogados, homossexuais…). Literatura Contemporânea - Unidade Nº 2 - Do Teatro à Prosa Sabendo dessas informações, vamos comparar o cenário e os personagens de cada uma das peças: Navalha na Cara Entre Quatro Paredes Personagens com características das minorias e marginais: -Vado: um cafetão extremamente machista, que agride mulheres e homossexuais, acomodado e cafajeste. -Neusa Sueli: prostituta, não assume a sua verdadeira idade, submissa ao companheiro Vado, aceita os desaforos para não perder o seu companheiro. -Veludo: o representante das minorias, homossexual, usuário de drogas. Roubou o dinheiro de Vado para fazer programa com um rapaz. Personagens com características que contradizem aos valores aceitos pela sociedade: -Garcin: morreu fuzilado, atuou como jornalista, fora mulherengo e cafajeste enquanto vivo. Além de trair a esposa, abusava dela, fazendo com que ela aceitasse a traição dele. -Inês: a representante das minorias, lésbica, atraiu a mulher de seu primo, que acabou morto por um bonde. Morreu quando sua amada Florence ligou um gás e as sufocou. -Estelle: jovem mulher que, em vida, possuía um romance extraconjugal com um rapaz pobre, que resultou em uma filha. Como não queria ser mãe, foi à Suíça e lá matou sua filha. Por consequência disso, o pai da criança se matou. Estelle morreu de pneumonia. O cenário da peça é um quarto de hotel bastante humilde, onde há apenas uma cama, um criado mudo, um espelho e um armário. O bordel fica localizado numa área suburbana. A peça se passa em um “quarto de hotel”, que na verdade é o purgatório. No quarto não há nada mais do que dois sofás (um verde e um bordeaux) e um bronze de Barbedienne. Literatura Contemporânea - Unidade Nº 2 - Do Teatro à Prosa Todos os personagens tentam “lutar” entre si em busca de um poder. No caso, o foco das cenas era o dinheiro de Vado e o baseado de maconha. Os personagens também tentam “lutar” para se proteger das críticas daqueles que ficaram em vida. Aqui o espelho tem papel fundamental para mostrar como são as personagens, no caso de NeusaSueli, quando Vado aponta os defeitos dela quanto à sua idade. “(Vado pega o espelho e faz Neusa Sueli olhar-se nele.) VADO - Vê, puta, quanta ruga!” (MARCOS, p.166) Aqui não há um espelho físico e sim os olhos das pessoas. Os olhos de outrem caracterizavam o que eles viam da pessoa. “E – (Abre os olhos). Sinto uma coisa esquisita. (Ri e se apalpa). Com a sra. não é assim também? Quando não me vejo, por mais que me apalpe, fico na dúvida se existo mesmo de verdade.” (Sartre, 2017, p. 10) Ao que se conclui, ambas as obras relatam as diferenças sociais e as dificuldades de seus personagens. Cada um representa o que é fora dos valores do cidadão. Em Sartre, foram atribuídos atributos que fizeram os personagens refletirem no que são, refletirem também quanto aos erros e o quanto esses erros afetaram as pessoas próximas. Há uma crítica forte quanto aos caprichos dos personagens. Os personagens de Plínio já são mais desbocados e não se reprimem quanto ao linguajar. Temos aí uma visão crítica desse tipo de sociedade, há uma alusão de que o ambiente num bordel é como uma várzea. Conclui-se, portanto, que tanto em Sartre, quanto em Plínio Marcos, os personagens são mal vistos pela sociedade, sofrem preconceito e são considerados elementos ruins para a população. 