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Morte, Morrer e Luto. Caroline Leão Objetivo 01: Processo de morte/morrer Os termos morte e morrer requerem definição: enquanto morte pode ser considerada a cessação absoluta das funções vitais, morrer é o processo de perder essas funções. Morrer também pode ser visto como um concomitante desenvolvimental de viver, uma parte do continuum do nascimento até a morte. Viver pode envolver inúmeras minimortes – o fim do crescimento e suas doenças potenciais que comprometem a saúde, múltiplas perdas, decréscimo na vitalidade e crescente dependência com o envelhecimento e morte. Morrer, e a consciência que o indivíduo tem disso, incutem nos humanos valores, paixões, desejos e o impulso de aproveitar o tempo ao máximo. Dois termos têm sido usados com maior frequência nos últimos anos para se referir à qualidade de vida quando a morte se aproxima. Uma boa morte é aquela livre de angústia e sofrimento evitáveis para os pacientes, famílias e cuidadores, e é razoavelmente coerente com os padrões clínicos, culturais e éticos. Uma má morte, em contraste, é caracterizada por sofrimento desnecessário, ignorância dos desejos e valores do paciente ou família e um sentimento entre os participantes ou observadores de que as normas de decência foram atacadas. A temática da morte e o processo de morrer, intrínseco a ela, residem atualmente no ideário coletivo das sociedades ocidentais, sendo propalados indiscriminadamente por veículos de comunicação de larga natureza. A morte e a noticia mais frequente, destacando-se os casos nos quais o delinear do morrer se sucede em completo anonimato, na solidão, sem cuidados, em substância, sem uma presença amiga que possa propiciar o aconchego de uma relação humana aliado a cuidados embasados em conhecimentos científicos. A morte e o morrer são inerentes à existência humana. As incertezas e a imprevisibilidade que se dispõem em volta do binômio morte-morrer compelem o ser humano a conviver com a sua presença desde o inicio ao estagio final do seu desenvolvimento. Os conflitos acarretados pela morte nos seres humanos, seja em relação a sua própria morte, a de seus familiares, ou mesmo no exercício profissional, deixam em relevo sentimentos diferentes exemplificados pela raiva, pela tristeza, pela barganha e pela negação, os quais carecem de discussão e de analise, de modo a propiciar um enfrentamento mais apropriado do processo de morte e morrer. Estágios da morte e do morrer Elisabeth Kübler-Ross, psiquiatra e tanatologista, organizou, de forma abrangente e útil, as reações dos indivíduos à morte iminente. Um paciente que está morrendo raramente apresenta uma série regular de respostas que possam ser identificadas com clareza; não há uma sequência estabelecida que seja aplicável a todas as pessoas. No entanto, os cinco estágios a seguir propostos por Kübbler-Ross são amplamente encontrados. Estágio 1: Choque e negação. Quando lhes é dito que estão morrendo, as pessoas inicialmente reagem com choque. Primeiro ficam aturdidas, e depois se recusam a acreditar no diagnóstico; elas podem também negar que alguma coisa esteja errada. Alguns indivíduos nunca vão além deste estágio, e podem percorrer vários médicos até encontrar um que apoie sua posição. O grau em que a negação é adaptativa ou mal-adaptativa parece depender de o paciente continuar a se tratar mesmo enquanto está negando o prognóstico. Em tais casos, os médicos devem fornecer aos pacientes e suas famílias, com respeito e diretamente, informações básicas sobre a doença, seu prognóstico e as opções de tratamento. Para uma comunicação efetiva, os médicos devem permitir respostas emocionais dos pacientes e assegurá-los de que não serão abandonados. Estágio 2: Raiva. As pessoas ficam frustradas, irritadas e com raiva por estarem doentes. Elas comumente perguntam: “Por que eu?”