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Famílias e situações de luto Fundamentos de Terapia de Família e de Casal Profº Taciara Teixeira de Oliveira Famílias e situações de luto •Preocupação atual com o futuro da família – mudanças sociais e culturais sofridas ao longo do tempo – emergência de múltiplos modelos familiares a partir de inúmeros processos (divórcio, recasamentos, casamentos homossexuais, violência...). •As mudanças trazem questionamentos: Como trabalhar com as famílias para que se mantenham em meio à fragmentação de valores e diversidade de modelos, para que aprendam a lidar com os lutos diários e constantes que experimentam, inclusive com o luto da família idealizada? •As perdas são intrínsecas ao processo de constituição e manutenção das famílias ao longo de seu ciclo vital. •As perdas parecem ficar cada vez mais frequentes e próximas – catástrofes, guerras, violência – perdas não-naturais nas famílias. •O avanço da medicina prolongou a expectativa de vida humana, levando a morte para longe das famílias – tabu – passou a ter significado de fracasso atualmente. •Pesquisas apontam a relação direta entre o processo de luto e os processos de adoecimento físico e psíquico, indicando relevância do trabalho adequado com o luto no campo da saúde mental. •Abordar esse tema na terapia familiar tornou-se crucial – possibilita à família falar sobre o assunto e buscar saídas coerentes com sua realidade – adaptação às perdas e construção de um novo significado. É preciso: •Compreender e contextualizar o impacto da perda na família e seu funcionamento diante do luto; •Avaliar a capacidade de a família desenvolver soluções diante das dificuldades; •Orientar quanto a possíveis intervenções. O processo do luto •Bowlby (1997) – luto é uma resposta ao rompimento de um vínculo significativo para o individuo. •Parkes (1998) – o processo do luto é uma resposta natural e esperada após uma perda simbólica ou concreta importante. •As perdas podem acontecer em qualquer etapa do ciclo de vida familiar, afetando a todos os integrantes da família, cada um à sua maneira. •É fundamental pensar no individuo e no todo, pois nem sempre há consonância entre os processos de luto vividos pelos membros da família individualmente. Em relação às reações individuais, Parkes (1998) propõe uma classificação do luto relacionada à temporalidade do surgimento das reações à perda (sem quantificar o tempo): •Luto crônico – prolongamento indefinido das reações de luto. •Luto adiado – processo de luto em pessoas que apresentam reações tardias de luto, aparentando viver normalmente após a perda. •Luto inibido – processo em pessoas que não esboçam qualquer reação ao longo do tempo. •Rando (1998) propõe o luto complicado relacionado com o tempo desde a morte e a existência de algum comprometimento, distorção ou fracasso de uma ou mais tarefas ou etapas do processo de luto. •“Luto normal” – reação natural à perda, dividindo-o em fases: intensidade e duração dos fenômenos. Reações naturais às perdas presentes no processo de luto: Choque ou torpor, medo, raiva, ansiedade, somatização, insônia, falta de concentração, atenção ou memória, falta de apetite, tristeza profunda, pensamentos intrusivos, sensação de presença da pessoa, entre outros. •Muitas vezes as famílias emergem mais fortes após trauma e sofrimento, embora com a presença de alguns nichos de fragilidade. •Da mesma maneira que se tem falado em funcionalidade das famílias, fala-se também na funcionalidade do luto. •Processo de luto familiar saudável, normal ou funcional existe, porém não significa que seja isento de problemas e dificuldades – adaptação à nova realidade. •Luto disfuncional – processo de luto na família que não segue um curso adequado no sentido de adaptação às novas tarefas e à nova realidade, deve considerar o fator tempo. •Na prática, sabe-se que o luto não tem tempo certo para durar. •O primeiro ano envolve experiências marcadas e marcantes em relação à perda – o “pior ano”. •As reações englobam sintomas nas áreas mental, somática ou social no período anterior ao aniversário da morte de algum ente querido. •Nesses períodos, processos autodestrutivos podem ser eliciados. Carter e McGoldrick (2001) consideram que uma família leva aproximadamente 2 anos para absorver o impacto de uma mudança no ciclo vital nos processos funcionais. As tarefas desse processo envolvem a nova organização do sistema familiar a partir da perda, que incluem: •Reconhecimento e aceitação da nova realidade, •Elaboração das emoções advindas da perda, •Ajuste ao ambiente modificado e às novas tarefas exigidas, •Permissão