Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
FUNDAÇÃO EDUCACIONAL REGIONAL JARAGUAENSE — FERJ CENTRO DE ENSINO SUPERIOR ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM EDUCAÇÃO INFANTIL 1 Coordenadora do estágio: MARIA SCHILICKMANN Estagiário: LOCIMAR MASSALAI Curso: PEDAGOGIA 1 Texto originalmente produzido em 1994. Jaraguá do Sul, 15 de junho de 1994 Que o bom Deus me graça de aprender com das crianças a viver com simplicidade, assombro e magia as belezas da vida! INTRODUÇÃO Na grade curricular do curso de pedagogia com habilitação em Magistério de 1ª a 4ª série do Ensino de 1º grau e em Educação Pré-Escolar, o estágio supervisionado de Pré-escola, será realizado sob a forma de dois projetos, visando um maior aprofundamento na área do desenvolvimento infantil e da educação infantil como um todo. O primeiro projeto será realizado no 1º semestre, dentro da disciplina de Psicologia da Aprendizagem do Pré-escolar, objetivando conhecer a criança na idade de 0 a 6 anos, analisando e observando uma determinada realidade de seu desenvolvimento pessoal. Esse possui carga horária de 20 horas. Analisarei uma criança no grupo (coletivamente) e outra, individualmente. Escolherei uma delas e com aquilo que puder observar, confrontarei suas atitudes, reações, emoções (dentro das atividades lúdicas), com alguns autores, especialistas no assunto. O segundo projeto será realizado de agosto a novembro de 1994 com crianças também na faixa etária de 0 a 6 anos o qual receberá o nome de “docência na educação infantil”. Nele estarão contempladas duas partes: a primeira que denominaremos de observação participante com a duração de 48 horas de duração e, em seguida faremos a regência com o total de 52 horas, totalizando desta forma, 100 horas de prática de estágio no universo escolar da educação infantil. 1. IDENTIFICAÇÃO – PROJETO DE OBSERVAÇÃO Escola: Colégio São Luís - Marista Município: Jaraguá do Sul Estado: Santa Catarina Cronologia: abril a julho de 1994 Clientela envolvida: professor de educação física, direção, alunos do pré-escolar e uma criança de 01 ano. Quantidade: 15 crianças e 01 professora. Objetivo: Observar um aspecto do desenvolvimento da criança de O à 6 anos. Estagiário: Locimar Massalai Colaboradores: Sandra Maria Pellis, professora de Psicologia da Aprendizagem no Pré-escolar: Tânia Nussner. Orientadora: Maria Schilickmann 2. JUSTIFICATIVA Por que as crianças brincam? Qual é a finalidade de tal atividade em sua vida? Existe a procura de respostas para estas perguntas e encontrei algum referencial, primeiro nos autores e logo após, nas duas crianças observadas. A necessidade de brincar surge cedo na criança. A primeira “brincadeira”, de natureza sensório-motora será realizada com os dedos, Os seus movimentos! Fascinada ela descobre os primeiros movimentos e alegra- se com eles. No primeiro ano de vida, durante o seu percurso as brincadeiras possibilitam que a criança se autoconheça. Dos três anos em diante a fantasia é presença marcante, através do “faz-de-conta”. Não é sem motivos que a criança brinca; nem de longe conseguiremos traduzir a totalidade de suas experiências, vividas nas experiências lúdicas. Consideremos que, A maioria das pessoas diria que as crianças brincam porque gostam de o fazer, e isso é um fato indiscutível. As crianças têm prazer em todas as experiências de brincadeira física e emocional. Podemos ampliar o âmbito de suas experiências fornecendo materiais e ideias, mas parece ser preferível fornecer essas coisas parcimoniosamente e não em excesso, visto que as crianças são capazes de encontrar objetos e inventar brincadeiras com muita facilidade, e isso dá-lhes prazer. (WINNICCOT, 1982:161) Se quisermos entender nossas crianças, observemos como elas brincam como eles comportam-se durante estas atividades. Hoje em dia, percebemos que a vida da maioria das nossas crianças está cheia de atividades “sérias”, atividades estas, catalogadas: reuniões de