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Textos — Nosso Tempo 1 — Greve de Massas, Partido e Sindicatos — Rosa Luxemburgo 2 — A Questão dos Sindicatos — Lenine 3 — A Guerra Civil em França — Marx 4 — O Imperialismo, Estádio Supremo do Capitalismo — Lenine 5 — Sobre Literatura e Arte — Lenine, Mão Tse-Tung 6 — A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky — Lenine 7 — Crítica do Programa de Gotha — Marx 8 — A Luta de Classes em França — Marx 9 — K. Marx, F. Engels, as três fontes — Lenine 10 — O 18 do Brumário de Louis Bonaparte — Marx 11 — A Internacional, a Comuna, Questões da problemática marxista — Marx-Engels 12 — Um Passo em frente, dois Passos atrás — Lenine 13 — O Anti-Kautsky (Terrorismo e Comunismo) — Trotsky 14 — A Catástrofe Iminente e os Meios de a Conjurar — Lenine 15 — Como iludir o povo — Lenine 16 — As Lições de Outubro — Trotsky 17 — O Manifesto do Partido Comunista — Marx-Engels 18 — O Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo — Lenine C E N T E L H A Apartado 241 — Coimbra ROSA LUXEMBURGO GREVE DE MASSAS PARTIDO E SINDICATOS (1906) COIMBRA 1974 Tradução de RUI SANTOS NOTA INTRODUTÓRIA ROSA LUXEMBURGO nasceu em Zamosc, Polônia russa, a 5 de Março de 1871. Iniciou a sua vida política filiando-se no «Partido Revolucionário Socialista Operário». Após o seu doutoramento em economia política na Univer- sidade de Zurique instala-se na Alemanha, ocupando em breve papel preponderante na social-democracia. Dedica-se funda- mentalmente à luta contra o revisionismo. Por altura da revolução de 1905, refugia-se na Polônia onde é presa e libertada sob caução; em 1906 publica Greve de Massas, Partido e Sindicatos, onde tomo como ponto de referência a revolução russa do ano anterior. Regressando à Alemanha, lecciona economia política na Escola do Partido Social-Democrata resultando daí a sua obra mais importante: Acumulação do Capital. Em 1916, em colaboração com Liebknecht e Mehring, funda a Liga Spartakus. Em Fevereiro do mesmo ano é presa, sendo libertada em Novembro de 1918, altura em que se desencadeia a revolução na Alemanha. Na prisão escreve a brochura junius, as Cartas de Spartakus; elabora a Introdução à Economia Política. Participa na criação do Partido Comunista Alemão em Dezembro de 1918. Vítima da contra-revolução, ROSA LUXEMBURGO é presa em 15 de Janeiro de 1919, juntamente com Liebknecht, sendo ambos assassinados pelas forças governamentais. 7 I. Quase todos os documentos e declarações do socialismo internacional que abordam o problema da greve geral datam da época anterior à revolução russa, onde foi experi- mentado pela primeira vez na história, em larga escala, este método de luta. Assim se explica porque envelheceram estes documentos na sua maioria. Inspiram-se numa concepção idêntica à de Engels que, em 1873, criticando Bakounine e a sua mania de forjar artificialmente a revolução espanhola, escrevia: «A greve geral é, no programa de Bakounine, o fermento que desencadeia a revolução social. Uma bela manhã operários de todas as empresas de um país ou de todo o mundo abandonam o trabalho, obrigando assim, mais ou menos em quatro semanas, as classes poderosas ou a capitular, ou a atacar os operários, tendo estes o direito de defender-se, e ao mesmo tempo de abater inteiramente a velha sociedade. Esta sugestão está longe de ser uma novidade: os socialistas franceses e seguidamente os socialistas belgas, a partir de 1837, usaram amiúde este cavalo de batalha que, origina- riamente, é de raça inglesa. No curso do desenvolvimento rápido e vigoroso do cartismo no seio dos operários ingleses e após a crise de 1837, apregoava-se desde 1839 o «mês santo», a suspensão do trabalho a nível nacional, e esta idéia encontrou tal-eco que os operários do norte de Ingla- terra tentaram pô-la em prática em Julho de 1842. O Con- 9 gresso dos Aliancistas de Genebra, a I de Setembro de 1873, colocou igualmente na ordem do dia a greve geral. Simples- mente, todos admitiam que, para fazê-la, era preciso que a classe operária estivesse completamente organizada e tivesse fundos de reserva. É justamente aqui que o problema se agudiza. Os governos por um lado, em especial se são encorajados pela abstenção política, jamais deixarão chegar a tal ponto a organização e os fundos dos operários; por outro lado, os acontecimentos políticos e a intervenção das classes dominantes conduzirão ao enfraquecimento dos trabalhadores muito antes do proletariado atingir essa organização ideal e esses gigantescos fundos de reserva. Por outro lado, se os possuíssem, não teriam necessidade de recorrer à greve geral para atingir os seus fins» (l). Nesta argumentação se baseou, nos anos seguintes, a atitude da social-democracia internacional relativamente à greve de massas. É dirigida contra a teoria anarquista da greve geral que opõe a greve geral, factor que desencadeia a revolução social, à luta política quotidiana da classe operária. Assenta neste simples dilema: ou o operariado no seu conjunto não possui ainda organização nem fundos consi- deráveis— e assim não pode realizar a greve geral — ou está devidamente organizado — e então não há necessidade de greve. Esta argumentação é, na verdade, tão simples e inatacável à primeira vista, que durante um quarto de século prestou imensos serviços ao movimento operário moderno, quer combatendo em nome da lógica as quimeras anarquistas, quer ajudando a levar a idéia de luta política às camadas mais profundas da classe operária. Os enormes progressos do movimento operário em todos os países (1) Frédéric Engels, Die Bakunisten an der Arbeit. modernos no curso dos últimos 23 anos, justificam da maneira mais gritante a táctica de luta política preconizada por Marx e Engels, em oposição ao bakounismo: o actual poder da social-democracia, a sua situação na vanguarda de todo o movimento operário internacional é, na sua maior parte, o produto directo da aplicação conseqüente e rigorosa desta táctica. Hoje a revolução russa submeteu essa argumentação a uma revisão fundamental; permitiu, pela primeira vez na história da luta de classes, a grandiosa realização da greve de massas, e mesmo — explicá-lo-emos com mais detalhe — da greve geral, inaugurando assim uma nova época na evolução do movimento operário. Não deve concluir-se que Marx e Engels sustentaram erradamente a táctica da luta política ou que a sua crítica ao anarquismo é falsa. Pelo contrário, são os mesmos argu- mentos, os mesmos métodos em que se inspira a táctica de Marx e Engels que fundamentam ainda hoje a prática da social- democracia alemã, que na revolução russa produziram novos elementos e novas condições para a luta de classes. A revolução russa, a mesma revolução que constitui a primeira experiência histórica da greve geral, não somente não reabilita o anarquismo como conduz à liquidação histórica do anarquismo. Poder-se-ia pensar que o reinado exclusivo do parlamentarismo, por um tão longo período, talvez expli- casse a existência vegetativa, a que o surto poderoso da social-democracia alemã condenou essa tendência. Podia pensar-se, por certo, que o movimento todo orientado para a «ofensiva» e a «acção directa», que a «tendência revolu- cionária», no sentido mais brutal do levantamento de forqui- Ihas, estava simplesmente adormecida pelo rame-rame da rotina parlamentar, prestes a acordar após o retorno a um 10 11 período de luta aberta, numa revolução de rua, e a mani- festar então a sua força interna. A Rússia, sobretudo, parecia particularmente feita para servir de campo de experiência às explorações anarquistas. Um país onde o proletariado não tinha qualquer direito político e possuía uma organização extremamente deficiente, uma mistura incoerente de populações com interesses muito diversos, entrecruzando-se e contrariando-se;o baixo nível cultural em que vegetava a grande massa da população, a extrema brutalidade usada pelo regime vigente, tudo isto concorria para dar ao anarquismo um poder rápido, conquanto efêmero. No fim de contas, não era historica- mente a Rússia o berço do anarquismo? Contudo o berço de Bakounine devia transformar-se no túmulo da sua doutrina. Na Rússia não somente os anarquistas não estiveram à cabeça do movimento de greve de massas, não somente a direcção política da acção revolucionária, como a greve de massas, estão inteiramente nas mãos das organizações social-demo- cratas — denunciadas encarniçadamente pelos anarquistas como um «partido burguês» — ou nas mãos de organizações mais ou menos influenciadas pela social-democracia ou próximas dela como o partido terrorista dos «Socialistas Revolucionários»; o anarquismo é absolutamente inexistente na revolução russa, como tendência política séria. Somente em Bialystok, pequena cidade da Lituânia em que a situação é particularmente difícil, onde os operários têm as mais diversas nacionalidades, onde a pequena indústria está completamente dispersa, em que o nível do proletariado é baixíssimo, se nota entre os 6 ou 7 diferentes grupos revolu- cionários um punhado de «anarquistas», ou ditos como tal, que alimentam, com todas as suas forças, a confusão e a desorientação na classe operária. Pode também observar-se 12 em Moscovo, e talvez em mais duas ou três cidades, um punhado de gente desta. Mas à parte esses poucos «revolu- cionários», qual é o papel realmente desempenhado pelo anarquismo na revolução russa? Transformou-se no cate- cismo de vulgares ladrões e larápios; sob a razão social do «anarco-comunismo», foi cometida uma grande parte desses inumeráveis roubos e saques a particulares que grassam nos períodos de depressão, de refluxo momentâneo. O anar- quismo, na revolução russa, não é a teoria do proletariado militante, mas a escola ideológica do Lumpenproletariat contra-revolucionário, rosnando como um bando de tuba- rões no casco do navio de