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1 EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA VARA JUDICIAL DA COMARCA DE CHARQUEADAS/RS Processo nº: 000/00.00.0000-0 Objeto: Memoriais FAUSTO DE SANCTIS, autos do processo em epígrafe, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, por intermédio da sua PROCURADORA, apresentar MEMORIAIS, em substituição ao debate oral, nos termos que seguem: I - DO BREVE RELATO: O Ministério Público ofereceu denúncia em face de FAUSTO DE SANCTIS, em tese, pela prática do crime de roubo e extorsão, com emprego de arma de fogo, subtraindo para si coisa alheia. Por tal conduta, o Ministério Público ofereceu denúncia, dando-o como incurso na sanção do artigo 157, §2°, inciso I e II, do Código Penal. A denúncia foi recebida em 19/02/2018 (fls.00/00). O acusado foi citado (fl. 00) e apresentou resposta à acusação (fls. 00/00). Durante a instrução, foi colhido o depoimento da vítima Jussara, até porque a outra vítima, Sr. Gustavo, veio a óbito após o ocorrido. Foi colhido o depoimento do Policial Geraldo Prado, e por fim foi realizado o interrogatório do acusado. Encerrada a instrução, os debates orais foram convertidos em memoriais escritos. O Ministério Público postulou a procedência da denúncia, para condenar o réu nas sanções do art. 157, §2°, incisos I e II, do Código Penal (fls.00/00). Por derradeiro, vieram os autos com vista à sua advogada para a apresentação de memoriais na defesa do acusado FAUSTO DE SANCTIS. É o breve relatório. 2 II - DO MÉRITO II. I - DA INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA A vítima Jussara Santos disse que não consegue reconhecer o réu; que ficou muito nervosa durante o assalto porque tem depressão; que o assalto não demorou nem 05 (cinco) minutos; que não houve violência nem viu a arma; que o Sr. Gustavo faleceu poucos meses após o fato; que ele fez o retrato falado e reconheceu o acusado. Relatou que o sistema de vigilância da agência estava com defeito e por isso não houve filmagem; que o sistema não foi consertado porque a agência estava sendo desativada; que o Sr. Gustavo era meio distraído e ela acredita que ele deixou o primeiro ladrão entrar por boa fé; que sempre ficava até mais tarde no banco e um de seus 05 (cinco) irmãos ia buscá- la após às 18h; que, por ficar até mais tarde, muitas vezes fechava o caixa dos colegas, conferia malotes etc.; que a quantia levada foi de quase R$ 20.000,00 (vinte mil) reais. Já o policial Geraldo Prado, que também prestou o seguinte depoimento em juízo, ressaltou que o retrato falado foi feito pelo vigia e muito divulgado na imprensa; que, por uma denúncia anônima, chegaram até Fausto e ele foi reconhecido; que o réu negou participação no roubo, mas não explicou como comprou uma moto nova à vista já que está desempregado; que os assaltantes provavelmente vigiaram a agência e notaram a pouca segurança, os horários e hábitos dos empregados do banco Alfa; que não recuperaram o dinheiro; que nenhuma arma foi apreendida em poder de Fausto; que os outros autores não foram identificados; que, pela sua experiência, tem plena convicção da participação do acusado no roubo. O acusado Fausto de Sanctis negou veemente os fatos narrados na denúncia. Como se pode perceber, nos autos não há NENHUMA prova que pode afirmar COM CERTEZA que o autor d o delito praticado foi o réu. Conforme relatos das vítimas em Juízo, foi que o sistema de filmagem do Banco Alfa estava com defeito, bem como o retrato falado foi feito pelo vigia, mas o mesmo foi à óbito meses após o ocorrido. Por conta disso é praticamente impossível ter certeza se foi realmente o réu que praticou o delito. Além disso, a vítima Jussara afirmou que estava muito nervosa na hora do 3 acontecimento, porque tem depressão. Lembra que o assalto durou 05 (cinco) minutos, que não houve violência, bem como não viu nenhuma arma. Ademais, o acusado ressaltou na presença da sua defesa, que não cometeu o delito. Ora Excelência, consoante se