escoteiros, danças, natação, a própria televisão, os brinquedos eletrônicos; tudo sério e rígido demais. As crianças não brincam mais na rua, pouco sonham! A criança, a simples e encantadora criança começa a desaparecer, dando lugar a seres tristes. Observemos que a falta de ambiente urbano apropriado - trocando em miúdos, a velha rua acabou criando a necessidade da pré-escola, ou “escolinha de artes", que nada mais faz do que tentar propiciar espaço para o corpo das crianças. É preciso não esquecer, continua a educadora, de devolver na garotada aquilo que lhe foi roubado pela violência das cidades: seu movimento espontâneo. A criança no lúdico se movimenta entre a pura ficção e a sua realidade. Quando não brinca não se aventura em algo novo, desconhecido. Se, ao contrário é capaz de brincar, de fantasiar, de sonhar está revelando ter aceitado o desafio de crescer, a possibilidade de errar, de tentar e arriscar para progredir e evoluir. É certo que Cada criança, em suas brincadeiras, comporta-se como um poeta, enquanto cria seu próprio mundo, ou dizendo melhor, enquanto transpõe os elementos formadores de seu mundo para uma nove ordem, mais agradável e conveniente para ela. (FREUD, 1976, p. 138) Defendemos e continuamos defendendo que brincar é necessário e a tarefa mais “séria” que a criança pode e tem o direito de. 3. OBJETIVOS 3.1. OBJETIVO GERAL Observar duas crianças compreendidas na faixa etária de O à 6 anos; Analisar o comportamento das crianças para aprofundamento num determinado aspecto de seu desenvolvimento; Ampliar conhecimentos técnicos sobre as diversas áreas do desenvolvimento da criança. 3.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS Observar uma criança individualmente e outra coletivamente; Observar como as crianças se relacionam e se comportam nas atividades lúdicas, no jogo simbólico; Diagnosticar a função e significado das atividades lúdicas e/ou do lúdico no jogo simbólico e da fantasia no desenvolvimento da criança; Confrontar as várias observações práticas com os vários fundamentos e pressupostos teóricos já vistos; Refletir aprofundadamente sobre o papel do lúdico na existência da criança. 4. METODOLOGIA Dentre muitos passos para a concretização deste projeto, é possível salientar alguns mais relevantes. É claro que a gente percorre outros caminhos: pensar, preocupando-se, conversa com os “colegas de aula”, de trabalho, troca de ideias. É uma constante construção e reconstrução. Eis os passos mais importantes: Busca orientação junto às professoras das disciplinas afins: Psicologia da Aprendizagem no Pré-escolar e Didática Especial. Leituras constantes e anotações referentes ao desenvolvimento da criança sob o prisma de vários autores estudiosos do assunto. Observação das crianças: individual e coletivamente. Maior aprofundamento teórico sobre a função do lúdico, da fantasia, do jogo simbólico do desenvolvimento da criança. Conversa com a professora da Pré-Escola e mães das crianças de + ano e 1 mês. Organização e elaboração do projeto. Diálogo com colegas e reflexão individual sobre a prática da observação. 5. CRONOLOGIA Observação coletiva: 10/03/1994, 17/03/1994 e 29/03/1994. Observação individual: 19/04/1994 das 13 às 17 horas Elaboração do projeto: 20.04.94 à 20.06.94 6. RECURSOS 6.1. Recursos humanos: Aluno estagiário, professora, mãe de aluno, dezessete crianças e orientadores. 6.2. Materiais: Livros para aprofundamento teórico, aquisição de livros afins, textos xerocados, caderno de anotações, muito trabalho e suor. 7. RELATÓRIOS E ANALISE DE OBSERVAÇÃO 7.1. OBSERVAÇÃO COLETIVA (Diego - 6 anos) Dia 10 de marçode 1994: 8 horas até 9h15 min. Quando cheguei na sala, o Diego estava usando no rosto uma máscara que representava a face do Batman. Brincando com legos tentava trocar as peças com os colegas e dialogava muito durante o ato. Conversava bastante com aqueles com quem brincava. Quando um colega se aproximou dele e do parceiro que brincava com ele, reclamou: - “Só