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Prof. Manoel M. Ferreira Jr (Física Moderna: Modelo atômico de Thomson e Rutherford) 1 Modelos atômicos de Thomson e Rutherford: a Descoberta do Núcleo Atômico Prof. Manoel M. Ferreira Jr 1 Introdução Os estudos sobre a estrutura atômica, na era moderna, iniciaram-se de maneira mais decisiva e objetiva com a proposição do modelo atômico de J.J.Thomson, por volta de 1903. Neste ano, Thomson sugeriu que os elétrons estariam dispersos em uma matriz contínua de matéria positivamente carregada, como passas em um pudim, nascendo desta analogia a denominação “pudim de passas”, pela qual o átomo de Thomson ficaria imortalizado. Importante destacar que, quase ao mesmo tempo, Hantaro Nagaoka (1865-1950), em Tóquio, propunha um modelo saturniano (planetário) 1 para o átomo, segundo o qual os elétrons girariam em órbitas circulares em torno de uma carga central positiva. O processo histórico-científico mostrou que o modelo de Nagaoka 2 aproximava-se muito mais da realidade do átomo real que o modelo de Thomson. Entretanto, a idéia de Nagaoka não despertou muito interesse, permanecendo esquecida e desacredita até que o cientista neo-zelandês Ernest Rutherford a relançasse 10 anos depois para explicar os resultados dos experimentos com partículas- realizados por Marsden e Geiger (jovens assistentes de Rutherford). Logo após a chegada de Rutherford a Manchester, em 1907, o seu grupo de pesquisa recebeu dois novos assistentes: Hans Wilhelm Geiger (1882-1945), um jovem pós-doc, e Ernest Marsden (mais jovem ainda), cujo programa de pesquisa consistia em analisar o espalhamento sofrido por partículas- enquanto estas atravessam finas folhas metálicas. Rutherford dedicava-se ao estudo das partículas- desde 1899, tendo sido o primeiro a identificá-las como um núcleo de hélio duplamente ionizado 3 . Este fenômeno havia sido estudado primeiramente por Rutherford durante a sua estadia em McGill, Canadá, por volta de 1906. Partículas- emitidas por uma fonte radioativa de rádio eram colimadas através de fendas estreitas, de modo que somente um feixe estreito de partículas era obtido. Este feixe era então lançado sobre uma fina folha de metal, onde sofria diversos espalhamentos com as partículas constituintes, resultando em partículas espalhadas em várias direções diferentes (o feixe inicial é desdobrado num leque de feixes). As partículas espalhadas eram então detectadas por uma tela de sulfeto de zinco, material que cintilava (emitia uma pequena centelha de luz visível) quando atingido por uma partícula- . Já em 1908, Geiger relatou que o número de partículas- espalhadas diminuía dramaticamente com o aumento do ângulo de espalhamento (medido a partir da direção do feixe incidente). Deste modo, raros casos de espalhamento eram observados em ângulos maiores que alguns poucos graus. Na verdade, foi verificado que o ângulo médio de espalhamento girava em torno de 1 o , e que mais de 99% das partículas eram espalhadas em ângulos menores que 3 o . Estes resultados não revelavam qualquer surpresa, uma vez que estavam em bom acordo com o modelo atômico de Thomson, que estava sendo testado. As surpresas começariam a aparecer quando Rutherford estimulou os seus assistentes a procurar por espalhamentos em grandes ângulos, incluindo casos de retro-espalhamento. De acordo com as próprias palavras de Rutherford, proferidas em uma de suas conferências, podemos citar: “... um dia Geiger chegou para mim dizendo: - Você não acha que o jovem Marsden, aquele que estou treinando em métodos de pesquisa radioativa, já está pronto para iniciar uma pequena pesquisa? Eu também já andei pensando sobre isto, respondi. Então disse: - por que não deixamos o jovem Marsden verificar se alguma partícula- pode ser espalhada em um ângulo grande? E eu devo confessar que eu mesmo não acreditava que isto fosse ocorrer, visto que era conhecido que tais partículas eram muito rápidas e massivas, dotadas de uma grande quantidade de energia cinética. Além do mais, era sabido que, sendo o espalhamento observado uma resultante de uma seqüência de pequenos espalhamentos, a chance de ocorrer um retro-espalhamento seria mínima. Então eu lembro que dois ou três dias depois Geiger me procurou cheio de excitação dizendo: “Nós observamos algumas partículas alfa em retro- 1 Em analogia ao movimento dos planetas em torno do Sol, ou dos anéis de Saturno em torno deste planeta. 2 Para saber mais sobre Nagaoka e seu modelo atômico, vide refs. [3,6]. 3 Rutherford mediu primeiramente a razão massa/carga destas partículas, observando que era igual ao dobro da razão massa/carga do hidrogênio. Isto poderia corresponder a um átomo ionizado com massa 2. Como não se conhece nenhum átomo com massa 2, Rutherford concluiu acertadamente que deveria se tratar de um átomo de hélio duplamente ionizado. Prof. Manoel M. Ferreira Jr (Física Moderna: Modelo atômico de Thomson e Rutherford) 2 espalhamento...” Este era de longe o evento mais incrível com o qual já me defrontara em minha vida. Isto era tão incrível quanto atirar num pedaço de papel e a bala ricochetear de volta em sua direção”. 4 Geiger & Marsden depois relataram que de cada 20 mil partículas espalhadas, apenas 1 (uma) recuava em ângulo superior a 90 o (retro-espalhamento). A observação destes raros eventos de retro-espalhamento foi o que levou Rutherford a propor e desenvolver um novo modelo de átomo, muito similar ao átomo de Nagaoka. Para entender melhor o desenrolar histórico desta questão, iniciamos com o estudo do átomo de Thomson, e a verificação do seu fracasso ou inadequação para explicar a realidade da estrutura do átomo. 2.1 Modelo de Thomson No final do século XIX, o elétron já estava estabelecido como partícula fundamental, constituinte do átomo, sendo este o maior legado dos famosos experimentos de J. J. Thomson que culminaram na identificação dos raios catódicos com elétrons, isto em 1897. Havendo um consenso de que os elétrons estariam localizados dentro do átomo, uma questão de primeira grandeza era entender como estes elétrons estariam lá dispostos, ou seja, como seria constituída a estrutura do átomo. Nesta época já havia boas estimativas para o tamanho médio do átomo: de fato, o volume atômico era estimável através da divisão do volume molar de um sólido, dado em centímetros cúbicos por mol, pelo número de Avogrado, obtendo um valor aproximado de 10 -24 cm 3 , cuja raiz cúbica equivale ao tamanho médio estimado para o átomo, ou seja, 10 -8 cm. Sabia-se que os átomos eram eletricamente neutros, logo deveriam apresentar alguma forma de carga positiva, em igual quantidade à carga negativa total dos elétrons. Mas como a massa do elétron é muito pequena, então era lógico considerar a maior parte da massa do átomo como estando carregada positivamente, e ocupando a maior parte do seu volume. Com isso, Thomson propôs que o átomo fosse uma esfera uniforme, carregada positivamente, com um raio de cerca de 10 -8 cm, na qual os elétrons estariam inseridos de forma a obter o arranjo eletrostaticamente mais estável. A Fig. 1 exibe uma ilustração artística do átomo de Thomson, onde fica clara a famosa analogia com a denominação “pudim de passas”. Figura 1: Representação artística do átomo de Thomson Segundo esse modelo, os elétrons deveriam estar distribuídos uniformemente dento do átomo em decorrência da repulsão eletrostática entre eles (cargas de sinais iguais se repelem), que naturalmente iria privilegiar uma configuração de equilíbrio estático. Esta seria a configuração de mais baixa energia; configurações de energia mais alta, correspondentes a átomos excitados, seriam caracterizadas pela oscilação dos elétrons em torno das respectivas posições de equilíbrio, uma espécie de equilíbrio dinâmico estável. Sendo este movimento de vibração acelerado, o mesmo é acompanhado da emissãode radiação eletromagnética, que comporia o espectro atômico. Desta forma, observa-se que o modelo de Thomson consegue explicar a emissão de radiação pelo átomo, mas sem apresentar concordância quantitativa com o que era observado experimentalmente, uma vez que não conseguia explicar a natureza discreta do espectro atômico 5 . Sendo o átomo de 4 Vide ref. [1], pg. 114. 