. Podem ficar zangadas com Deus, com seu destino, um amigo ou um membro da família; podem até mesmo se culpar. Podem deslocar sua raiva para os membros da equipe do hospital e o médico, a quem culpam por sua doença. Os pacientes nesse estágio são difíceis de tratar. Os médicos que têm dificuldade em compreender que a raiva é uma reação previsível e representa um deslocamento podem se afastar dos pacientes ou transferi-los para os cuidados de outro profissional. Os médicos que estão tratando pacientes enraivecidos precisam se dar conta de que a raiva que está sendo expressa não pode ser tomada como pessoal. Uma resposta empática e não defensiva pode ajudar a acalmar a raiva do paciente e auxiliá-lo a focar em seus sentimentos profundos subjacentes à raiva (p. ex., pesar, medo, solidão). Os médicos também devem reconhecer que a raiva pode representar o desejo do paciente de controlar uma situação na qual ele se sente completamente sem controle. Estágio 3: Barganha. Os pacientes podem tentar negociar com médicos, amigos ou até mesmo com Deus; em troca da cura, prometem cumprir uma ou muitas promessas, como doar para a caridade e frequentar a igreja regularmente. Alguns acreditam que, se forem bons (cordatos, não questionadores, animados), o médico os fará melhorar. O tratamento desses pacientes envolve deixar claro que serão tratados da melhor maneira possível ao alcance das habilidades do médico, e que tudo o que puder ser feito será feito, independentemente de qualquer ação ou comportamento. O paciente também precisa ser encorajado a participar como parceiro em seu tratamento e a entender que ser um bom paciente significa ser o mais honesto e direto possível. Estágio 4: Depressão. No quarto estágio, os pacientes apresentam os sinais clássicos de depressão – retraimento, retardo psicomotor, distúrbios do sono, falta de esperança e, possivelmente, ideação suicida. A depressão pode ser uma reação aos efeitos da doença em suas vidas (p. ex., perda do emprego, dificuldades econômicas, desamparo, desesperança e isolamento dos amigos e da família) ou pode ser uma antecipação da perda da vida que acabará ocorrendo. Um transtorno depressivo maior com sinais vegetativos e ideação suicida pode requerer tratamento com medicação antidepressiva ou eletroconvulsoterapia (ECT). Todas as pessoas sentem alguma tristeza diante da perspectiva da própria morte, mas tristeza normal não requer intervenção biológica. Já o transtorno depressivo maior e a ideação suicida ativa podem ser aliviados e não devem ser aceitos como reações normais à morte iminente. Uma pessoa que sofre de transtorno depressivo maior pode não conseguir manter a esperança, que é capaz de melhorar a dignidade e a qualidade de vida e até mesmo prolongar a longevidade. Estudos mostraram que alguns pacientes terminais conseguem retardar a morte até depois de um evento significativo de uma pessoa querida, como a formatura e um neto na universidade. Estágio 5: Aceitação. No estágio de aceitação, os pacientes percebem que a morte é inevitável e aceitam a universalidade da experiência. Seus sentimentos podem oscilar desde um humor neutro até eufórico. Em circunstâncias ideais, resolvem seus sentimentos sobre a inevitabilidade da morte e conseguem falar sobre o enfrentamento do desconhecido. Aqueles com fortes crenças religiosas e uma convicção sobre vida após a morte encontram conforto na máxima eclesiástica: “Não tema a morte; lembre-se daqueles que se foram antes de você e daqueles que irão depois de você”. Objetivo 02: Alterações de comportamento dos indivíduos envolvidos no processo de morte e sua importância Os conceitos emergidos diante da morte e do processo de morrer desmembram-se em elementos como: passagem, separação e finitude. O elemento denominado passagem compreende uma concepção espiritual do tema, em que a pessoa tem a morte como transição entre o mundo material e o espiritual. A vivência do luto pode ser potencializada ou prejudicada de acordo com a abertura para a comunicação e o nível de coesãoentre os membros da família, por isso, um bom funcionamento familiar durante a fase de prestação de cuidados ao doente e principalmente no luto é importante para o bem-estar psicológico dos seus membros. A morte como passagem e a representação das crenças e convicções espirituais do ser humano. Ela e vista como evento que ocorre com todos, num futuro, portanto supostamente desconhecido. A morte vista como o desconhecido traz a tona a emoção do medo, o mistério, o não familiar, que, e