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CAPÍTULO Engolir o tubo de borracha - um trote universitário? Edward Bradford Titchener (1867-1927) A biografia de Titchener Os experimentalistas de T itchener: proibido para as mulheres O conteúdo da experiência consciente Introspecção Os elementos da consciência Críticas ao estruturalismo Críticas à introspecção Mais críticas ao sistema de Titchener Contribuições do estruturalismo Questões para discussão Estruturalismo Engolir o tubo de borracha - um trote universitário? Você seria voluntário para engolir um tubo de borracha que vai até o seu estômago? Para em seguida despe- jarem água quente por ele? E, depois água gelada, tudo pela glória da pesquisa psicológica? Precisa de mais tempo para decidir? Se fosse um aluno de pós-graduação em psicologia na Cornell University ao norte de Nova York, no iní- cio do século XX, teriam feito essa pergunta a você, ou até mesmo incentivado- o para que aceitasse participar disso. E o professor Edward Bradford Titchener, psicólogo que conduziu o experimento, era um ser humano tão admirável que quase todos os alunos dele concordavam com as coisas muitas vezes absurdas que lhes pedia, tudo em nome da ciência. Os alunos estavam fornecendo dados para o sistema psicológico que estava desen- volvendo. Mas como? Eles executavam uma forma de introspecção. Introspecção era um sério empreendimento na Cornell daqueles tempos, e os alunos de pós-graduação de Titchener eram dedicados ao trabalho. Considere o tubo de borracha, por exemplo, pedia-se que engolissem o tubo para estudar a sensibilidade de seus órgãos internos. Os alunos engoliam os tubos pela manhã e per- maneciam com ele ao longo do dia. Pode-se imaginar que não era fácil desempenhar suas atividades normais com um tubo enfiado na garganta, e muitos vomitavam, mas depois acabavam se acostumando. Durante o dia, em horários determinados, os alunos se apresentavam ao laboratório para que se despejasse água quente pelos tubos. Os alunos relatavam as sensações. Posteriormente, eles repetiam o processo com água fria. Em outro experimento, os alunos carregavam cadernos até o banheiro para que relatassem seus sentimentos e sensações quando urinassem ou evacuassem. Depois houve o estudo sobre sexo, outro exemplo de dados que estavam perdidos por muitos anos antes de terem sido recuperados. Pedia-se a alunos casados que anotassem suas sensações e sentimentos elementares 88 CAPÍTULO 5 ESTRUTURALISMO 89 durante a relação sexual e que amarrassem dispositivos de medição aos corpos para registrar respostas fisiológicas. Esta pesquisa não foi muito anunciada na época. Foi revelada em 1960 por Cora Friedline, uma das alunas de Titchener, em palestra proferida no Randolph-Macon College, em Lynchburg, Virgina.1 O estudo tornou-se muito conhecido no campus da Cornell daquela época, mas atribuiu ao laboratório de psicologia a reputação de um local imoral. As responsáveis pelos dormitórios femininos não permitiam que as alunas visitassem o laboratório depois de escurecer. Quando se espalhou a notícia de que estavam colocando preservativos nos tubos que os alunos engoliam, o que se falava nos dormitórios, conforme Friedline, era que o laboratório "não era um lugar seguro para ninguém". Edward Bradford Titchener (1867-1927) Embora professasse ser um fiel seguidor de Wilhelm Wundt, E . B. Titchener alterou drasticamente o sistema de psicologia ao levá-lo da Alemanha para os Estados Unidos. Ele apresentou uma abordagem própria, à qual denominou estruturalismo, embora alegasse tratar do mesmo sistema estabelecido por Wundt. Na realidade, os dois eram completamente distintos e a denominação "estruturalismo" é adequada para definir apenas a psicologia de Titchener. O estruturalismo permaneceu em evidência por cerca de 20 anos nos Estados Unidos até ser superado por outros movimentos mais novos. Wundt havia identificado elementos ou conteúdos da consciência, mas a questão que mais chamava a sua atenção era a organização desses elementos, ou seja, a sua síntese em processos cognitivos superiores por meio da apercepção. Na opinião de Wundt, a mente era dotada do poder de organização voluntária dos elementos mentais, posição divergente da explicação mecanicista da passividade mental sustentada pela maioria dos em- piristas e associacionistas britânicos. Titchener se concentrava nos elementos ou conteúdos mentais, assim como na conexão mecânica me- diante o processo da associação, mas descartava a doutrina da apercepção de Wundt. O seu enfoque estava nos elementos propriamente ditos e, em sua opinião, a principal tarefa da psicologia consistia na descoberta da natureza das experiências conscientes elementares - a determinação da estrutura da consciência mediante a análise das suas partes componentes. Os anos mais produtivos de Titchener foram aqueles em que passou na Cornell University. Vestia sua toga de Oxford University para dar aulas e fazia delas uma produção grandiosa. O cenário era cuidadosamente preparado por seus assistentes sob rigorosa supervisão dele. Os docentes mais novos, obrigados a assistirem às suas aulas, faziam fila à porta para tomarem os primeiros assentos, enquanto Titchener entrava diretamente por outra porta dirigindo-se ao tablado. Embora tivesse estudado apenas dois anos com Wundt, seus modos eram muito parecidos com os do seu mentor, copiando seu estilo autocrático, sua maneira formal de dar aulas e até mesmo o uso da barba. Embora Titchener fosse inglês por nascimento, "aqueles que o conheciam pouco, ou que só tinham ouvido falar sobre ele, achavam que fosse alemão" (Boring, 1927, p. 493). Um de seus alunos, E. G. Boring, que mais tarde tornou-se um eminente historiador de psicologia, comentou que Wundt e Titchener tinham personalidades semelhantes, pois ambos eram autocráticos e dominadores. Titchener parecia se tornar mais arrogante à medida que envelhecia, e "ele se tornava, progressivamente, mais intolerante com a dissensão dos outros" (Jeshmaridian, 2007, p. 20). A biografia de Titchener Nasceu em Chichester, na Inglaterra, em uma família tradicional, mas de poucos recursos. Graças à sua consi- derável capacidade intelectual Titchener obteve bolsas de estudos para cursar a faculdade. Frequentou a Malvern College e mais tarde a Oxford University, onde estudou filosofia e os clássicos, além de trabalhar como assistente 1 Agradecemos a F. B. Rowe por nos fornecer uma cópia dos comentários de Friedline feitos em abril de 1960. 