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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA DA SAÚDE – PPGPS LINHA DE PESQUISA: TRABALHO, SAÚDE E SUBJETIVIDADE MEMORIAL: O TRABALHO E A SAÚDE: EXPERIÊNCIAS DE PESQUISAS E INTERVENÇÕES SILNARA ARAÚJO GALDINO Memorial apresentado como exigência para a disciplina O trabalho e a saúde: experiências de pesquisas e intervenções, do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde da Universidade Estadual da Paraíba ministrada pelo Prof º. Dr. Francinaldo do Monte Pinto. CAMPINA GRANDE/PB 2021 2 MEMORIAL: O TRABALHO E A SAÚDE: EXPERIÊNCIAS DE PESQUISAS E INTERVENÇÕES Minhas considerações aqui partem do objetivo geral da disciplina que foi: Colocar em discussão as relações entre o processo trabalho saúde/doença mental, em diferentes perspectivas teórico-metodológicas e categorias profissionais, através de pesquisas e intervenções desenvolvidas por pesquisadores e profissionais do campo da saúde e trabalho. A partir das discussões realizadas, ao longo da disciplina, apresentarei algumas breves reflexõões relativas a cada tópico trabalhado e que trouxeram esclarecimentos necessários para a compreensão do campo da saúde e trabalho e suas interfaces. 1. O TRABALHO E SAÚDE Segundo Doppler (2007), existem concepções que se mostram complexas sobre as relações entre a saúde e trabalho. A mais difundida e amplamente aceita, é de que o trabalho é um elemento prejudicial a saúde, no entanto, o trabalho também pode ser admitido como fonte de saúde e realização pessoal, sendo esta concepção bem menos difundida. O trabalho vem passando por modificações ao longo da história, o modelo existente desde o século XIX, a partir da década de 1970, começa a entrar em declínio, principalmente no contexto do trabalho nas industrias, com surgimento do desemprego em massa, de atividades denominadas “não produtivas” e formas precárias de trabalho (trabalho temporário, contrato com duração determinada, terceirização entre outras). Para melhor realizar o estudo, discussões e intervenções nesse campo, será necessário, de acordo com a autora, uma abordagem interdisciplinar que contemple diferentes pontos de vista acerca da relação saúde e trabalho, destacando-se no texto os pontos de vista oriundos da toxicologia, medicina do trabalho, psicodinâmica e ergonômia. Já a saúde é vista para além do conceito apresentado pela OMS, como algo a ser construído ao longo de toda a existência, uma conquista permanente, um objetivo a ser alcançado como trazido por Dejours (1993). 3 Canguilhem (2011) enfatiza que a principal característica do humano não é sua capacidade de se adaptar ao meio, mas de criar um meio para “melhor” viver. Segundo ele, o que caracteriza a saúde é justamente a possibilidade de criação e recriação de mundos, a capacidade de instituir novas normas de vida frente às “infidelidades do meio”, ou seja, frente a um mundo sempre em transformação. 2. CONTRIBUIÇÕES LOUIS LE GUILLANT PARA O DESENVOLVIMENTO DA PSICOLOGIA DO TRABALHO Le Guillant procurou desenvolver pesquisas no campo do que se passou a denominar “Psicopatologia do Trabalho” (PPT), sempre levando em consideração uma perspectiva sociogenética dos problemas mentais. Buscava estabelecer conexão entre os problemas psicopatológicos, as condições de existência e as situações vividas pelo sujeito. Com isso, objetivava estabelecer nexos causais reais, que ligassem fatos realmente vividos, em um determinado ambiente a uma situação concreta de adoecimento. Assim, poderia realizar o que chamou de “nova clínica”, que levasse em consideração situações reais de vida e trabalho. Nesse sentido, segundo Bendassolli e Soboll (2011) o autor contribuiu com o que se pode chamar de uma uma abordagem “especificamente” clínica