5 Cada átomo possui um espectro próprio, composto por um conjunto discreto de linhas, onde cada uma destas linhas corresponde à radiação de determinada freqüência. O espectro atômico é uma espécie de assinatura única, que pode ser usado para assinalar a presença do átomo correspondente. Prof. Manoel M. Ferreira Jr (Física Moderna: Modelo atômico de Thomson e Rutherford) 3 Thomson um sistema clássico, deveria emitir radiação apenas na mesma freqüência que a radiação incidente sobre o mesmo. Este fato, entretanto, não correspondia aos espectros observados, que apresentam diversas linhas espectrais (evidenciando a emissão em várias freqüências diferentes). Para esclarecer um pouco melhor a limitação do modelo de Thomson no que concerne à explicação da natureza discreta do espectro, vamos tomar como exemplo o caso do átomo de hidrogênio, que possui apenas um elétron. A descrição deste átomo dada pelo modelo de Thomson corresponde a um elétron imerso numa massa de colóide positivo. Tal elétron permanece em movimento de vibração (tipo MHS) em torno do ponto central do átomo. Podemos mostrar que, especificamente neste caso, o modelo de Thomson prevê a vibração do elétron numa única freqüência. Seja r a posição radial deste elétron dentro do átomo (esfera da raio R). Sobre tal elétron, atua a força coulombiana devido à carga contida apenas na esfera de raio r, ou seja: 34 / 3rq r , sendo a densidade de carga volumétrica: 3/(4 / 3)Q R e Q a carga positiva total do átomo. Para ter uma ilustração desta situação, vide Fig. 6. Assim obtemos: 3 3/rq Qr R . Neste caso, a força coulombiana que atua sobre o elétron é dada por: 2/e rF eq r , que implica em: 3e r F eQ r R . Tal força tem uma dependência linear na distância r, o que lhe confere o status de força restauradora, com constante elástica dada por: 3/k eQ R . Na Física, é fato bem conhecido que partículas que sofrem ação de força restauradora executam movimento harmônico simples (MHS). Neste caso, a frequência angular do movimento oscilatório vale: /k m , o que implica na seguinte freqüência de oscilação: 3 1 2 eQ mR No contexto do eletromagnetismo de Maxwell, sabemos que uma carga em movimento oscilatório de freqüência , emite apenas radiação de freqüência . Portanto, concluímos que o átomo de hidrogênio, de acordo modelo de Thomson, poderia emitir radiação apenas numa única freqüência. A incapacidade do modelo de Thomson de explicar o espectro do átomo mais simples já o descredenciava a descrever o espectro de qualquer outro átomo. Esta era uma das graves deficiências do modelo de Thomson, que contribuíram para a sua derrocada. 2.2 A inadequação do Modelo de Thomson Uma pergunta crucial na época era se o átomo era realmente como Thomson imaginara. Será que o modelo de Thomson era adequado para explicar as mais diversas manifestações dos fenômenos atômicos? Já vimos na seção anterior que o mesmo era inadequado para estudar o espectro atômico. E quanto a outros aspectos? A fim de responder a esta pergunta e tentar verificar se o modelo atômico de Thomson correspondia a uma realidade da natureza, H. Geiger e E. Marsden, orientados por Rutherford, iniciaram uma série de experimentos com feixes colimados de partículas- , lançados sobre finas folhas (lâminas) metálicas. Era fato conhecido que a partícula alfa seguia uma trajetória bem definida quando espalhada por algum átomo, trajetória esta que podia ser calculada utilizando a lei de força de Coulomb e as leis de Newton. Baseando-se nesta premissa, a passagem de partícula alfa através de um único átomo de Thomson, como mostrado na Fig. 2.1, é tomado como elemento central de investigação por Geiger & Marsden, uma vez que este quadro certamente permitiria comparar dados experimentais com projeções teóricas obtidas das trajetórias clássicas das partículas observadas em laboratório. Na figura 2, é exibida uma representação esquemática do aparato experimental utilizado nos experimentos de Geiger e Marsden: Prof. Manoel M. Ferreira Jr (Física Moderna: Modelo atômico de Thomson e Rutherford) 4 Fig. 2: Representação esquemática do aparato experimental usado por Geiger & Marsden. Os resultados experimentais observados por Geiger e Marsden mostraram que a grande maioria das partículas, cerca 99 % das mesmas, eram espalhadas em ângulos pequenos (menores que 3 o ), enquanto uma parcela mínima era espalhada em ângulos maiores que 10 o . Destas, algumas eram espalhadas até mesmo em ângulos maiores de 90° (retro-espalhamento), o que realmente causou profunda perplexidade em Rutherford, sendo estes raros eventos decisivos para o desenvolvimento de um novo modelo atômico. Importante destacar que o modelo atômico de Thomson não conseguia explicar espalhamentos em grandes ângulos, como veremos a seguir. Figura 3: Representação artística do espalhamento de uma partícula alfa cruzando um átomo de Thomson, onde o ângulo de espalhamento está concebido em proporção exagerada (para efeito de clareza). O objetivo de Geiger e Marsden com tais experimentos era obter informações sobre a estrutura do átomo que pudessem colocar à prova o modelo atômico de Thomson. Mais especificamente, eles calcularam teoricamente as previsões esperadas para o espalhamento de partículas pelo átomo de Thomson. Verificaram que, sendo o átomo de Thomson muito “macio”, este só poderia produzir espalhamentos em pequenos ângulos (em relação à direção do feixe incidente). Em seguida, compararam esta previsão teórica com os resultados dos seus experimentos, constatando a impossibilidade de explicar os espalhamentos em grandes ângulos. Na interpretação destes resultados, é que entra em cena o talento de Ernest Rutherford. O passo inicial consiste em demonstrar que o átomo de Thomson só é capaz de gerar espalhamentos em ângulos pequenos (cerca de 1°). Para chegar a esta conclusão, é necessário estimar o desvio máximo devido à colisão de uma partícula alfa com um único átomo e, posteriormente, mostrar que nem mesmo uma sucessão de colisões, devido à passagem da partícula- pelos diversos átomos dispostos ao longo da espessura da folha metálica, conduz a um valor apreciável de ângulo de deflexão. 2.2.A Deflexão devido ao choque com 1 (um) elétron Durante o choque com um único átomo, a partícula interage com as cargas negativas (elétrons) e positivas (colóide). A deflexão máxima sofrida por uma partícula alfa em choque com um único átomo, pode ser estimada usando-se as leis da Mecânica Clássica e do Eletromagnetismo de Maxwell. A força coulombiana que atua sobre a partícula alfa é dada pela seguinte fórmula: 2 2 2 ˆ e F r r . (2.1) Prof. Manoel M. Ferreira Jr (Física Moderna: Modelo atômico de Thomson e Rutherford) 5 sendo r a distância entre as partículas interagentes. A princípio, a realização rigorosa deste cálculo usando-se a lei de força coulombiana, pode ser complicado, uma vez que a distância r é variável, e as partículas estão ambas em movimento. No entanto, como a massa do elétron é muito menor que a massa da partícula- (7344 vezes menor), este problema pode ser tratado usando-seum resultado conhecido de colisões. De fato, sendo o elétron muito leve, o mesmo sofre grande desvio devido ao choque (interação) com a partícula alfa, que mantém sua trajetória praticamente inalterada, de acordo as previsões da mecânica clássica. Para estimar o desvio máximo sofrido pela partícula durante um choque elástico com o elétron, vamos tomar como preceito um resultado conhecido: o choque entre duas esferas maciças, uma delas tendo massa muito maior que a outra (m >> me). A figura abaixo ilustra este processo. Após este choque, a partícula mais leve adquire velocidade igual ao dobro da velocidade inicial da partícula pesada. Figura 4: Variação