guerra da revolução. E desta maneira acaba a carreira histórica do anarquismo. Por outro lado, a greve de massas foi posta em prática na Rússia, não na perspectiva de uma passagem brusca à revolução, como um golpe teatral que permitisse economizar a luta política da classe operária, e em particular o parla- mentarismo, mas como um meio de criar ao proletariado, em primeiro lugar, as condições para a luta política quoti- diana e, em particular, para o parlamentarismo. Na Rússia a população trabalhadora e, à cabeça desta, o proletariado conduzem a luta revolucionária, servindo-se da greve de massas como a arma mais eficaz na conquista dos mesmos direitos e condições políticas de que, primeiramente, Marx e Engels, demonstraram a necessidade e importância na luta pela emancipação da classe operária, em que saíram vito- riosos no seio da Internacional, opondo-se ao anarquismo. Assim, a dialéctica da história, pedra basilar em que assenta toda a doutrina do socialismo marxista, teve como resultado que o anarquismo, ao qual estava indissoluvelmente ligada a idéia da greve de massas, entrou em contradição com a própria greve de massas; em compensação, a greve de massas, recen- 13 temente combatida como contrária à acção política do prole- tariado, aparece hoje como a arma mais poderosa da luta política na conquista dos direitos políticos. Se é verdade que a revolução russa obriga a rever profundamente o antigo ponto de vista marxista relativo à greve de massas, contudo, somente o marxismo, com seus métodos e perspectivas, obtém neste campo a vitória sob uma nova forma. «A amada de Mouro só pode morrer às mãos do Mouro». 2. Quanto à greve de massas, os acontecimentos na Rússia obrigam-nos, em primeiro lugar, a uma revisão da concepção geral do problema. Até agora, os partidários de «tentar a greve de massas» na Alemanha, os Bernstein, Eisner, etc., assim como os inimigos ferozes de tal tentativa representados no sindicato, por exemplo, por Boemelburg, concordam no fundo com a concepção anarquista. Os pólos opostos não só não se excluem aparentemente, como ainda se completam, e condicionam mutuamente. Com efeito, pela concepção anarquista das coisas, a especulação sobre a «grande transformação», sobre a revolução social, não é mais do que um aspecto exterior e não essencial; o essencial é o modo abstracto anti-histórico de considerar a greve de massas, assim como todas as condições da luta proletária. O anarquista antevê somente duas condições materiais preliminares nas suas especulações «revolucionárias»: em primeiro lugar, «o espaço etéreo», e em seguida a boa vontade e a coragem de salvar a humanidade do vale de lágrimas capitalista em que hoje geme. Neste «espaço etéreo» nasceu, há mais de 60 anos, este arrazoado de que a greve de massas era o caminho mais curto, mais seguro e mais fácil para dar o salto perigoso até um além social melhor. Neste mesmo «espaço abstracto» nasceu recentemente a idéia, saída da especulação teórica, de que a luta sindical é a única e real «acção directa de massas» e, por conseguinte, a única luta revolucionária — refrão último dos «sindica- 14 15 listas» franceses e italianos, como se sabe. A infelicidade para o anarquista surgiu, quando os métodos improvisados de luta no «espaço etéreo» se revelaram sempre como puras utopias, além de que na maior parte do tempo, recusando-se a contar com a triste e desprezada realidade, deixavam insensível mente de ser teorias revolucionárias, para se tornarem auxiliares práticos da reacção. Ora, no mesmo terreno da consideração abstracta e sem preocupação histórica, colocam-se hoje, de um lado, os que pròximamente gostariam de ver desencadear na Alemanha, num dia assinalado no calendário, por um decreto da direcção do Partido, a greve de massas, do outro lado, os que, como os delegados do Congresso Sindical de Hamburgo, querem liquidar definitivamente o problema da greve de massas, interceptando a sua «propaganda». Uma e outra das tendências partem da idéia comum, e absolutamente anárquica, de que a greve de massas é uma arma puramente teórica, que facilmente, de acordo com o que se julgue útil, poderia ser facilmente «decidida» ou, inversamente, «proibida», qual navalha quê se pode ter fechada no bolso para qualquer eventualidade ou, pelo contrário, aberta e pronta a servir, quando se decidir. Sem dúvida, os adversários da greve de massas reivindicam muito justamente o mérito de ter comandado o terreno histórico e as condições materiais da situação actual na Alemanha, em oposição aos «românticos da revolução» que viajam no espaço imaterial e se recusam termi-nantemente a lançar um olhar à dura realidade, suas possibilidades e impossibilidades. «Pactos e números, números e factos», exclamam como M. Gradgrind em «Os Tempos Difíceis» de Dickens. Os adversários sindicalistas interpretam «terreno histórico» e «condições materiais» como dois elementos diferentes: por 16 um lado, a fraqueza do proletariado, por outro, a força do militarismo prussiano. A insuficiência das organizações operárias e a situação monetária, o poder das baionetas prussianas, são os «factos e números» em que os dirigentes sindicais fundamentam a sua concepção prática do problema. Por certo, as caixas sindicais como as baionetas prussianas são incontestáveis factos materiais e profundamente históricos, mas a concepção política baseada nestes factos não é o materialismo histórico no sentido de Marx, mas um materialismo policial no sentido de Puttkammer (2). Os próprios representantes do Estado contam tanto, e mesmo exclusivamente, com o poder efectivo do proletariado organizado em cada momento, como com o poder material das baionetas; do quadro comparativo destes dois números eles não cessam de tirar esta tranqüilizante conclusão: o movimento operário é produzido por mentores e agitadores;ergo temos nas prisões e nas baionetas um meio razoável de nos tornarmos senhores deste «fenômeno passageiro e desagradável». A classe operária consciente compreende há muito o ridículo desta teoria policial, segundo a qual todo o movi- mento operário moderno seria o resultado artificial e arbi- trário de um punhado de «agitadores e mentores» sem escrúpulos. Vemos manifestar-se um conceito semelhante quando dois ou três bravos camaradas formam colunas voluntárias de vigilantes nocturnos para pôr a classe operária alemã em segurança contra as ratoeiras de meia dúzia de «românticos da revolução» e contra a sua «propaganda a favor da greve de massas»; ou ainda, quando do lado adverso se assiste ao lançamento de uma campanha indignada e lacri- (2) Puttkammer, 1828-1900, ministro do interior entre 1881 e 1888. 17 mejante pelos que, desiludidos com a tentativa de uma explosão grevista na Alemanha, se sentem frustrados por não sei que conluios «secretos» da direcção do Partido com a Comissão Geral dos Sindicatos. Se a explosão das greves dependesse da «propaganda» incendiaria dos «românticos da revolução» ou das decisões secretas ou públicas dos Comitês directivos, não teríamos tido até aqui qualquer importante greve de massas na Rússia. Não há nenhum país — já assinalei o facto na Gazeta Operária de Saxe em Março de 1905 — onde se pensasse tão pouco em «difundir» ou mesmo «discutir» a greve como na Rússia. E os poucos exemplos de resoluções e acordos da direcção do partido socialista russo que decretavam uma completa greve geral — como a última tentativa em Agosto de 1905 após a dissolução da Douma — fracassaram quase por completo. A revolução russa ensina-nos assim uma coisa: é que a greve de massas nem é «fabricada» artificialmente nem «decidida» ou «difundida» no éter imaterial e abstracto, é tão somente um fenômeno histórico resultante, num certo momento, de uma situação social a partir de uma necessidade histórica. Portanto, não é por especulações abstractas sobre a possibilidade ou impossibilidade, sobre a utilidade ou perigo dá greve, mas é pelo estudo dos factores e da situação social que provocam a greve na actual fase da luta de classes, que o problema se resolve; o problema não se compreenderá nem poderá ser discutido numa perspectiva subjectiva da greve geral considerando o que é desejável ou não, mas a partir de um exame objectivo das origens da greve de massas, inquirindo-se se é ou não historicamente necessária. No espaço imaterial da análise lógica abstracta pode provar-se com o mesmo rigor, tanto a impossibilidade abso- luta, a derrota certa da greve de massas, como a sua possi- bilidade absoluta e a vitória assegurada. Também ò valor da demonstração é o mesmo nos dois casos, quer dizer, nulo. É por isso que temer a propaganda em favor das greves de massas e pretender excomungar formalmente os culpados deste crime, é ser vítima de um absurdo mal- entendido. É tão difícil «propagar» a greve de massas como meio abstracto de luta, como «propagar» a revolução. A «revolução» e a «greve de massas» são conceitos que não representam mais do que a forma exterior da luta de classes e só têm sentido e conteúdo, quando referidas a situações políticas bem determinadas. Empreender uma propaganda adequada à greve como forma de acção proletária, querer difundir essa «ideia» para com ela ganhar pouco a pouco a classe operária, seria uma ocupação tão ociosa, tão vã e insípida como encetar uma campanha de propaganda em prol da idéia de revolução ou do combate nas barricadas. Se a greve se transformou agora num vivo centro de interesse para a classe operária alemã e internacional é porque ela representa uma nova forma de luta, e, como tal, o sintoma correcto de transformações interiores profundas nas relações entre as classes e nas condições da luta de classes. Se os operários alemães — não obstante a cerrada resistência dos seus dirigentes sindicais — manifestam um interesse tão ardente por este novo problema, isso testemunha o seu profundo instinto revolucionário e sua viva inteligência. Mas a esse interesse, a essa nobre sede intelectual, ao entusiasmo dos operários pela acção revolucionária, não se responde dissertando através duma ginástica cerebral abstracta, sobre a possibilidade ou impossibilidade da greve; a isso se responde, explicando o desenrolar da revolução russa, sua importância internacional, 18 19 o agravamento dos conflitos de classe na Europa Ocidental, as novas perspectivas da luta de classes na Alemanha, o papel e deveres das massas nas lutas futuras. .Somente, de acordo com esta óptica a discussão sobre a greve de massas servirá para alargar o horizonte intelectual do proletariado, contribuirá para espevitar a sua consciência de classe, aprofundar as suas idéias e fortalecer a sua energia para a acção. Por outro lado, sob esta perspectiva, surge o ridículo do processo criminal intentado pelos inimigos do «romantismo revolucionário» que acusam os defensores desta tendência por não terem obedecido literalmente à resolução de Iéna. Os partidários de uma política «razoável e prática» aceitam rigorosamente tal resolução visto que ela liga a greve de massas aos destinos do sufrágio universal. Julgam poder extrair daí duas conclusões: l.