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A RESPONSABILIDADE CIVIL DE UM MÉDICO CIRURGIÃO PLÁSTICO

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A RESPONSABILIDADE CIVIL DE UM MÉDICO CIRURGIÃO PLÁSTICO
THE CIVIL RESPONSIBILITY OF A PLASTIC SURGERY DOCTOR
RESUMO
ABSTRATC 
INTRODUÇÃO
Na Antiguidade e durante a Idade Média, a figura do médico e a da própria Medicina, entendida como a arte de curar, profissão de amor e respeito ao ser humano, santuário de afeto e compaixão pela dor alheia, estiveram atreladas a um caráter religioso ou até mesmo mágico, atribuindo-se aos desígnios de Deus a saúde e a morte. O médico era tido como verdadeiro instrumento da vontade Divina.
A relação que existia entre médico e paciente envolvia uma extrema confiança, representando o profissional da saúde o status de médico da família, amigo e conselheiro de todo o núcleo familiar, e até mesmo de um grupo social, demarcado por sua atuação. Jamais se cogitava os métodos empregados pelo médico. Sua atuação era livre, e qualquer infortúnio nefasto era atribuído a vontade de Deus.
Flagrantemente mais evoluída, alguns séculos adiante, a sociedade abandonou esse caráter protecionista das ações do médico e passou a indagar acerca de suas concepções empregadas nas cirurgias e tratamentos clínicos. Restou abandonada a ideia de que a atividade do médico representava a vontade Divina. Passou-se, então, a questionar sobre a existência de uma responsabilidade civil médica.
A autuação dos profissionais da saúde passou a ser analisada com maior ênfase, atrelando-se a ocorrência de danos aos pacientes (e. g., morte, lesões irreparáveis) aos maus procedimentos levados a efeito pelo médico. A responsabilidade civil do médico apresentava-se como sendo o mecanismo utilizado pelo Estado para impor ao médico o dever de indenizar o dano que causou.
O erro médico e sua repercussão no âmbito da responsabilidade civil passaram a ocupar espaço significativo no bojo dos principais debates jurídicos (seminários, congressos, simpósios). Passou-se, destarte, a investigar todos os aspectos relacionados à atividade do profissional da saúde, v. g., natureza da obrigação assumida perante o paciente (meio ou resultado?), espécie de responsabilidade (subjetiva ou objetiva?) e consequências na fixação do quantum indenizatório.
Os hospitais, clínicas, associações e casas de saúde passaram a possuir tratamento diversificado daquele dispensado ao profissional liberal (art. 14, §4º, CDC). Configurado o erro médico, havendo a participação de pessoa jurídica, na qualidade de fornecedor de serviços, a responsabilidade evidencia-se objetiva; ao passo que, se não houver ingerência de hospital ou clínica, subjetiva apresenta-se a responsabilidade do profissional liberal.
Atrelada ao estudo do erro médico, adveio a análise da responsabilidade civil do cirurgião plástico, em face da natureza sui generis da obrigação que assume perante o paciente (consumidor). Diferentemente daquilo que ocorre nas cirurgias de um modo geral, na cirurgia estética o paciente não busca a cura para sua moléstia, e sim a correção de um problema estético (e. g., afilamento do nariz, lipoaspiração, correção de orelhas de abano).
Por essa razão, passou-se a discutir se a obrigação do cirurgião plástico se figura de meio (conforme os procedimentos cirúrgicos comuns, nos quais o dever do médico reside na busca da cura, não havendo falar em indenização se não for obtida, desde que o profissional atue com zelo, esmero e dedicação) ou de resultado (a satisfação do consumidor constitui o objetivo substancial do contrato de cirurgia plástica). 
Indaga-se, outrossim, acerca da atividade desempenhada pelo cirurgião plástico (na condição de profissional liberal), se sua responsabilidade se afigura subjetiva ou objetiva. Sendo subjetiva, o dever de indenizar depende da comprovação de que o médico agiu com imprudência, negligência ou imperícia; doutro norte, caracterizando-se objetiva, dispensa-se a comprovação de culpa. Então, subjetiva ou objetiva a responsabilidade do cirurgião plástico?
Constitui, por conseguinte, objeto do presente estudo científico, a problematização relacionada à responsabilidade civil do cirurgião plástico por dano estético, buscando, por intermédio de uma análise crítica das principais questões atinentes ao tema proposto, o delineamento dos parâmetros necessários à sua configuração e repercussão axiológica.
1.Responsabilidade subjetiva e objetiva 
Em regra, a responsabilidade civil é subjetiva, isto é, depende da comprovação de culpa – dolo, negligência, imprudência e imperícia. O ilustre Humberto Theodoro Júnior[footnoteRef:1] nos traz o seguinte conceito de culpa: “Culpa, no sentido jurídico, é a omissão da cautela, que as circunstâncias exigiam do agente, para que sua conduta, num momento dado, não viesse a criar uma situação de risco e, finalmente, não gerasse dano previsível a outrem”. [1: THEODORO JÚNIOR, Humberto. RESPONSABILIDADE CIVIL. 4. ed. São Paulo: Aide, 1997. p. 125.] 