2. Teatro e cinema: intersecções. O cinema vem crescendo e aprimorando cada vez mais as produções da dramaturgia. Essas adaptações vêm desde as peças Shakespearianas, como as adaptações de Romeu e Julieta, Ottelo, Macbeth e outras obras. Literatura Contemporânea - Unidade Nº 2 - Do Teatro à Prosa No cenário nacional, podemos apresentar vários nomes, como: ● Dias Gomes, com “O Pagador de Promessas” - Adaptado no cinema por Anselmo Duarte; ● Ariano Suassuna, com “O Auto da Compadecida” - Adaptado no cinema por Guel Arraes; ● Nelson Rodrigues, com “A Falecida” - Adaptado no cinema por Leon Hirszman; ● Plínio Marcos, com “Navalha na Carne” - Adaptado no cinema por Neville D’Almeida; ● Gianfrancesco Guarnieri, com “Eles não Usam Black-tie” - Adaptado no cinema por Leon Hirszman. Além desses nomes, temos muitos outros para destacar, mas nesta unidade, daremos um destaque maior para Dias Gomes, com a sua peça “O Pagador de Promessas”. Antes de saber sobre a sua obra, quem foi Dias Gomes? Alfredo de Freitas Dias Gomes nasceu em Salvador, na data de 19 de Outubro de 1922. Foi dramaturgo, romancista, autor de novelas e membro da Academia Brasileira de Letras. Foi casado com a escritora Janete Clair. Dias Gomes escreveu obras importantíssimas para a dramaturgia brasileira, além de “O Pagador de Promessas”, destacam-se: ➔ A Comédia dos Moralistas (sua primeira peça); ➔ Zeca Diabo; ➔ Dr. Ninguém; ➔ O Berço do Herói (adaptado como Roque Santeiro, na televisão). Faleceu em um acidente automobilístico em 1992, na cidade de São Paulo. Literatura Contemporânea - Unidade Nº 2 - Do Teatro à Prosa Figura 2 - Dias Gomes - Fonte: Memória Globo 2.1. O Pagador de Promessas, de Dias Gomes. A obra de Dias Gomes, o Pagador de Promessas, teve uma forte influência no cenário cinematográfico brasileiro. Essa influência foi tão forte que consagrou o filme como vencedor do Festival de Cannes, em 1962. A obra conta a história de Zé do Burro, um matuto do interior da Bahia. Por conta da sua humildade e ignorância, o personagem fez uma promessa para salvar a vida do seu burro Nicolau. O Pagador de Promessas se passa na Bahia, na Igreja de Santa Bárbara. Zé do Burro tem este nome devido à paixão que tem pelo seu burro Nicolau, que ficou doente. Então, Zé do Burro resolve frequentar um terreiro de candomblé e fazer uma promessa à Santa Bárbara (ou Iansã), dividindo-a em duas partes, são elas: ➔ Primeira Parte: dar à igreja uma grande cruz; ➔ Segunda Parte: dividir suas terras com seus companheiros. Zé do Burro sequer esperou seu animal se recuperar e já foi dividindo suas terras. Quanto à primeira promessa, numa madrugada, véspera da festa de Santa Bárbara, foi acompanhado de sua esposa Rosinha, levar a cruz para a igreja. Ao chegar nas escadarias da igreja, encontraram com Bonitão, um cafetão muito bem aparentado, que, ao ver Rosinha esgotada, resolve levá-la para um hotel - ao que fica subentendido que ela cometeria adultério. Literatura Contemporânea - Unidade Nº 2 - Do Teatro à Prosa Quando a igreja se abre, Zé do Burro é impossibilitado de entrar com a cruz, então junta-se uma multidão que fica dividida entre a compaixão e a repulsa pelo ato de Zé do Burro. Ao descobrir que a promessa foi feita em um terreiro de candomblé e para um burro, Zé do Burro foi acusado de diversas formas, por mexer com feitiçaria, ter pacto com o demônio, ser macumbeiro, entre outras blasfêmias. A história termina com o assassinato de Zé do Burro e os fiéis conseguindo adentrar à igreja com a sua cruz - exceto Rosinha. Diante de tal conquista, foi confirmado o pagamento da promessa. O Pagador de Promessas nos faz refletir acerca de diversos temas que são pertinentes nos dias de hoje, sendo eles: ● Sincretismo Religioso: Dias Gomes mistura a doutrina afrodescendente com a doutrina cristã; ● Sensacionalismo