° — que a greve tem um carácter puramente defensivo; 2.° — que ela própria está subordinada ao parlamentarismo. Mas o verdadeiro conteúdo da resolução de lena reside na análise segundo a qual, no estado actual da Alemanha, uma luta empreendida pela reacção, pelo poder, contra o sufrágio universal para as eleições do Reichstag, poderia ser o factor que assinalaria um período de lutas políticas tempestuosas. Seria então que pela primeira vez na Alemanha, a greve de massas poderia ser desencadeada. Somente, querer restringir e mutilar artificialmente, por um texto dum Congresso, a importância social e o campo histórico da greve de massas, como problema e como fenô- meno da luta de classes, é dar provas de um espírito tão limitado como na resolução do Congresso de Colônia o qual proibiu a discussão da greve de massas. Na decisão de Iéna, a social-democracia deu oficialmente notícia da profunda transformação efectuada pela revolução russa nas condições internacionais da luta de classes. Aí reside a importância da resolução de Iéna. Quanto à aplicação prática da greve de massas na Alemanha a história o decidirá como fez na Rússia; para a história, a social-democracia e suas resoluções são um factor importante, decerto, mas um factor entre muitos. 20 21 3. A greve de massas, como tema actual de discussão na Alemanha, é um fenômeno particular muito claro e muito simples de conceber, as suas limitações são precisas: trata-se unicamente da greve política de massas. Entende-se como tal uma arrancada maciça e única do proletariado industrial empreendida por ocasião dum acto político da maior impor- tância com base num acordo recíproco estabelecido a esse propósito entre as direcções do Partido e dos Sindicatos, e que, conduzida na mais perfeita ordem e com espírito de disciplina, termine com uma ordem ainda mais perfeita, sob a palavra de ordem dada no momento oportuno pelos dirigentes, não esquecendo que a administração dos subsídios, as despesas, os sacrifícios, numa palavra, todo o balanço material, é determinado a priori com precisão. Ora, comparando este esquema teórico com á greve de massas tal como se processa há cinco anos na Rússia, é-se levado.a constatar que o conceito à volta do qual giram todas as discussões alemãs, não corresponde à realidade de nenhuma das numerosas greves de massas que se realizam e que, por outro lado, as greves de massas se apresentam na Rússia sob formas tão variadas que é absolutamente impossível falar de «a» greve de massas, de uma greve esquemática abstracta. Não só cada elemento da greve de massas, mas também a sua particular característica, segundo ascidades e as regiões, e principalmente o seu próprio carácter geral, se modifi- caram com freqüência no decorrer da revolução. As greves conheceram na Rússia uma certa evolução histórica e pros- seguem-na ainda. Assim, quem queira falar de greve de massas na Rússia deve, antes de tudo, ter a sua história diante dos olhos. Inicia-se, justamente, o período actual, por assim dizer oficial, da revolução russa com a sublevação do proletariado de S. Petersburgo em 22 de janeiro de 1905, esse desfile de 200000 empregados diante do palácio do czar que terminou com um terrível massacre. À sangrenta fusilaria de S. Petersburgo foi, como se sabe, o marco que desencadeou a primeira e gigantesca série de greves de massas; em poucos dias estenderam-se a toda a Rússia e fizeram ecoar a chamada à revolução por todos os cantos do Império, ganhando todas as camadas do proletariado. Mas a sublevação de S. Petersburgo, em 22 de Janeiro, não foi mais que o ponto culminante de uma greve de massas que pusera em movimento todo o proletariado da capital czarista, em Janeiro de 1905. Por seu lado, a greve de Janeiro em S. Petersburgo foi a conseqüência imediata da gigantesca greve geral que estalara pouco antes, em Dezembro de 1904, no Cáucaso, em Bakou, e manteve suspensa toda a Rússia. Ora, os acontecimentos de Bakou eram tão somente o último e poderoso eco das grandes greves que, em 1903 e 1904, quais tremores de terra periódicos, abalaram todo o sul da Rússia e cujo prólogo foi a greve de Batoum, no Cáucaso, em Março de 1902. No fundo, esta série de greves, na cadeia contínua das actuais erupções revolucionárias, somente dista da greve geral dos operários têxteis de S. Petersburgo, em 1896 e 1897, cinco ou seis anos. Pode pensar-se que alguns anos de aparente acalmia e de severa reacção separam o movi- mento de então, da revolução de hoje; mas se conhecermos um pouco da evolução política interna do proletariado 22 23 russo, até ao estádio actual da sua consciência de classe e da sua energia revolucionária, não deixaremos de relacionar a história do presente período de lutas de massas com as greves gerais de S. Petersburgo. Estas são importantes no problema da greve de massas, visto que já contêm em germe todos os princípios elementares das greves posteriores. Em primeiro lugar, a greve geral de 1896 em S. Petersburgo surge como uma luta parcial reivindicativa, de objectivos puramente econômicos. Foi provocada pelas intoleráveis condições de trabalho dos fiadores e tecelões de S. Peters- burgo: dia de trabalho de 13, 14 e 15 h.; salários à peça miseráveis; ao que se acrescenta toda uma série de vexames patronais. Contudo, os operários têxteis suportaram por muito tempo esta situação até ao momento em que um incidente de insignificância aparente ultrapassou a medida. Com efeito, em Maio de 1896, realizou-se a coroação do actual czar, Nicolau II, diferida por dois anos com receio dos revolucionários; nesta ocasião, os donos das empresas manifestaram o seu zelo patriótico, impondo aos operários três dias de férias forçadas, recusando-se, além disso, a pagar- Ihes salário nesses dias. Os operários têxteis, exasperados agitaram-se. Numa reunião que teve lugar no jardim de Ekaterinev, na qual participaram cerca de 300 operários entre os mais preparados politicamente, foram decididas e formuladas as seguintes reivindicações: l.° — os di as da coroação deviam ser pagos; 2.° — horário reduzido p ara 10 h; 3.° — aumento de salários. Passava-se isto em 24 de Maio. Uma semana depois estavam fechadas as fiações e 40 000 operá- rios em greve. Hoje, este acontecimento, comparado às vastas greves da revolução, pode parecer insignificante. Mas no clima de estagnação política da Rússia nesta época, uma greve geral era uma coisa invulgar; era uma perfeita revo- lução em miniatura. Naturalmente, seguiu-se a mais brutal repressão: cerca de um milhar de operários foram presos e recambiados para o seu país de origem, a greve geral foi esmagada. Vemos já delinearem-se todas as características de uma futura greve de massas: em primeiro lugar, o facto que desencadeou o movimento foi fortuito, e mesmo aces- sório, a explosão foi espontânea. Mas no modo como o movimento foi desencadeado manifestaram-se os frutos da propaganda conduzida em vários anos pela social-democracia; no decorrer da greve geral os propagandistas da social-demo- cracia permaneceram à cabeça do movimento, dirigiram-no e fizeram dele trampolim para uma viva agitação revolu- cionária. Por outro lado, se as greves pareciam limitar-se exteriormente a uma reivindicação puramente econômica visando os salários, a atitude do governo, bem como a agitação socialista, transformaram-se num acontecimento político de primeira ordem. Por fim, a greve foi esmagada, os operários sofreram uma «derrota». Contudo, a partir de Janeiro do ano seguinte (1897), os operários têxteis de S. Petersburgo iniciaram uma greve geral, obtendo desta vez um enorme sucesso: a instauração do dia de trabalho de 11 h. e meia, em toda a Rússia. Resultado mais importante ainda: após a primeira greve geral de 1896 que foi feita sem qualquer organização operária e sem caixa de greve, iniciou-se pouco a pouco na Rússia propriamente dita uma intensa luta sin- dical que em breve se estendeu de S. Petersburgo ao resto de país, abrindo novas perspectivas à propaganda e à orga- nização da social-democracia. Assim um trabalho invisível e subterrâneo preparava, sob o aparente silêncio sepulcral dos anos que se seguiriam, a revolução proletária. A greve do Cáucaso em Março de 1902 explodiu dum, modo tão fortuito como a de 1896 e parecia, ela também, 24 25 ser o resultado de factores puramente econômicos, resu- mindo-se a reivindicações parciais. Ela está ligada à terrível crise industrial e comercial que precedeu na Rússia a guerra russo-japonesa e contribuiu fortemente para a criação, tal como esta guerra, de uma consciência revolucionária. A crise provocou um grande surto de