A culpa é a falta de diligência na observância da norma de conduta[footnoteRef:2], isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das consequências eventuais da sua atitude. Ainda acerca da definição de culpa, o mestre Rui Stocco[footnoteRef:3] nos ensina que: [2: A culpa in eligendo caracteriza-se pela falta de cautela na escolha de preposto ou pessoa a quem se confia à execução de serviço e a in vigilando pela falta de cuidado, diligência, vigilância, atenção, fiscalização ou atos necessários de segurança de agente, no cumprimento de seu dever. (TJSC. A. C. nº. 2000.000847-8, rel. Des. Anselmo Cerello, j. 29.05.2002).] [3: STOCO, Rui. RESPONSABILIDADE CIVIL E SUA INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 55.] 
A culpa é a inexecução de um dever que o agente poderia conhecer e observar. Se o conhecia efetivamente e o violou deliberadamente, há delito civil, ou em matéria de contrato, dolo contratual. Se a violação do dever foi involuntária, podendo conhecê-la e evitá-la há culpa simples.
O Código Civil, em seu art. 186, prescreve que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Por sua vez, o art. 927 do mesmo Diploma Legal dispõe: “Aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. 
Da análise sistemática dos preceptivos retro-expostos, observa-se que para a configuração do dever de indenizar, torna-se imprescindível: a) conduta antijurídica - ação ou omissão; b) culpa; c) dano; e d) nexo de causalidade[footnoteRef:4] entre a conduta e o dano verificado. Acerca dos elementos da responsabilidade civil, o ínclito Caio Mário da Silva Pereira[footnoteRef:5] arremata que: [4: "O conceito de nexo causal, nexo etiológico ou relação de causalidade deriva das leis naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável”. (VENOSA, Silvio de Salvo. DIREITO CIVIL: Responsabilidade Civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. v. 4. pág. .39-40).] [5: PEREIRA, Caio Mário da Silva. INSTITUIÇÕES DE DIREITO CIVIL. Rio de Janeiro: Forense. 1993. v. 1. p. 457.] 
Em princípio a responsabilidade civil pode ser definida como fez o nosso legislador de 1916; a obrigação de reparar o dano imposta a todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar o direito ou causar prejuízo a outrem (Código civil, art. 159), deste conceito extraem-se os requisitos essenciais: a) em primeiro lugar, a verificação de uma conduta antijurídica, que abrange comportamento contrário a direito, por comissão ou por omissão, sem necessidade de indagar se houve ou não o propósito de malfazer; b)em segundo lugar, a existência de um dano, tomada à expressão no sentido de lesão a um patrimônio jurídico, seja este de ordem material ou imaterial, de natureza patrimonial ou não- patrimonial; c) em terceiro lugar, o estabelecimentode um nexo de causalidade entre uma e outro, de forma a precisar-se que o dano decorre da conduta antijurídica, ou, em termos negativos, que sem a verificação do comportamento contrário a direito não teria havido o atentado ao bem jurídico. Estabelecida a existência do nexo causal entre o comportamento do agente e o dano, há responsabilidade por fato próprio (...). O efeito da responsabilidade civil é o dever de reparação.
Excepcionalmente, o legislador dispensou a presença do elemento subjetivo, quando tratou da responsabilidade objetiva, atribuindo, por consequência, o dever de indenizar independentemente da comprovação de culpa. A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal[footnoteRef:6]. [6: De acordo com a lição de Sílvio de Salvo Venosa: “É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida. Nem sempre é fácil, no caso concreto, estabelecer a relação de causa e efeito”. (Op. cit., p. 42).] 
Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida. Esse tem sido o entendimento preconizado pelas Cortes pátrias, senão vejamos aresto do Tribunal de Justiça de Santa Catarina[footnoteRef:7]: [7: TJSC. Ap. Cível. Rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz. DJ: 30/08/2005.] 