do momento do elétron durante a colisão com a partícula alfa Nesta situação, a variação de momento da partícula alfa é igual à variação do momento do elétron, sendo dada pela expressão, 02 veP m , que equivale ao momento transferido pelo elétron a mesma. O ângulo máximo de deflexão (desvio) max ocorrerá quando a variação do momento ΔP for perpendicular ao momento inicial P0 da partícula alfa, situação esta representada abaixo: Figura 5: Ângulo máximo de deflexão sofrido pela partícula , sendo P0 seu momento inicial. Desta forma, podemos estimar o ângulo máximo igualando-o à razão 0/P P , uma vez que tg , para 1 . Disto resulta: 40 max max 0 0 2 v 2 2 10 0,01 v 4 1836 e em mPtg rad rad P m m (2.2) Vemos assim que o ângulo máximo de deflexão, devido à colisão da partícula alfa com 1 único elétron, é da ordem de 10 -4 rad, valor este muito pequeno. Devemos agora calcular a deflexão máxima determinada pelas cargas positivas. O modelo de Thomson propõe uma distribuição de carga positiva homogênea ao longo de toda esfera de raio 10 - 10 m (1Ǻ), que constitui o átomo, dada por uma densidade volumétrica de carga . Com isso a força repulsiva varia enquanto a partícula alfa atravessa o átomo, sendo dada pela fórmula abaixo: 2 ( ) rR q q F r r , (2.3) onde 3(4 /3)rq r é a carga no interior de uma esfera de raio r, em relação a qual a partícula alfa passa tangente. Sendo Q a carga total do átomo, temos 34 /3Q R , onde é a densidade de carga. Logo, obtemos que qr será da seguinte forma: 3 /rq Q r R . [Mesmo cálculo já descrito na seção 2.1]. Prof. Manoel M. Ferreira Jr (Física Moderna: Modelo atômico de Thomson e Rutherford) 6 Para efeito de estimativa, é valido supor que a interação repulsiva será máxima quando r for igual a R, e rq for igual a Q (carga total do átomo), o que equivale aproximadamente à situação em que a partícula passa tangente à superfície do átomo, como ilustrado na Fig. 6. Figura 6: Partícula- passando pelo átomo em duas situações: tangente ao átomo, e cruzando-o por dentro. Como o nosso objetivo é calcular a deflexão máxima, então convém adotarmos a configuração onde a força repulsiva é máxima, dada pela seguinte equação: max 2R q Q F R (2.4) Durante o tempo t em que a partícula alfa passa próximo do átomo, a mesma sofre uma variação de momento igual a max maxRP F t , onde 2 /t R v é o tempo de travessia do átomo. Então escrevemos: max max2 2 0 2 2 22 1 v v v v v q Q q Q q Q q QR P P R R P R m Rm (2.5) Para calcular explicitamente a variação de momento, substituímos os dados do problema: 4q e ,Q Ze , 92 10 /v cm s , 810R cm , 289 10em g , 105 10e esu , de modo que o ângulo de desvio máximo resulta igual a: 2 2 16 3 4 max 8 9 2 10 28 13 2 4 70 5,6 10 1,5 10 1 10 5,0 10 210 (2 10 ) 4 10 4 1386 9 10 3,6 10 e e e rad m Logo, observamos que tanto o ângulo de desvio devido ao choque com elétrons (parte negativa), quanto o desvio devido ao choque com a parte positiva do átomo, gira em torno de 10 -4 rad, ângulo bastante pequeno. Esta é, portanto, a ordem de grandeza do ângulo de desvio máximo sofrido por uma partícula alfa durante a colisão com um único átomo. Por outro lado, sabemos que a folha metálica é composta por uma sucessão de camadas atômicas superpostas. Ao atravessar uma folha metálica de espessura igual a 10 -4 cm, uma partícula alfa passa por aproximadamente 10 4 átomos. É necessário assim saber se uma seqüência de 10 mil colisões é capaz de produzir um ângulo final de desvio grande, o que compatibilizaria o modelo de Thomson com os resultados experimentais de Geiger & Marsden. Para este fim, procede-se à realização de uma análise estatística dos desvios. 2.3 Análise Estatística dos Desvios Este é o procedimento matemático empregado para a obtenção de uma estimativa do desvio médio de uma partícula alfa que sofre uma grande sucessão de choques, isto é, uma seqüência de pequenos desvios. Durante a travessia de uma folha metálica de espessura aproximadamente de 10 -4 cm = 10 -5 mm, a partícula alfa atravessa 410M átomos, de modo que cada partícula alfa sofre Prof. Manoel M. Ferreira Jr (Física Moderna: Modelo atômico de Thomson e Rutherford) 7 aproximadamente 10 4 deflexões sucessivas (uma em cada átomo). Com isso, o desvio final ou desvio total de cada partícula alfa será uma composição vetorial de todos os desvios sofridos pela partícula com cada um dos átomos, podendo a princípio, ser grande ou pequeno. Figura 7A: Esquema de desvio no j-ésimo átomo Figura 7B: Desvio da partícula no j-ésimo choque. A Fig. 7A ilustra o desvio da partícula pelo j-ésimo átomo, na qual jv é a velocidade da partícula antes do espalhamento; jv é a velocidade da partícula depois do espalhamento, com módulo igual a jv . Aqui j é o desvio angular sofrido, representado em maior detalhe na Fig. 7B. Desta representação, escrevemos: j j jv v , que em forma vetorial equivale a: j j j v v . É então possível obter o desvio total T como o somatório destes desvios individuais, ou seja: 1 1 1N N T j T j j jj v v . Importante comentar sobre a natureza arbitrária dos desvios individuais, j , que podem ocorrer em qualquer direção do espaço. Além de tudo, são independentes uns dos outros, o que justifica o tratamento estatístico a ser adotado em seguida para determinação o módulo do desvio total | |j . Para facilitar o estudo deste problema, alinha-se o eixo-x do sistema de coordenadas à direção do feixe de partículas alfa incidente, como mostrado a na ilustração seguinte: Figura 8: Disposição Geométrica do eixo de coordenadas Neste caso, estaremos interessados nas projeções bidimensionais dos desvios j no plano y-z. Uma vez que os vetores jv são aproximadamente ortogonais a este plano (uma conseqüência do fato dos ângulos individuais de espalhamento serem muito pequenos - 410j rad ), podemos assumir com boa aproximação que os desvios j realmente estejam contidos no plano y-z. Desta forma, a representação dos desvios tridimensionais fica reduzida a um diagrama bidimensional, onde cada um dos desvios j ocorre numa direção arbitrária no planoy-z. O diagrama abaixo ilustra este fato: Prof. Manoel M. Ferreira Jr (Física Moderna: Modelo atômico de Thomson e Rutherford) 8 Figura 9: Representação bidimensional dos desvios A determinação do valor médio do módulo 6 do desvio total, T , resultante de N desvios individuais, é dada pela teoria estatística, que correlaciona a raiz quadrada do valor quadrático médiodo desvio total, 2T , com raiz quadrada do valor quadrático médio do desvio individual, 2j , da seguinte forma: 1 22 2 2 T T jN (2.6) sendo N o número de choques considerados. Observe que se todos os desvios individuais ocorressem na mesma direção, o módulo do desvio total seria uma função linear de N e não de N , como visto acima. Dado que o valor médio do desvio individual gira por volta de 410 rad , em 410 colisões, o módulo do desvio médio equivale a: 1 22 2 4 4 2 210 (10 ) 10 0,57oT T rad . Este é um resultado consistente com as observações de Marsden & Geiger, que mostravam que 99% das partículas eram espalhadas em ângulos menores que 3 o (0.05 rad). Portanto esta análise estatística parece descrever bem o fenômeno, mostrando que as observações são compatíveis com as previsões do modelo de Thomson. A mesma teoria estatística que proporciona a fórmula para o valor quadrático médio do desvio, permite também obter uma expressão para a distribuição de comprimento do desvio total, T . Tal distribuição fornece o número de casos em que o módulo do desvio total, T , tem valor compreendido entre o intervalo [ , ]T T Td . Este número está dado na forma: 2 2 2 2 T TT T T N dN e d , (2.7) onde N é o numero total de casos considerados. Observando que T deve equivaler ao ângulo de espalhamento, a equação precedente torna-se: 2 2 2 2 ( ) N N d e d , (2.8) 6 Observe que, em se tratando de uma quantidade vetorial arbitrária, a média do desvio vetorial resultante , T , é nula, uma vez que os vetores resultantes apontam em quaisquer direções do plano y-z . Para obter uma medida confiável do valor médio do módulo desvio total, é então necessário trabalhar com a raiz quadrada de 2 . Prof. Manoel M. Ferreira Jr (Física Moderna: Modelo atômico de Thomson e Rutherford) 9 expressão esta que fornece o número de partículas alfa espalhadas ( ( )N d ) dentro do intervalo angular , d . Podemos agora usar esta fórmula para estimar o número de partículas espalhadas em ângulo maior que 90 o : 2 2 2 / 2 2N dN e d (2.9) 2 2 2 / 2 2dN e d N (2.10) Realizando esta integral, obtém-se um resultado proporcional a 2(90) 8100 350010e e , que evidencia um resultado absolutamente nulo, implicando na total ausência de espalhamentos em ângulos maiores que 90 o . Portanto, de acordo com o modelo de Thomson, nenhuma partícula deveria ser espalhada em ângulo maior que 90 o . No entanto, isto não corresponde à realidade, pois Geiger & Marsden mostraram que 1 a cada 10 mil partículas era espalhada nesta situação. Este resultado mostrava a inadequação do modelo de Thomson para explicar espalhamentos em grandes ângulos. Em resumo, podemos afirmar que o átomo de Thomson é muito “soft” (macio) para produzir grandes desvios, pois estando a carga positiva dispersa em todo o átomo, é incapaz de produzir grandes forças (e grandes desvios) sobre as partículas alfa. 2.4 Modelo Atômico de Rutherford O modelo atômico de Thomson perdurou durante mais de uma década, até que por volta de 1911, Ernest Rutherford, eminente físico neo-zolandês, propôs um novo modelo atômico, análogo ao sistema planetário, onde os elétrons orbitariam em torno de uma carga central positiva, muito densa e pesada. Este novo modelo foi proposto para explicar consistentemente os resultados dos experimentos de Geiger & Marsden. A gênese desta nova idéia reside na impossibilidade de se produzir um grande desvio a partir de uma sucessão de muitas colisões, resultado demonstrado por Geiger & Marsden 7 , em 1909. De fato, a análise estatística realizada por Geiger & Marsden mostrou que a probabilidade de se produzir um espalhamento em grande ângulo como resultado de uma seqüência de espalhamentos em pequenos ângulos é absolutamente desprezível. Este resultado foi fundamental para Rutherford, pois conduziu a uma mudança de foco no entendimento da questão. Até este momento, os casos de espalhamento em grandes ângulos eram entendidos como resultantes de uma composição de diversos espalhamentos sucessivos em pequenos ângulos, ou seja, eram devido à interação (espalhamento) da partícula- com os muitos núcleos dispostos ao longo da sua espessura. Em uma palestra dada na “Clark University”, em setembro de 1909, Rutherford deixa claro que até este momento ainda atribuía os grandes desvios a uma sequência de encontros (colisões) com os átomos: - “Geiger e Marsden observaram o surpreendente fato que aproximadamente 1 em 8.000 partículas- incidentes sobre uma folha de ouro é tão defletida pelos seus encontros com as moléculas da folha que ela emerge no mesmo lado do feixe incidente (retro- espalhamento). Tal resultado traz à mente a certeza da enorme intensidade do campo elétrico nas cercanias e dentro do átomo”. Não se sabe ao certo quanto tempo Rutherford levou, após tomar ciência dos resultados de Geiger & Marsden, para conceber uma das maiores e mais bem-sucedidas idéias da sua vida: a idéia de que espalhamento da partícula- em grande ângulo era devido a um único átomo. Para Rutherford, a única maneira de ocorrer um grande desvio seria se houvesse entre a partícula- e o átomo uma interação coulombiana (pontual) suficientemente elevada para assegurar uma grande deflexão. Isto proporcionaria a possibilidade da partícula alfa ser espalhada em grande ângulo por um único átomo, dependendo obviamente das condições de aproximação (do choque) entre ambas. 7 Geiger & Marsden demonstraram isto por meio de uma análise estatística, tal como a descrita na seção anterior. Estes resultados foram publicados em 1909 e 1910. Vide Ref. [8]. Prof. Manoel M. Ferreira Jr (Física Moderna: Modelo atômico de Thomson e Rutherford) 10 Fig. 10: Aparato experimento usado por Geiger & Marsden em seus experimentos, em que se observa a fonte de partículas- (M), a fina folha metálica (E), o detector de sulfeto de Zinco (R). Observe que este aparato estava inicialmente montado apenas para observar espalhamentos em pequenos ângulos. Para viabilizar este cenário e dar credibilidade ao mesmo, o átomo não poderia mais ser como Thomson propusera. Para que uma intensa força coulombiana pudesse ser gerada, toda carga positiva e toda massa do átomo deveriam estar concentradas numa pequena região do espaço, denominada de núcleo atômico (Fig. 11), em torno do qual os elétrons orbitariam. Este núcleo deveria muito pequeno de modo que pudesse ser considerado como pontual, hipótese que era corroborada pela ínfima fração de partículas desviadas em retro-espalhamento. No átomo de Rutherford, o núcleo atômico tem dimensão entre 10 -14 -10 -15 m, sendo dez mil vezes menor que o raio do próprio átomo (R~10 -10 m). Portanto, este é um átomo predominantemente “vazio”, oco. De acordo com este cenário, somente as partículas que incidissem quase frontalmente sobre o núcleo atômico sofreriam retro-espalhamento, o que estava em acordo quantitativo com as observações de Geiger & Marsden. Figura 11: Representação artística do átomo de Rutherford. O objetivo do modelo de Rutherford era explicar os espalhamentos de partículas alfa não apenas em pequenos ângulos, mas principalmente em grandes ângulos, incluindo obviamente os casos de retro-espalhamento (espalhamento maiores que 90 o ), ponto no qual omodelo atômico de Thomson falhava completamente, como já visto. A concepção do modelo atômico planetário por Rutherford 8 e da existência do NÚCLEO ATÔMICO nasceu da reflexão do que poderia ocasionar deflexões em grandes ângulos e retro- espalhamento total de partículas alfa. A única maneira de conseguir este feito seria se a partícula alfa passasse bem próxima a uma região do átomo contendo grande massa e grande carga. A grande massa implicaria em um recuo desprezível para o núcleo atômico e grande desvio para a partícula- , enquanto a grande carga produziria a intensa repulsão coulombiana que defletiria a partícula. 8 Vide ref. [2]. Prof. Manoel M. Ferreira Jr (Física Moderna: Modelo atômico de Thomson e Rutherford) 11 Sobre este ponto, o próprio Geiger declarou: “No início de 1911, Rutherford, em um dia de grande inspiração, entrou em minha sala e disse-me que agora sabia como o átomo deveria se parecer por dentro, e ao mesmo tempo, como explicar os espalhamentos de partículas alfa em grandes ângulos 9 .” Neste cenário, apenas as partículas alfa que se aproximassem consideravelmente do núcleo sofreriam espalhamentos apreciáveis, enquanto que todas as outras que não passassem tão próximo de um núcleo, sofreriam interação de pouca intensidade, resultando em ângulos de deflexão pequenos - correspondendo ao que era observado para a maioria das dos casos. Assim, o evento de interesse para Rutherford era exatamente o espalhamento de uma partícula alfa por um núcleo pesado à curtíssima distância, ou seja, um espalhamento de pequeno parâmetro de impacto e grande desvio (não explicado pelo modelo atômico de Thomson). A Fig. 12 representa a interpretação de Rutherford para o que deveria estar ocorrendo nos experimentos de Geiger & Marsden, onde somente as partículas que passam muito próximo dos núcleos alteram a sua trajetória de maneira significativa. A mudança mais drástica possível ocorreria quando a partícula se chocasse de maneira perfeitamente frontal com algum deles, o que resultaria num caso de retro-espalhamento total (recuo em 180 o ). A Fig. 13, por sua vez, exibe uma ilustração (artística) comparativa para o espalhamento de partículas alfa por átomos de Rutherford e de Thomson, onde se observa os casos de retro-espalhamento apenas no caso dos átomos de Rutherford. Figura 12: Espalhamento de partículas pelos núcleos do metal. Figura 13: Ilustração artística - comparação esquemática de espalhamentos com o átomo de Rutherford e o átomo de Thomson. É necessário agora saber se a concepção atômica de Rutherford corresponde a uma verdade da natureza, ou seja, se explica bem os dados experimentais disponíveis na época. No caso, pretendemos mostrar que este modelo consegue explicar os dados de espalhamento colhidos por Geiger & Marsden. Foi isto que Rutherford a partir de 1909-1910. Neste intuito, precisamos saber se o modelo de Rutherford consegue fornecer o número de partículas espalhadas em cada janela angular do anteparo. Observe que este número equivale a uma probabilidade quando dividido pelo número total de partículas incidentes. Para calcular este número, devemos: (i) determinar a trajetória das partículas espalhadas, (ii) determinar a seção de choque diferencial do espalhamento. 