desemprego, alimentando o descontentamento da massa proletária. Também o governo resolveu, para apaziguar a classe operária, enviar a «mão de obra inútil» para o seu país de origem. Tal medida, que devia abranger cerca de 400 operários do petróleo, provocou precisamente em Batoum um protesto maciço. Realizaram-se manifestações, prisões, uma repressão sangrenta e, finalmente, um processo político no decurso do qual a luta, por reivindicações parciais e puramente econô- micas, tomou foros de acontecimento político e revolucio- nário. A greve de Batoum, que não saiu coroada de sucesso e que conduziu a uma derrota, teve como resultado uma série de manifestações revolucionárias em Njini-Novgorod, em Saratov e noutras cidades; esteve assim na origem da vaga revolucionária geral. A partir de Novembro de 1902 nota-se a primeira e verdadeira repercussão sob a forma de uma greve geral em Rostov-do-Don. Este movimento foi desencadeado por um conflito que surgiu nas oficinas do caminho de ferro em Vladicaucaso a propósito dos salários. Porque a administração queria reduzir os salários, é publicado um manifesto pela Direcção do Partido Social- Democrata, apelando para a greve e formulando as seguintes reivindicações: 9 h. de trabalho, aumento de salários, supressão dos castigos, expulsão dos engenheiros impopulares, etc. Todas as oficinas do caminho de ferro entraram em greve. Todos os outros ramos de actividade se juntaram ao movimento, e Rostov conhece em breve uma situação sem precedentes: 26 suspensão total do trabalho na indústria, todos os dias se realizavam «meetings» extraordinários ao ar livre com 15 a 20000 operários, estando os manifestantes cercados várias vezes por um cordão de Cossacos: os oradores sociais- democratas, usaram da palavra publicamente e pela primeira vez; discursos inflamados sobre o socialismo e liberdade política eram apresentados e acolhidos com entusiasmo extraordinário; eram difundidas tarjetasrevolucionárias às dezenas de milhares. Em plena Rússia congelada no seu absolutismo, o proletariado de Rostov, pela primeira vez, no fogo da acção, conquista o direito de reunião. Claro que a sangrenta repressão não se fez esperar. Em poucos dias, as reivindicações salariais nas oficinas do caminho de ferro de Vladicáucaso tomaram as proporções de uma greve política geral e de uma batalha revolucionária de rua. Imedia- tamente, se seguiu uma segunda greve, desta vez na estação de Tichoretzkaia, na mesma linha de caminho de ferro. Ainda aí teve lugar uma repressão feroz, seguida de um processo, e Tichoretzkaia entra, por sua vez, na cadeia ininterrupta dos episódios revolucionários. A primavera de 1903 trouxe uma compensação para as greves de Rostov e de Tichoretzkaia: em Maio, junho, Julho todo o sul da Rússia se inflama. Há literalmente greve geral em Bakou, Tiflis, Batoum, Elisabethgrad, Odessa, Kiev, Nicolaiev, Ekate- rinoslav. Mas, também aí, a greve não foi desencadeada a partir de um núcleo, segundo um plano preconcebido: desen- cadeou-se em diversos pontos por motivos diversos e sob formas diferentes para depois confluir. Bakou abre o desfile: várias reivindicações parciais de salários em diversas fábricas e diversos ramos acabam por conduzir a uma greve geral. Em Tiflis, 2000 empregados do comércio, cujo horário de trabalho ia das 6 h. da manhã às 11 h. da noite, iniciam 27 a greve; a 4 de Julho, às 8 h. da tarde, abandonam todas as lojas e desfilam em cortejo ao longo da cidade, obrigando os lojistas a fechar. A vitória é completa: os empregados do comércio alcançam o dia de trabalho de 8 h. e meia; em breve o movimento se estende às fábricas, às oficinas, aos escritórios. Não há jornais, os eléctricos só circulam sob a protecção das tropas. Em Elisabethgrad, a 10 de Julho, desencadeia-se a greve em todas as fábricas, tendo por objectivo reivindicações puramente econômicas. Estas foram aceites na sua maior parte e a greve cessa no dia 14 de Julho. Mas duas semanas mais tarde rebenta novamente; desta vez são os padeiros quem lança a palavra de ordem, seguidos pelos pedreiros, marceneiros, tintureiros, moleiros e, final- mente, por todos os operários fabris. Em Odessa, o movi- mento principia por uma reivindicação salarial, na qual parti- cipa a associação operária «legal» fundada por agentes governamentais com base no programa elaborado pelo célebre agente Zoubatov. Eis ainda aí uma das mais belas astúcias da dialéctica histórica. As lutas econômicas do período prece- dente — entre outras a grande greve geral de S. Petersburgo (em 1896) — levaram a social-democracia russa a exagerar o que se chama «o economismo», preparando assim o terreno, na classe operária para as manobras demagógicas de Zoubatov. Mas, um pouco mais tarde, a grande corrente revolucionária fez virar o barquito dos cem pavilhões e forçou-o a vogar à cabeça da frota proletária revolucionária. Foram as asso- ciações de Zoubatov que na primavera de 1904 deram a palavra de ordem para a grande greve geral de Odessa, como para a greve geral de S. Petersburgo em Janeiro de 1905. Os trabalhadores de Odessa, até então embalados na ilusão da bonomia do governo e da sua simpatia por uma luta pura- mente econômica, imediatamente quiseram tirar a prova: 28 pressionaram a «Associação Operária» de Zoubatov a procla- mar uma greve com objectivos reivindicativos modestos. O patrão expulsou-os simplesmente, e quando reclamaram ao chefe da Associação o prometido apoio governamental, este esquivou-se, facto que levou ao rubro o catalisador revolu- cionário. Em breve os sociais-democratas tomaram as rédeas do movimento grevista que atingira outras fábricas. No dia l de Julho, greve de 2500 operários dos caminhos de ferro; a 4 do mesmo mês entram em greve os operários do porto, reclamando um aumento de salários de 80 kopeks a 2 rublos e redução de mela hora no horário de trabalho. Em 6 de Julho os marinheiros juntam-se ao movimento. A 13, levan- tamento do pessoal dos eléctricos. Realiza-se uma reunião de grevistas — 7a 8000 pessoas; forma-se o cortejo, indo de fábrica em fábrica, engrossa como uma avalanche até levar 40 a 50000 pessoas, dirigindo-se ao porto para organizar um levantamento geral. Rapidamente, em toda a cidade, reina a greve geral. Em Kiev, sublevação em 21 de Julho nas oficinas do caminho de ferro. Também aqui as condições de trabalho e as reivindicações salariais são o motivo da explosão da greve. No dia seguinte, os fundidores seguem o exemplo. Em 23 de Julho, ocorre um incidente que anuncia a greve geral. De noite, dois delegados dos ferroviários são presos; os grevistas reclamam a sua liber- tação imediata; ante a recusa que lhes é oposta, decidem impedir os comboios de sair da cidade. Na gare, os grevistas com as mulheres e filhos deitam-se nos carris, verdadeira maré de cabeças humanas. Ameaçam atirar sobre eles. Os operários descobrem o peito e gritam: «Atirem!» Disparam sobre a multidão, 30 a 40 pessoas são mortas, entre as quais mulheres e crianças. Após este acontecimento, Kiev inteira está em greve. Os cadáveres das vítimas são 29 trazidos em braços acompanhados por um imponente cortejo. Reuniões, discursos, prisões, combates isolados na rua — Kiev está em plena revolução. O movimento acaba depressa; mas os tipógrafos alcançaram a redução de l hora no dia de trabalho e um aumento de l rublo; estabelece-se o dia de 8 h. de trabalho numa fábrica de porcelana; as oficinas dos caminhos de ferro fecham por decisão ministerial; outras profissões continuam em greve parcial pelas suas reivindicações. Por contágio, a greve geral chega a Nicolaiev, sob a imediata influência das notícias vindas de Odessa, Bakou, Batoum e Tiflis, não obstante a resistência do comitê social-democrata, que queria retardar o começo do movi- mento até ao momento em que as tropas saíssem para manobras; os grevistas iam de oficina em oficina; a resis- tência do exército não fez mais que lançar azeite no fogo. Cedo se viu formarem-se enormes cortejos que impeliam, ao som de cânticos revolucionários, todos os operários, empre- gados, pessoal dos eléctricos, homens e mulheres. O levan- tamento era total. Em Ekaterinov, a 3 de Agosto, os padeiros entram em greve, a 8 param os eléctricos, não há jornais. Assim se realizou a grandiosa greve geral do sul da Rússia no Verão de 1903. Mil conflitos econômicos parciais, mil inci- dentes «fortuitos» convergiam, confluindo num poderoso oceano; em poucas semanas, todo o sul do Império czarista foi transformado numa estranha República operária revo- lucionária. «Abraços fraternais, gritos de entusiasmo e contenta- mento, cânticos de liberdade, risos felizes, alegria e delírio; um perfeito concerto despontava desta multidão de milhares de pessoas indo e vindo através da cidade, de manhã à noite. Reinava uma atmosfera de euforia; quase se podia crer que uma nova e melhor vida principiara na terra. Espectáculo profundamente comovedor, idílico e enternecedor ao mesmo tempo». Assim escrevia então o correspondente do Osvo- bojdenié, órgão liberal de M. Pierre de Struve. No início de 1904 rebentou a guerra, o que provocou uma interrupção no movimento grevista por algum tempo. De início vemos espalhar-se pelo país uma turbulenta vaga de manifestações «patrióticas» organizadas pela polícia. O chau- vinismo oficial czarista começou por abater a sociedade burguesa «liberal». Mas cedo a social-democracia retomou a posse do campo de batalha; às manifestações policiais da canalha patriótica se opõem as manifestações operárias revolucionárias. Por fim, as vergonhosas derrotas do exér- cito czarista arrancam do seu sono a própria sociedade liberal. Inaugura-se a era dos congressos, dos banquetes, dos discursos, das felicitações, dos manifestos liberais e demo- cráticos. Momentaneamente diminuído, pela vergonhosa derrota, o absolutismo desorientado deixa agir