90 HISTÓRIA DA PSICOLOGIA MODERNA de pesquisa em fisiologia. Ganhou muitos prêmios acadêmicos e foi visto como um aluno brilhante, com um gosto por línguas, incluindo latim, grego, alemão, francês e italiano. Um professor de Oxford certa vez deu a Titchener um artigo em holandês e pediu um relatório no prazo de uma semana. Titchener protestou, pois não sabia holandês. O professor disse que aprendesse - e ele o fez. Titchener interessou- se pela psicologia wundtiana enquanto estudava em Oxford, entusiasmo não compar- tilhado e tampouco incentivado pela universidade. Por isso, naturalmente, teve de partir para Leipzig, a Meca dos cientistas pioneiros, para estudar com o próprio Wundt, lá obtendo o doutorado em 1892. Durante a vida estudantil, criou uma relação muito estreita com Wundt e sua família, a cuja casa muitas vezes era convidado e passou pelo menos um Natal na residência dos Wundt, nas montanhas (Leys e Evans, 1990). Ao receber o doutorado, Titchener esperava tornar-se o inglês pioneiro da nova psicologia experimental de Wundt, mas, quando retornou a Oxford, seus colegas ainda estavam céticos em relação à chamada abor- dagem científica sobre os seus temas filosóficos favoritos. Ali permaneceu alguns meses até perceber que as melhores oportunidades estavam em outro lugar. Deixou a Inglaterra e partiu para a Cornell University, nos Estados Unidos, para lecionar psicologia e dirigir um laboratório. Estava então com 25 anos, eali passou o resto da vida até falecer de tumor cerebral, aos 60 anos; seu cérebro foi preservado em um recipiente de vidro, em exposição na Cornell University, como parte de uma coleção iniciada em 1889 para estudar as diferenças das características do cérebro (Young, 2010). De 1893 a 1900, Titchener implementou seu laboratório, conduziu pesquisas e escreveu artigos acadêmicos, publicando, por fim, mais de sessenta trabalhos. Em virtude do grande número de alunos atraídos a Cornell por causa de sua psicologia, teve de abrir mão da tarefa de participar pessoalmente dos estudos de pesquisa, deixando a cargo dos estudantes a condução das experiências. Desse modo, a sua posição sistemática atingiu o auge do desenvolvimento por meio de orientação de pesquisas realizadas pelos alunos. Em 35 anos na Cornell, Titchener orientou mais de cinquenta doutorandos em psicologia, cujas dissertações, na maioria, contêm a marca das ideias dele. Exerceu nítida autoridade na seleção dos temas de pesquisa dos orientandos, atribuindo- -lhes as questões de seu maior interesse. Dessa forma, criou o sistema do estruturalismo, que mais tarde alegou ser a "única psicologia científica digna do nome" (apud Roback, 1952, p . 184). Titchener traduziu os livros de Wundt do alemão para o inglês. Quando concluiu a tradução da terceira edição de Princípios da psicologia fisiológica [Principies ef physiological psychology], Wundt já havia terminado a quarta edição. E, ao traduzir a quarta, constatou que o incansável Wundt havia acabado de publicar a quinta edição. Entre as obras de sua autoria estão Esboço de psicologia [An outline ef psychology] (1896), Introdução à psicologia [Primer of psychology] (1898) e, em quatro volumes, Psicologia experimental: um manual de práticas de laborató- rio [Experimental psychology: a manual oflaboratory practice] (1901-1905). Esta última, mais conhecida como Manuais [Manuais], incentivaram o trabalho de laboratório da psicologia nos Estados Unidos e influenciaram a geração dos psicólogos experimentalistas. Seus livros foram traduzidos para diversos idiomas, como russo, italiano, alemão, espanhol e francês. Como Wundt, Titchener era elogiado como um excelente professor, cujas aulas ninguém queria perder; frequentemente os corredores ficavam superlotados. Quando Boring foi assistir sua primeira aula com Titchener, encontrou alunos espalhados por todas as salas adjacentes. Não exagero quanto a seu magnetismo como professor. . . Lembro-me da aula sobre ritmo de sons como especialmente empolgante; imagine fazer com que ritmo de sons seja esti- mulante! Era aluno de engenharia na época e, no entanto foi a lembrança dessas aulas que fez com que mudasse para psicologia cinco anos mais tarde. (Boring, 1927, p. 494) À medida que Titchener envelheceu, seus hobbies passaram a ocupar seu tempo e energia, afastando- o do trabalho em psicologia. Titchener dividia sua energia entre o trabalho com a psicologia e diversos passatem- pos. Regia um pequeno grupo musical que se reunia todos os domingos à tarde na sua casa e, mesmo antes da criação do departamento de música em Cornell, por vários anos foi o professor responsável por essa disciplina. CAPÍTULO 5 ESTRUTURALISMO 91 Colecionava moedas e, graças a esse hobby, aprendeu chinês e árabe para decifrar os caracteres gravados nos metais. Correspondia-se frequentemente com vários colegas, na maioria das vezes por meio de cartas datilo- grafadas, porém com muitas observações manuscritas. Ele adicionou a palavra "empatia" à língua inglesa, quase por acidente. Esse é outro exemplo de tradução que alterou o sentido original de uma palavra (ver Capítulo 1). Titchener traduziu a palavra alemã "simpatia", a partir de um trabalho escrito por um psicólogo alemão, para o inglês como empatia, dando-lhe um significado bastante diferente Qahoda, 2005). Com o passar dos anos, Titchener afastou-se do convívio social e acadêmico, adquirindo o status de lenda viva de Cornell, embora muitos docentes nem sequer o houvessem conhecido ou visto. Preferia trabalhar em casa e, a partir de 1909, lecionava apenas nas tardes de segunda-feira, durante a primavera. A esposa dele se- lecionava as pessoas que o procuravam, protegendo-o de estranhos, e os alunos eram orientados a procurá-lo apenas em caso de urgência. Embora sustentasse o modo autocrático como um estereótipo do professor alemão, era igualmente solícito para com seus colegas e alunos, desde que fosse tratado com a deferência e o respeito de que acreditava ser merecedor. Histórias dão conta de docentes mais jovens e estudantes de pós-graduação que lavavam o carro dele e instalavam telas de proteção na janela da sua residência no verão, não por obrigação, mas por admiração. O ex-aluno Karl Dallenbach cita uma afirmação de Titchener segundo a qual "um homem não pode ter esperança de tornar- se um psicólogo enquanto não aprender a fumar" (Dallenbach, 1967, p. 85). E, realmente, vários alunos começaram a fumar charutos, pelo menos na presença do mestre. (O próprio Dallenbach conta ter ficado enjoado quando fumou seu primeiro charuto.) Cora Friedline relatou a seguinte experiência com Titchener: [Ela] estava na sala de Titchener discutindo com ele a sua pesquisa quando o inseparável charuto encostou na barba, que começou a queimar. Ele falava de forma tão imponente naquele momento que faltou a ela coragem para interrompê-lo. Finalmente, disse: "Queira me perdoar, Dr. Titchener, mas suas suíças estão em chamas". Quando Titchener conseguiu finalmente extinguir o fogo, as chamas já estavam atingindo a camisa e a camiseta que vestia por baixo.2 Nem a preocupação pelos alunos e muito menos a influência sobre suas vidas terminavam quando eles se formavam e deixavam a Cornell. Depois de receber o título de Ph.D., Dallenbach planejava cursar a escola de medicina, mas Titchener arranjou-lhe uma posição acadêmica na University of Oregon. Dallenbach pensou que Titchener aprovaria a sua intenção de seguir medicina, mas estava enganado. "Tive de ir para Oregon, já que [Titchener] não estava disposto a ver todo o seu trabalho e toda a sua orientação perdidos" (Dallenbach, 1967, p . 