vem aqui para incomodar” Sempre está pronto para defender suas coisas com muitas palavras e argumentos. Durante a brincadeira com dois colegas lidera o grupo dizendo: - “Eu consigo assim.... eu faço assim”. Está constantemente com todos os colegas da sala. Agora brinca sozinho. Os outros pedem permissão para jogar. Quando o Renan se aproxima dele para tomar o lego que é seu, o Diego diz uma palavra final em tom conciliatório: “Então depois nós dois vamos brincar juntos, não é?” Brinca depois com Jair que sossegadamente manipula seus soldadinhos. Depois de algum tempo a professora anuncia que irão prestar homenagem à Beth, pelo dia da bibliotecária. O Diego pergunta logo: “Depois a gente volta para brincar né”? Na fila segura direito a mão do colega. Dialoga muito alegre e animado: “Você não vai no casamento... estamos indo para a Fila do casamento”. Ao chegarmos à biblioteca posiciona-se e tenta organizar os colegas. No grande grupo, Mesmo participando com certa seriedade, não perde a espontaneidade. Sempre pulando. Questiona a professora se já podem ir para a sala. Na fila de volta para a sala à professora perguntou o que é corredor, ele respondeu prontamente: “É o local onde se corre, ué”! Continua comentando sobre o corredor da casa dele, do amigo que vai visitar... Na distribuição do “pica-pau”, instrumento utilizado para a atividade de pulsão, foi o Diego que entregou o material. Pergunta alto, com o saquinho na mão: “Quem ainda não tem isopor”? Na atividade rasgou todo o papel. No final disse: “Todos devem ajudar a todos”. Não trouxe toalha para enxugar-se, a professora disse que ele esqueceu novamente, daí ele justifica: “Eu limpo no casaco”. Antes de ir para o lanche, faz a oração rapidamente e sai. Já lá fora comenta: “Oba truxe vafer”. O colega pediu um pedaço, ao que ele respondeu: “Só se você der uma mordida do seu pastel”. Teatraliza com as mãos o personagem chaves do SBT: “Ninguém tem paciência comigo”... Colabora com o colega que propõem brincar de polícia e ladrão; porém, continua comendo seu lanche. Sempre se movimentando, cai no chão e se levanta rapidamente. Não chora. É espontâneo nos movimentos. Dia 17 de março de 1994: 9 horas às 10 horas Cheguei entre eles quando estavam fora da sala montando palavras com gravuras. O Diego está brincando com gravura de avião. Logo após, agride o colega. Está constantemente cantarolando é negociador em qualquer atividade do tipo quebra- cabeças ou outras, ele deseja trocar peças com os colegas. Relaciona-se com certa tranquilidade, Durante esta atividade ele diz à um colega: “Amigo, pega uma cadeira e sente aqui perto de mim”. No recreio espanta-se com a quantidade de bolacha que a mãe coloca em sua lancheira. Continua referindo-se ao conteúdo da lancheira com detalhes da TV Colosso: “Vou ver o que meus cachorros produziram, são os cachorros da minha lancheira”. Alegre e a animado, troca o seu lanche. Pediu ajuda para que eu o ajudasse abrir sua lancheira. Perguntou a todos que estavam perto dele se adivinhavam de que era o suco. Dissemos: “Caju, maracujá, laranja... erraram, disse ele: É de caqui”. Depois do lanche disse: “Vamos brincar de polícia e ladrão”? Envolve-se rapidamente na correria e começa a pegar seus colegas um a um, batendo neles de faz- de-conta. Com o dedo em riste, procura com destreza os colegas. Está com a língua de fora de tanto correr. 29 de março de 1994: 10 horas às 11 horas (após o recreio) O Diego estava com as calças sujas. Durante o recreio se arrastou na grama. Na sala de aula montam um coelho. Primeiro pintar, depois recortar e amarrar as partes. Veio mostrar-me seu coelho dizendo: - Pintei de roxo porque ele está mascarado! Observei que na maioria de suas brincadeiras ele deseja envolver-se com bandidos. Escolhe pacientemente os lápis para a montagem do coelho. Pinta movimentando a língua de cá para lá... A noção do espaço e limite está sendo estruturada. Quando pinta, sai espaços sem preocupação. As cores não