Destarte, para surgir o direito à reparação, basta que se caracterize nexo de causa e efeito entre a ação e o dano. As hipóteses de responsabilidade objetiva encontram-se esculpidas na Lei (Exs: art. 14, CDC[footnoteRef:8]; art. 37, §6º, CF[footnoteRef:9]; e arts. 927, parágrafo único, 933[footnoteRef:10], 936[footnoteRef:11], 937[footnoteRef:12] e 938[footnoteRef:13], CC/02). Acerca da responsabilidade objetiva, o eminente Sílvio Rodrigues[footnoteRef:14] elucida que: [8: CDC, art. 14: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”. CIVIL E CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRELIMINARES: ILEGITIMIDADE ATIVA DO PARQUET, ILEGITIMIDADE PASSIVA E NULIDADE DA SENTENÇA. REJEIÇÃO. COOPERATIVA DE CRÉDITO. APLICAÇÃO DO CDC. POSSIBILIDADE. RETENÇÃO INDEVIDA DOS VALORES DAS CONTAS DOS COOPERADOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 14, DO CDC. DEVOLUÇÃO. OBRIGAÇÃO CONFIGURADA. RECURSOS CONHECIDOS E IMPROVIDOS. (TJRN. Apelação Cível n° 2007.006897-9. Órgão Julgador: 3ª Câmara Cível. Relator: Desembargador João Rebouças. Julgamento: 06/11/2008).] [9: CF/88, art. 37, §6º: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. Nesse diapasão: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. ACIDENTE AÉREO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PROGRESSÃO NA CARREIRA. EVENTUALIDADE DO FATO. MERA EXPECTATIVA DE DIREITO. LUCROS CESSANTES INDEVIDOS. 1. Sustenta o recorrente que, em virtude do acidente, deixou de receber vencimentos maiores com as futuras promoções a que teria direito ao longo de sua carreira profissional, motivo pelo qual pugna pela condenação do recorrido ao pagamento de lucros cessantes. 2. Há que se manter o entendimento a que chegou a Corte a quo, em razão de que o pedido de progressão da carreira, baseado em possíveis promoções a que o recorrido teria direito, depende de uma carga grande de eventualidade, de onde os lucros cessantes não estão enquadrados. Isso porque as possíveis promoções que o recorrido teria na carreira não são eventos certos, possíveis de serem desde já comprovados, por dependerem claramente de um juízo de probabilidade. Diferentemente seria se o recorrido pertencesse a um quadro funcional definido, com regulamentação própria e previsão certa, mediantes critérios objetivos, de acesso aos cargos mais elevados dentro da estrutura do órgão. Assim, embora a promoção seja algo possível e razoável de se esperar para o futuro, não é ela um fato comprovado, determinado e inevitável, passível de ser reparável, sendo, portanto, mera expectativa de direito. 3. Ademais, verifica-se que a análise do apelo exige que se reaprecie todas as provas depositadas nos autos, sendo, pois, incompatível com a via estreita da presente súplica excepcional, consoante teor do disposto no enunciado sumular n. 7 do Superior Tribunal de Justiça. 4. Recurso especial não-provido. (STJ. RESP. OJ: 1ª T. Rel. Min. Benedito Gonçalves. DJ: 03/03/2009).] [10: CC/02, art. 933: “As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos”.] [11: CC/02, art. 936: “O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior”.] [12: CC/02, art. 937: “O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta”.] [13: CC/02, art. 938: “Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido”.] [14: RODRIGUES, Sílvio. DIREITO CIVIL: Responsabilidade Civil. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 4. p. 11-12.] 
Será, igualmente, objetiva a responsabilidade quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano implicar por sua natureza, risco para os direitos de outrem[footnoteRef:15] (art. 927, par. único, CC/02[footnoteRef:16]). Por conseguinte, quando a lei for omissa e a atividade exercida pelo lesante não importar risco[footnoteRef:17] ao direito de terceiro, aplica-se a regra geral: responsabilidade subjetiva. Ressalte-se, entretanto, que essa regra não é absoluta. [15: ACIDENTE DE TRABALHO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EMPREGADOR - ATIVIDADE DE RISCO À INTEGRIDADE DO TRABALHADOR - A responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade. (TRT-PR-99520-2005-053-09-00-0-ACO-00871-2008 - 2A. TURMA. Relator: ANA CAROLINA ZAINA Publicado no DJPR em 18-01-2008).] [16: CC/02, art. 927, parágrafo único: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.] [17: DANO MORAL. ASSALTO A BANCO. Mesmo quando não constatada a culpa subjetiva por omissão do empregador, é inerente à atividade bancária a presença do risco, o que atrai a responsabilidade objetiva por eventuais danos, nos termos do art. 927, parágrafo único, do novo Código Civil Brasileiro. Inequívoco o abalo psicológico gerado por assaltos em estabelecimentos bancários aos empregados que são vítimas. Indenização por dano moral devida. (TRT-PR-01018-2003-09-00-0 - ACO-26998-2005- 5ª TURMA - Relator: Eneída Cornel - DJPR 21.10.2005).] 
1.3. Excludentes da responsabilidade civil 
Faz-se mister, para o surgimento do dever de indenizar, a configuração inequívoca da ação ou omissão do agente, o dano experimentado pela vítima, e relação de causa e efeito entre conduta e prejuízo patrimonial ou psicológico e, na responsabilidade subjetiva, a culpa, caracterizada pela imprudência, negligência ou imperícia. Precisas, nesse diapasão, as lições do eminente Sílvio Rodrigues[footnoteRef:18]: [18: Ibidem,p. 18.] 
Para que surja a obrigação de reparar, mister se faz prova da existência de uma relação de causalidade entre a ação ou omissão culposa do agente e o dano experimentado pela vítima. Se a vítima experimentar um dano, mas não se evidenciar que o mesmo resultou do comportamento ou da atitude do réu, o pedido de indenização, formulado por aquela, deverá ser julgado improcedente.
Existem determinadas circunstâncias que permitem a exclusão do dever de indenizar. Há o rompimento entre a conduta, omissiva ou comissiva, e o dano verificado[footnoteRef:19]. Excluem, pois o nexo de causalidade, obstaculizando a responsabilização do agente a quem se imputa a conduta lesiva: a culpa exclusiva da vítima; o fato de terceiro, o caso fortuito e a força maior; e a cláusula de não indenizar. [19: ]

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