91). Outro ex-aluno, E. G. Boring lembrou-se de que nem todos aceitavam a ingerência de Titchener sobre suas vidas. "Diversos de seus alunos mais brilhantes ressentiram-se da interferência e do controle e acabaram rebelando-se, vendo-se, então, excluídos, excomungados, magoados, em uma relação sem retorno" (Boring, 1952, p. 32-33). Às vezes as relações de Titchener com os psicólogos fora do seu grupo também eram tensas. Eleito pelos fundadores como membro da APA em 1892 renunciou, logo em seguida, porque a associação negou-se a ex- pulsar um membro que ele acusava de plágio. Conta-se que um amigo pagou as taxas de Titchener durante vários anos para que o nome dele sempre estivesse na lista de membros. Os experimentalistas de Titchener: proibido para as mulheres Em 1904, um grupo de psicólogos de Cornell, Yale, Clarck, Michigan e Princeton, entre outros, que se autodenominavam "os experimentalistas de Titchener" começou a se reunir regularmente para comparar as 2 De L. T. BenjaminJr., baseado em documentos do Acervo C ora Friedline, Arquivos de H istória da Psicologia Americana, da University of Akron, Ohio. 92 HISTÓRIA DA PSICOLOGIA MODERNA observações obtidas nas pesquisas. Além de selecionar os temas e os participantes, Titchener geralmente conduzia as reuniões. Uma das regras era a proibição de participação das mulheres. E. G. Boring conta que Titchener desejava "ouvir relatos com liberdade para interromper, debater e criticar, em um ambiente encoberto pela fumaça dos charutos e sem a presença das mulheres. Elas são delicadas demais para fumar" (Boring, 1967, p. 315). Algumas alunas da Bryn Mawr College, na Pensilvânia, tentaram frequentar essas reuniões, no entanto foram prontamente convidadas a se retirar. Em uma das reuniõeselas se esconderam sob a mesa, enquanto a noiva de Boring, Lucy May, e outra amiga aguardavam na sala ao lado "com a porta entreaberta para descobrirem como era a psicologia masculina sem censuras". Boring lembrou- se de que elas saíram " ilesas" (Boring, 1967, p. 322). Lucy May Boring, que morreu aos 110 anos (1886-1996), obteve o Ph.D. na Cornell em 1912, e chegou a lecionar por um breve período na Vassar College e na Wells College antes de abrir mão da carreira na psi- cologia e optar pelo casamento. Assim como diversas mulheres casadas, de classe média daquela época, com ótima formação e credenciais acadêmicas, ela trabalhava no anonimato em projetos de seu marido. Ela lia as publicações e opinava sobre elas, embora suas contribuições permanecessem desconhecidas do público. Em 1912, com o intuito de participar da reunião dos experimentalistas, Christine Ladd-Franklin (1847-1930) escreveu a Titchener para solicitar uma oportunidade para ler o relatório da sua pesquisa relativa à psicologia experimental. Havia trabalhado no problema da visão das cores no laboratório de G. E. Müller na University of Gottingen, na Alemanha, e no laboratório de Helmholtz, em Berlim. Antes disso, havia completado as exigências para o obtenção do Ph.D. em matemática naJohns Hopkins University, mas teve o título negado por ser mulher. A direção da universidade acabou redimindo-se e concedeu-lhe o título de doutorado somente 44 anos mais tarde. Quando Titchener recusou seu pedido, ela escreveu para ele, dizendo-se "chocada em saber que ainda hoje, em 1912, vocês não permitem a participação das mulheres nas reuniões dos psicólogos experimentalistas. Como podem ser tão retrógrados?" (apud Furumoto, 1988, p. 107). Sem desistir da sua posição, continuou a protestar durante vários anos, chamando a política de Titchener de imoral e anticientífica. Titchener escreveu a um amigo, dizendo: "A Sra. Ladd- Franklin acusou-me de injúria por não permitir a participação das mulheres nas reuniões e ameaça fazer um escândalo pessoalmente e por escrito. Possivelmente ela conseguirá dissolver o grupo e nos obrigará a realizar reuniões escondidas em tocas escuras, como os coe- lhos" (apud Scarborough e Furumoto, 1987, p. 126). Embora Titchener continuasse a excluir as mulheres das reuniões dos experimentalistas, encorajava e apoiava seu progresso na psicologia. Ele aceitava mulheres nos programas de pós-graduação em Cornell, mas as universi- dades de Harvard e Columbia não as admitiam. Mais de um terço dos 56 doutorados concedidos por Titchener foi para mulheres. Nenhum psicólogo daquela época concedeu tantos títulos de doutorados a mulheres como Titchener. Ele também apoiava a contratação de professoras, ideia que muitos colegas consideravam avançada demais. Em uma ocasião, ele insistiu na contratação de uma professora, mesmo diante da recusa do diretor. A primeira mulher a obter o doutorado em psicologia foi Margaret Floy Washburn, que também fora a primeira orientanda de doutorado de Titchener. Ela lembrou que: "Ele não sabia muito bem o que fazer co- migo" (Washburn, 1932, p. 340). Depois do doutorado, ela escreveu um importante livro sobre a psicologia comparativa (A mente animal - The animal mind, 1908) e foi a primeira psicóloga eleita para a Academia Nacional de Ciências (National Academy ofSciences). Além disso, chegou a ser presidente da APA. Essa breve menção ao sucesso de Washburn tem o intuito de salientar o constante apoio de Titchener à mulher na psicologia. Embora ele não abrisse mão da proibição de mulheres nas reuniões dos experimentalistas, envidou esforços para abrir as portas totalmente fechadas, pela maioria dos psicólogos, às mulheres. Em 1929, dois anos após a morte de Titchener, os experimentalistas renasceram como Sociedade de Psi- cólogos Experimentais (Society of Experimental Psychologists), ainda ativa hoje (www.sepsych.org). A nova sociedade admitia mulheres (Washburn foi uma das duas mulheres titulares) e tinha reuniões anuais para dis- cutir a pesquisa de seus convidados (ver Goodwin, 2005). Em 2004, a Sociedade