esses senhores que já vêem abrir-se antesi o paraíso liberal. O liberalismo está na vanguarda da cena política durante 6 meses, o prole- tariado reentra na sombra. Somente após uma longa depres- são o absolutismo se organiza, a camarilha reúne as suas forças; bastou espicaçar os Cossacos para lançar em deban- dada os liberais, a partir de Dezembro. E os discursos, os congressos, são apodados de «insolente pretensão» e proi- bidos por um traço de tinta; subitamente, o liberalismo acha-se no fim do seu latim. Mas no momento em que o liberalismo está completamente desorientado, entra o prole- tariado em acção. Em Dezembro de 1904 rebenta a célebre e gigantesca greve geral de Bakou contra o desemprego; o operariado ocupa de novo o campo de batalha. A palavra proibida é reduzida a silêncio, a acção recomeça. Em Bakou, durante várias semanas, em plena greve geral, a social- 30 31 -democracia domina inteiramente a situação; os inesperados acontecimentos de Dezembro no Cáucaso teriam provocado uma grande emoção se não tivessem sido rapidamente invadidos pela vaga crescente da revolução, na origem da qual estes se encontram. As notícias fantasistas e confusas sobre a greve geral de Bakou não tinham alcançado ainda todas as extremidades do Império, quando, em janeiro, de 1905, explodiu a greve geral de S. Petersburgo. Também aí, o motivo que originou o movimento foi, como se sabe, mínimo. Dois operários dos estaleiros de Poutilov tinham sido despedidos por pertencerem à Associação «legal» de Zoubatov. Tal medida de rigor provocou uma greve de solidariedade de todos os operários dos estaleiros em número de 12000, no dia 16 de Janeiro. A greve deu aos sociais-democratas a possibilidade de empreender uma activa propaganda a favor da extensão das reivindicações: reclamavam o dia de trabalho de 8 h., o direito de reunião, a liberdade de expressão e de imprensa, etc. A agitação que animava as oficinas de Poutilov rapidamente alcançou outras fábricas, e, dias depois, 140000 operários entravam em greve. Após deliberações tomadas em comum e discus- sões tempestuosas, foi elaborada a carta proletária das liberdades cívicas, mencionando como primeira reivindicação o dia de trabalho de 8 h.; levando esta carta, desfilaram frente ao palácio do czar, em 22 de janeiro, 200000 operários chefiados pelo padre Gapone. Numa semana o conflito provocado pela expulsão de dois operários dos estaleiros de S. Petersburgo, transforma-se no prólogo da mais poderosa revolução dos tempos modernos. Os acontecimentos poste- riores são conhecidos: em Janeiro e Fevereiro a sangrenta repressão de S. Petersburgo ocasionava gigantescas greves de massas e greves gerais em todos os centros industriais e cidades da Rússia, Polônia, Lituânia, províncias bálticas, Cáucaso, Sibéria, de Norte a Sul, de Este a Oeste. Mas se examinarmos as coisas com mais atenção, as greves tomam aspectos diferentes das do período anterior; agora, por todo o lado, são as organizações sociais-democratas que chamam à greve, por todo o lado a solidariedade revolu- cionária para com o proletariado de S. Petersburgo foi expressamente designada como motivo e fim da greve geral, por toda a parte, desde o início, houve manifestações, discursos, confrontos com a polícia. Todavia, também aqui se não pode falar, nem de plano pré-estabelecido, nem de acção organizada, porque o apelo dos partidos dificilmente acompanhava a sublevação espontânea das massas; os diri- gentes mal tinham tempo para formular palavras de ordem enquanto as massas lutavam. Outra diferença: as greves de massas e gerais anteriores tinham a sua origem na conver- gência de reivindicações salariais parciais; estas, na atmosfera geral da situação revolucionária e sob o impulso da propa- ganda social-democrata, depressa se transformaram em manifestações políticas; o elemento econômico e a difusão sindical era o seu ponto de partida, a preparação da acção de classe e a direcção política eram o resultado final. Aqui o movimento é inverso. As greves gerais de Janeiro-Fevereiro, eclodiram, primeiro sob a forma de uma acção revolucionária preparada pela social-democracia, mas esta acção disse- minou-se em breve numa infinidade de greves locais, parce- lares, econômicas, em diversas regiões, cidades, profissões, fábricas. Desde a Primavera de 1905 até pleno Verão assistiu- se, neste gigantesco Império, ao nascimento de uma poderosa luta política de todo o proletariado contra o capital; a agitação alcança, no topo, as profissões liberais e a pequena burguesia, empregados comerciais, dos bancos, 32 33 engenheiros, comediantes, artistas, e penetra na base, conquistando os criados, os agentes subalternos da polícia, e até as camadas do «sub-proletariado», estendendo-se simultaneamente, aos campos, batendo mesmo à porta das casernas. Eis o painel imenso e variado da batalha geral do trabalho contra o capital; vemos reflectir-se nele toda a complexidade do organismo social, da consciência política de cada categoria e de cada região; vemos desenvolver-se toda uma gama de conflitos desde luta sindical, conduzida em boa e devida forma pelo bem treinado exército de elite do proletariado industrial, até à explosão de uma revolta anarquista de um punhado dê operários agrícolas e ao levantamento confuso de uma guarnição militar, até à revolta discreta e distinta, de punhos de renda e colarinhos altos numa mesa de jogo e, aos protestos a um tempo tímidos e audaciosos de polícias descontentes, secretamente reunidos num posto enfumarado, obscuro e sujo. Os partidários das «batalhas ordenadas e disciplinadas» concebidas segundo um plano e um esquema, os que em particular querem sempre saber com antecedência como «será preciso fazer», consideram que foi um «grave erro» retalhar a grande acção da greve política geral de Janeiro de 1905 numa infinidade de lutas econômicas, visto que isso conduziu, a seus olhos, a uma paralisação da acção e à sua transformação num fogo fátuo. O próprio partido social- democrata russo que sem dúvida participou na revolução, mas não foi o seu autor, e que deve aprender as leis ao longo do seu desenvolvimento, se encontrou desorientado por algum tempo com o refluxo aparentemente estéril da primeira maré de greves-gerais. Contudo, a história, que cometera este «grande erro», concluía assim um gigantesco trabalho revolucionário tão inevitável quanto incalculável nas suas conseqüência, sem se preocupar com as lições dos que a si próprios se instituíram como mestres A brusca sublevação geral do proletariado em Janeiro, desencadeada pelos acontecimentos de S. Petersburgo era, na sua acção exterior, um acto político revolucionário, uma declaração de guerra ao absolutismo. Mas esta primeira luta geral e directa de classes provocou uma reacção tanto mais poderosa que a anterior, quanto acordava pela primeira vez, como um choque eléctrico, o sentimento e a cons- ciência de classe em milhões e milhões de homens. Este despertar da consciência de classe imediatamente se mani- festa do seguinte modo: uma multidão de milhões de prole- tários descobre de súbito, com um sentimento de acuidade insuportável, o carácter intolerável da sua existência social e econômica, do qual era escravo há decênios, sob o jugo do capitalismo. De repente, desencadeia-se uma sublevação geral e espontânea para sacudir esse jugo, para quebrar as algemas. Sob mil aspectos, os sofrimentos do proletariado moderno reavivam a recordação destas feridas sempre sangrentas. Aqui luta-se pelas 8 h. de trabalho, ali, contra o trabalho incerto; aqui, sobre as charruas manuais, trans- portam-se os senhores brutais, após terem sido metidos num saco; algures, combate-se o infame sistema de multas; por toda a parte luta-se por melhor salário; aqui e ali, pela supressão do trabalho ao domicílio. As profissões anacrô- nicas e degradantes das grandes cidades, as pequenas cidades adormecidasnum sono idílico, até então, a aldeia com o seu sistema de propriedade de escravatura hereditária, — tudo isto é bruscamente despertado pelo raio tempestuoso de Janeiro, tomando consciência dos seus direitos e procurando recuperar febrilmente o tempo perdido. Aqui a luta econô- mica foi na realidade não um fraccionamento, não um esbo- 34 35 roamento da acção, mas uma mudança de frente; a primeira batalha contra o absolutismo transforma-se em breve e naturalmente num ajuste geral de contas com o capitalismo, e este, em conformidade com a sua natureza, assume a forma de conflitos parciais em favor dos salários. É falso dizer-se que a acção política de classe em janeiro foi destruída, porque a greve geral se repartiu em greves econômicas. É exacta- mente o contrário: uma vez esgotado o conteúdo possível da acção política, feito o balanço da situação e da fase em que a revolução se encontrava, esta fragmentou-se, ou antes, transformou-se em acção econômica. De facto, que mais podia obter a greve geral de janeiro? É preciso ser-se inconsciente para esperar, de uma só vez, o esmagamento do absolutismo com uma só greve geral «prolongada», segundo o modelo anarquista. É pelo proletariado que o absolutismo na Rússia tem de ser derrubado. Mas para tanto, o proletariado tem necessidade de um alto grau de educação política, de consciência de classe e organização. Não pode aprender todas estas coisas em brochuras ou em folhas volantes; tal educação ele a adquirirá na escola política viva, na luta e pela luta, no decorrer da revolução em marcha. Aliás, o absolutismo não pode ser derrubado, seja quando for, com a exclusiva ajuda de uma dose suficiente de «esforços» e «perseverança». A queda do absolutismo não é mais que um sinal exterior da evolução interior das classes na sociedade russa. Dantes, para que o absolutismo fosse derrubado, era preciso que a estrutura interna da futura Rússia burguesa fosse estabelecida, que a sua estru- tura