9Vide ref. [1], pg. 119. Prof. Manoel M. Ferreira Jr (Física Moderna: Modelo atômico de Thomson e Rutherford) 12 Fig. 14: Trajetória da Partícula alfa ao passar próximo do núcleo Analisando a Fig. 14, observam-se alguns elementos importantes, tais como: b, parâmetro de impacto - distância entre o eixo que contém o núcleo e a reta inicial da trajetória da partícula; (ângulo de espalhamento) - direção de propagação da partícula quando já está bem afastada do núcleo, onde este ângulo é medido a partir do eixo-x positivo. Durante o espalhamento o núcleo é suposto em repouso, uma vez que é muito mais pesado que a partícula alfa. Portanto, a dedução aqui realizada é válida apenas para núcleos pesados. A trajetória da partícula alfa é uma linha reta (assíntota) quando muito distante do núcleo (antes e depois do espalhamento). Como a força que atua é central ( )f f r r , ocorre conservação do momento angular: v v 0 0 dL d dr d p dL r p p r m r f r f r dt dt dt dt dt , resultado este que implica em: L cte . (2.11) Podemos ainda escrever este vetor na forma: v;L mr sendo a velocidade em coordenadas polares dada por v rr r , obtemos: 2L mr z . (2.12) Na Fig. 14, podemos inferir que o momento angular inicial seja dado por 0vL m b , enquanto o momento angular final vale: v' 'L m b , onde 0v e v' são as velocidades iniciais e finais da partícula alfa. Dado a conservação do momento angular, podemos igualá-los: 0v v' 'b b ; sendo este espalhamento elástico, as velocidades inicial e final da partícula são iguais ( 0v v' ). Observe que durante o processo de espalhamento, a velocidade da partícula varia, retomando entretanto seu valor inicial quando se encontra bem distante do núcleo. Das igualdades 0v v' 'b b e 0v v' , concluímos que: 'b b , (2.13) evidenciando que os parâmetros de impacto inicial e final são iguais numa situação de choque elástico. Para analisar o espalhamento da partícula alfa, tomaremos como ponto de partida a segunda Lei de Newton, F ma . Neste caso, como a força é central, só há componente de aceleração na direção radial, de modo que temos: rF ma . Sabendo que a aceleração radial em coordenadas polares vale, 2ra r r r , a segunda lei de Newton para este problema assume a forma: Prof. Manoel M. Ferreira Jr (Física Moderna: Modelo atômico de Thomson e Rutherford) 13 22 2 2 2 zZe d r d m r r dt dt (2.14) Para facilitar a solução analítica desta equação, é conveniente fazer a seguinte mudança de variável: ( , ) ( , )r u ; onde 1 u r . Neste caso, a equação precedente deve ser reescrita em termos apenas das variáveis ( , )u , de modo que as seguintes derivadas devem ser calculadas: , dr dr d dr dr du dr dr du d dt d dt d du d dt du d dt , (2.15A) de forma que obtemos: 2 1dr du d dt u d dt (2.15B) Usando a eq (2.12), 2/L mr , temos: 2 2 1dr du L dt du mr , (2.16A) o que nos leva a: dr L du dt m d . (2.16B) Calculando a segunda derivada, 2 2 d r dt , resulta: 2 2 2 2 2 2 2 d r L d u u dt m d (2.17) Substituindo (2.15) e (2.17) em (2.14), obtemos a equação de movimento em termos das variáveis ( , )u : 2 2 2 2 d u m u zZe d L (2.18) Lembrando que L mvb , a equação acima assume a forma: 2 2 2 2 2vd u zZe u d m b , (2.19) 2 2 22 d u D u d b , (2.19B) onde 2 2 0 1 v 2 zZe D m ou 2 0 zZe D K , (2.20) representa a distância máxima de aproximação da partícula em relação ao núcleo numa colisão frontal ( 0K é a energia cinética inicial da partícula). Este é o ponto em que a energia potencial se iguala à energia cinética inicial, isto é, o ponto de reversão do movimento, onde toda energia cinética inicial se transforma em energia potencial. De fato, tomando a energia mecânica inicial do sistema como sendo a energia cinética da partícula-- , 2 0 1 v 2Total E m , a mesma deve se converter integralmente em energia potencial no ponto de reversão do movimento em choque frontal (ponto de máxima aproximação), ou seja: 2 2 0 0 1 v / 2Total E m zZe r , que implica em 0r D . Nossa tarefa agora consiste em resolver a Eq. (2.19B), que é uma diferencial de segunda ordem, linear e não-homogênea. A solução desta equação é dada pela soma da solução da parte Prof. Manoel M. Ferreira Jr (Física Moderna: Modelo atômico de Thomson e Rutherford) 14 homogênea com a solução da parte não-homogênea. A equação homogênea tem a forma: 2 2/ 0d u d u , cuja solução é: ( ) cosu A Bsen . Logo, a solução geral é dada por: 2( ) cos 2 Du A Bsen b ; onde A e B são duas constantes arbitrárias a serem determinadas pelas condições iniciais do problema, que são dadas pela geometria do problema. Portanto: 21 cos / 2A Bsen D b r (2.21) No ponto inicial do movimento (infinitamente distante do núcleo), a partícula alfa tem coordenadas dadas por: 0 0e r u Substituindo essa condição assintótica na eq. (2.21), obtemos: 20 / 2A D b , o que nos leva a: 2/ 2A D b . Resta ainda determinar a constante B, o que pode ser feito notando que na situação inicial a velocidade da partícula é dada por 0v , ou seja, quando [ e 0]r , temos 0v dr dt . Substituindo esta condição assintótica na Eq. (2.16B), aqui reescrita na forma: ( cos ) dr L Asen B dt m , obtemos: 0v L B m , o que equivale a ter: 1/B b . Desta forma, a Eq. (2.21) assume a forma: 2 2 1 cos 2 2 D D u sen bb b , (2.22) que equivale ao seguinte resultado final: 2 1 1 cos 1 2 D sen r b b . (2.23) Esta é a equação da trajetória da partícula alfa em coordenadas polares, com as condições assintóticas já implementadas, e que servirá de base para determinação do ângulo de espalhamento e da distância máxima de aproximação do núcleo. Importante destacar que tal equação descreve a trajetória de movimento de apenas uma partícula alfa espalhada. Um experimento de Rutherford envolve várias partículas incidindo sobre a folha metálica por unidade de tempo. Como veremos mais à frente, tal equação é o ponto de partida para determinar o número de partículas espalhadas por elemento de ângulo sólido, ou seja, no intervalo angular [ , ]d , dado essencial para a comparação dos resultados experimentais com as previsões do modelo teórico de Rutherford. Determinação do Ângulo de Espalhamento: Para determinar o ângulo de espalhamento da partícula, é necessário que consideremos a condição assintótica: r e ' , sendo ' o ângulo de espalhamento, ou seja, o ângulo sob o qual a partícula se desloca quando se afasta bastante do núcleo ( r ). Implementando esta condição assintótica na eq. (2.23) obtemos: 1 cos ' 2 ' b sen D (2.24) Usando a identidade trigonométrica, 2 1' (1 cos ')2 2sen , ocorre a seguinte simplificação: 2 ' '22 2 2 ' ' '2 cos cos 2 2 2 sen senb D sen , o que conduz ao resultado: Prof. Manoel M. Ferreira Jr (Física Moderna: Modelo atômico de Thomson e Rutherford) 15 2 '2 b tg D . (2.25) A expressão (2.25) é importante porque relaciona o ângulo de espalhamento com o parâmetro de impacto, sendo usada nos desenvolvimentos posteriores. Desta última equação, o ângulo de espalhamento resulta igual a: 2 ' 2 b arctg D . Vale destacar que ' é o ângulo de espalhamento medido a partir da direção inicial do feixe incidente. É possível também trabalhar com o ângulo de espalhamento medido a