de Psicólogos Experimentais CAPÍTULO 5 ESTRUTURALISMO 93 (Society of Experimental Psychologists) organizou uma reunião por ocasião de seu centenário, no campus da Cornell University. Um dos professores da Cornell trouxe um convidado para a reunião: o cérebro de Titchener (Benjamin, 2006a, p. 137). O conteúdo da experiência consciente De acordo com Titchener, o objeto de estudo da psicologia é a experiência consciente como dependente do indivíduo que a vivencia. Esse tipo de experiência difere da estudada por cientistas de outras áreas. Por exemplo, tanto a física como a psicologia podem estudar a luz e o som. Enquanto os físicos examinam os fenômenos do ponto de vista dos processos físicos envolvidos, os psicólogos analisam a luz e o som com base na experiência e na observação humana desses fenômenos. As outras ciências não dependem da experiência pessoal. Titchener citou, como exemplo da física, a tem- peratura de uma sala que pode ser, por exemplo, de 30 ºC, haja ou não uma pessoa presente para senti-la. No entanto, quando há observadores que relatem sentir um calor desconfortável, essa sensação - a experiência da temperatura elevada - depende das experiências individuais dos presentes. Para Titchener, esse tipo de experiência consciente é o único enfoque adequado para a pesquisa psicológica. Ele descreveu a diferença entre a experiência dependente e a independente no livro Compêndio de psicologia [A textbook of psychology], publicado em 1909. À Texto original Trecho sobre o estruturalismo, extraído de A textbook of psychology (1909), de E. B. Titchener3 Todo conhecimento humano é derivado da experiência humana, não há outra fonte de conhecimento. No entanto a experiência humana, como vimos, pode ser analisada a partir de pontos de vista distintos. Imaginemos esta situação: tomamos dois pontos de vista, os mais distintos possíveis, e vivenciamos, nós mesmos as experiências nos dois casos. Em primeiro lugar, consideraremos a experiência como um todo, independente de qualquer pessoa em particular; e que ela ocorra, haja ou não alguém para vivenciá-la. Em segundo lugar, consideraremos a experiência como um todo dependente de uma pessoa em parti- cular; e que ela ocorra apenas quando há alguém presente para vivenciá-la. Dificilmente encontraremos dois pontos de vistas tão antagônicos quanto esses. Quais as diferenças na experiência analisada a partir dessas duas visões? Para começar, tomemos os três primeiros conceitos ensinados na física: o espaço, o tempo e a massa. O espaço físico, que é o espaço da geometria, astronomia e geologia, é constante, permanecendo sem- pre o mesmo em qualquer parte. A unidade de medição é o centímetro, que tem exatamente o mesmo valor onde e quando quer que seja aplicado. O tempo físico é igualmente constante, assim como sua unidade de medição, o segundo. A massa física é constante e sua unidade, o grama, é sempre a mesma em qualquer parte. Esses são casos de experiências de espaço, tempo e massa, consideradas indepen- dentes da pessoa que as vivencia. Passemos, então, para a visão que considera a experiência dependente da pessoa que a vivencia. As duas linhas verticais (na Figura 5.1) são idênticas fisicamente; possuem a mesma medida em unidades de 3 Reimpresso mediante a autorização da Macmillan Publishing Co., lnc., extraído de A textbook of psychology, de E. B. Titchener (p. 6-9). Copyright 1909 por Macmillan Publishing Co., lnc. Revisado em 1937 por Sophia K, Titchener. 94 HISTÓRIA DA PSICOLOGIA MODERNA centímetro. Para você, que as visualiza, não são iguais. A hora que você passa no saguão de espera de uma estação em um vilarejo e a hora que você passa assistindo a uma peça interessante são fisicamente idên- ticas; possuem a mesma medida em unidades de segundo. Para você, a hora na primeira situação passa devagar ena outra, rapidamente; não são iguais. Pegue duas caixas circulares de papelão com diâmetros diferentes (2 e 8 centímetros) e jogue areia dentro delas até as duas pesarem, digamos, 50 gramas. As duas massas são fisicamente idênticas; colocadas nos pratos de uma balança, o medidor apontará o centro, ou seja, a mesma medida para as duas. Para você, ao levantar as duas caixas, uma em cada mão, ou ao levantá-las uma de cada vez com a mesma mão, a caixa de menor diâmetro será conside- ravelmente mais pesada. Temos aqui a experiência de espaço, tempo e massa considerada dependente da pessoa que a vivencia . É exatamente a mesma experiência discutida anteriormente. No entanto, a primeira perspectiva apresenta-nos fatos e leis da física; e a segunda, fatos e leis da psicologia. FIGURAS.1 Passemos agora a três temas básicos discutidos nos livros de física: o calor, o som e a luz. O calor propriamente dito, assim como afirmam os físicos, é a energia gerada pelo movimento molecular; calor é a forma de energia derivada do movimento entre as partículas de um corpo. A radiação pertence, juntamente com a luz, à chamada energia radiante - a energia propagada por movimentos de ondas do espaço celeste luminífero que preenche o espaço. O som é a forma de energia resultante dos movimen- tos vibratórios dos corpos, e que se propaga por movimentos de ondas de algum meio elástico, sólido, líquido ou gasoso. Em resumo, o calor consiste na dança das moléculas; a luz, no movimento de ondas do espaço celeste e o som, no movimento de ondas do ar. O universo da física, no qual essas experiências são consideradas independentes das pessoas que as vivenciam, não há calor nem frio, não há escuridão nem luz, não há silêncio nem ruído. Somente quando as experiências são consideradas dependentes de algum indivíduo é que existem o calor e o frio, o preto e o branco, o colorido e o cinzento, tons, assobios e estampidos. E esses são os objetos de estudo da psicologia. No estudo da experiência consciente, Titchener fez um alerta a respeito de se cometer o que chamou erro de estímulo, que gera uma confusão entre o processo mental e o objeto da observação. Por exemplo, CAPÍTULO 5 ESTRUTURALISMO 95 o observador que vê uma maçã e a descreve apenas como a fruta maçã em vez de descrever elementos como a cor, o brilho e a forma que está observando, comete o erro de estímulo. O objeto da observação não deve ser descrito na linguagem cotidiana, mas em termos do conteúdo consciente elementar da experiência. Erro de estímulo: confusão entre o processo mental que está sendo estudado e o estímulo ou objeto que está sendo observado. Quando o observador concentra-se no objeto de estímulo e não no conteúdo consciente, não faz distin- ção entre o conhecimento adquirido no passado em relação ao objeto (por exemplo, que o nome