do trabalho, insistindo na indivisível união entre o indivíduo e seu meio. Inspirado em tradições do materialismo histórico-dialético, Le Guillant acredita que o psiquismo é um reflexo da realidade material, sendo condicionado pelas normas e condições sociais. O autor propõe que o (clínico) do trabalho parta das situações concretas vivenciadas pelo trabalhador, visto que nelas serão encontradas diversas manifestações patológicas. Algumas de suas investigações tornaram-se bem conhecidas, como a hipótese da neurose das telefonistas. Nesse tipo de neurose, Le Guillant havia identificado a inscrição, na estrutura organizativa do trabalho, da fadiga nervosa vivenciada por aquelas profissionais. próprio trabalho e as relações objetivas criadas entre o trabalhador e seu mundo laboral. 3. Ergonomia 4 Segundo Montmollin (2005), Ergonomia foi a denominação da primeira associação que reunia profissionais de várias disciplinas, na Inglaterra do pós- segunda guerra, entre elas podemos destacar a Psicologia, Fisiologia e Engenharias, com intuito de chegar a um projeto revolucionário para a época: adaptar o trabalho ao homem e não ao inverso, como até então operava a Psicotécnica. A análise ergonômica, como nos explica Montmollin (2005) tem duas grandes abordagens: uma, identificada com as experiências dos americanos e britânicos, centrada no fator humano do sistema homem-máquina; e outra que se desenvolveu a partir dos países francófonos, privilegiando a análise da atividade situada, tendo como foco a interação dinâmica entre sujeito e tarefa. O objetivo da primeira abordagem era adaptar os dispositivos tecnológicos às características e limites dos seres humanos no trabalho, já a segunda, traz como uma das principais contribuições a diferenciação entre trabalho prescrito e trabalho real (avançando posteriormente para os conceitos de tarefa e atividade), sendo imprescindível a análise da situação concreta de trabalho. Para dar sustentação à ação ergonômica, desenvolveu-se a Análise Ergonômica do Trabalho (AET), cujo princípio é “compreender para transformar”. O objetivo era dar visibilidade às dificuldades e estratégias desenvolvidas para gerir a distância entre a tarefa prescrita e atividade, aí constituindo o chamado ponto de vista da atividade. Para a Ergonomia da Atividade, “o trabalho nunca é simples execução das instruções” (Daniellou, 2004). O trabalho é compreendido como uma das atividades humanas em que o objetivo é determinado socialmente assim como as normas e condições para sua execução, mas o resultado do trabalho é sempre singular. Os objetos produzidos trazem em si traços da atividade de quem o produziu (Mendes, 2014). 4. Psicodinâmica do Trabalho Juntamante com a Ergonomia, a Psicopatologia doTrabalho formou a base inicial mais influente da tradição das clínicas do trabalho desenvolvidas na França. Emergindo no pós-segunda-guerra por psiquiatras como Le Guillant, Sivadon e Fernandez-Zöila, a Psicopatologia do Trabalho (PPT) concentrou 5 sua atenção nos modos como o trabalho capitalista contribuía para o adoecimento psíquico (Mendes, 2007). No final dos anos 1970, a “segunda geração” da Psicopatologia do Trabalho, especialmente a corrente liderada por Dejours, descobriu que os trabalhadores não se revelavam passivos frente aos constrangimentos organizacionais, desenvolvendo sistemas defensivos coletivos (de tipo estratégico) para se proteger destes constrangimentos e dos riscos de adoecerem. O foco, portanto, deixa de ser a busca pela detecção de doenças mentais ocasionadas pelo trabalho e passa a ser o sofrimento e as defesas contra o sofrimento no trabalho, ou ainda, a normalidade e não a doença mental. Aos poucos, Dejours inverte a pergunta-chave da psicopatologia do trabalho, passando de como o trabalho “enlouquece” os trabalhadores, para como os trabalhadores, mesmo quando sujeitos às mais diversas pressõespatogênicas no trabalho, conseguem evitar a doença mental e a loucura. É a normalidade, portanto, que emerge como enigma na relação entre saúde e trabalho. 