seguem o que poderíamos chamar de harmonia. Disse lá pelas tantas: - Tia, nós estamos fazendo coelho bandido à polícia. Disfarçado de ladrão... Disfarçado de ladrão para entrar no esconderijo do bandido, você entende? O disfarce é uma estratégia. Tá disfarçado. Teu coelho vai ser bandido, então tenho que pegar ele? Vou colocar um revóvel nos braços há, há, há! Pega rápido antes que ele fuja, disfarça rápido, senão eles vão descobrir nosso plano. Enquanto pinta, vivencia na pintura a fala com o coelho, continua: iremos entrar na polícia, disfarçados, (confusão geral),“temos que ser rápidos e enganar a policia” Imita o Chaves: “cale-se, você me deixa louco”. Vamos colocar botas pretas, somos bandidos. Nossa bota também é preta, somos polícia. È que nós tamos fazendo, coelho e polícia disfarçado, disse ele a um colega. Muito animado com os dois colegas que estão com ele: - Rápido, não temos tempo a perder (linguagem televisiva). Diz novamente: - Sabe tia, estamos Fazendo polícia disfarçado de ladrão... Cuidado! Não vai dizer que você não vai tomar cuidado, ele é um coelho bandido. O desenho torna-se supercarregado: cores fortes: roxo, azul, escuro, preto e vermelho. Diz: “Bandido é assim mesmo”. “É claro que nós temos que parecer bandidos, para enganar eles, depois a gente engana a polícia”. Depois fala: - “Reni, larga do meu pi”. Renan cara de pã! Corta as partes do desenho movimentando toda a musculatura da boca, canta, canta. Para o Diego, o seu desenho é um coelho disfarçado de ladrão. O papo da polícia continua: “Sabe, como a polícia descobre que o ladrão está por perto?” “Com a ajuda do computador”. O diálogo: Diego: abre a porta bandida (toc, toc, toc,). Colega: “não abro não, não abro não, estou pelado”! Diego: “Onde você está”? Amigo, abre a porta. Agora ele canta: - “Eu não abro não, você vem tirar minha canseira bem longe do meu colchão”. Continua tentando amarrar as pernas do coelho. Diz: “Esta perna é preta, é a bota do soldado” Nenhum bandido entre nós, bum, bum, bum! Diz imitando atender ao telefone: “Jair, chamada para você, favor atender ao telefone”. 7.2. OBSERVAÇÃO INDIVIDUAL (Lidiana, 01 ano e 01 mês) Dia 19/04: 14 horas às 17 horas. Acolheu-me com lindo sorriso, balançando as mãos. No andador movimenta-se rapidamente de lá para cá. Quando fora, sobe as escadas de 14 degraus, Dá alguns passinhos ainda inseguros. O que na verdade quer fazer a todo o momento é subir nas escadas. A mãe a coloca novamente no andador e de forma, muito sapeca, abre as portas dos armários, explorando-os. Aproxima-se de mim e bate as mãos nas minhas pernas. Balbucia algo e começa a choramingar forte: “ma, ma, mamá”. A mãe dá a chave para ela que se contenta. Brinca com a chave e os jornais, balbuciando: “mimi, mimi, mimi”! Movimenta-se rapidamente com os jornais nas mãos. Qualquer coisa que pega, sempre repete o mesmo refrão: “bibi, mimi, bibi”. A mãe a troca e ela bate palminha durante o ato, balbuciando:- Mimi... Mama! Chora! Choro sem lágrimas. Não para de chorar quando colocada novamente no andador. Morde um balão com força, até estourá-lo. Entrega o papel para mim até rasgá-lo e depois brinca com brinca com a caixa de brinquedos enorme que se encontra no centro da sala. Agita uma bandeira... Sorri. Explora os objetos da caixa jogando-os longe. Numa das mãos balança a bandeira e noutra agita-se com uma cesta de fruta. Pega um chapeuzinho de crepom examina-o e joga-o longe. Tira tudode dentro da caixa, principalmente o que lhe parece interessante, Brinca dizendo: “Mamá, babá, mimi”! Entretém-se agora com a presença da irmãzinha de três anos. Morde um coelhinho de isopor. Engasga-se. A mãe “briga” com ela e ela dá um “tchauzinho”. Continua explorando a caixa e quase entra dentro dela. A irmã ajuda-a na bagunça com os brinquedos. Fica quietinha brincando com os blocos de madeira. Pega e os coloca na boca. A mãe lhe dá a mamadeira, mas ela não Brinca com um peixinho de plástico, balança-o, joga-o longe... Bate