também associada a certo fascínio, pois oferece a possibilidade de desvendar algo que não se conhece e que pode ser mais instigante que a própria existência. A morte vinculada a ideia de finitude pode vir acompanhada de tristeza e revolta, considerando que ela interrompe a vida e reflete a ideia de pensar na morte fora de hora. Pode também ser arrostada com indiferença, fatalidade, apos ter-se cumprido uma missão; poderá ser chamada de morte na hora certa. Quando a família apresenta um bom funcionamento, o apoio mútuo aos seus membros colabora para um processo de ajustamento adaptativo à situação de perda. A liberdade de comunicação e expressão de sentimentos e pensamentos, a coesão familiar e a resolução construtiva das diferenças de opinião são os principais requisitos para uma família funcional enfrentar situações de vida estressantes, pois quando o funcionamento familiar é mais limitado os seus membros apresentam maiores dificuldades para se adaptar. As tipologias funcionais, que são compostas pelas famílias apoiadoras e as famílias solucionadoras de conflitos; as famílias intermediárias; e as famílias disfuncionais, compostas pelas famílias mal-humoradas e hostis. As famílias apoiadoras são descritas como tendo alta coesão, e não relatam conflitos. As famílias solucionadoras de conflitos apresentam alta coesão e um nível moderado de conflitos. Estas famílias, funcionais, toleram as diferenças de opinião entre os seus membros, lidam com os conflitos de maneira construtiva por meio de uma comunicação eficaz e apresentam baixos níveis de morbidade psicossocial14. As famílias intermediárias manifestam coesão moderada entre os seus membros e baixo nível de conflitos, estão mais propensas à morbidade psicossocial e seu funcionamento tende a deteriorar-se quando exposta a pressão de uma perda e do luto. As famílias mal-humoradas apresentam coesão moderada, um nível moderado de conflitos, e a falta de desejo de ajuda é notável entre os seus membros. As famílias hostis são definidas como tendo um baixo nível de coesão, de expressividade, de sentimentos e pensamentos, alto nível de conflitos entre os seus familiares, e tendem a rejeitar ajuda de outras pessoas. Essas famílias disfuncionais têm altas taxas de morbidade psicossocial, incluindo depressão. Estudos relatam que altos níveis de morbidade psicossocial estão positivamente relacionados com pior funcionamento familiar. A tipologia do funcionamento familiar pode influenciar a maneira como os seus membros vivenciam e experienciam o processo de luto e vice-versa. O ambiente familiar pode contribuir decisivamente para a morbidade psicossocial, como por exemplo, com sintomatologia depressiva, ansiosa e abuso de álcool, que pode ser anterior à perda e se estender posteriormente no período de luto. Os conflitos familiares também são um fator para a não resolução do luto. As famílias com maiores níveis de conflitos são as que apresentam pior funcionamento familiar, e um histórico de conflitos na família é um forte preditor de conflitos familiares no fim de vida. Perda, luto e pesar são termos que se aplicam às reações psicológicas daqueles que sobrevivem a uma perda significativa. Luto é o sentimento subjetivo precipitado pela morte de uma pessoa amada. O termo é usado como sinônimo de pesar, embora, no sentido estrito, pesar seja o processo pelo qual o luto é resolvido; ele é a expressão social do comportamento e de práticas pós-perda. Perda literalmente significa o estado de estar privado de alguém por morte e se refere a estar no estado de pesar. Sem levar em conta a linha tênue que diferencia esses termos, as experiências de luto e perda têm semelhanças suficientes para justificar uma síndrome que tem sinais, sintomas, um curso demonstrável e uma solução esperada. Reações normais à perda A primeira resposta à perda, o protesto, é seguida por um período mais longo de comportamento de busca. À medida que a esperança de restabelecer o laço de apego diminui, os comportamentos de busca dão espaço à desesperança antes que os indivíduos enlutados acabem se reorganizando em torno do reconhecimento de que a pessoa perdida não vai voltar. Embora acabe aprendendo a aceitar a