5. Ergologia A Ergologia tem uma proposta que associa à atividade de trabalho os valores e os saberes, incorporando e aprofundando as contribuições da Ergonomia, tomando-a como uma “propedêutica pertinente” (Schwartz, 1996) a uma epistemologia interessada nas vinculações entre as gestões macro e micro do trabalho humano. Nesse sentido, a Ergologia reafirma o pressuposto da ergonomia de que há uma distância entre o trabalho prescrito e o real e, acrescenta mais três hípoteses: a) essa distância é sempre parcialmente singular porque não é possível antecipá-la totalmente, está sempre introduzida na história daquele que trabalha; b) aquele que faz a gestão dessa distância obedece a uma racionalidade que atravessa o intelectual, o biológico e o cultural, o corpo-si e c) há sempre valores em jogo na atividade (Schwartz & Durrive, 2010, pp.42- 45). Telles e Alvarez (2004) consideram a noção de “normas antecedentes” mais abrangente que a de trabalho prescrito e ressaltam que não há diferença 6 de natureza entre ambas. Tanto o conceito de trabalho prescrito quanto a expressão normas antecedentes remete ao que é dado, exigido, apresentado ao trabalhador, antes do trabalho ser realizado. Segundo Brito (2006), as normas antecedentes se constituem em patrimônio coletivo à medida que se referem “aos saberes técnicos, científicos e culturais historicamente incorporados ao fazer”. Referências Bendassolli, P. F. & Soboll, L.A.P. (2011) Clínicas do trabalho: filiações, premissas e desafios. In: Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, vol. 14, n.1, p. 59-72. Brito J. (2004) Saúde do trabalhador: reflexões a partir da abordagem ergológica. In: Brito J, Figueiredo M, Athayde M, organizadores. Labirintos do trabalho: interrogações e olhares sobre o trabalho vivo. Rio de Janeiro: DP&A (p. 91-114). Brito, J. E. (2006) Reflexões epistemológicas sobre a ergologia. Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação, 29, Caxambu. Anais. Rio de Janeiro: ANPED. Canguilhem G. (2011) O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense. Daniellou, F. (2004) Introdução. Questões epidemiológicas acerca da Ergonomia. In F. Daniellou (coord.), A Ergonomia em busca de seus princípios: debates epistemológicos; São Paulo: Edgar Blücher (p. 1-18). Mendes, A. M. (2007) Novas formas de organização do trabalho, ação do trabalhadores e patologias sociais. In: MENDES, Ana Magnólia (org.). Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisas. São Paulo: Casa do Psicólogo; p. 49-61. Montmollin M. (2005) Ergonomias. In: Castillo JJ, Villena J, organizadores. Ergonomia: conceitos e métodos. Lisboa: Dinalivros (p.36-46). Schwartz, Y. (1996). Trabalho e valor. Tempo social. 8, 2, 147-158. https://doi.org/10.1590/ts.v8i2.86429 Schwartz, Y., & Durrive, L. (2010). Trabalho e Ergologia: conversas sobre atividade humana. Niterói: EdUFF. Schwartz, Y. (2014). Motivações do conceito de corpo-si: corpo-si, atividade, experiência. Letras de hoje. 49, 3, 259-274. https://doi.org/10.15448/1984- 7726.2014.3.19102 https://doi.org/10.15448/1984-7726.2014.3.19102 https://doi.org/10.15448/1984-7726.2014.3.19102 7 Telles, A. L., & Alvarez, D. (2004). Interfaces ergonomia-ergologia: discussão sobre trabalho prescrito e normas antecedentes. In M. Figueiredo, M. Athayde, J. Brito, & D. Alvarez (orgs). Labirintos do trabalho:interrogações e olhares sobre o trabalho vivo (pp. 63-90). Rio de Janeiro: DP&A.
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