do objeto é maçã) e a própria experiência imediata e direta. Todo observador sabe que a maçã é vermelha, redonda e tem certo brilho. Ao descrever outras características que não sejam a cor, o brilho e o formato, em vez de observar o objeto, o observador o está interpretando. Trata- se, assim, da experiência mediata, e não da imediata. Titchener definia a consciência como a soma das experiências existentes em determinado momento. A mente é a soma das experiências acumuladas ao longo do tempo. A consciência e a mente são semelhantes, apenas com a diferença de que a consciência envolve os processos mentais que ocorrem em determinado mo- mento, e a mente, o total desses processos. A psicologia estrutural, na visão de Titchener, era uma ciência pura. Ele não se preocupava com a aplicação do conhecimento psicológico. A psicologia, afirmava, não se propõe a curar mentes doentias nem a reformar a sociedade. O único propósito legítimo da psicologia é descobrir os fatos estruturais da mente. Ele acreditava que os psicólogos deviam manter- se distantes das especulações sobre o valor prático do seu trabalho. Por isso posicionou-se contra o desenvolvimento da psicologia infantil, animal e outras áreas incompatíveis com a psicologia introspectiva experimental do conteúdo da experiência consciente. Introspecção Titchener empregava a introspecção, ou auto- observação, com base em observadores rigorosamente treinados para descrever os elementos no seu estado consciente, em vez de relatar o estímulo observado ou percebido, utilizando apenas nomes conhecidos. Percebeu que todos aprendemos a descrever a experiência no que se refere a estímulo, por exemplo, chamar o objeto vermelho, redondo e brilhante de maçã, o que é suficiente e útil para o cotidiano. Em seu laboratório de psicologia, no entanto, essa prática teve de ser desaprendida. Titchener adotou a mesma definição de Külpe para descrever o seu método, introspecção experimental sistemática. Como Külpe, ele utilizava relatos detalhados, subjetivos e qualitativos das atividades mentais dos indivíduos durante o ato de introspecção. Ele se opunha à abordagem de Wundt, cujo foco era as mensurações quantitativas e objetivas, porque acreditava não serem úteis na análise das sensações e imagens elementares da consciência, ponto central da sua psicologia. Em outras palavras, Titchener divergia de Wundt porque estava interessado em analisar a experiência consciente complexa a partir das partes componentes, e não a síntese dos elementos mediante a apercepção. Titchener dava ênfase às partes, enquanto Wundt, ao todo. Alinhado com a maioria dos empiristas e associa- cionistas britânicos, o objetivo de Titchener era descobrir os chamados átomos da mente. Seu conceito de introspecção aparentemente já se havia formado antes de ele estudar com Wundt, em Leipzig. Um historiador disse que, quando ele ainda frequentava a Oxford, fora influenciado pelos trabalhos de James Mill (Danziger, 1980). O espírito da filosofia mecanicista também o influenciou como se pode observar na imagem que ele ti- nha dos observadores que forneciam dados a ele em seu laboratório. Nos seus relatos de pesquisa publicados, eram chamados de reagentes, termo usado por químicos para se referirem às substâncias que, por causa de sua capacidade para certas reações, são utilizadas para detectar, examinar ou medir outras substâncias. O reagente normalmente é passivo, ou seja, é usado para provocar reações nas outras substâncias. 96 HISTÓRIA DA PSICOLOGIA MODERNA Percebe-se que, ao aplicar esse conceito aos observadores humanos, Titchener os enxergava como instru- mentos mecânicos de registro, que reagiam e respondiam de forma objetiva às observações das características do estímulo observado. Os indivíduos seriam meramente máquinas neutras e imparciais. Seguindo a ideia de Wundt, as observações treinadas se tornariam tão mecanizadas e habituais que os observadores não perceberiam mais se estavam realizando um processo consciente. Titchener dizia: Ao prestar atenção no fenômeno, o observador da psicologia, assim como o observador da física, esquece completamente de atribuir atenção subjetiva ao estado de observação [ ... ] os observadores, como é do nosso conhecimento, são treinados; seu "estado de observação" já está mecanizado. (Titchener, 1912a, p. 443) Se esses observadores eram considerados máquinas, então não faltava muito para generalizar esse conceito a todo ser humano. Esse pensamento mostra a contínua influência da visão mecânica do universo de Galileu e Newton, conceito que não desapareceu mesmo com a extinção do estruturalismo. Com os desdobramentos da história da psicologia, observa-se que a imagem do homem como máquina continuou a caracterizar a psicologia experimental até a primeira metade do século XX. A proposta de Titchener consistia na abordagem experimental para a observação introspectiva na psicologia. Ele obedecia rigorosamente às normas da experimentação científica, afirmando que um experimento é uma observação que pode ser repetida, isolada e variada. Quanto maior a quantidade derepetições das observações, maior a probabilidade de clareza na percepção e de precisão na descrição do objeto observado. Quanto mais isolada a observação, mais fácil será a execução da tarefa e menor o risco de confusão proveniente de circunstâncias irrelevantes ou de ênfase no ponto errado. Quanto mais amplamente se puder variar a observação, mais clara será a percepção da uniformidade da experiência e maior a chance de descoberta de leis. (Titchener, 1909, p. 20) A introspecção realizada pelos reagentes ou observadores do laboratório de Titchener era baseada em vários estímulos, proporcionando observações extensas e detalhadas dos elementos de suas experiências. Por exemplo, um acorde com três notas seria tocado no piano. Os observadores tinham de relatar quantos sons separados eles conseguiam distinguir, as características mentais dos sons, e quaisquer outros átomos básicos ou elementos conscientes que pudessem detectar. Outro experimento envolvia determinada palavra falada em voz alta. Como Titchener descreveu, pedia-se ao reagente que "observasse o efeito que esse estímulo produz sobre a consciência: como a palavra afeta a pessoa, que ideias veem à mente, e assim por diante" (Titchener, 1910, apud Benjamin. 