depreende dos autos, não há nenhuma certeza que foi o réu o autor do fato ora apurado. O que se tem são apenas suposições, uma vez que a vítima Jussara não conseguiu reconhecer o réu. Também revela-se a fragilidade do “reconhecimento” prestado já se vê bastante para afastar qualquer grau de certeza quanto à participação do réu como autor do delito de roubo, a impor sua absolvição por insuficiência probatória. A imputação da autoria do roubo não vem acompanhada de evidência suficiente, não permitindo, assim, concluir-se que FAUSTO tenha alguma participação no crime. Pelo contrário: resta fundada dúvida acerca da viabilidade de sua participação. Assim como no presente caso, de acordo com as jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul/RS, vejamos: APELAÇÃO. CÓDIGO PENAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ART. 157, CAPUT. ROUBO SIMPLES. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. Percebe-se que os fatos não foram esclarecidos com absoluta certeza. Não ficou claro se a vítima e o denunciado estavam embriagados ou se realmente ocorreu o roubo. Não há qualquer prova judicializada apontando a autoria do fato para o acusado. É caso de manter a absolvição. APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO IMPROVIDO. UNÂNIME.(Apelação Criminal, Nº 70083404608, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em: 29-01- 2020). Grifamos. APELAÇÃO. CÓDIGO PENAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ART. 157, § 2º, INCISOS I e II. ROUBO MAJORADO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. A existência do fato restou comprovada, no entanto, a autoria não se mostrou inequívoca. Tudo o que há nos autos, em relação à autoria do roubo, são elementos indiciários, havendo apenas o reconhecimento fotográfico na fase policial, não confirmado em juízo. Ainda que os indícios tenham sido suficientes para o recebimento da denúncia e processamento do acusado, sabidamente não emprestam força probatória, devendo a 4 mínima dúvida ser resolvida em favor do réu. Assim, pela análise da prova colhida, realmente era caso de absolvição, diante da dúvida razoável presente nos autos. O princípio constitucional da presunção da inocência exige que a prova seja suficientemente certa para ensejar uma condenação e, no caso, o conjunto angariado foi escasso e não permite a emissão de um juízo de certeza quanto a autoria. Mantida a sentença absolutória, com fundamento no art. 386, VII, do CPP. APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO IMPROVIDO. UNÂNIME.(Apelação Criminal, Nº 70083237131, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em: 18-12-2019). Grifamos. Assim, pelo exposto, fica evidente a ausência de provas para ensejar um edito condenatório, sendo a absolvição medida justa, com base no art. 386, inciso VII, do CPP. Resta evidente, assim, que os elementos trazidos pela acusação como vinculadores do réu à prática delituosa são extremamente temerários, de modo que sob hipótese alguma seriam bastantes a comprovar a autoria delitiva e, assim, sustentar uma condenação criminal. Assim, visto que não há provas seguras para uma condenação, o juízo absolutório é imperativo. Nesses termos, inexistindo provas nos autos capazes de condenar o acusado como incurso no delito descrito na denúncia, requer-se a sua absolvição, a teor do que dispõe o art. 386, VII, do CPP. III -DOS PEDIDOS SUBSIDIÁRIOS Ainda que a Defesa Pública se mostre convencida da insuficiência da prova carreada em detrimento do acusado, pertinente tecer argumentações subsidiárias caso este juízo entenda por deferir o pleito acusatório. III. I – DO AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA Analisando com isenção os autos, necessariamente deve ser afastada a 5 qualificadora do concurso de pessoas.Isso porque, não há nenhuma prova da participação de mais de uma pessoa no delito, tendo em vista que nenhuma testemunha corroborou para comprovar que ocorreu o concurso de pessoas. Ademais, analisando o viés