da Imprensa: quando o repórter da trama vende a falsa notícia sobre Zé do Burro; ● Falta de comunicação de Zé do Burro: por ser ignorante, não tem um discurso muito bom para se comunicar; ● Intolerância Religiosa: aqui vemos a religião como opressora e intransigente, quando o fiel torna-se cego e não se permite aceitar crenças alheias. Literatura Contemporânea - Unidade Nº 2 - Do Teatro à Prosa Figura 3 - Pôster do Filme “O Pagador de Promessas” - Dirigido por Anselmo Duarte Fonte: Adoro Cinema. Aproveite essas informações e assista ao filme “O Pagador de Promessas”, dirigido por Anselmo Duarte. Faça uma reflexão crítica sobre os conteúdos que apresentamos. O filme está disponível no Youtube para acesso gratuito. Bom filme! A seguir, faremos uma análise dos principais personagens para uma melhor compreensão dos aspectos sociais da obra: Zé do Burro Representa a classe humilde do interior, do homem chucro que não teve estudos, o ignorante. Nicolau Na obra, o burro Nicolau representa uma forma de adoração, também, pode-se representar o amor. Rosinha Representa a mulher submissa, que deve sempre acompanhar seu companheiro e que foi levada na lábia (no caso, pelo Bonitão). Bonitão O malandro e manipulador, que conseguiu atrair a mulher de Zé do Burro (na obra fica subentendido que o mesmo manteve relações com Rosinha). Padre Olavo Representa a opressão religiosa. Literatura Contemporânea - Unidade Nº 2 - Do Teatro à Prosa O núcleo de O Pagador de Promessas retrata o Brasil da religião como hipocrisia, onde a diversidade religiosa deveria unir as pessoas e não separá-las. O Brasil, como um país com intensa diversidade religiosa (com as religiões de matriz africana, a religião proveniente dos indígenas e o cristianismo) que possui valores e crenças diferentes, traz uma grande separação de povos. Contudo, o protagonista não consegue discernir essa separação política da igreja, focando unicamente na sua fé. Apesar de a obra se passar na década de 1960, repercute em comportamentos nos dias atuais, visto que ainda há essa intolerância religiosa. Vemos o desrespeito principalmente contra as religiões de matriz africana, sobretudo quando são noticiados casos de vandalismo a imagens do candomblé e aos terreiros. Por fim, o que faz a obra ser tão impactante é saber que toda essa ideologia e intransigência ainda persiste, o que significa que as pessoas ainda estão longe de se unirem e respeitarem as crenças alheias. 3. Evolução da forma poética na contemporaneidade A era contemporânea, como já citada antes, se opõe às épocas literárias anteriores. No gênero poético,temos uma revolução na maneira de fazer poesia. Aqui, dividimos em duas categorias a saber: ● Poesia Concretista: Originária da década de 1950, a poesia concretista foi inaugurada com o surgimento da Revista Noigrandes (1952), na Exposição Nacional de Arte Concreta, no MASP, em São Paulo. Literatura Contemporânea - Unidade Nº 2 - Do Teatro à Prosa Figura 4 - Capa da Revista Noigrandes - Fonte: Expurgação Veja o vídeo NOIGRANDES, narrado por Augusto de Campos. Assista aqui. O foco da poesia concretista visava quebrar todos os paradigmas da época. Contudo, foi criado o termo VerbiVocoVisual - Significado, Som e Imagem. A poesia já não tinha caráter lírico, tampouco admitia forma, ela tinha mais apelo visual, era considerada uma poesia palpável. Dos grandes nomes da poesia concretista, podemos destacar: Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de Campos. ● Poesia Marginal: A principal característica da poesia marginal é a sua autonomia, ou