realidade da morte, o enlutado também encontra formas psicológicas e simbólicas de manter muito viva a lembrança da pessoa falecida. O trabalho de luto possibilita que o sobrevivente redefina sua relação com a pessoa morta e forme novos laços duradouros. Duração do luto. A maioria das sociedades dita os modos e o tempo para o luto. Nos Estados Unidos, hoje em dia, o esperado é que indivíduos enlutados retornem ao trabalho e à escola em poucas semanas, estabeleçam o equilíbrio em poucos meses e sejam capazes de buscar novas relações no espaço de 6 meses a 1 ano. Amplas evidências indicam que o processo de perda não se encerra em um intervalo prescrito; determinados fatores persistem indefinidamente para muitos indivíduos que, em outros aspectos, apresentam um alto nível de funcionamento. A manifestação mais prolongada de luto, sobretudo depois da perda conjugal, é a solidão. Frequentemente presente por anos após a morte do cônjuge, a solidão pode, para alguns, ser um lembrete diário da perda. Outras manifestações comuns de luto prolongado ocorrem de modo intermitente. Por exemplo, um homem que perdeu sua esposa pode experimentar aspectos de luto agudo toda vez que ouvir o nome dela ou ver sua foto sobre a mesa de cabeceira. Em geral, essas reações vão se tornando cada vez menos prolongadas com o passar do tempo, dissipando-se em alguns minutos, e vão recebendo nuances de afetos positivos e prazerosos. Essas lembranças, ao mesmo tempo doces e amargas, podem durar por toda a vida. Dessa forma, boa parte do luto não se resolve completamente ou desaparece de forma permanente; em vez disso, ele fica circunscrito e submerso, emergindo apenas em resposta a certos ativadores. Luto antecipatório No luto antecipatório, as reações de luto são provocadas pelo lento processo de morte de uma pessoa amada devido a ferimentos, doença ou atividade de alto risco. Ainda que o luto antecipatório possa suavizar o impacto da morte eventual, também pode levar a separação e afastamento prematuros, embora não necessariamente atenuando a perda posterior. Às vezes, a intensificação da intimidade durante esse período pode aumentar o sentimento pela perda real, mesmo que prepare o sobrevivente em outros aspectos. Reações de aniversário. Quando o desencadeante de uma reação aguda de luto é uma ocasião especial, como um feriado ou aniversário, o luto reavivado é denominado reação de aniversário. Não é incomum que ocorram reações de aniversário todos os anos no mesmo dia em que a pessoa morreu ou, em alguns casos, quando o indivíduo enlutado completa a mesma idade que a pessoa falecida tinha quando morreu. Embora tendam a ser relativamente leves e breves com o passar do tempo, essas reações podem ser experimentadas como uma revivência do luto original e perduram por horas ou dias. Pesar Desde o início da História, cada cultura registra suas próprias crenças, costumes e comportamentos relacionados à perda. Os padrões específicos incluem rituais para o pesar (p. ex., velórios ou Shiva), descarte do corpo, invocação de cerimônias religiosas e evocações periódicas oficiais. O funeral é a exibição pública predominante da perda na América doNorte contemporânea. O funeral e o serviço funerário reconhecem a natureza real e final da morte, contrariando a negação; também angariam apoio para o enlutado, encorajando o tributo ao morto, unindo a família e facilitando as expressões de pesar da comunidade. Se a cremação substitui o enterro, a cerimônia associada ao descarte das cinzas cumpre funções similares. Visitas, orações e outras cerimônias possibilitam o apoio contínuo, a aceitação da realidade, a recordação, a expressão emocional e o encerramento de assuntos inacabados com o morto. Diversos rituais culturais e religiosos conferem um propósito e significado, protegem os sobreviventes do isolamento e da vulnerabilidade e estabelecem limites para o processo de luto. Os posteriores feriados, aniversários e datas comemorativas servem para relembrar a vida do falecido e podem despertar um luto tão real e novo quanto a experiência original; com o passar do tempo, esses lutos de aniversário vão sendo atenuados, mas frequentemente permanecem de alguma maneira. Perda