e escuta o som gargalhas. A maioria das coisas que pega, leva-as à boca. Uma caixa de fita cassete morde-a, batendo-a no chão e com ela na parede. Tudo que lhe cai na mão leva à boca. Sobe na caixa, desce, joga dentro os brinquedos, fora. Brinca com a bola, mas sente dificuldade em mordê-la. Tenta vencer os obstáculos que foram colocados na escada para ela não subir nos degraus. Quer mesmo é vencê-los e tenta a todo custo transpor. Bate palminha sentada no chão com as pernas para trás. Desiste da escada para explorar o armário. Vai ajudar sua mãe enquanto ela faz um suco. Tenta mexer nas cadeiras e garrafas. A mãe ralha com ela, mas nem está aí. Coloca os dedos na boca. Explora o barulho da porta. Volta novamente para a cozinha e passa por um obstáculo colocado para que ela não pudesse transpor aquele lugar. A Daniela briga com ela e chora: - Nenê... Nenê... Nenê...! Vem para O meu lado. Pego-a no colo, ela desce. Continua na atividade de explorar a caixa. Explora o barulho, “o som que o cachorrinho movido à corda faz”. Daniela briga novamente com ela e olha-me sentida. Quer vir comigo e diz: - NENÊ... NENÊ. NENÊ! Brinca com um grampo grande, coloca-o na boca. Anda alguns passinhos. A porta quando balançada faz barulho é ela aprecia fazê-lo. Gosta do barulho que faz um pegador de peixes, raspando-o no chão. Continua brincando com o pegador de peixes, abandonando-os pelos legos. Começa a choramingar, pois sua irmã está brigando comê- la. Depois Nós todos fomos lanchar. Ela foi tomar sua mamadeira. Para pedir alguma coisa ela balbucia: “- Mimi... mamã... Bibi”. Brinca nos botões. Derrama cola e se lambuza toda. Chora porque a irmã brigou com ela. Por fim, deita-se com sua mãe na rede. Bate as mãos e pés dizendo: MAMÃ! Coloca o dedo polegar na boca e dorme... Sossegadamente. 7.3. ANÁLISE DA OBSERVAÇÃO FEITA COM A LIDIANA Entrar no mundo infantil de uma criança por algumas horas, não é nem de longe, conhecer sua realidade significativa e global; porém, é possível observar e anotar alguns lampejos de experiências que poderíamos dizer que sejam interessantes do ponto de vista de quem observa. A Lidiana situa-se dentro da idade que Marlene Rodrigues afirma ser a primeira infância dos O aos 03 anos de idade, caracterizada pelo movimento, o espírito de aventura e descoberta, a necessidade de expansão, o egocentrismo e a fantasia. Explosão permanente, de alegria e vivacidade. A criança está nessa idade interessantíssima na investigação e descoberta das coisas. O brinquedo neste primeiro ano de vida assume importante papel na sua evolução psico-afetiva da criança. Idade especialmente lúdica marcada fortemente pela fantasia e curiosidade. Quando cheguei a casa da Lidiana, observei logo de início, que ela ali, era um corpo de alguém completo, isto é, um ser humano integral buscando adaptar-se 8 crescer, de acordo com suas possibilidades. Para que isso acontecesse laboriosamente explorava, a mim, a mão, sua irmãzinha e os objetos a seu redor, brincando, convivendo. Quer dizer, o que eu digo que é brincadeira, para ela talvez seja um trabalho sério de encarar o mundo e lidar com realidades desconhecidas e complexas ainda. Enquanto livre, com a caixa de brinquedos, investiga seu mundo e precisa ter uma experiência na qual deve ser respeitada. O mundo da criança nessa idade é rico e, em contínua mudança, inclui um intercâmbio permanente entre fantasia e realidade. Se o adulto interfere, e irrompe em sua atividade lúdica, pode perturbar o desenvolvimento da experiência decisiva que a criança realiza ao brincar. Não são muitos os brinquedos de que necessita para esta atividade, pelo contrário, se eles forem em demasia, podem estancar e confundir a criança em suas experiências. Não necessariamente precisa também de grandes espaços, mas sim de um recinto próprio do qual se sinta dona. Percebi de acordo a observação feita que a criança rapidamente troca de objetos, posições e maneiras de se comportar: chora, dá