de moderno Estado de classes fosse constituída. Isso implica a divisão e a diversificação das camadas sociais e dos interesses, a constituição, não somente do partido revolu- cionário operário, mas ainda dos diversos partidos: liberal, 36 radical, pequeno-burguês, conservador e reaccionário; isso implica o despertar para o conhecimento, para a consciência de classe não só das camadas populares, mas ainda das camadas burguesas; estas últimas não podem constituir-se nem ama- durecer senão na luta, no curso da revolução em marcha, na escola viva dos acontecimentos, no seu confronto com o proletariado e entre si num confronto contínuo e recíproco. Esta divisão e esta maturação das classes na sociedade burguesa, assim como a sua acção na luta contra o absolu- tismo, são, ao mesmo tempo, travadas e dificultadas por um lado, estimuladas e aceleradas por outro, pelo papel domi- nante e particular do proletariado e pela sua acção de classe. As diversas correntes subterrâneas do processo revolucio- nário entrecruzam-se, criam mutuamente obstáculos, avivam contradições internas da revolução o que tem por resultado, no entanto, a precipitação e intensificação da poderosa explosão. Assim, este problema, tão simples na aparência, tão pouco complexo, puramente mecânico: a queda do absolutismo, exige um completo processo social; é neces- sário que o terreno social seja arado de alto a baixo, que o que está por baixo venha à superfície, o que está por cima seja profundamente enterrado, que «ordem» aparente se transforme em caos e que a partir da aparente anarquia seja criada uma nova ordem. Ora, neste processo de transfor- mação das estruturas sociais da antiga Rússia não foi unica- mente o «trovão» de janeiro que desempenhou um papel insubstituível, mas principalmente as grandes tempestades da Primavera e do Verão. A batalha geral e encarniçada dos assalariados contra o capital contribuiu, ao mesmo tempo, para a diferenciação das várias camadas populares e das camadas burguesas, para a formação de uma consciência de classe no proletariado revolucionário e também na 37 burguesia liberal e conservadora. Se, nas cidades, as reivin- dicações salariais contribuíram para a criação do grande partido monárquico dos industriais de Moscovo, a grande revolta campesina na Livónia levou à rápida liquidação do famoso liberalismo aristocrático e agrário dos Zemtvos. Simultaneamente, o período das batalhas econômicas na Primavera e Verão de 1905, permitiu ao proletariado das cidades tirar lições do prólogo de Janeiro e tomar consciência das tarefas futuras da revolução, graças à intensa propaganda conduzida pela social-democracia e graças à sua direcção política. A este primeiro resultado acrescenta-se um outro de carácter social durável: a elevação geral do nível de vida do proletariado no plano econômico, social e intelectual. As greves da Primavera de 1905 tiveram, quase todas, um fim vitorioso. Citemos, somente a título de exemplo, esco- lhidos numa colecção de factos importantes, de que não se pode medir ainda a amplitude, um certo número de dados de algumas greves importantes que se desenrolaram em Varsóvia, sob a direcção da social-democracia polaca, e lituana. Nas maiores empresas metalúrgicas de Varsóvia — Sociedade Anônima Lilpop, Rau e Lowenstein, Rudzki & C.ª, Bormann Schwede & C.ª, Handtke, Gerlach e Pulst, Geisler Irmãos, Eberhard, Wolksi & C.ª, Sociedade anônima Conrad e Jarmuskiescicz, Weber e Daehm, Gwizdzinski & C.ª, K. Brun & Filhos, Fraget, Norblin, Werner, Buch, Kenneberg Irmãos, Labor, fábrica de lâmpadas Dittmar, Serkowski, Weszynski, ao todo 22 empresas, — os operários obtiveram, após uma greve de 4 a 5 semanas (iniciada em 25 e 26 de Janeiro), o dia de trabalho de 9 h. assim como um aumento nos salários de 15 a 25%; obtiveram também diversos melho- ramentos de menor importância. Nos maiores estaleiros da Indústria de madeira em Vazsóvia, nomeadamente Karmanski, Damiecki, Gromel, Szerbinski, Trenerovski, Horn, Bevensee, Twarkovski, Daab e Martens, 10 empresas ao todo, os grevistas obtiveram no dia 23 de Fevereiro o dia de trabalho de 9 h.; entretanto, não se contentaram com isso e mantiveram a exigência do dia de 8 horas, que conseguiram obter uma semana mais tarde, ao mesmo tempo que um aumento de salários. Toda a indústria da construção se pôs em greve a 27 de Fevereiro, reclamando, segundo a palavra de ordem dada pela social- democracia, o dia de trabalho de 8 h.; em II de Março obtinham o dia de trabalho de 9 h., um aumento de salário, pagamento regular do salário por semana, etc. Os pintores de construções, os carpinteiros, os seleiros e os ferreiros, conquistaram juntos o horário de trabalho de 8 h. sem redução de salários. Os empregados dos telefones fizeram greve durante 10 dias, obtendo assim o dia de trabalho de 8 h. e um aumento de salário de 10 a 15%. A grande fábrica de tecelagem de linho de Hiele e Dietrich (10 000 operários) conquista, após 9 semanas de greve, a redução de 1 h. no dia de trabalho e um aumento de salário de 5 a 10%. Constatam-se resultados análogos com infinitas variantes em todas as outras indústrias de Varsóvia, Lodz, Sosnovice. Na Rússia, propriamente dita, foi obtido o dia de trabalho de 8 h.: — em Dezembro de 1904, por várias categorias dos operários da nafta em Bakou; — em Maio de 1905, pelos operários das refinarias de açúcar do distrito de Kiev; — em Janeiro, no conjunto das tipografias da cidade de Samara (ao mesmo tempo que um aumento de salários à peça e a abolição das multas); 38 39 — em Fevereiro, na fábrica de aparelhos de medicina do exército, numa fábrica de móveis e na fábrica de S. Peters- burgo. — Ainda mais: criou-se um sistema de trabalho por equipes de 8 h. nas minas de Vladivistok; — em Março, na oficina mecânica da tipografia dos papeis de Estado, pertencente ao Estado;— em Abril, pelos ferreiros de Bodroujsk; — em Maio, foi adoptado igualmente o horário de 8 h. e meia na enorme empresa de tecelagem de lã em Morosov (ao mesmo tempo, abolia-se o trabalho nocturno, e os salários aumentavam 8%); — em Junho, adoptava-se o dia de trabalho de 8 h. em vários lagares de azeite em S. Petersburgo e Mos- covo; — em Julho, o horário de trabalho de 8 h. e meia, para os mecânicos do porto de S. Petersburgo; — em Novembro, todas as tipografias particulares da cidade de Orei, adoptam o dia de trabalho de 8 h., assim como alcançam um aumento de 20% no salário/hora e de 100% nos salários por empreitada; instituía-se igualmente um comitê directivo composto por igual número de patrões e operários; — em Fevereiro, o dia de trabalho de 9 h. em todas as oficinas dos caminhos de ferro; em muitos arsenais nacio- nais de guerra e estaleiros navais; na maior parte das fábricas de Berdjankz; em todas as tipografias de Poltava e Minsk; o dia de trabalho de 9 h. e meia nas bacias marítimas, no estaleiro e na fundição mecânica de Nicolaiev; em Junho, após uma greve geral dos empregados de café em Varsóvia, foi introduzido na maior parte dos restaurantes e cafés, simultaneamente, um aumento de salário de 20 a 40% e férias de quinze dias por ano. O dia de trabalho de 10 h. é adoptado em quase todas as fábricas de Lodz, Sosnovice, Riga, Kovno, Reval, Dorpat, Minsk, Kharkov; é adoptado pelos padeiros de Odessa; pelas oficinas artesanais de Kichinev, em várias fábricas de chapéus em S. Petersburgo; pelas fábricas de fósforos de Kovno (e um aumento de salário de 10%); em todos os estaleiros navais do Estado e por todos os operários do porto. Os aumentos de salários são geralmente menos substan- ciais que a redução do tempo de trabalho, mas nem por isso menos importantes; assim, em Varsóvia, no decorrer do mês de Março de 1905, as oficinas municipais estabelecem um aumento de 15%; em Ivanovo-Voznessensk, centro de indústrias têxteis, os aumentos de salário oscilam entre 7 e 15%; em Kovno, 75% da população operária total bene- ficia de um aumento. Instaurou-se um salário mínimo fixo num certo número de padarias em Odessa, nos estaleiros marítimos da Neva em S. Petersburgo, etc. Na verdade, estas vantagens foram mais de uma vez retiradas, ora num sítio, ora noutro. Mas tal acontecimento deu origem a novas batalhas, a «desforços» mais encarniçados ainda; foi assim que o período de greves da Primavera de 1905 criou por si uma série infinda de conflitos econômicos cada vez mais vastos e mais encadeados, que ainda duram. Nos períodos de acalmia exterior da revolução, em que os comunicados não contêm qualquer notícia sensacional da frente russa, em que o leitor da Europa Ocidental guarda o seu jornal, constatando com decepção que não há «nada de novo» na Rússia, a revo- lução prossegue sem tréguas, dia após dia, hora após hora, seu imenso trabalho subterrâneo, minando as profundezas de todo o império. A imensa luta econômica faz passar rapida- mente, por métodos acelerados, do estádio de acumulação 40 41 primitiva da economia patriarcal fundada na pilhagem, a um estádio de civilização mais moderno. Actualmente, a Rússia está à frente, no que se refere à duração real do trabalho, não somente da legislação russa que prevê um dia de trabalho de 11 h. e meia, mas também das condições efectivas de trabalho na Alemanha. Na maior parte dos ramos da grande indústria russa, adopta-se o dia a de trabalho de 8 h., o que constitui, aos olhos da social-democracia alemã, um objectivo inatingível. Ainda mais, este «constitucionalismo indus- trial» tão desejado na Alemanha, objecto de todos os votos, em nome do qual os adeptos duma táctica oportunista queriam manter as águas paradas do parlamentarismo — única via possível de salvação — ao abrigo de todo o sopro de ar um pouco vivificante, apareceu na Rússia, em plena tempestade revolucionária, ao mesmo tempo que o «constitucionalismo» político. Na realidade, o que se produziu não foi unicamente um