partir do eixo-x positivo, dado por ' (de acordo com a Fig. 14). Podemos então expressar o ângulo de espalhamento também em termos de . Para isto, calculamos primeiramente a '/ 2tg em termos do ângulo , ou seja: cos / 2 '/ 2 / 2 / 2 cot / 2 / 2 tg tg g sen . Substituindo esse resultado na eq. (2.25), escrevemos: 2 cot 2 b g D , (2.26) de cuja fórmula o ângulo de espalhamento pode obtido: 2 2 b arccotg D . (2.27) Determinação da Distância de Aproximação Máxima do Núcleo (R): A partir da geometria da Fig. 14, é possível concluir que o ponto de menor distância ao núcleo, isto é r = R, tem coordenada angular dada por: ' 2r R , uma vez que este segmento representa a bissetriz do ângulo ' . Esta coordenada angular, / 2 / 2 / 2 , quando substituída na eq. (2.23) conduz a: 21 1cos 12 2 2 22 D sen R bb , (2.28) que pode ser simplificada à forma: 2 2 21 1 11 cos cos2 2 2 22 2 2 D D D sen sen R b bb b b (2.29) Fazendo uso agora de cot ( / 2) 2 D b g , temos: 2 2 2 2 4 ( / 2) 2cos( / 2)1 2 , cot ( / 2)cot ( / 2) 2 cot ( / 2) DsenD R D gD g D g Tirando mínimo desta expressão e, realizando simplificações, obtemos: 2 2 2 ( / 2) 1 ( / 2) cos ( / 2) ( / 2)1 2 cos ( / 2) sen sen sen R D , cuja simplificação final conduz à expressão: 1 1 2 ( / 2) D R sen . (2.30) Considerando a eq. (2.26), este resultado pode também ser expresso na forma: ( / 2) 1 cos( / 2) cos( / 2) sen R b . (2.31) Prof. Manoel M. Ferreira Jr (Física Moderna: Modelo atômico de Thomson e Rutherford) 16 A validade da fórmula anterior pode ser verificada em duas situações limites: colisão exatamente frontal e ausência de colisão (partícula não espalhada). Quando , temos uma colisão frontal, pois o ângulo de espalhamento igual a 180 o indica recuo sobre a trajetória inicial. Nesta situação, a Eq. (2.30) nos fornece, por substituição direta, o resultado R D , confirmando a interpretação já apresentada do parâmetro D como sendo a distância máxima deaproximação do núcleo. Observe que neste caso o parâmetro de impacto é nulo. Por outro lado, quando 0 , temos o caso em que a partícula alfa não é espalhada pelo núcleo, ou seja, passa reta. Substituindo 0 na Eq. (2.31) temos R b , o que é consistente com o conceito de parâmetro de impacto. Vemos assim que o resultado obtido é consistente com as diversas possibilidades de espalhamento. Como um exemplo simples de aplicação, procedemos agora ao cálculo do valor da distância máxima de aproximação, D, para a colisão frontal de uma partícula- , cálculo este que revela indiretamente o tamanho máximo do raio do núcleo. Tomamos partículas- com velocidade de 9v 1,6 10 /cm s , aproximando-se de um núcleo de cobre ( 29Z ). Partindo da expressão, 2 21 v 2 zZe D m , temos: 10 2 12 14 24 9 2 2 29 (4,8 10 ) 1,7 10 1,7 10 1 (4 1,67 10 )(1,67 10 ) 2 D cm m . Este valor representa o raio máximo do núcleo deste átomo, uma vez que a partícula- não chega a tocar no núcleo no momento da reversão do seu movimento, devido à forte interação coulombiana. Este tipo de cálculo revelou, pela primeira vez, a ordem de grandeza da dimensão máxima do núcleo. Verificou-se assim que o núcleo não poderia ser maior que 10 -14 m, uma boa estimativa para a época. Parâmetro de Impacto e Secção de Choque Sabe-se que o parâmetro de impacto calculado anteriormente, dado pela Eq. (2.26), evidencia uma relação direta desta grandeza com o ângulo de espalhamento . Observando a figura abaixo, percebe-se que toda partícula que se aproxima do núcleo com parâmetro de impacto menor que b, será espalhada com um ângulo maior que o , que é o ângulo correspondente ao parâmetro b. Figura 15: Representação da partícula se aproximando de um núcleo em vários parâmetros de impacto diferentes. Consideremos um feixe de partículas- de intensidade 0I (número de partículas incidentes por segundo por unidade de área), dada por: 0 /I N A , (2.32) Prof. Manoel M. Ferreira Jr (Física Moderna: Modelo atômico de Thomson e Rutherford) 17 onde N é o número de partículas incidentes por segundo e A designa a área de seção transversal do feixe. A seção de choque ( ) é uma grandeza com dimensão de área que indica a razão do número de partículas espalhadas (por núcleo) numa dada janela angular pelo número de partículas incidentes por unidade de área, ou seja: / dN N A . (2.33) Desta definição, fica fácil perceber porque a seção de choque tem dimensão de área. Entretanto, tal definição não basta para produzir um entendimento mais físico acerca desta grandeza. Para isto, voltemos à situação representada na Fig. 15, onde observamos que o número total de partículas espalhadas (pelo núcleo) em um ângulo maior que o , dN , equivale ao número de partículas que se aproxima do mesmo com parâmetro de impacto menor que b, ou seja, todas aquelas contidas na seção transversal circular de área 2b , medida em torno do núcleo. Este número pode ser escrito na forma: 2 0dN b I , (2.34) onde 0I representa a intensidade do feixe. Como todas as partículas incidentes neste pequeno disco são espalhadas num ângulo igual ou maior que o , diz-se que a área 2b representa a seção de choque para espalhamentos em ângulos maiores que o . Vemos assim o significado físico deste conceito: equivale à seção de área efetiva que um único núcleo (centro espalhador) apresenta (ou representa) para espalhar um feixe de partículas em determinada região (janela) angular. No caso da Fig. 15, o intervalo angular é 180oo . Até o presente momento, fizemos o tratamento do espalhamento das partículas- de um feixe por um único núcleo. Num experimento real do tipo realizado por Geiger & Marsden, entretanto, existem diversos núcleos (centros espalhadores) defletindo muitas partículas- simultaneamente. Todas estas partículas atingem o mesmo ponto do anteparo de detecção, e é impossível afirmar qual núcleo defletiu cada uma delas. Na verdade, como os núcleos espalhadores estão contidos numa pequena região do alvo (um ponto que tem a dimensão da área de seção do feixe de partículas- , que costuma ser muito estreito), podemos supor que todas as trajetórias das partículas espalhadas possuem o mesmo ponto de origem, ou seja, o mesmo ponto de impacto do feixe com o alvo. Na escala macroscópica do experimento, onde estaremos medindo apenas os ângulos de deflexão no anteparo, esta é uma aproximação muito boa. Dentro deste cenário de múltiplos centros espalhadores, é necessário obter um resultado que permita prever quantas partículas estarão atingindo determinada região do anteparo (por unidade de tempo). Seja o número de núcleos espalhadores contidos na folha metálica por cm 3 . Numa folha de espessura t, há n núcleos espalhadores, sendo que: n At ; onde A é a seção de área da folha atingida pelas partículas, ou seja, equivale à própria seção transversal do feixe de partículas. Nesta situação, o número total de partículas espalhadas será dado pelo número de partículas espalhadas por um núcleo multiplicado pelo número de núcleos espalhadores: 2 20 0dN b I At b t I A . (2.35) Aqui o termo 0N I A representa o número de partículas incidentes sobre a folha na área transversal A; dN equivale ao número de partículas espalhadas com o . Desta forma, conseguimos determinar a fração de partículas- espalhadas em ângulos maiores que o , dada na forma: 2 2 dN dN N b t b t N . (2.36) O resultado da eq. (2.36) não favorece uma fácil comparação com dados experimentais, pois envolve o número de partículas espalhadas em uma grande região do anteparo (toda região corresponde a ângulos o ). Para a determinação experimental do número de partículas ser efetuada de forma mais precisa, é necessário restringir a região do plano em que as partículas serão detectadas e contadas. Isto é feito quando decidimos contar o número de partículas espalhadas por um núcleo entre os ângulos [ , ]d , ou seja, em uma janela angular infinitesimal que subtende um elemento de ângulo sólido. Estas são as partículas do feixe incidente que possuem parâmetro de Prof. Manoel M. Ferreira Jr (Física Moderna: Modelo