Como a perda costuma evocar sintomas depressivos, poderá ser necessário diferenciar reações normais de luto de um transtorno depressivo maior. Esse transtorno se assemelha a um episódio depressivo maior, que é caracterizado por um prejuízo funcional grave e inclui uma preocupação mórbida com desvalia, ideação suicida, sintomas psicóticos ou retardo psicomotor. Esse assunto será discutido em mais detalhes a seguir. Perda complicada A perda complicada tem uma gama confusa de termos para descrevê- la – anormal, atípica, distorcida, mórbida, traumática e não resolvida, para nomear alguns tipos. Foram identificados três padrões de síndromes de perda complicada disfuncional – crônica, hipertrófica e tardia. Essas não são categorias diagnósticas do DSM-5, mas são síndromes descritivas que, se presentes, podem ser prodrômicas de um transtorno depressivo maior. Luto crônico. O tipo mais comum de luto complicado é o crônico, com frequência acentuado por amargura e idealização da pessoa morta. É mais provável que ele ocorra quando a relação entre o enlutado e o morto foi extremamente próxima, ambivalente ou dependente, ou quando faltam apoios sociais e os amigos e parentes não estão disponíveis para compartilhar o pesar pelo período de tempo prolongado necessário para a maioria dos enlutados. Luto hipertrófico. Visto com mais frequência depois de uma morte repentina e inesperada, as reações de perda são extraordinariamente intensas no luto hipertrófico. As estratégias de enfrentamento costumeiras não são eficazes para atenuar a ansiedade, e o retraimento é frequente. Quando um membro da família está tendo uma reação de luto hipertrófico, pode ocorrer perturbação na estabilidade familiar. Com frequência esse luto tem um curso demorado, embora seja atenuado com o passar do tempo. Luto tardio. Luto ausente ou inibido quando normalmente é esperado encontrar sinais e sintomas explícitos de pesar agudo é denominado luto tardio. Esse padrão é marcado pela negação prolongada; a raiva e a culpa podem complicar seu curso. Perda traumática. Perda traumática refere-se ao luto que é tanto crônico quanto hipertrófico. Caracteriza-se por aflição intensa e recorrente de luto com anseio persistente, lamento, saudades e imagens intrusivas recorrentes do falecido; e uma mistura sofrida de esquiva e preocupação com lembranças da perda. As lembranças positivas são com frequência bloqueadas ou excessivamente tristes, ou são experimentadas em estados prolongados de devaneio que interferem nas atividades diárias. Uma história de doença psiquiátrica parece ser comum nesta condição, bem como uma relação muito próxima, de definição de identidade, com o falecido. Doenças clínicas ou psiquiátricas associadas à perda. As complicações clínicas incluem a exacerbação de problemas existentes e a vulnerabilidade a novas doenças; temor pela própria saúde e mais idas ao médico; e uma taxa de mortalidade aumentada, especialmente em homens. O risco relativo de mortalidade mais elevada é encontrado logo após a perda, em particular devido a doença cardíaca isquêmica. O maior efeito da perda na mortalidade ocorre entre homens com menos de 65 anos. Essas taxas mais elevadas em homens enlutados do que em mulheres enlutadas se devem ao aumento no risco relativo de morte por suicídio, acidente, doença cardiovascular e algumas doenças infecciosas. Em viúvas, o risco relativo de morte por cirrose e suicídio pode aumentar. Em ambos os sexos, a perda parece exacerbar comportamentos que comprometem a saúde, como aumento no consumo de álcool, tabagismo e o uso de medicamentos sem prescrição. As complicações psiquiátricas da perda incluem um risco aumentado de transtorno depressivo maior, ansiedade prolongada, pânico e síndrome semelhante ao estresse pós- traumático; aumento no consumo de álcool, drogas e cigarro; e um risco aumentado de suicídio. Devido a sua imaturidade psicossocial, emocional e cognitiva, crianças enlutadas podem ser especialmente vulneráveis a psicopatologia. Perda e depressão. Embora os sintomas se sobreponham, o luto pode ser distinguido de um episódio depressivo completo. A maioria dos indivíduos enlutados experimenta tristeza intensa, mas apenas alguns