seja, seu caráter independente. Os autores costumavam produzir suas obras a partir de mimeógrafos e xérox e, por fim, eles mesmos saiam para vender suas poesias. Tal como a poesia concretista, a poesia marginal não tinha regras, sendo considerada como poesia livre. Outra característica da poesia concretista é o foco na poesia urbana, com referências ao cotidiano de grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba. Na poesia marginal, destacam-se os autores: Chakal, Cacazo e Paulo Leminski. Não discuto não discuto com o destino o que pintar eu assino PAULO LEMINSKI Comentado [1]: Não há link Comentado [2R1]: Para nós está aparecendo. Tente dar um clique duplo em cima do "aqui". Vai abrir uma janela no próprio docs com o link. https://www.youtube.com/watch?time_continue=22&v=9W786KyKrAs Literatura Contemporânea - Unidade Nº 2 - Do Teatro à Prosa O Haikai é uma forma curta de poesia. O termo veio do Japão e conta com frases curtas (geralmente três ou quatro linhas). Essa forma é muito utilizada pelo escritor Paulo Leminski. A seguir, veremos alguns exemplos de poesias concretas e poesias marginais, faremos uma comparação entre essas poesias de caráter visual, com as poesias tradicionais, oriundas de outras épocas literárias. 3.1. A poesia de se ler e a poesia de se ver Como já citado, tanto a poesia concreta quanto a poesia marginal têm como objetivo chocar e transformar a poesia em algo palpável. Poetas como Augusto de Campos, Paulo Leminski, Haroldo de Campos e outros, usavam esses artifícios para causar impacto aos leitores. Décio, Haroldo e Augusto, antes de iniciarem o que chamamos hoje de concretismo, pertenciam ao Clube de Poesia, que contava com poetas da Geração de 45. Por não concordarem com o conservadorismo do clube, Décio, Haroldo e Augusto inauguraram o movimento concretista. As formas peculiares do movimento trazem a mensagem por meio da forma - não a forma lírica, mas sim visual. A seguir, destacamos alguns exemplos de poesia concretista. ➔ Décio Pignatari: Figura 5 - Décio Pignatari - Fonte: Ateliê Literatura Contemporânea - Unidade Nº 2 - Do Teatro à Prosa Figura 6 - Poema “Beba Coca Cola” de Décio Pignatari - Fonte: Blog do IMS Repare que neste poema, Décio fez uma referência - de modo irônico - ao capitalismo americano e à vida moderna. Temos as referências do “caco”, sobre o vidro da garrafa, o termo “babe”, que pode significar tanto o ato de babar, quanto superestimar algo (babar por algo) e, por fim o termo “cloaca”, referindo-se ao órgão do frango, como uma referência a tudo o que é sujo e podre. ➔ Haroldo de Campos: Figura 7 - Haroldo de Campos - Fonte: Veja SP Literatura Contemporânea - Unidade Nº 2 - Do Teatro à Prosa Figura 8 - Nasce Morre - Haroldo de Campos - Fonte: Expurgação Já no poema acima, nota-se que Haroldo de Campos tomou muito cuidado com a estética visual do poema - para não confundir com a estética lírica, que era contrária ao construtivismo. Começa o poema com a sílaba “se” e finaliza com a mesma sílaba. Enquanto o meio do poema, temos a sílaba “re”. Essa alusão refere-se a tudo que tem o prefixo “re” como algo que tem um novo começo. ➔ Augusto de Campos: Figura 9 - Augusto de Campos - Fonte: O Globo Literatura Contemporânea - Unidade Nº 2 - Do Teatro à Prosa Figura 10 - Augusto de Campos - Lixo Luxo - Fonte: Nossa Brasilidade No poema “Lixo Luxo” de Augusto de Campos, nota-se a referência do luxo como banalidade, referindo que ter uma vida de status ou viver de maneira fútil não leva a lugar algum, ou seja, não traz o principal, que é um desenvolvimento