para que todos os membros da família continuem a vida. •Essa organização não significa aceitação definitiva e completa da perda, mas a possibilidade de colocá-la em perspectiva de modo a seguir adiante. •O processo de luto pode ser mais difícil nas fases de transição do ciclo vital e requer atenção quando se dá dois anos antes ou depois do nascimento de uma criança. As perdas no ciclo vital são naturais: •Filhos passam a ser marido e mulher; com o nascimento do primeiro filho, marido e mulher passam a ser mãe e pai; dificuldade da criança e de sua família de deixar a chupeta, mamadeira, fraldas ou o início da vida escolar; luto do corpo da infância na adolescência; síndrome do ninho vazio e olhar novamente para si como marido e mulher; aposentadoria, perda do trabalho, amigos e rotina; adoecimento dos pais e necessidade de cuidar deles; envelhecimento e morte de integrantes da família de origem e da família atual. Perdas significativas não-naturais: •Migração; divórcio; luto nas situações de violência por perda da crença no mundo, perda da integridade física, mudanças drásticas de vida. Vida após a morte – a continuidade da família •Morte – principal assunto tabu na dificuldade de comunicação intrafamiliar. •As famílias tendem a estabelecer pacto de silêncio. •Impacto da perda – mudanças imediatas e a longo prazo. •Questões de ordem prática – rituais funerários. •Alguns conflitos podem vir à tona. •Insegurança sobre o que fazer com os objetos pessoais – cobrança por parte da sociedade para que se livrem das coisas como se fosse uma maneira de se livrar da dor da ausência ou da saudade. •Rede de apoio pode ser muito útil – família extensa, amigos, profissionais de saúde, comunidade (incluindo a religiosa). Variações do processo de luto individual e familiar podem acontecer, isso pode depender de: •Forma como aconteceu a morte; •Idade da pessoa que morreu; •Pendências com o morto; •Etapa do ciclo de vida em que a família se encontra; •Existência de conflitos anteriores; •Existência de uma rede efetiva de apoio formal ou informal; •Existência de perdas anteriores e como a família adaptou-se a elas; •História transgeracional de perdas. •A decisão de recuperar a própria saúde que faz toda a diferença no processo (Tavares, 2001). •Oportunidade para olhar a vida com menos ilusão e a possibilidade de encontrar um novo propósito. •Reparação – importante no processo de resgate e preservação da saúde, surge a partir da demanda das famílias de “se fazer alguma coisa”, principalmente em perdas precoces e trágicas, que envolvam culpa. •Algumas famílias ou indivíduos envolvem-se em projetos sociais e em trabalhos educativos. •Famílias com mais tempo de perda relatam que o sofrimento vai amenizando ao longo dos anos, enquanto a saudade aumenta – transformação na qualidade dos sentimentos em relação à ausência. •A perda é única e incomparável. •À família cabe: cuidar de todos os seus membros ao mesmo tempo em que lhes provê autonomia. Perda de filhos •Considerada socialmente a “pior” perda por inverter a ordem do ciclo vital.•Sentimento de culpa intenso por parte dos pais, como se não tivesse protegido o filho em qualquer tipo de morte. •Perda de filho único – os pais experimentam sentimentos relacionados ao fim da descendência, podendo não ter motivação para recuperar-se e maior dificuldade para enfrentar a perda. •Quando os pais têm outros filhos, podem sofrer com a necessidade de ter que cuidar deles quando ainda não há energia. Alguns filhos sentem-se abandonados. Esses filhos também podem contribuir para a decisão pela saúde. •Parece haver diferenças de enfrentamento envolvendo questões de gênero e o luto. •Ainda há um mito de que o instinto materno torna a mulher mais vulnerável na hora da perda. •Outro tipo de perda de filhos não-reconhecidas por nossa sociedade – perdas ao longo da gestação e as perdas perinatais (período imediatamente anterior ou posterior ao nascimento). •“Colo vazio” – privação concreta e real que a mãe sofre ao ter seu filho internado na UTIN – momento difícil para trabalhar pelo paradoxo da expectativa de vida sendo confrontada com a possibilidade da morte. •Quando o bebê nasce morto – ter contato com o corpo do filho e decidir o que será feito com o que foi preparado para o bebê até o momento, pode facilitar a elaboração do luto parental da família como um todo. •O natimorto deve ser percebido como um evento real para toda a família. •Outro luto não-reconhecido – processo que envolve as reações por não poder gerar um filho, presentes na inseminação artificial e na fertilização “in vitro”. •A adoção de crianças também envolve