1997, p. 174). Pode-se ver por esses exemplos por que os observadores no laboratório de Titchener tinham de ser rigorosamente treinados, e como suas observações eram necessariamente subjetivas, ou qualitativas. Os elementos da consciência Titchener apresentou três propostas básicas para a psicologia: 1. reduzir os processos conscientes a seus componentes mais simples; 2. determinar as leis de associação desses elementos da consciência; 3. conectar os elementos às suas condições fisiológicas. Assim, as metas da psicologia estrutural de Titchener coincidem com as das ciências naturais . Depois de decidir a parte do universo natural que desejam estudar, os cientistas tentaram descobrir seus elementos para demonstrar como eles compõem um fenômeno complexo e para formular as leis que os governam. A parte principal da pesquisa de Titchener dedicava-se ao primeiro problema: descobrir os elementos da consciência. CAPÍTULO 5 ESTRUTURALISMO 97 Titchener definiu três estados elementares da consciência: o estado da sensação, o da imagem e os estados afetivos. As sensações são elementos básicos da percepção e estão presentes nos sons, nas visões, nos cheiros e nas outras experiências provocadas pelos objetos físicos do ambiente. As imagens são elementos das ideias e estão no processo que reflete as experiências não realmente presentes no momento, mas como a lembrança de uma experiência do passado. Os estados afetivos, ou as afeições, são elementos da emoção e encontram-se nas experiências como o amor, o ódio e a tristeza. Em Um esboço de psicologia [An outline of psychology] (1896), Titchener apresentou a lista dos elementos da sensação descobertos nas suas pesquisas. São cerca de 44.500 qualidades sensoriais individuais, sendo 32.820 visuais e 11.600 auditivas. Cada elemento é considerado consciente e distinto dos demais, podendo haver a combinação entre eles para a formação das percepções e das ideias. Embora básicos e irredutíveis, os elementos mentais podem ser categorizados, do mesmo modo que os elementos químicos são agrupados em classes. Apesar da simplicidade, os elementos mentais são dotados de atributos distintivos. Titchener adicionou a duração e a nitidez. Essas quatro características eram consideradas fundamentais, já que estão, em certo grau, em toda experiência. • Qualidade é a característica, como "frio" ou "vermelho", que distingue claramente um elemento de todos os demais. • Intensidade refere-se a força, fraqueza, sonoridade ou brilho de uma sensação. • Duração é o curso da sensação ao longo do tempo. • Nitidez refere-se à função da atenção na experiência consciente; uma experiência no foco da nossa atenção é mais nítida do que uma que não seja alvo da nossa atenção. As sensações e as imagens possuem todos esses quatro atributos, no entanto os estados afetivos são dotados apenas de três: a qualidade, a intensidade e a duração, não possuindo a nitidez. Por quê? Titchener acreditava ser impossível concentrar a atenção diretamente em um elemento de emoção ou sentimento. Quando tentamos fazê-lo, a qualidade afetiva, como a tristeza ou a satisfação, desaparece. Alguns processos sensoriais, especial- mente a visão e o tato, são dotados de outro atributo, a extensão, já que envolvem a noção espacial. Todo processo consciente pode ser reduzido a um desses atributos. As descobertas feitas no laboratório de Külpe, em Würzburg, sobre o problema do pensamento sem imagens, não fizeram Titchener mudar de opinião. Ele reconhecia que algumas qualidades mal definidas podem ocorrer durante o pensamento, no entanto afir- mava que, ainda assim, consistiam em sensações ou imagens. Para Titchener estava claro que os observadores de Külpe sucumbiram ao erro de estímulo por concentrarem mais atenção nos estímulos do objeto do que nos próprios processos conscientes. Os alunos da pós-graduação de Cornell realizaram muitas pesquisas relacionadas com os estados afetivos e suas constatações levaram Titchener a rejeitar a teoria tridimensional dos sentimentos de Wundt. Titchener alegava estar o afeto presente em apenas uma dimensão - no prazer/desprazer - e rejeitava as dimensões de tensão/relaxamento e excitação/depressão definidas por Wundt. No final da vida, Titchener alterou de forma significativa a sua psicologia estrutural. Começou a trabalhar no que imaginava ser a exposição completa do seu sistema. Por volta de 1918, não abordava mais o conceito de elementos mentais nas aulas e afirmava que a psicologia devia dedicar-se ao estudo das dimensões ou dos processos mentais mais amplos, os quais ele listava como qualidade, intensidade, duração, nitidez e extensão, e não dos elementos básicos. Alguns anos mais tarde escreveu a um aluno de pós-graduação: "Desista de pensar em termos de sensações ou afetos. Esses conceitos eram válidos há 10 anos, mas hoje [ ... ] estão completamente desatualizados. [ ... ] Pense em termos de dimensões e não de constructos sistemáticos como a sensação" (Evans, 1972, p. 174). Na década de 1920, Titchener colocou em dúvida o uso do termo "psicologia estrutural" e passou acha- mar sua abordagem de psicologia existencial. Reavaliou seu método de introspecção e adotou o tratamento fenomenológico, examinando a experiência como um todo e não dividida em elementos. 98 HISTÓRIA DA PSICOLOGIA MODERNA Se Titchener tivesse vivido tempo suficiente para implementá-la, essas mudanças drásticas de perspectiva poderiam ter alterado, radicalmente, a visão e o destino da psicologia estrutural. Essas ideias supõem flexibilidade e abertura para mudanças que os cientistas acreditam possuir, mas que nem sempre são capazes de demonstrar. As provas dessas mudanças foram reunidas pelos historiadores mediante a análise cuidadosa de cartas e aulas de Titchener (ver Evans, 1972; Henle, 1974). Embora não tenham sido incorporadas formalmente a seu sistema, essas ideias indicam a direção para a qual ele seguia, mas a morte o impediu de atingir esse objetivo. Críticas ao estruturalismo Muitas vezes, as pessoas ganham notoriedade na história porque se opõem a um ponto de vista mais antigo, mas no caso de Titchener não foi bem assim, pois ele se manteve firme, mesmo quando todos haviam mudado de opinião. Na segunda década do século XX, o pensamento intelectual norte-americano e europeu havia mudado, mas o sistema formal de Titchener permanecia o mesmo. Consequentemente, vários psicólogos che- garam a considerar a psicologia estrutural uma tentativa fútil de ater-se a princípios e métodos antiquados. O psicólogo James Gibson, que conheceu Titchenerjá quase no final da vida, observou que, embora ele "inspirasse verdadeira admiração [ . . . ] a minha geração prescindiada sua teoria ou do seu método. Sua influência estava em declínio" (Gibson, 1967, p. 130). Titchener acreditava que estava estabelecendo uma base para a psicologia, no entanto seus esforços fizeram parte apenas de uma fase da história da disciplina. A era do estruturalismo entrou em colapso quando