constitucional da qualificadora em comento, denota- se haver notória agressão aos princípios da Proporcionalidade, Razoabilidade e Isonomia, norteadores do Estado Democrático de Direito. Isso porque o tratamento dispensado ao furto qualificado tem o “poder” de duplicar a pena, se o delito for cometido em concurso de agentes. Ocorre que se compararmos com o crime de roubo cometido em concurso de agentes, a pena aumenta-se de um terço até a metade. Conclui-se, assim, pela incongruência da qualificadora em questão, ensejando sua inconstitucionalidade. Nesse sentido é a lição de Lênio Luiz Streck (in “Tribunal do Júri – Símbolos & Rituais”, Quarta edição, 2001, p. 64): “Não é possível, por exemplo, que o simples fato de um furto ter sido cometido por duas pessoas tenha o condão de duplicar a pena desse delito; como compatibilizar esse paradoxo com os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da isonomia, todos com assento na Constituição da República?” No mesmo diapasão, tese mencionada pelo Des. AMILTON BUENO DE CARVALHO, pertencente ao Procurador de Justiça LÊNIO LUIZ STRECK, quando do julgamento da Apelação Crime n° 70000284455 pelo Tribunal de Justiça Gaúcho: “Não se está a propor aqui – e até seria despiciendo alertar para este fato – que o judiciário venha a legislar, modificando o teor do dispositivo do Código Penal que estabelece a duplicação da pena nos casos de furto qualificado por concurso de pessoas. Na verdade, trata-se, nada mais nada menos, do que elaborar uma releitura da lei sob os parâmetros da devida proporcionalidade 6 prevista na Constituição Federal. O mecanismo apto para tal é o da interpretação conforme a Constituição, que se originou da Alemanha, que vem sendo utilizado pelo Supremo Tribunal Federal já há mais de 10 anos. Ou seja, o texto da Lei (CP) permanece com sua literalidade; entretanto, a norma, fruto da interpretação, é que exsurgirá redefinida em conformidade com a Constituição. Desse modo, analogicamente, o aumento de pena decorrente do concurso de pessoas (circunstância especial de aumento de pena) do roubo (art.157, § 2°, inc.II), que é de 1/3 até a metade, torna-se aplicável ao furto qualificado por concurso de agentes. E não se diga que o concurso de pessoas nas duas hipóteses não tem a mesma natureza jurídica. O que muda é tão- somente a denominação: no caso do furto, o concurso de pessoas é chamado de qualificadora; no caso do roubo, a participação de mais de duas pessoas é chamada de causa de aumento de pena... Não se olvide que, a uma, ambos os tipos penais pretensamente protegem o mesmo bem jurídico (o patrimônio), e, a duas, muito embora o roubo seja um crime bem mais grave, paradoxalmente o nosso sistema alça a participação de mais de uma pessoa à condição de qualificadora como uma majoração de pena bem menor. E parece óbvio que o moderno Direito Penal e o contemporâneo Direito Constitucional não podem compactuar com tais anomalias. Desnecessário referir que uma norma tem dois âmbitos: vigência e validade (Ferrajoli). Pode ela ser vigente e não ser válida. No caso dos autos, o dispositivo legal (texto) em questão, que estabelece a duplicação da pena, é vigente; entretanto, sua validade deve ser aferida na confrontação com o princípio da proporcionalidade e da isonomia. Razões pelas quais não há de incidir, no caso vertente, a qualificadora do concurso de agentes. Para fins de prequestionamento da matéria desde a origem, especialmente no que diz com eventual interposição de recurso perante os Tribunais Superiores, requer-se haja expressa fundamentação do juízo acerca da incidência, no caso concreto, de ofensa ao artigo 157, §2°, inciso II, do Código Penal. 7 III. II- DO AFASTAMENTO DA MAJORANTE DO EMPREGO DE ARMA No que diz respeito à majorante da utilização de arma para o crime (art. 157, § 2º, I, do CP), a mesma não deve prosperar. 