pessoal. Por fim, o excesso dessa banalidade não faz nada mais do que transformar aquilo em lixo, em algo descartável, sem importância. ➔ Paulo Leminski: Figura 11 - Paulo Leminski - Fonte: Brasil de Fato Leia a seguir uma criação artística do poeta (MOVIMENTO, 2019): INCENSO FOSSE MÚSICA isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além Literatura Contemporânea - Unidade Nº 2 - Do Teatro à Prosa Essa é uma das poesias mais famosas de Leminski. Incenso Fosse Música tem, como já citado antes, a estética da poesia curta japonesa, o Haiku - no português haikai ou haicai. Esta poesia foi publicada em seu livro Distraídos Venceremos. A mensagem passada pelo poema é que devemos sempre ser quem realmente somos, sem medo e sem pudor. Se houver essa sinceridade interior, seremos devidamente recompensados. Ou seja, em poucas palavras, Leminski atrai o leitor para que ele faça uma autorreflexão e, melhor que muito livro de autoajuda, uma grande exploração pelo autoconhecimento. Além dos nomes já citados, tivemos também Ferreira Gullar dentro deste movimento, com a sua obra mais famosa “Poema Sujo”. Porém, Ferreira Gullar se distanciou do movimento concretista e deu início ao movimento do neoconcretismo, que se opunha às ideias da poesia concreta. Veja um trecho de “Poema Sujo”, pertencente ao livro de mesmo nome, escrito entre maio e outubro de 1975, durante o período de exílio do poeta na Argentina : Poema sujo turvo turvo a turva mão do sopro contra o muro escuro menos menos menos que escuro menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo escuro mais que escuro: claro Literatura Contemporânea - Unidade Nº 2 - Do Teatro à Prosa como água? como pluma? claro mais que claro claro: coisa alguma e tudo (ou quase) um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas azul era o gato azul era o galo azul o cavalo azul teu cu tua gengiva igual a tua bocetinha que parecia sorrir entre as folhas de banana entre os cheiros de flor e bosta de porco aberta como uma boca do corpo (não como a tua boca de palavras) como uma entrada para eu não sabia tu não sabias fazer girar a vida Literatura Contemporânea - Unidade Nº 2 - Do Teatro à Prosa com seu montão de estrelas e oceano entrando-nos em ti bela bela mais que bela mas como era o nome dela? Não era Helena nem Vera nem Nara nem Gabriela nem Tereza nem Maria Seu nome seu nome era… Perdeu-se na carne fria perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia perdeu-se na profusão das coisas acontecidas constelações de alfabeto noites escritas a giz pastilhas de aniversário domingos de futebol enterros corsos comícios roleta bilhar baralho mudou de cara e cabelos mudou de olhos e risos mudou de casa e de tempo: mas está comigo está perdido comigo teu nome em alguma gaveta Literatura Contemporânea - Unidade Nº 2 - Do Teatro à Prosa [...] Ainda, dos poetas do concretismo da atualidade, vale destacar Arnaldo Antunes, com seu livro Psia. Veja como o livro foi apresentado: Psia é feminino de psiu; que serve para chamar a atenção de alguém,ou para pedir silêncio. Eu berro as palavras no microfone da mesma maneira com que as desenho, com cuidado, na página. Para transformá-las em coisas, em vez de substituírem as coisas, Calos na língua; de calar. Alguma coisa entre a piscina e a pia. Um hiato a menos. Arnaldo Antunes, 1986 A inovação poética do concretismo não trouxe apenas a inovação em se fazer poesia, e sim uma diversidade sinestésica em se compreender a arte. Contudo, a poesia tem uma gama bem ampla de estilos. Continuando com o assunto da poesia, veremos