Titchener morreu, e o fato de essa escola ter se mantido por tanto tempo, deve ser atribuído como um verdadeiro tributo à sua personalidade dominadora. Críticas à introspecção As críticas mais relevantes em relação ao método de introspecção estavam voltadas ao tipo de observação pra- ticada nos laboratórios de Titchener e Külpe, que lidava com relatos subjetivos de elementos da consciência, diferentemente do método de percepção de Wundt, o qual lidava com as reações mais objetivas e quantitativas ao estímulo externo. A introspecção, no sentido mais amplo, foi empregada por décadas, e as críticas ao método não eram no- vidade. Um século antes do trabalho de Titchener, o filósofo alemão Immanuel Kant declarou que qualquer tentativa de introspecção alterava necessariamente a experiência consciente observada, porque introduzia uma variável de observação no conteúdo da experiência consciente. O filósofo positivista Auguste Comte criticou o método introspectivo, alegando que, se a mente fosse capaz de observar as próprias atividades, teria de se dividir em duas partes: uma observadora e outra observada e, para ele, obviamente, isso era impossível (Wilson, 1991). A mente é capaz de observar todos os fenômenos, exceto os próprios. [ . . . ] O órgão observador e observado neste caso é o mesmo e a sua ação não pode ser pura e natural. Para realizar uma observação, o intelecto deve fazer uma pausa em sua atividade; no entanto essa é exatamente a atividade que se deseja observar. Se essa pausa não for possível, será impossível realizar a observação; e, se for possível, não haverá objeto a ser observado. Os resultados desse método são igualmente proporcionais ao seu absurdo. (Comte, 1830/ 1896, v. 1, p. 9) O médico inglês Henry Maudsley também fez críticas à introspecção e falou sobre a psicopatologia: Não existe consenso entre os observadores da introspeção. Se houver concordância, deve-se ao fato de eles estarem rigorosamente treinados e, assim, produzirem observações parciais. [ ... ] Devido à extensão patológica da mente, o autorrelato é dotado de pouca credibilidade. (Maudsley, 1867, apud Turner, 1967, p. 11) CAPÍTULO 5 ESTRUTURALISMO 99 Desse modo, havia dúvidas substanciais a respeito da introspecção, muito antes de Titchener modificar e aprimorar o método para adequá-lo aos métodos científicos. Ainda que sua abordagem tenha se tornado mais precisa, os ataques continuaram. Um dos alvos das críticas era a definição, já que Titchener aparentemente tinha dificuldades em definir exatamente o significado do método introspectivo. Ele tentava explicá-lo, relacionando-o com condições experimentais específicas. A direção seguida pelo observador varia nos detalhes em relação à natureza da consciência observada, ao objetivo do experimento, [e] à instrução dada pelo pesquisador. Assim, introspecção é um termo genérico e abrange um grupo indefinido enorme de procedimentos metodológicos específicos. (Titchener, 19126, p. 485) O segundo alvo das críticas à metodologia de Titchener estava relacionado com a tarefa exata que os observadores estruturalistas eram treinados para executar. Os alunos de pós-graduação de Titchener, que serviam de observadores, eram instruídos a ignorar algumas classes de palavras (as denominadas palavras com significado) que faziam parte do seu vocabulário. Por exemplo, a frase "Vejo uma mesa" não era dotada de significado científico para o estruturalista; a palavra "mesa" possui significado, com base no conhecimento estabelecido e geralmente aceito, relacionado com a combinação específica de sensações que aprendemos para identificar e chamar o objeto de mesa. Portanto, a observação "Vejo uma mesa" não expressava, para o psicólogo estruturalista, nada a respeito dos elementos da experiência consciente do observador. O interesse do estruturalista não se concentrava no conjunto das sensações resumido na palavra com significado, mas nas formas básicas específicas da experiência. Os observadores que respondiam "mesa" estavam cometendo o que Titchener chamava erro de estímulo. Se as palavras comuns eram ignoradas do vocabulário, como os observadores treinados descreveriam as experiências? Seria necessário desenvolver uma linguagem introspectiva. Titchener (e Wundt) enfatizava que as condições experimentais externas deviam ser cuidadosamente controladas, de forma a permitir a determinação precisa da experiência consciente. Assim, dois observadores teriam de vivenciar experiências idênticas e produzir resultados que se corroborassem mutuamente. E com a realização dessas experiências, praticamente idênticas sob condições controladas, teoricamente seria possível desenvolver para os observadores um vocabulário de trabalho com palavras sem significado. Afinal, é em virtude das experiências compartilhadas no dia a dia que as palavras familiares adquirem significados comuns a todos. A ideia da criação da linguagem introspectiva nunca se concretizou. Havia muita discordância entre os observadores, mesmo quando as condições eram extremamente controladas. Observadores de laboratórios di- ferentes apresentavam resultados distintos. Mesmo os indivíduos do mesmo laboratório, observando o mesmo material de estímulo, muitas vezes, não conseguiam obter a mesma observação. Ainda assim, Titchener insistia que a concordância acabaria ocorrendo. Se houvesse uniformidade suficiente nas descobertas introspectivas, talvez a escola do estruturalismo tivesse durado mais tempo. Os críticos também alegavam ser a introspecção, na verdade, uma forma de retrospecção, porque havia um intervalo entre a experiência e o seu relato. Ebbinghaus já demonstrara que a taxa de esquecimento é mais elevada imediatamente após a experiência, portanto provavelmente parte dela se perdia antes da introspecção e do relato. Os psicólogos estruturalistas respondiam a essa crítica de duas formas: primeiro, alegando que os observadores trabalhavam com o mínimo intervalo e, segundo, propondo a existência de uma imagem mental primária que supostamente mantinha a experiência na mente dos observadores até que pudessem relatá-la. Observamos anteriormente que o próprio ato de examinar a experiência de forma introspectiva pode, de algum modo, alterá-la. Analisemos, por exemplo, a dificuldade de introspecção de um estado consciente de ira. No processo racional de prestar atenção e tentar dividir a experiência em suas partes componentes, a ira provavelmente diminuiria ou desapareceria. Titchener continuava firme na sua crença de que seus observadores treinados continuariam a realizar automaticamente a observação, sem alterar conscientemente a experiência. 