satisfazem os critérios do DSM-5 para episódio depressivo maior. O luto é uma experiência complexa na qual as emoções positivas assumem seu lugar ao lado das negativas. O luto é fluido e variado, um estado em desenvolvimento no qual a intensidade emocional gradualmente diminui e aspectos positivos e confortantes da relação perdida passam para primeiro plano. A dor do luto está associada a estímulos relacionados a lembranças internas e externas da pessoa morta. Isso difere da depressão, que é mais generalizada e caracterizada por muita dificuldade em experimentar sentimentos positivos de autovalidação. O luto é um estado flutuante, com variabilidade individual, no qual são feitos ajustes cognitivos e comportamentais de maneira progressiva até que o indivíduo enlutado consiga manter o falecido em um lugar confortável na memória e que uma vida satisfatória possa ser retomada. Por sua vez, o episódio depressivo maior consiste em um grupo reconhecível e estável de sintomas debilitantes acompanhados de um humor deprimido moroso e prolongado. O episódio depressivo maior tende a ser persistente e está associado a funcionamento laboral e social deficiente, função psiconeuroimunológica patológica e outras alterações neurobiológicas, a menos que seja tratado. Perda e transtorno de estresse pós-traumático. Mortes não naturais e violentas, como homicídio, suicídio ou morte no contexto de terrorismo, têm muito mais probabilidade de precipitar TEPT nos entes queridos sobreviventes do que as mortes naturais. Em tais circunstâncias, os temas de violência, vitimização e volição (isto é, a opção pela morte sobrepujando a vida, como no caso de suicídio) são interligados a outros aspectos do luto, resultando em sofrimento traumático marcado por medo, horror, vulnerabilidade e desintegração dos supostos cognitivos. Descrença, desespero, sintomas de ansiedade, preocupação com o falecido e com as circunstâncias da morte, retraimento, hiperexcitação e disforia são mais intensos e prolongados do que em outras circunstâncias não traumáticas, e pode existir um risco aumentado para outras complicações. Embora estudos sobre o tratamento de sobreviventes de morte repentina sejam poucos e dispersos, a maioria dos especialistas concorda que a atenção inicial deve ser focada no sofrimento traumático, na noção de que existe um papel para a farmacoterapia e a psicoterapia e que grupos de apoio e mútua ajuda podem ser extremamente benéficos. Perspectivas biológicas O luto é uma resposta fisiológica e emocional. Durante o luto agudo (assim como em outros eventos estressantes), as pessoas podem experimentar umaperturbação dos ritmos biológicos. O luto também é acompanhado por deficiência no funcionamento imunológico, incluindo uma redução na proliferação dos linfócitos e funcionamento prejudicado das células matadoras naturais. Ainda não foi estabelecido se as alterações imunológicas são clinicamente significativas, porém a taxa de mortalidade para homens e mulheres após a morte do cônjuge é mais alta do que na população em geral. Os viúvos parecem estar em risco mais prolongado do que as viúvas. Objetivo 03: Mudanças comportamentais dos indivíduos em processo de morte e cuidados paliativos. A diversidade clínica de atitudes e comportamentos relacionados à morte entre crianças e adultos tem suas raízes em fatores do desenvolvimento e diferenças associadas à idade nas causas de morte. Ao contrário dos adultos, que em geral morrem de doença crônica, as crianças podem morrer por causas repentinas e inesperadas. Quase metade das crianças que perdem a vida entre 1 e 14 anos, e quase 75% daquelas que morrem no fim da adolescência e início da idade adulta, morrem por acidentes, homicídios e suicídios. Com suas características de violência, caráter repentino e mutilação, essas causas de morte não naturais são estressores especiais para o luto dos sobreviventes. Pais e irmãos em luto de crianças e adolescentes mortos frequentemente se sentem vitimizados e traumatizados por suas perdas; suas reações de pesar se parecem com o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Podem ocorrer perturbações devastadoras na família, e os irmãos sobreviventes correm