a seguir um estilo diferente do gênero, denominado de “poema em prosa” ou “prosa poética”. Literatura Contemporânea - Unidade Nº 2 - Do Teatro à Prosa 3.2. Poema em prosa e prosa poética Temos na poesia a possibilidade de mantê-la em versos ou em prosa. Uma vez que a poesia assume a forma de prosa, é denominada como “prosa poética”. Esse gênero assume as seguintes características: ➔ Conteúdo Lírico ou Emotivo; ➔ Recreação Lírica da Realidade; ➔ Utilização artística do Poético; ➔ Linguagem Conotativa. (Fonte: Recanto das Letras) Em função dessa última característica, atribuímos à prosa poética a capacidade de sonorizar a poesia. Essa sonoridade traz ao leitor a possibilidade de interagir com a poesia. Visto que nas poesias do concretismo e na poesia marginal, o uso da imagem como atração à poesia, na prosa poética prevalece a sinestesia como foco artístico, dessa vez com o som das palavras. Quer saber um pouco mais sobre o conceito de prosa poética, na contemporaneidade, não deixe de ler o livro “Tu não te Moves de Ti” de Hilda Hilst. 4. Tendências na produção poética na contemporaneidade A poesia nunca será abandonada e tão pouco esquecida entre os escritores. Como vimos, nos moldes atuais, assumiu um caráter totalmente diferente do convencional: adotou formatos inovadores e interativos. Foucault diz que: Traremos, ainda, resumidamente, para o debate, algumas ressalvas e propostas para o procedimento do leitor e do crítico, sempre visando o mais amplo acolhimento da poesia contemporânea, no esforço de compreender a linguagem poética no espaço- Literatura Contemporânea - Unidade Nº 2 - Do Teatro à Prosa tempo presente, no entre lugar do pensamento que aloja, nem sempre de maneira harmoniosa, as formas de expressão contemporâneas em sua relação com as palavras e as coisas (FOUCAULT, 1981). Isso significa que a sociedade atual está cada vez mais distante da poesia como um todo, isso tudo devido ao grande avanço tecnológico. Somos capazes de ler qualquer obra de qualquer lugar do mundo e em qualquer dispositivo. Não só como leitores, somos também autores - pois é muito natural termos um blog e postarmos as nossas histórias (sejam elas reais ou não). De qualquer forma, hoje tudo é muito fácil e vago. Os conteúdos que escrevemos muitas vezes são triviais. Gostamos de criar um imaginário e nos colocamos como personagem principal desse conto de fadas. A poesia é mais crítica quanto a essa elaboração, já não temos tempo para se importar com a arte, com as emoções, com a beleza da poesia. Dessa forma, não há como guardar um tempo para analisar os conceitos atuais e aplicá-los em poesia. Dessa forma, é necessário que a poesia esteja presente, de fato, no contexto atual. É necessário que ela seja lembrada e analisada por escritores contemporâneos. Síntese Nesta unidade, você aprendeu sobre o conceito da dramaturgia marginal de Plínio Marcos e pôde fazer uma síntese sobre a sua peça “Navalha na Carne” e a peça “Entre Quatro Paredes” de Jean Paul Sarte. Conheceu também as características das poesias concretistas e marginais e seus principais escritores. Aprendeu que a poesia não é assim denominada apenas quando composta por palavras, mas que podemos denominar como poesia as imagens e os sons, desde que estes nos transmitam as mensagens. Descobriu que a dramaturgia de Dias Gomes em “O Pagador de Promessas” foi consagrada e adaptada para o cinema, na direção de Anselmo Duarte, e recebeu prêmios importantíssimos, como no Festival de Cannes, em 1962. E que este reconhecimento veio também da forma e do impacto que a peça