atômico de Thomson e Rutherford) 18 impacto situado no intervalo [b, b + db]. Quantitativamente, este número equivale ao número de partículas dn que incide sobre o anel de espessura db, de área 2 bdb ,conforme a Fig. 16. Podemos então escrever: 0 (2 )dn I bdb , (2.37) e definir a seção de choque ( d ) para os espalhamentos no intervalo [ , ]d : 0 2 dn d bdb I , (2.38) que corresponde à área delimitada pelo anel infinitesimal de espessura db centrado em torno do núcleo. Podemos agora obter o fator bdb partindo da expressão (2.27) para o parâmetro de impacto (b), e derivando implicitamente: 2 2 3 / 2 cos / 2 2 / 2 8 / 2 D d D db bdb d sen sen ; (2.39) usando 2 ( / 2)cos( / 2)sen sen , temos: 2 4162 D sen bdb d sen . (2.40) Desta forma, obtemos uma expressão para a quantidade dn em função do ângulo de espalhamento, a saber: 2 0 4 2 16 2 D sen dn I d sen . (2.41) Aqui, dn representa o número de partículas espalhadas por 1 núcleo na janela angular [ , ]d . A seção de choque diferencial - ( ) - é definida na forma: ( ) d d ( )d d , (2.42) onde sind d d é o elemento de ângulo sólido, e d está dado pela eq. (2.38). Isto mostra que ( ) representa a área de seção para espalhamentos no elemento de ângulo sólido d . Integrando (2.42) na variável angular ( ), resulta: 2 ( )sind d . (2.43) Lembrando que 0/d dn I e o resultado (2.41), temos: 2 4 1 2 16 2 D d sen d sen . (2.44) Comparando as eqs. (2.43) e (2.44), surge o resultado: 2 4 1 ( ) 4 2 D sen , (2.45) que é a seção de choque diferencial de Rutherford. Esta fórmula é usualmente encontrada e deduzida em livros de Mecânica Clássica 10 . A seção de choque diferencial (em espalhamentos de partículas) é medida em barns, sendo 1 barn = 10 -24 cm 2 . Observe a pequenez desta unidade, 100 milhões (10 8 ) de vezes menor que área de seção de um átomo. 1 barn tem a mesma ordem de grandeza da área de seção do núcleo atômico: 1 barn = (10 -12 cm) 2 . 10 Vide ref. [7], pg. 328, Cap. 8. Prof. Manoel M. Ferreira Jr (Física Moderna: Modelo atômico de Thomson e Rutherford) 19 Estamos agora próximos do resultado desejado: obter o número total de partículas espalhadas na janela angular [ , ]d . Para isto, é necessário ainda multiplicar o número de partículas espalhadas por 1 único núcleo, dada pela eq. (2.41), pelo número de núcleos espalhadores ( At ): dN Atdn 20 48 2 sen dN AtI D d sen . (2.46) Dado que 0 / ,I N A obtemos: 2 48 2 sen dN N t D d sen (2.47) Esta expressão equivale ao número de partículas espalhadas no intervalo angular [, + d], sendo a fração (razão) espalhada igual a: 2 48 ( / 2) dN sen t D d N sen (2.48) Este mesmo resultado pode ser escrito em termos da seção de choque diferencial: ( ) ( ) dN t d N . (2.49) Podemos ainda escrever a seção de choque total, que é a integral da seção de choque diferencial em todo espaço angular, ou seja: 0 ( ) 2 ( )sin .d d (2.50) Fig. 16: Ilustração da seção de choque diferencial ( 2d bdb ) para espalhamento de partículas com parâmetro de impacto entre b e b+db no intervalo angular [ , ]d , que corresponde ao elemento de ângulo sólido 2 sind d . Verificação Experimental dos Resultados previstos pelo Modelo Teórico de Rutherford e conclusão Prof. Manoel M. Ferreira Jr (Física Moderna: Modelo atômico de Thomson e Rutherford) 20 Uma vez deduzida as Eq. (2.45) e (2.49), feito realizado por Rutherford em 1911, Geiger & Marsden predispuseram-se a realizar inúmeros testes experimentais para verificar tais fórmulas 11 . Importante destacar que o estabelecimento da consistência da fórmula (2.40) equivalia a validar a idéia de átomo de Rutherford. E foi exatamente através deste tipo de comparação que este modelo atômico foi aceito pela comunidade científica como representativo da estrutura do átomo. Quando Geiger & Marsden publicaram em 1913 os resultados de suas extensas e minuciosas investigações sobre espalhamento de partículas alfa, o modelo de Rutherford estava sendo validado pela experiência. Nestes experimentos, Geiger & Marsden realizaram diversas repetições do mesmo esquema, variando a largura da folha metálica, a energia cinética das partículas incidentes, e varrendo o intervalo angulares de 5 a 150 o . Chegaram as seguintes conclusões: - A dependência angular da Eq. (2.41) foi verificada e confirmada, sendo observada a concordância (com pequeno erro percentual) das previsões teóricas com os dados experimentais para a quantidade /dN N para ângulos que variaram de 5° a 150°. - A dependência linear em t da quantidade /dN N foi confirmada para folhas finas; - A dependência de /dN N em termos do inverso do quadrado da energia cinética da partícula alfa incidente, 2 1/ K , foi confirmada. Ademais, um dos resultados obtidos nesta longa série de experimentos foi a possibilidade de estimar o número atômico Z dos átomos das folhas metálicas. Importante destacar que, na época, o número atômico de diversos elementos químicos ainda era desconhecido. Por volta de 1913, o método mais preciso para determinação do número atômico dos elementos químicos estava sendo desenvolvido pelo jovem H.G. Moseley (na universidade de Manchester) e envolvia a difração de raio- x. Com o seu método, Moseley conseguiu determinar com boa precisão o número atômico de alguns elementos de médio peso (titânio, cromo, magnésio, ferro, cobalto, níquel, cobre, zinco). Destes resultados, foi estabelecido uma relação aproximada para o número atômico: / 2Z A , onde A é a massa atômica. Os experimentos de Geiger & Marsden ofereceram um método diferente e independente de obter o número atômico, especialmente para metais pesados. É também importante destacar que a dedução feita aqui da seção de choque de espalhamento e da fração de partículas espalhadas (dN/N) é totalmente clássica, ou seja, não envolve nenhum preceito da Mecânica Quântica. Sabemos atualmente que sistemas atômicos e moleculares são bem melhor descritos pelas leis da física quântica. Uma questão interessante então seria perguntar como a fórmula de Rutherford, clássica em sua essência, descreve tão bem um fenômeno que se passa na escala atômica, reino onde as leis da física clássica em geral falham. Ocorre que, por uma coincidência da natureza, a seção de choque deste espalhamento calculada por meio das leis da Mecânica Quântica, é inteiramente igual a aqui derivada 12 . Isto explica como a fórmula de Rutherford explicou tão bem os dados experimentais. Se a fórmula quântica fosse diferente da clássica, provavelmente Rutherford não teria confirmado ou mesmo chegado as suas conclusões sobre a estrutura atômica tão cedo. Hoje, sabe-se que tal coincidência ocorre apenas para o potencial coulombiano ( 21/F r ): para qualquer outro potencial com dependência diferente do quadrado do inverso da distância, a seção de choque clássica é diferente da seção de choque quântica. Mais um dos milagres protagonizados pela lei de forças Coulombiana, a exemplo de tantos outros, como a lei de Gauss. É imprescindível também ressaltar que o átomo de Rutherford teve profundas implicações no cenário científico. Uma das questões abertas desde o final do século XIX diz respeito à natureza discreta do espectro atômico (formado por um conjunto enumerável de linhas espectrais). Explicar tais séries tomando como pressupostoas leis do eletromagnetismo de Maxwell mostrou-se desde o início uma tarefa impossível. Com o passar dos anos, permanecia o impasse, sem qualquer avanço teórico nesta direção. A primeira teoria que conseguiu abordar esta questão com sucesso foi proposta por Bohr, que em 1913 concebeu um modelo atômico baseado no átomo planetário de Rutherford, inserindo dentro deste contexto hipóteses de quantização. Os postulados de Bohr, embora constituam um conjunto de idéias contraditórias, por misturar as leis da Física Clássica com princípios de quantização, representou um fundamental avanço na explicação da estrutura do átomo, só superada definitivamente pela formulação da Mecânica Quântica, a partir de 1925-26. Considerando- se que o modelo de Bohr é formulado em cima das concepções de Rutherford, fica patente a importância histórica deste modelo para o desenvolvimento da Física no século XX. 11 Vide ref. [7]. 