aumento geral do nível de vida da classe operária, nem do seu nível de civilização. O nível de vida, sob a perspectiva de bem-estar material durável, não tem lugar na revolução. Esta está cheia de contradições e contrastes, ora consegue vitórias econômicas, ora sofre as vinganças mais brutais do capitalismo; hoje ó dia de trabalho de 8 h., amanhã os lock-out em massa e a fome para centenas de milhares de pessoas. O resultado mais precioso, porque permanente neste brusco fluxo e refluxo da revolução é de ordem espiritual: o crescimento intermi- tente do proletariado no plano intelectual e cultural é uma garantia absoluta do seu irresistível progresso futuro, tanto na luta econômica, como na luta política. Mas não é tudo: as próprias relações entre operários e patrões sofrem transformações; após a greve geral de Janeiro e as greves seguintes de 1905, o princípio do capita- lista senhor em sua casa é praticamente suprimido. Vimos constituir-se espontaneamente Comitês operários, únicas instâncias que negociam com o patrão, nas maiores fábricas de todos os centros industriais mais importantes. E, por fim, ainda mais: as greves aparentemente caóticas e a acção revolucionária «organizada» que sucederam à greve geral de Janeiro transformam-se no ponto de partida para um precioso trabalho de organização. A história ri-se dos burocratas apaixonados por esquemas «pré-fabricados» guardiões ciumentos da felicidade dos sindicatos. As sólidas, organizações concebidas como fortalezas inexpugnáveis e cuja existência tem de ser assegurada, antes de eventualmente se pensar na realização de uma hipotética greve de massas na Alemanha — são, pelo contrário, fruto da própria greve de massas. E enquanto os ciumentos guardiões dos sindicatos alemães temem, antes de tudo, ver quebrar em mil bocados essas organizações, qual porcelana, no meio do turbilhão revolucionário, a revolução russa apresenta-nos um quadro completamente diferente: o que emerge dos turbilhões e da tempestade, das chamas e do braseiro da greve de massas, qual Afrodite surgindo da espuma dos mares, são... sindicatos novos e jovens, vigorosos e ardentes. Citemos mais uma vez apenas um pequeno exemplo, mas típico para todo o Império. No decurso da 2.ª Conferência dos Sindicatos Russos, realizada em fins de Janeiro de 1906 em S. Petersburgo, o delegado dos sindicatos de S. Peters- burgo apresentou um documento sobre o desenvolvimento dos organismos sindicais na capital dos czares, em que dizia: «O dia 22 de janeiro de 1905, que destruiu a associação de Gapone, marcou uma etapa. A massa dos trabalhadores aprendeu a apreciar, pela força dos acontecimentos a impor- tância da organização e compreenderam que podiam criar 42 43 sozinhos as suas organizações. É em ligação directa com o movimento de Janeiro que nasce em S. Petersburgo o primeiro sindicato: o dos tipógrafos. A comissão eleita para o estudo das tarifas elaborou os estatutos e o dia 19 de junho foi o primeiro da existência desse Sindicato. Os sindicatos dos contabilistas e guarda-livros nascem mais ou menos na mesma altura. Ao lado destas organizações, cuja existência era praticamente pública (e legal), surgem, em Janeiro e Outubro de 1905 sindicatos legais e semi-legais. Citemos, entre os primeiros, o dos ajudantes de farmácia, e o dos empregados comerciais. Entre os sindicatos legais deve mencionar-se a União dos Relojoeiros, cuja primeira sessão secreta teve lugar em 24 de Abril. Todas as tentativas para convocar uma Assembléia Geral pública fracassaram ante a obstinada resistência da polícia e dos patrões represen- tados pela Câmara do Comércio. Esta derrota não impediu a existência, dos sindicatos que realizam assembléias secretas dos seus aderentes em 9 de Junho e 14 de Agosto, sem contar as sessões do departamento dos sindicatos. O Sindi- cato dos alfaiates foi fundado na Primavera de 1905, no decorrer deuma reunião secreta realizada em plena floresta à qual assistiram 70 alfaiates. A seguir à discussão do problema da fundação, foi eleita uma comissão encarregada de elaborar os estatutos. Todas as tentativas da Comissão para assegurar ao Sindicato uma existência legal resultaram num fracasso. A sua acção limitou-se à propaganda e ao recrutamento nas diferentes oficinas. Sorte semelhante estava reservada ao Sindicato dos sapateiros. Numa noite de Julho foi convocada uma reunião secreta num bosque dos arredores. Reuniram-se mais de mil sapateiros; foi apresentado um relatório versando a importância dos sindicatos, sua história na Europa Ocidental, e a sua missão na Rússia. Decidiu-se a fundação de um sindicato, a eleição de uma comissão constituída por 12 membros encarregada de redigir os estatutos e de convocar uma assembléia Geral de Sapateiros. Os estatutos foram redigidos, mas não se pôde até agora imprimi-los nem convocar a Assembléia Geral». Tais foram os difíceis começos dos sindicatos. Surgiram seguidamente as jornadas de Outubro, a segunda greve geral, o édito de 30 de Outubro e o curto «período constitucional». Os trabalhadores lançaram-se com entusiasmo nas ondas da liberdade política, para utilizá-la no trabalho de organização. A par das actividades políticas quotidianas — reuniões, discus- sões, criação de grupos — empreende-se o trabalho de orga- nização sindical. Em Outubro e Novembro quarenta novos sindicatos foram criados em S. Petersburgo. Criou-se imedia- tamente um «gabinete central», quer dizer, uma união sindical; surgem vários jornais sindicais, e a partir de Novembro um órgão central: O Sindicato. A descrição do que se passou em S. Petersburgo aplica-se a Moscovo e Odessa, a Kiev e Nicolaiev, a Saratov e Voronej, a Samara e Nijni-Novgorod, a todas as grandes cidades da Rússia e mais ainda à Polônia. Os sindicatos destas cidades procuram encetar contactos entre si; realizam-se conferências. O fim do «período constitucional» e o regresso à reacção em Dezembro de 1905, põe fim provisoriamente à enorme actividade pública dos sindicatos, sem contudo levar ao seu desapare- cimento. Mantêm-se clandestinos como organizações e pros- seguem ao mesmo tempo oficialmente as reivindicações salariais. É uma mistura original da actividade sindical ao mesmo tempo legal e ilegal, correspondendo às contra- dições da situação revolucionária. Mas no seio da própria luta prossegue-se o trabalho com seriedade, mesmo com um pouco de pedantismo. Os sindicatos da social-democracia 44 45 polaca e lituana, por exemplo, que no último Congresso do Partido (Julho de 1906) estavam representados por cinco delegados e compreendiam 10000 membros cotizados, são providos de estatutos regulares, de cartões impressos para os aderentes, de selos móveis, etc. E os mesmos padeiros e sapateiros, metalúrgicos e tipógrafos de^Varsóvia e Lodz, que em Junho de 1905 estavam nas barricadas e, em Dezembro esperavam a palavra de ordem vinda de S. Petersburgo para descer à rua, têm tempo para reflectir calmamente entre duas greves, entre a prisão e o lock-out, em pleno estado de sítio, e para discutir profunda e atentamente os estatutos sindicais. Mais, os que se batiam ontem e se baterão amanhã nas barricadas, várias vezes nas reuniões censuraram severamente os seus dirigentes e os ameaçaram de aban- donar o partido, porque não puderam imprimir rapidamente os cartões sindicais — nas tipografias clandestinas e sob a ameaça constante das perseguições policiais. Este entusiasmo e esta seriedade ainda hoje se mantêm. Ao longo das primeiras duas semanas de Julho de 1906 fundaram-se —- por exemplo — quinze novos sindicatos em Ekaterinoslav; 6 em Krostoma, outros em Kiev, Poltava, Smolensk, Tcherkassy, Proskourov —, e até nas mais pequenas localidades dos distritos provinciais. Na sessão realizada a 3 de Junho último (1906) pela União dos Sindicatos de Moscovo, dos acordo com as conclusões dos artigos apresentados pelo delegado de cada sindicato, decidiu-se que estes deveriam velar pela disciplina dos seus associados, e tinham de impedí- los de tomar parte nos combates de rua, porque a greve de massas é considerada inoportuna. Em face das eventuais provocações do governo têm de velar para que as massas não desçam à rua. Por fim, a União decidiu que, quando um sindicato decreta a greve, os outros devem abster-se de fazer reivindicações salariais. Daqui em diante a maior parte das lutas econômicas são dirigidas pelos sindicatos (8). É assim que a grande luta econômica, cujo ponto de partida fora a greve geral de Janeiro e que continua, até agora, constitui o intróito da revolução de onde se vê, ora brotarem explosões isoladas, ora rebentarem imensas (8) Só nas duas primeiras semanas de Junho de 1906, os sindicatos empreenderam as seguintes lutas reivindicativas: — os tipógrafos de S. Petersburgo, Moscovo, Odessa, Minsk, Vilna, Saratov, Moghilev, Tambov, pelo dia de trabalho de 8 h. e pelo descanso semanal; — greve geral dos marinheiros em Odessa, Nicolaiev, Kertch, Crimeia, Cáucaso, da frota do Volga, em Cronstadt Varsóvia e Plock, pelo reconhecimento do sindicato e pela libertação dos delegados presos; — dos operários dos portos em Saratov, Nicolaiev, Tsaritsima, Archangelsk, Ninji-Novgorod e Ribinsk; — a greve dos padeiros em Kiev, Arkangelsk, Bialystok, Vilna, Odessa, Kharkov, Brest-Litovsk, Radom, e Tiflis; — dos operários agrícolas dos distritos de Verkhné-Dnieprovs, Borinsovsk, Simferopol, dos governos de Todolsk, Toula, Koursk, dos distritos de Kozlov, Lipovitz, na Finlândia, nos governos de Kiev, do distrito de Elisabethrad; — em várias cidades a greve estendeu-se num certo período a todas as profissões ao mesmo tempo; por exemplo, em Saratov, Arkan- gelsk, Kertch e Krementchoug; — em Backhmout, greve geral dos mineiros em toda a bacia; noutras cidades o movimento reivindicativo atingiu sucessivamente, nessas duas semanas, todas as profissões, por exemplo em S. Petersburgo, Varsóvia, Moscovo, em toda a província de Ivanovo-Volsnesensk. A greve em toda a parte tinha como objectivos: a redução do tempo de trabalho, o repouso semanal, reivindicações relativas aos salários. A maior parte das greves conduziram à vitória, as relações locais fazem ressaltar que elas atingiram parcialmente categorias de operários que pela primeira vez participaram numa luta reivindicativa. 