um sorriso e grita pela mãe; olha para mim e bate nos objetos a sua volta. É típico da atividade constante de uma criança nessa idade. Observamos como ela utiliza o ambiente a seu redor: brinca não somente sala da casa, mas com os objetos que estão ali. Pesquisa, aprende se frustra, Descobre o barulho dos objetos quando arrastados, manipulados. Sorri neste período de tempo e pode achar engraçadíssimo, por exemplo, o ruído seco que faz um brinquedo, quando esfregado no assoalho. A primeira vista, embora pareça estar trabalhando isoladamente, independentemente, ela é relacionamento com sua mãe, comigo. Quando sua irmãzinha a chateia, olha para mãe e reclama. A mãe diz uma palavra e daí, a Lidiana continua brincar. Observemos como o papel da afetividade da mãe é importante também para sua autoconfiança e construção do eu. Há também as brincadeiras calmas que a criança inventa brincar com o próprio corpo e com brinquedos. Podemos observá-la e aprender sobre as partes do corpo, deitada na cama, brincando com o pé, sentada na cadeirinha futricando o ouvido e/ou dedo ou sentada na banheira examinando os órgãos sexuais. Tudo isso é auto investigação, parte do aprendizado de saber quem é que ela é. Ela fará o mesmo com o corpo da mãe, com crescente artifício aprenderá a brincar com ela de onde está o nariz da mãe, onde está o seu onde ela mostra como pode referenciar entre o que lhe pertence e o que é a outra pessoa”. (ROSENBLUTH, 1978:59) Por meio da brincadeira ela aprende a manipular os objetos: suas formas, tamanho, textura. Um brinquedo para empurrar, os jornais do pai, rasgá-los. Tudo isso lhe dá uma gostosa sensação e experiência prazerosa de que é capaz de controlar e dominar os movimentos. Aos poucos vai aprendendo nada mais na casa fica em pé. Deseja explorar tudo. Às vezes o se torna um tormento para os pais, não é mesmo? Explorar vai lhe trazer uma enorme sensação de poder. O ato de brincar é uma forma da criança, do bebê, lidar com suas emoções mais complexas. Quando se chateia, atira longe os brinquedos. É uma maneira de extravasar seus sentimentos, através de uma transferência e/ou jogo simbólica de papéis muito interessantes. A criança começa a andar, no auge de sua explosão motora, ultrapassa o prazer de descobrir seu corpo, outras descobertas irão aparecer, sem dúvida. A alegria de andar ou estar fazendo esta maravilhosa descoberta está aliado ao grande prazer de controlar seus movimentos. A atividade motora já é em si mesmo uma brincadeira, sendo ao mesmo tempo excelente condição para seu desenvolvimento integral. A criança então é portadora de grande energia criadora, Essa energia irradia-se no ato de brincar: atividade motora desembocando em uma atividade criadora, expressão insubstituível da personalidade. Quando a capacidade motora da criança aumenta, certamente ela necessitará de um grande espaço livre e significativo. Quando o bebê inicia a fase de engatinhar, se contentará em ficar até certo tempo no cercado ou andador com muitos brinquedos à sua volta. Quando protesta precisa ser retirado desses espaços ou achará que realmente seu mundo é muito restrito. Em função disso, concordo com Rosenbluth quando afirma que: Dura muito tempo a fase de precisar examinar tudo que lhe vem as mãos, pois a curiosidade da criança sobre o muro que a cercae insaciável. Chegou a hora da casa ou apartamento tornar-se o mais seguro possível. Quanto menos restrições e proibições desnecessárias houver, melhor será para a criança e para a mãe, pois mais energia haverá para que ambos enfrentem os conflitos realmente ine4vitáveis entre o que a criança quer fazer o que lhe permitem fazer. (ROSENBLUTH, 1978:66) Na realidade, nunca é demais repetir que tudo ou quase para não exagerar é brincar para a criança: a descoberta do mundo é um trabalho sério para ela e uma brincadeira incessante. É uma beleza ver aquele maravilhoso ser, manipulando o mundo, concentrando-se numa atividade que ele mesmo se impôs e que