12 Vide ref. [9], pg. 959, Cap. VIII. Prof. Manoel M. Ferreira Jr (Física Moderna: Modelo atômico de Thomson e Rutherford) 21 Por fim, pode-se dizer que a técnica de investigação da natureza, pioneiramente desenvolvida por Geiger, Marsden e Rutherford, rendeu muitos e muitos frutos ao longo do Séc. XX. De fato, o espalhamento de partículas tornou-se o principal tipo de sonda usada pelo físicos de partículas para obter informações sobre a estrutura do átomo, do núcleo atômico, dos constituintes do núcleo atômico (prótons e nêutrons), e todo tipo de partícula composta. Tornou-se ainda uma importante ferramenta para descoberta de novas partículas elementares na era dos grandes aceleradores de partículas, iniciada nos anos 50. Nos anos 60, o deep ineslastic scattering (espalhamento inelástico profundo) entre dois prótons em grandes aceleradores revelou que os hádrons (prótons, nêutrons e mésons) possuem pontos de concentração de carga no seu interior, identificados como sendo os quarks. Vemos assim que, 50 anos mais tarde, o método de espalhamento inventado por Rutherford, mostrou-se importante para verificar a realidade do modelo dos quarks. Breve biografia de Ernest Rutherford (1871-1931): Ernest Rutherford nasceu em 1871, cidade de Brightwater, Nova Zelândia, em uma família de colonizadores britânicos. Foi o quarto filho em uma família de 12 irmãos. Estudou no “Nelson College” e “Canterbury College”, ambos na Nova Zelândia. Em 1895, conseguiu ingressar na Universidade de Cambridge, onde foi admitido como aluno de J.J. Thomson, então diretor do Laboratório Cavendish. Teve a felicidade de iniciar seus estudos na Inglaterra num período de importantes e férteis descobertas que iriam influenciar decisivamente sua carreira: em 1895, W. K. Röntgen descobriu os raios-x, em 1896 H. Becquerel descobriu a radioatividade, em 1897 J.J. Thomson descobriu o elétron. Seguindo a tradição de pesquisa do Laboratório Cavendish, Rutherford esteve inicialmente interessado no estudo da influência da radioatividade e dos raios-x na condutividade elétrica dos gases. Em 1898, trabalhando junto com J.J. Thomson, Rutherford mostrou que os raios-x e a radioatividade afetam a condutividade elétrica dos gases de maneira similar. Já nesta época, foi capaz de identificar a existência de dois tipos de radioatividade, designadas de raios-alpha e raios-beta. Os resultados destes trabalhos lhe valeram uma posição de professor pesquisador no recém-inaugurado Macdonald Laboratório de Física da Universidade McGill, em Montreal – Canadá. Em 1898, Rutherford relatou a observação de partículas alpha e beta rays na radiação emitida pelo Urânio, na época conhecida como raios de urânio. Em 1898, Rutherford embarcou para Montreal, levando consigo algumas amostras radioativas de sais de Urânio e Tório. Na universidade McGill, Rutherford iniciou uma profícua colaboração com um químico formado em Oxford, Frederick Soddy (1877-1956). Rutherford e Soddy realizaram diversas investigações sobre os diferentes tipos de radioatividade. Foi nesta época que eles descobriram as emanações radioativas do tório e rádio, e a teoria da desintegração radioativa, que considerava a radioatividade como um fenômeno atômico em vez de molecular. A teoria da desintegração radioativa explicou o fenômeno da radioatividade como sendo a emissão de partículas (alpha, beta, gamma) por um átomo que se transforma (decai) em outro átomo diferente. Esta teoria causou grande impacto na época, principalmente entre os químicos, que viram nela a concretização da transmutação entre os elementos químicos. Tanto que, em 1907, Rutherford foi agraciado com o prêmio Nobel de química. Em 1922, F. Soddy também foi agraciado pelo Nobel de química, também por este feito. Em 1907, Rutherford recebeu convite para ocupar a cátedra de Professor Langworthy da universidade de Manchester. Foi na universidade de Manchester que foram realizados os célebres experimentos de espalhamento de partículas- por finas folhas metálicas, por Geiger & Marsden. Foi também na neste local que, em 1917, Rutherford observou a primeira transmutação química artificialmente produzida (transmutação induzida), bombardeando átomos de nitrogênio com partículas- , gerando oxigênio e prótons: 14 18 7 8N p O . Trata-se da primeira desintegração nuclear induzida da história. Esta descoberta foi de fundamental importância para o desenvolvimento de estudos sobre o núcleo atômico (Física Nuclear) e para a posterior descoberta do nêutron, em 1932, no Laboratório Cavendish. Em 1919, Rutherford aceitou o convite para suceder Sir J. J. Thomson na cátedra de Professor Cavendish de Física, na Universidade de Cambridge. Agora, o Laboratório Cavendish, onde Rutherford havia trabalhado entre 1895 e 1898 como assistente de Thomson, estava sob sua direção. E sob sua chefia, novas e impactantes descobertas continuaram a ocorrer neste laboratório, consagrando-o como o mais importante centro de estudos sobre a estrutura nuclear nos anos 20 e início dos anos 30. Decididamente, Rutherford estava no meio das maiores descobertas que envolviam o nascimento da física do núcleo atômico. Sendo a grande liderança do Laboratório Cavendish, Rutherford teve sob sua orientação inúmeros jovens talentosos, que desenvolveram trabalhos de grande envergadura que valeram futuramente o prêmio Nobel de Física. Nesta lista, podemos citar James Chadwick (pela descoberta do núcleo atômico), Blackett (pelo desenvolvimento de método e uso da câmera de nuvens de Wilson, e suas descobertas em Física nuclear/raios cósmicos), Cockcroft e Walton (pelo trabalho pioneiro sobre a transmutação atômica induzida por partículas atômicas artificialmente aceleradas - no próprio acelerador inventado por ambos). Ao mesmo tempo, podemos citar outros pesquisadores laureados com o Nobel, que colaboraram com Rutherford nas dependências do Laboratório Cavendish: G.P. Thomson, Appleton, Powell, and Aston. Em resumo, pode-se dizer que o legado das contribuições de Rutherford à Física do século XX tem valor verdadeiramente incalculável. http://nobelprize.org/nobel_prizes/physics/laureates/1951/index.html http://nobelprize.org/nobel_prizes/physics/laureates/1937/index.html http://nobelprize.org/nobel_prizes/physics/laureates/1947/index.html http://nobelprize.org/nobel_prizes/physics/laureates/1950/index.html http://nobelprize.org/nobel_prizes/chemistry/laureates/1922/index.html Prof. Manoel M. Ferreira Jr (Física Moderna: Modelo atômico de Thomson e Rutherford) 22 REFERÊNCIAS [1] S. WEINBERG, The Discovery of Subatomic Particles, Cambridge University Press, United Kingdom, 2003. [2] A. PAIS, Inward Bound – of Matter and forces in the physical word, Oxford University Press, New York, 1986. [3] N. BOHR, “Sobre a constituição de átomos e moléculas”, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1963. [4] E. RUTHERFORD, “The Scattering of and particles by matter and the structure of the atom”,Philosophical Magazine Series 6, 21, 669 (1911). [5] H. GEIGER & E. MARSDEN, “The laws of Deflection of particles through large angles”, Philosophical Magazine Series 6, 25, 604 (1913). [6] Francisco Caruso, Vitor Oguri, “Físca Moderna: Origens Clássicas e Fundamentos Quânticos”, Editora Elsevier Ltda, Rio de Janeiro (2006). [7] J. Marion & S. Thornton, “Classical Dynamics of Particles and Systems”, Hacourt Brace Javanovich Publisher, third edition, 1988. [8] H. Geiger & E. Marsden, “On a diffuse reflection of the -particles”, Proceedings of the Royal Philosophical Society 82, 495-500 (1909); H. Geiger, “The scattering of -particles by matter”, Proceedings of the Royal Society A83, 492-504 (1910). [9] C. Cohen-Tannoudji, B. Diu, F. Laloë, “Quantum Mechanics”, Vol. II, Hermann & John Wiley & Sons, Inc., 1977.
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