o risco de ter suas necessidades emocionais colocadas em segundo plano, ignoradas ou completamente despercebidas. Crianças. As atitudes das crianças em relação à morte refletem suas atitudes em relação à vida. Embora elas compartilhem medos, ansiedades, crenças e comportamentos sobre morrer com adolescentes, adultos e idosos, algumas de suas intepretações e reações são específicas da idade. Nenhuma criança recebe a morte sem ambivalência, e todas tentam temperar sua aceitação com doses sadias de negação e esquiva. Crianças terminais com frequência têm consciência de sua condição e querem discuti-la. Elas em geral têm uma visão mais sofisticada sobre morrer do que seus pares que estão clinicamente bem, engendrada por sua própria saúde frágil, pela separação dos pais, submissão a procedimentos dolorosos e morte de companheiros no hospital. Na fase da educação infantil, no estágio pré-operativo do desenvolvimento cognitivo, a morte é vista como uma ausência temporária, incompleta e reversível, como uma partida ou sono. A separação do(s) cuidador(es) primário(s) é o medo principal das crianças em idade pré-escolar. Esse medo vem à tona como um aumento nos pesadelos, um brincar mais agressivo ou a preocupação com a morte de outras pessoas, em vez de um discurso direto. Crianças em estágio terminal podem assumir a responsabilidade por sua morte, sentindo-se culpadas por morrerem. Crianças em idade pré-escolar podem não conseguir relacionar o tratamento à doença; em vez disso, o veem como punição, e as separações da família como rejeição. Elas precisam ser asseguradas de que são amadas, não fizeram nada errado, não são responsáveis por sua doença e não serão abandonadas. Crianças em idade escolar manifestam pensamento concreto-operativo e reconhecem a morte como uma realidade final. No entanto, a encaram como algo que acontece a pessoas idosas, não a elas. Entre 6 e 12 anos, as crianças têm fantasias ativas de violência e agressão, frequentemente dominadas por temas de morte e matar. Crianças em idade escolar fazem perguntas sobre doenças sérias e morte se encorajadas a fazê-lo; contudo, se recebem sinais de que o assunto é tabu, elas podem se retirar e participar de forma menos integral de seus cuidados. Facilitar a discussão aberta e atualizar as crianças com informações importantes, incluindo as alterações no prognóstico, pode ser muito útil. Além disso, elas podem precisar de auxílio para lidar com as demandas dos pares e da escola. Os professores devem ser informados e atualizados. Os colegas precisam de educação e assistência para ajudá-las a compreender a situação e responder de maneira apropriada. Adolescentes. Sendo capazes de operações cognitivas formais, os adolescentes compreendem que a morte é inevitável e final, porém podem não aceitar que sua própria morte seja possível. Os grandes temores dos adolescentes que estão morrendo são semelhantes aos de todos os adolescentes – perda do controle, ser imperfeito e ser diferente. As preocupações com a imagem corporal, a perda do cabelo ou do controle de seu corpo podem gerar grande resistência à continuidade do tratamento. Emoções alternantes de desespero, raiva, pesar, amargura, insensibilidade, terror e alegria são comuns. O potencial para afastamento e isolamento é grande, porque eles podem equiparar o apoio parental à perda da independência ou negar seus sentimentos de abandono repelindo gestos de amizade. Os adolescentes devem ser incluídos em todos os processos de tomada de decisão que envolvem sua morte. Muitos são capazes de grande coragem, elegância e dignidade ao se defrontarem com a morte. Adultos. Alguns dos medos expressos pelos pacientes adultos que passam a receber cuidados paliativos, listados na ordem aproximada de frequência, incluem: (1) separação das pessoas amadas, da casa e do trabalho; (2) transformar-se em um peso para os outros; (3) perder o controle; (4) o futuro dos dependentes; (5) dor ou outros sintomas de agravamento; (6) ser incapaz de concluir tarefas ou responsabilidades; (7) morrer; (8) estar morto; (9) os medos dos outros (medos refletidos); (10) o destino do corpo; e (11) a vida após a morte. Da apreensão surgem problemas na