sabe-se lá qual o significado tem para a sua vida. Nós de fora, apenas deduzimos. Freud via na brincadeira o meio pelo qual a criança efetua suas primeiras grandes realizações culturais e psicológicas, e dizia que através da brincadeira ela expressa a si própria; isso é verdade mesmo que um bebê, cuja brincadeira consiste em nada mais do que sorrir para a mãe enquanto ela lhe sorri. Percebeu também quanto e como as crianças exprimem bem seus sentimentos e pensamentos por meio das brincadeiras. Ela, segundo ele, os representa sob a forma de fantasia lúdica. Então podemos dizer que brincar é sua linguagem secreta, que devemos respeitar mesmo se não a entendemos. Brincar faz parte de seu espaço de simplesmente entender o mundo. Bettelheim afirma que a maior importância da brincadeira está no imediato ato de prazer da criança que se estende num prazer de viver. Permite que a criança resolva de forma simbólica problemas não resolvidos do passado questões do presente. A função da brincadeira no desenvolvimento das habilidades cognitivas e motoras foi explorada por Karl Gross (o primeiro investigador a explorá-la sistematicamente). Piaget a quem devemos nossa melhor compreensão de que a criança aprende intelectualmente brincando e elaborando, reelaborando seus constructos. Quando a Lidiana atirava os objetos longe, demonstrava ao mesmo tempo frescor e espontaneidade. Comprazia-se em solicitar à mãe que lhe devolvesse o objeto atirado longe. Tudo muito livre, às vezes atitudes desconexas com a realidade dos adultos à sua volta. Bettelheim neste sentido tem uma afirmação precisa e questionadora: A brincadeira não se processa em alinhamento com a realidade objetiva ou com a sequência lógica dos fatos, mas sim com as livres associações do momento que pode surgir com a maioria de nossas crianças pequenas. Se nos reuníssemos a elas de coração, nossa participação revelaria logo como a brincadeira pode ser significativa para quem leva a sério, mas enquanto nos consideramos do lado de fora, parece uma atividade boba e aleatória. (BETTELHEIM, 1992:15S-160) Durante o tempo que passei com a Lidiana, observei várias de demonstrações através dos objetos que manipulava. Sentia-se demonstrando seu mundo, sem repressão. Winnicott quando aborda esta realidade diz: Uma criança brincando pode querer tentar mostrar, pelo menos, uma parte tanto do interior como do exterior a pessoas escolhidas no meio ambiente. A brincadeira pode pretender ser uma prova de fraqueza e probidade a própria pessoa, tal como o vestir pode ser para o um adulto. Isso se pode converter, nos primeiros anos, no caso oposto, visto que o brincar como falar, foi-nos concedido, como é costume dizer para ocultar os nossos pensamentos mais profundos referimos. O inconsciente reprimido deve-se manter oculto, mas o resto do inconsciente é algo com que cada indivíduo quer travar conhecimento e as brincadeiras, tal como os sonhos, serve à função de autorrevelação e de comunicação com o nível profundo. (WINNICOTT, 1982:164-165) O brinquedo não é só a satisfação dos desejos, de triunfo, de vitória sobre as situações frustrantes que permeiam sua vida, graças ao processo de projeção dos perigos internos sobre o mundo externo, mas também de insatisfação e reelaboração das frustrações. O jogo simbólico transforma a angústia da criança em prazer. Por isso que a criança, às vezes grita, berra e faz tantos alaridos quando brinca e fantasia. Se formos capazes de respeitar os ritmos da criança, possibilitando a vivência de suas experiências um dia, esta criatividade se transformará em realidade, através de atos. Através dos descobrimentos da brincadeira, a criança terá tido acesso ao seu primeiro domínio do universo sensível e a uma expressão pessoal. ( LÉVY, 1985). CONCLUSÃO Para a criança, brincar é viver! não se trata de um chavão, mas sim de uma verdade de todos os dias. O brincar, função vital - os animais também brincam – tão necessária quanto o soro e a alimentação, é