trouxe ao espetáculo. Nesta Unidade, aprendemos que: ● Plínio Marcos teve uma forte influência na poesia marginal e suas obras foram cruciais para uma reflexão social, até os dias atuais; ● Sartre, com o seu existencialismo, também atribuiu uma forte crítica à sociedade francesa, trazendo em seus personagens uma reflexão forte sobre ética; Literatura Contemporânea - Unidade Nº 2 - Do Teatro à Prosa ● O construtivismo e a poesia marginal apresentam maneiras inovadoras de criar poesia com imagens e estruturas. Literatura Contemporânea - Unidade Nº 2 - Do Teatro à Prosa Bibliografia ADORNO, Theodor W. Notas de Literatura I. São Paulo: Editora 34; Editora Duas Cidades, 2003. Disponível em: <https://books.google.com.br/books/about/Notas_de_literatura_I.html?id=TOgg7ZX EfmYC&redir_esc=y>. Acesso em 20.06.2019. MARQUES, Davina. Entre literatura, cinema e filosofia: Miguilim nas telas. Tese de doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, 2013. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8156/tde-22042013-093606/pt- br.php>. Acesso em: 20.06.2019. RIBAS, Maria Cristina Cardoso. Poesia no século XXI: modos de ser, modos de ver. Contexto. Universidade Federal do Espírito Santo, 2013/1, p. 39-74. Disponível em: <http://periodicos.ufes.br/contexto/article/view/8244>. Acesso em: 21.06.2019. MEMÓRIAS DA DITADURA. Plínio Marcos. Disponível em: <http://memoriasdaditadura.org.br/personalidades/plinio-marcos/>. Acesso em: 19.06.2019. SARTRE, Jean Paul. Entre Quatro Paredes. Disponível em: <http://www.netmundi.org/home/wp-content/uploads/2017/07/Entre-Quatro- Paredes.pdf>. Acesso em: 19.06.2019. MARCOS, Plínio. Navalha na carne. Disponível em: <http://joinville.ifsc.edu.br/~luciana.cesconetto/Textos%20teatrais/Plínio%20Marcos/ PLÍNIO%20MARCOS%20-%20Navalha%20na%20carne.pdf>. Acesso em: 19.06.2019. MOVIMENTO REVISTA. Incenso Fosse Música, Leminski. 7 junho de 2019. Disponível em: <https://movimentorevista.com.br/2019/06/incenso-fosse-musica/>. Acesso em: 03 jul. 2019. Referências imagéticas: Literatura Contemporânea - Unidade Nº 2 - Do Teatro à Prosa Figura 1 - Homo literatus. Plínio Marcos, o poeta do submundo ou caviar na marmita. Disponível em: <https://homoliteratus.com/plinio-marcos-o-poeta- submundo-ou-caviar-na-marmita/> Acesso em: 19 jun. 2019. Figura 2 - Memória Globo. Dias Gomes. Disponível em: <http://memoriaglobo.globo.com/perfis/talentos/dias-gomes.htm>. Acesso em: 03 jul. 2019. Figura 3 - ADORO CINEMA. O Pagador de Promessas. Disponível em: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme- 3759/fotos/detalhe/?cmediafile=19906076>. Acesso em: 03 jul. 2019. Figura 4 - EXPURGAÇÃO. Concretismo: Noigrandes. Disponível em: <http://expurgacao.art.br/concretismo-noigandres/#prettyPhoto/0/>. Acesso em: 03 jul. 2019. Figura 5 - ATELIÊ. Especial Décio Pignatari. Disponível em: <https://www.atelie.com.br/livro/especial-decio-pignatari/>. Acesso em: 03 jul. 2019. Figura 6 - BLOG DO IMS. Pignatari: Temperamental e múltiplo, por André Dick. Disponível em: <https://blogdoims.com.br/pignatari-temperamental-e-multiplo-por- andre-dick/>. Acesso em: 03 jul. 2019. Figura 7 - VEJA SP. 10 - 100 H. Disponível em: <https://vejasp.abril.com.br/atracao/10- 100-h/>. Acesso em: 03 jul. 2019. Figura 8 - EXPURGAÇÃO. Estrutura do poema visual concreto. Disponível em: <http://expurgacao.art.br/estrutura-do-poema-visual-concreto/>. Acesso em: 03 jul. 2019. Figura 9 - O GLOBO. Aos 84 anos, Augusto de Campos lança livro inédito e fala sobre trajetória da poesia concreta. 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