100 HISTÓRIA DA PSICOLOGIA MODERNA A noção da mente inconsciente, proposta por Sigmund Freud no início do século XX (ver no Capítulo 13), fomentou outra crítica ao método introspectivo. Se, como afirmava Freud, parte da nossa função mental era inconsciente, obviamente a introspecção não servia para explorá-la. Um historiador afirmou: A base da análise introspectiva estava na crença de que todo o funcionamento da m ente era passível de obser- vação consciente e, se fosse possível observar cada aspecto do pensamento humano e da emoção, a introspecção proporcionaria, na melhor das hipóteses, apenas um retrato fragmentado e incompleto do funcionamento mental. Se a consciência representava apenas a ponta visível do iceberg, com a maior parte da área da m ente permanentemente encoberta pelas poderosas barreiras defensivas, a introspecção estava realmente condenada. (Lieberman, 1979, p. 320) Mais críticas ao sistema de Titchener A introspecção não era o único alvodas críticas. O movimento estruturalista foi acusado de artificial e estéril na tentativa de analisar os processos conscientes a partir dos elementos básicos. Os críticos afirmavam não ser possível resgatar a totalidade da experiência partindo posteriormente de qualquer associação ou combinação das partes elementares. Argumentavam que a experiência não ocorria na forma de sensações, imagens ou estados afetivos individuais, mas em uma totalidade unificada. Parte da experiência consciente perde-se inevitavel- mente em qualquer esforço artificial de análise. A escola de psicologia da Gestalt (ver Capítulo 12) partiu desse princípio para lançar sua revolta efetiva contra o estruturalismo. A definição estruturalista da psicologia tornara-se alvo dos ataques. Nos anos finais da vida de Titchener, os estruturalistas haviam excluído várias especialidades do escopo da psicologia, porque elas não estavam de acordo com a sua visão de psicologia. Titchener não considerava a psicologia infantil e a animal como psicologia. O seu conceito era tão restrito que não permitia incluir os novos trabalhos feitos e as novas direções que estavam sendo exploradas. A psicologia ultrapassava a fronteira de Titchener, e com muita rapidez. Contribuições do estruturalismo Apesar de todas essas críticas, os historiadores dão o devido crédito às contribuições de Titchener e dos estrutu- ralistas. Seu objeto de estudo - a experiência consciente - era claramente definido. Seus métodos de pesquisa, baseados na observação, experimentação e medição, eram cientificamente os mais tradicionais. O método mais adequado para o estudo da experiência consciente consistia na auto-observação, já que a consciência é mais bem percebida pela pessoa que a vivencia. Embora o objeto de estudo e os propósitos dos estruturalistas não sejam mais fundamentais, o método de introspecção, mais amplamente definido como relato oral baseado na experiência, ainda é empregado em diversas áreas da psicologia. Há pesquisadores da psicofísica que pedem aos observadores para relatarem se o segundo tom é mais alto ou mais baixo que o anterior. Há relatos de pessoas expostas a ambientes incomuns, como a falta de gravidade nos voos espaciais. Os relatórios clínicos de pacientes, bem como as respostas dos testes de personalidade e a análise do comportamento, são de natureza introspectiva. Os relatórios introspectivos que envolvem processos cognitivos como o raciocínio são frequentemente usados na psicologia atual. Por exemplo, os psicólogos industriais/organizacionais obtêm relatos introspectivos dos funcionários a respeito da interação com os terminais de computador. Essas informações podem ser utili- zadas para o desenvolvimento de componentes de computador de mais fácil manuseio e móveis ergonômicos. Os relatos verbais baseados na experiência pessoal são formas legítimas de coleta de dados. Além disso, a psi- cologia cognitiva, com seu renovado interesse nos processos conscientes, vem conferindo maior legitimidade à introspecção (ver no Capítulo 15). Dessa forma, o método introspectivo, embora diferente daquele visto por Titchener, permanece vivo e ativo. CAPÍTULO 5 ESTRUTURALISMO 101 Outra contribuição importante do estruturalismo foi ter servido de alvo de críticas. O estruturalismo proporcionou o estabelecimento de forte ortodoxia contra a qual os mais recentes movimentos da psicologia puderam concentrar as suas forças. Essas novas escolas de pensamento devem sua existência à reformulação progressiva da posição estruturalista. Os avanços científicos demandam a existência de uma oposição. Com o estruturalismo de Titchener sendo o alvo da oposição, a psicologia superou seus limites iniciais. Questões para discussão 1. Na perspectiva de Titchener, qual o objeto de estudo adequado para a psicologia? Em que ela difere dos objetos das outras ciências? 2. Compare e aponte as diferenças entre as abordagens da psicologia de Titchener e Wundt. 3. Descreva a diferença entre experiência independente da pessoa que está experimentando, e experiência dependente da pessoa que está experimentando. Dê exemplos. De acordo com Titchener, qual tipo fornece dados para a psicologia? 4. Descreva o ponto de vista paradoxal de Titchener a respeito do lugar das mulheres na psicologia. Ele agia para ajudá-las em suas carreiras ou de discriminá-las? 5. Descreva o método de introspecção de Titchener. Qual é a diferença entre o seu método e o de Wundt? 6. Descreva os três estados elementares da consciência e os quatro atributos dos elementos mentais de Titchener. 7. Como Titchener diferenciava a inspeção da introspecção? 8. De que forma Titchener começou a alterar o seu sistema no final de sua carreira? 9. No que se basearam as críticas feitas à abordagem introspectiva de Titchener? Como ele respondeu a essas críticas? 10. Que outras críticas foram feitas a respeito do estruturalismo de Titchener? Quais foram as contri- buições do estruturalismo de Titchener para a psicologia? 11. Que críticas haviam sido feitas ao método de introspecção antes do trabalho de Titchener? 12. Como o termo reagente, usado por Titchener, indicava sua visão sobre os observadores humanos e as pessoas em geral? 13. Qual é a distinção traçada por Titchener entre consciência e mente? 14. O que é erro de estímulo? Dê um exemplo. Conforme Titchener, como o erro de estímulo podia ser evitado? 15. De acordo com Titchener, qual é o papel da retrospecção na pesquisa psicológica? 16. Por que alguns dos alunos de pós-graduação de Titchener engoliam tubos de borracha, levavam seus cadernos para o banheiro e registravam seus sentimentos durante as relações sexuais?
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