comunicação, tornando importante que aqueles envolvidos nos cuidados de saúde proporcionem um ambiente de confiança e segurança no qual seja possível falar sobre as incertezas, ansiedades e preocupações. Adultos em idade avançada em geral aceitam que seu tempo acabou. Seus medos principais incluem uma morte prolongada, dolorosa e desfigurante, um estado vegetativo prolongado, isolamento e perda do controle ou da dignidade. Pacientes idosos podem falar ou brincar abertamente sobre morte e, às vezes, a recebem bem. Dos 70 anos em diante, é raro terem ilusões de indestrutibilidade – a maioria já teve várias situações próximas: seus pais morreram e eles já foram a funerais de amigos e parentes. Embora possam não estar felizes por morrer, é possível que estejam em harmonia com a perspectiva. De acordo com Erik Erikson, o oitavo e final estágio do ciclo vital traz um sentimento de integridade ou desespero. Quando entram na última fase de suas vidas, os idosos refletem sobre seu passado. Quando cuidaram de seus assuntos, foram relativamente bem-sucedidos e se adaptaram aos triunfos e às decepções da vida, eles conseguem olhar para trás com satisfação e têm apenas alguns arrependimentos. A integridade do self permite às pessoas que aceitem a doença e a morte inevitáveis sem o medo de sucumbirem desamparadas. Entretanto, se olham para sua vida como uma série de oportunidades perdidas ou desventuras pessoais, seu sentimento é de desespero e amargura, uma preocupação com o que poderia ter sido se isto ou aquilo tivesse acontecido. A morte é temida porque simboliza vazio e fracasso. Cuidados Paliativos Os cuidados de um paciente que está morrendo são altamente individualizados. Os cuidadores precisam lidar com a morte de forma honesta, tolerar as amplas variações dos afetos, conectar-se com o sofrimento dos pacientes e parentes enlutados e resolver problemas de rotina à medida que eles se apresentam. Embora cada relação terapêutica entre paciente e profissional da saúde seja singular em razão do gênero, da constituição, da experiência de vida, da idade, do estágio da vida,dos recursos, da fé, da cultura e de outras características das pessoas envolvidas, os temas principais se apresentam a todos os profissionais da saúde que cuidam de pacientes que estão morrendo. Sintomas psicológicos são quase universais no fim da vida. As síndromes psiquiátricas ocorrem com uma frequência aumentada, mas definível, e têm uma distribuição diferente de idade e gênero. Por exemplo, ansiedade e depressão são comuns tanto em homens quanto em mulheres. A classificação psiquiátrica continua a ser uma estrutura importante na qual basear as observações clínicas, mas não foi projetada tendo em mente pacientes que estão morrendo. Por isso, para tais pacientes, é útil pensar em algumas síndromes já existentes. As mais comuns são estados de ansiedade, depressivos e confusionais, que com frequência coexistem e se sobrepõem. De modo raro, fobias específicas de agulhas, ambientes fechados e similares interferem no conforto e devem ser abordadas, adaptando os tratamentos habituais à situação médica do paciente. Algumas vezes, uma crise emocional ou a exacerbação dos sintomas podem ser identificadas como um transtorno de adaptação, mas ocorre em um cenário de outros sintomas sérios, portanto, tecnicamente, não satisfaz os critérios diagnósticos. Entretanto, isso não deve impedir que o consultor identifique o fator precipitante e alivie a resposta por meio dos procedimentos. A maioria dos transtornos psicóticos fica oculta pela sintomatologia crescente do processo ativo de morte e apenas requer atenção específica quando o paciente não está ativamente morrendo e quando o paciente não está ativamente morrendo e existe clara separação e sobreposição entre os sintomas da doença e os sintomas psicóticos. Referências: A dinâmica familiar no processo de luto: revisão sistemática da literatura – Revista de Saúde Coletiva – 2015 Processo de morte e morrer: evidências da literatura científica de Enfermagem – Revista Brasileira de Enfermagem – 2011 Compêndio de Psiquiatria – Ciência do comportamento e psiquiatria clínica.
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