46 47 batalhas de todo o proletariado — sob a influência conjugada e alternada da propaganda política e dos acontecimentos exteriores. Citemos algumas destas sucessivas explosões: em Varsóvia, no dia l.° de Maio, por ocasião da festa dos traba- lhadores, rebenta uma greve geral, total, até então sem precedentes, acompanhada de uma manifestação de massas perfeitamente pacífica, que termina com uma confrontação sangrenta da multidão desarmada contra as tropas; em Lodz, em Junho, dispersão de um ajuntamento pelo exército, motivando uma manifestação de 100000 operários por ocasião do funeral de algumas vítimas da soldadesca, um novo recontro com o exército e, finalmente, uma greve geral — conduzindo esta, em 23, 24 e 25 de Maio, a um combate de barricadas, o primeiro no Império dos Czares; em Junho rebenta, no porto de Odessa, a primeira grande revolta dos marinheiros da frota do Mar Negro devido a um pequeno incidente a bordo do couraçado Potemkine o que provocou, como contragolpe, uma enorme greve de massas em Odessa e Nicolaeiv. Esta revolta teve ainda outras repercussões: uma greve e revoltas dos marinheiros em Cronstadt, Libau e Vladivostok. Em Outubro, tem lugar em S. Petersburgo a experiência revolucionária da instauração do dia de trabalho de 8 h.. O Conselho dos Delegados Operários decide criar por métodos revolucionários o dia de trabalho de 8 h.. É assim que numa data determinada todos os operários de S. Peters- burgo declararam aos seus patrões que se recusavam a traba- lhar mais de 8 h.por dia e abandonariam os seus locais de trabalho à hora assim fixada. Esta idéia deu ocasião para uma intensa campanha de propaganda, sendo acolhida e executada entusiàsticamente pelo proletariado que não olhou aos maiores sacrifícios. É assim que os operários têxteis, até então pagos por unidade e cujo dia de trabalho era de 11 h., representando, portanto, uma enorme perda de salários o dia de trabalho de 8 h., o aceitam sem hesitação. Numa semana, o dia de trabalho de 8 h. foi adoptada por todas as fábricas e oficinas de S. Petersburgo, ocasionando uma alegria sem limites no proletariado. Em breve, contudo, o patronato de início desmantelado se prepara para a resposta: por toda a parte, a ameaça de fechar as fábricas. Um certo número de operários aceita negociar, obtendo, aqui o horário de 10 h., o horário de 9 h. além. Mas, a elite do proletariado de S. Petersburgo, os operários das grandes fábricas metalúrgicas nacionais permanecem inabaláveis: segue-se o lock-out, 45 a 50 000 operários são despedidos por um mês. Daí que o movimento a favor do dia de trabalho de 8 h. prossiga na greve geral de Dezembro, desencadeada, em grande parte, pelo lock-out. Entretanto, tem lugar em Outubro, em resposta ao projecto de Douma de Boulygine, a segunda poderosíssima greve geral desencadeada pela palavra de ordem vinda dos ferroviários, estendendo-se a todo o Império. Esta segunda grande acção revolucionária do proletariado reveste-se dum carácter sensivelmente diferente da primeira greve de Janeiro. A consciência polí- tica desempenha aqui um papel muito importante. Na ver- dade, o motivo que desencadeou a greve de massas foi aqui ainda acessório e aparentemente fortuito: trata-se do con- flito entre os ferroviários e a administração, a propósito da Caixa de Aposentação. Mas o levantamento geral do proletariado industrial que se seguiu assenta num pensa- mento político claro. O prólogo da greve de Janeiro fora uma súplica dirigida ao czar para obter a liberdade política; a palavra de ordem da greve de Outubro, era: «Acabemos com a comédia constitucional do Czarismo!» E graças ao 48 49 sucesso imediato da greve geral que se traduziu no mani- festo czarista de 30 de Outubro, o movimento não refluiu sobre si mesmo como em janeiro, regressando ao início da luta econômica; mas transvasa para o exterior, exercendo com ardor a liberdade política recentemente conquistada. Mani- festações, reuniões, uma nova imprensa, discussões públicas, massacres sangrentos, pondo fim aos regozijos, seguidos de novas greves e de novas manifestações, tal é o movimentado quadro das jornadas de Novembro e Dezembro. Em Novembro, por apelo da social-democracia, é organizada a primeira greve demonstrativa de protesto contra a repressão sangrenta em S. Petersburgo e à proclamação do estado de sítio na Livónia e Polônia. O sonho da Constituição é seguido de um despertar brutal. A surda agitação acaba por desen- cadear a terceira greve geral de massas em Dezembro, a qual se estende a todo o Império. Agora o desenrolar e o fim são completamente diferentes dos casos precedentes. A acção política não cede lugar à acção econômica como em janeiro, mas também não alcança uma rápida vitória como em Outu- bro. A camarilha czarista não renova as suas tentativas para instaurar uma verdadeira liberdade política, e a acção revo- lucionária choca assim, pela primeira vez em toda a sua extensão, com esse muro inquebrantável: a força material do absolutismo. Pela evolução lógica interna dos aconteci- mentos em curso, a greve de massas transforma-se em revolta aberta, em luta armada, em combates de rua e barricadas, em Moscovo. As jornadas de Dezembro em Moscovo são o auge da acção política e do movimento de greves de massa, fechando assim o primeiro ano laborioso da revolução. Os acontecimentos de Moscovo são uma imagem reduzida da evolução lógica e do futuro do movi- mento revolucionário no seu conjunto: a transformação inevitável numa revolta geral aberta; no entanto, esta só pode produzir-se após uma experiência adquirida numa série de revoltas parciais e preparatórias, conduzindo provisoriamente a «derrotas» exteriores e parciais, podendo cada uma aparecer como «prematura». 1906 é o ano das eleições e do episódio da Douma. O proletariado, movido por um poderoso instinto revolu- cionário que lhe permite ver claramente a situação, boicota a farsa constitucional czarista. Por alguns meses, o libera- lismo ocupa de novo o primeiro lugar da cena política. Parece o renovar da situação de 1904: a acção cede lugar à palavra e o proletariado reentra na sombra por algum tempo, consagrando-se à luta sindical e ao trabalho de organização ainda com mais ardor. Cessam as greves de massas, enquanto dia após dia os liberais fazem brilhar o fogo de artifício da sua eloqüência. Por fim, a cortina de ferro cai brusca- mente. Os actores são dispersos, do furor da eloquência liberal não resta mais que fumo e poeira. A tentativa da social-democracia para organizar uma quarta manifestação de greve de massas em favor da Douma e do restabelecimento da liberdade de expressão cai por terra. A greve política de massas esgotou o seu papel, enquanto tal, e a passagem da greve ao levantamento geral do povo e aos combates de rua não é possível. O episódio liberal acabou, o episódio prole- tário de rua não é possível. O episódio liberal acabou, o episódio proletário não começou ainda. A cena fica provisoriamente vazia. 50 51 4. Nas páginas anteriores tentamos esboçar, em traços sumários, a história da greve de massa na Rússia. Um simples e rápido olhar por esta história dá-nos uma imagem que não se compara em nada ao que habitualmente na Alemanha se diz sobre a greve de massa no decurso das discussões. Em vez do esquema rígido e vazio que nos apresenta uma «acção» linear, executada com prudência e segundo um plano aprovado pelas instâncias supremas dos sindicatos, vemos um fragmento da vida real feito de carne e sangue, que se não pode arrancar ao meio revolucionário, ligado por mil laços a toda a organização revolucionária. A greve de massas tal como nos é apresentada pela revolução russa, é um fenômeno tão móvel que reflecte em si todas as fases da luta política e econômica, todos os estádios é todos os momentos da revolução. O seu campo de aplicação, a sua força de acção, os factores do seu desencadear, trans- formam-se continuamente. De súbito, abrem-se novas perspectivas à revolução no momento em que esta parecia atravessar um impasse. Ela recusa-se a actuar no momento em que se pensa poder contar seguramente com ela. Ora a vaga de movimento invade todo o Império, ora brota do solo como uma fonte viva, ora se perde na terra. Greves econômicas e políticas, greves de massa, e greves parciais, gre- ves demonstrativas ou de combate, greves gerais abrangendo sectores particulares ou cidades inteiras, lutas reivindicativas pacíficas ou batalhas de rua, combates de barricadas — todas estas formas de luta se cruzam ou se tocam, se interpenetram ou desaguam umas nas outras: é um mar de fenômenos eterna- mente novos e flutuantes. E a lei do movimento destes fenômenos surge claramente: não reside na própria greve de massas, nas suas particularidades técnicas, mas na relação entre as forças políticas e sociais da revolução. A greve de massas é tão somente a forma adquirida pela luta revolu- cionária e qualquer deslocamento na relação das forças em acção, no desenvolvimento do Partido e na divisão das classes, na posição da contra-revolução, influem imediata- mente sobre a acção da greve por inúmeros meios invisíveis e incontroláveis. Entretanto, a própria acção da greve de massas não pára um só instante. Adquire somente outras formas, modifica a sua extensão, os seus efeitos. Ela é a pulsação viva da revolução e ao mesmo tempo o seu motor mais poderoso. Em resumo: a greve de massa, de
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