processos de luto não-reconhecido quando ocorre após tentativas de gerar um filho ou após a perda destes. •Nascimento de criança portadora de alguma síndrome de qualquer natureza também envolve luto não-reconhecido – sentimentos ambivalentes. Família e luto na criança e no adolescente •É considerado difícil o manejo terapêutico do luto em famílias com crianças por haver preconceito envolvendo a fragilidade da criança em relação à morte. •A criança compreende a morte de acordo com seu desenvolvimento cognitivo. •É importante dar o máximo de dados possíveis de realidade usando linguagem apropriada. •Pode haver união entre o subsistema fraterno no sentido de cuidar dos pais. •É importante evitar mudanças na rotina da criança - de escola, de moradia, entre outras. •Comum o início do uso de álcool e drogas ou comportamentos de risco na adolescência após uma perda significativa. Família e doença •Pouca atenção dispensada ao luto antecipatório vivido pelas famílias diante do adoecimento físico de um de seus integrantes. •A partir do diagnóstico confirmado as reações emocionais são diversas, podendo vivenciar fases como: depressão, raiva, desorganização e reorganização – reação adaptativa que possibilita a antecipação do desligamento afetivo entre eles. •A família precisa esclarecer dúvidas práticas a respeito da situação; compartilhar sentimentos, angústias, medos e dúvidas; planejar o presente e o futuro, possibilitando vivenciar importantes despedidas. •Quando há doença ativa e progressiva – cuidados paliativos – valorizam principalmente o cuidar mais do que o tratar, afirmando a vida e considerando a morte como processo normal. •Semelhante ao que os terapeutas familiares fazem com as famílias: para-se de se preocupar com os sintomas apresentados por seus membros e atenta-se para o bom funcionamento do conjunto, estimulando o que há de melhor. Famílias e mortes acidentais •Cresce o número de adolescentes envolvidos em acidentes automobilísticos fatais, suicídios e homicídios – processos de lutos bastante peculiares em função do tipo de perda. •Em casos de homicídios, a família experimenta a revitimização com o descaso das autoridades. •Suicídio – presença de intensos e dolorosos processos de culpa e de perguntas. •No imaginário das famílias é frequente a presença da ideia de que a pessoa não gostava o suficiente de sua família ou que não pensou nela. •É necessária a construção de um sentido para a perda o mais sistêmico possível, incluindo a noção da co-responsabilidade dos acontecimentos, inclusive da pessoa que morreu, geralmente negada pelas famílias que buscam a culpa. Facilitando o luto •A complexidade do luto é grande, isso pode inibir os terapeutas a realizar avaliação e intervenção com as famílias. •Trabalhar com o luto do outro nos remete a nossos próprios lutos. •É preciso reexaminar seus próprios paradigmas sobre família e morte. •É necessário conhecer suas motivações para esse trabalho, bem como limitações. •Torna-se fundamental, como terapeutas familiares, facilitar a experiência do sofrimento dos indivíduos e suas famílias. A terapia familiar sistêmica pode contribuir para o trabalho do luto familiar em cinco áreas de atuação: •A avaliação sistêmica dos indivíduos e suas famílias; •A orientação e aconselhamento do luto; •A intervenção terapêutica que pode incluir o sistema familiar amplo, a rede de apoio e o próprio sistema terapêutico; •A prevenção, por meio de intervenções para a redução dos efeitos prejudiciais à saúde física e mental; •A formação de profissionais para a atuação no luto. •Investigar perdas da família – genograma e a linha do tempo – ferramentas que podem revelar luto intergeracional. •Indispensável o uso correto das palavras. •Ao longo do processo terapêutico pode ser usada prescrição de rituais específicos, como: Visita à sepultura, elaboração de uma carta do não-dito, celebração especial no dia do aniversário da pessoa, elaboração de uma carta de despedida para a pessoa que morreu, tarefas práticas que possam mudar a rotina, entre outras. •É possível também desenvolver trabalhos com fotografias, diários, sonhos, música, poesia, escultura familiar, textos ou livros que auxiliem o manejo do luto familiar. Independente da linha de atuação do terapeuta, o trabalho com o luto familiar busca estimular a competência da família em lidar com a perda, explorando o potencial de relacionamento entre si e com o mundo exterior. Referências Bibliográficas • OSORIO, Luiz Carlos e DO VALLE, Maria Elizabeth Pascual (org). Manual de Terapia Familiar. Porto Alegre: Artmed, 2009.
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