uma função psicológica. Uma criança que não brincasse estaria morta psicologicamente É através do brincar que se fazem muitas aprendizagens, confrontando-se a criança continuamente com a realidade do seu meio e de suas próprias limitações, com a realidade da vida, em síntese. Mas o brincar é, em si, algo diferente da aprendizagem, pois faz por prazer, provém da iniciativa da criança, é criação sua, no sentido preciso do termo, (CLÉVY, 1985:53) Se você me perguntasse o que ficou deste trabalho, com aquele ar sério de quem se preocupa com os resultados, iria dar uma boa gargalhada. Sim, iria rir, pois nossa vida em sua globalidade não pergunta o que serve e o que não serve. Para nosso crescimento, tudo é proveitoso se o consideramos. Segundo o ponto de vista da significatividade vivencial. O que aprendi? O que levo para a vida? Retomando a autora, da citação acima, eu diria como ela, que o adulto está sempre com pressa; quanto à criança, na idade maravilhosa de que nos ocupamos aqui, antes dos imperativos do ritmo escolar, tem todo tempo à sua disposição... E, além disso, o que vem a ser o tempo para ela? Uma invenção das pessoas grandes. Se ela está entretida na escalada da pirâmide, ou empilhando seus cubos, é uma pena interrompê-la por um motivo fútil, quebrar sua concentração. Este é um bem muito precioso. Talvez lhe faça falta mais tarde, quando, como aluna, Debruçar-se sobre as tarefas e tiver dificuldade em fixar sua atenção. Então, os pais ficarão desolados. Que maravilha, ao contrário, ver aquele pequenino ser concentrado em uma atividade que ele mesmo se impôs. A época dos alicerces prepara todo o futuro nunca será demais repetir. Gostei imensamente de trabalhar nesta pesquisa prática por dois motivos: o primeiro foi o aprofundamento técnico; o segundo, por entrar em contato com o mundo maravilhoso de duas crianças. Valorizo muito o corpo, com suas mágicas manifestações. Ele é um excelente termômetro para nos indicar como vai o mundo não só das crianças, mas também dos adultos. Terminando desejo registrar mais uma citação de Winnicott. A criança adquire experiência brincando. A brincadeira é uma parcela importante da sua vida. As experiências tanto externas como internas podem ser férteis para o adulto, mas para, a criança essa riqueza encontra-se principalmente ria brincadeira e na fantasia. Tal como as personalidades dos adultos se desenvolvem através de suas experiências da vida, assim as das crianças evoluem por intermédio de suas próprias brincadeiras e das invenções de brincadeiras feitas por outras crianças e por adultos. Ao enriquecerem-se, as crianças ampliam gradualmente sua capacidade de enxergar a riqueza do mundo externamente real. A brincadeira é a prova evidente é constante da capacidade criadora, que quer dizer vivência. (WINNICOTI, 1982:163) Num mundo com grandes depressões: físicas e psicológicas, nunca é demais dizer que é necessário aprender, brincando com as crianças e aurindo delas a simples espontaneidade das alegrias descontraídas da vida! REFERÊNCIAS 1. BETTELHEIM, Bruno. Uma vida para seu Filho. 18ª ed. São Paulo: Campus, 1989. 2. KESSELKING, Thomas. JeanPiaget. Rio de Janeiro: Vozes, 1993. 3. LEBOVICI et. DIATKINE. Função e significado do brinquedo na criança. Porto alegre: Artes Médicas, 1986, 4. LEONTIEV, A. LURIA, ALR. VYGOTSKY, L.S. Linguagem desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 1988. 5. LÉVY, Janine. O despertar para o mundo: Os três primeiros anos de vida. São Paulo: Martins Fontes, 1985, OLIVEIRA, Zilma Moraes (org.). Creches: crianças faz de conta e cia. Petrópolis, Vozes, 1992. RODRIGUES, Marlene. Psicologia Educacional: uma crônica do desenvolvimento humano. São Paulo: McGraw-Will, 1976, ROSENBLUTH, Dina. (org.). Orientação psicológica para os pais: seu filho de 01 ano. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1978. WINNICOTT, P. W. A criança e seu mundo. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
Compartilhar