8 A “prova” da majorante supracitada é depoimento das vítimas que teria dito que o assaltante estar portando uma arma de fogo. Ainda, cumpre salientar que, arma alguma foi apreendida – não se podendo atestar se tal objeto era realmente uma arma de fogo ou, por exemplo, um mero simulacro. Desta forma, não há como se comprovar que efetivamente uma arma foi mesmo utilizada no roubo comunicado. Ademais, é imprescindível que a “arma” utilizada tenha idoneidade lesiva, ou seja, que no momento da ação criminosa tivesse ela a aptidão de causar o dano que normalmente é capaz de produzir. Todavia, não se pode depreender tal informação dos autos. Em casos semelhantes, assim já decidiu nosso TJRS: “APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DEFENSIVO. ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO. ART. 157, § 2º, I, DO CÓDIGO PENAL. PLEITO DE REDUÇÃO DA PENA PROVISÓRIA PELA COMPENSAÇÃO DA REINCIDÊNCIA COM A CONFISSÃO ESPONTÂNEA. AFASTAMENTO DA MAJORANTE POR FALTA DE APREENSÃO DA ARMA DE FOGO E AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL COMPROVANDO POTENCIAL LESIVO DO OBJETO. A incidência da majorante pela ameaça com o emprego de arma de fogo não depende de apreensão e perícia, bastando que a prova disponível nos autos permita firmar convicção acerca do efetivo uso desse artefato com tal finalidade. É possível compensar a reincidência com a atenuante da confissão espontânea, como decidiu o STJ no REsp 1341370. RECURSO PROVIDO EM PARTE, POR MAIORIA. (Apelação Crime Nº 70073273815, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Batista Marques Tovo, Julgado em 23/06/2017).” Grifamos. 9 Destarte, em caso de eventual condenação, tendo em vista o acima exposto e principalmente pelo fato de não haver nenhuma informação idônea nos autos, não há de prosperar a aplicação da majorante do art. 157, §2ºA, I, do Código Penal. III. III - DO AFASTAMENTO DA PENA DE MULTA E DAS CUSTAS PROCESSUAIS: Por fim, há que se salientar a impossibilidade de condenação do réu à pena de multa e ao pagamento das custas processuais. Sobre a aplicação da pena de multa, reconhecida doutrina entende como inconstitucional tal ato, uma vez que passa da pessoa do acusado, atingindo sua família, o que é inadmissível ante o Princípio da Intranscendência. Assim ensinam ZAFFARONI e PIERANGELI1, em seu Manual de Direito Penal Brasileiro, nunca se pode interpretar uma lei no sentido de que a pena transcende da pessoa que é autora ou partícipe do delito. A pena é uma medida de caráter estritamente pessoal, em virtude de consistir numa ingerência ressocializadora sobre o apenado. Daí se deva evitar toda consequência da pena que afete terceiros. Não há que se falar, de igual forma, que a isenção de multa somente se procede perante a execução criminal, pois a pena pecuniária, após o trânsito em julgado da sentença, torna-se dívida ativa da Fazenda Pública, sendo, portanto, inviável e improvável a isenção em face da miserabilidade do acusado, por ser causa não prevista na lei fiscal. O que ocorrerá é que, após o cumprimento de sua pena corpórea, o denunciado encontrar-se-á listado como inadimplente junto a Fazenda Pública e, desta forma, possivelmente, impedido de alcançar diversas oportunidades de crédito e/ou laborais, pois sempre constará contra ele uma certidão positiva de dívida para com o Estado. Portanto, o réu é merecedor do afastamento da pena de multa e da suspensão da exigibilidade das custas do processo, em face da sua situação econômica, conforme o disposto no artigo 60 do Código Penal. 1 Zaffaroni e Pierangeli. Manual de Direito Penal,Parte Geral, 2ªed,p.176/177. 10 ANTE O EXPOSTO, o acusado, por intermédio da sua advogada,requer a improcedência da denúncia, com a absolvição do agente em razão da insuficiência probatória, fulcro no art. 386, inciso VII, do CPP, e, subsidiariamente, o afastamento da qualificadora do concurso de agentes e da majorante do emprego de armas, bem como o afastamento da pena de multa e a suspensão da exigibilidade das custas processuais. Nestes termos, pede deferimento. Charqueadas/RS, 03 de maio de 2021 Advogada OAB/RS 000.000 11 12 13