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04 Funçãoo sistólica

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Faculdade de Medicina da Universidade 
do Porto 
Serviço de Fisiologia 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Aula Teórico-Prática 
 
 
DETERMINANTES DA FUNÇÃO 
CARDÍACA SISTÓLICA 
 
Prof. Doutor Adelino Leite Moreira 
Porto, Ano Lectivo 2001 / 02 
 
 
 
2 
INTRODUÇÃO 
 O rendimento do músculo cardíaco isolado é influenciado por quatro factores principais: 
1. A pré-carga, que consiste na tensão exercida sobre o músculo antes deste se começar 
a contrair. Determina o estiramento passivo do músculo. 
2. A pós-carga, que consiste na tensão exercida sobre o músculo depois deste se começar a 
contrair, ou seja, a soma das cargas contra as quais o músculo tem de se encurtar. 
3. A contractilidade, ou inotropismo, que é traduzida pela velocidade e capacidade de 
encurtamento muscular a níveis determinados de pré-carga e de pós-carga. 
4. A frequência de contracção, que afecta a função muscular pela relação 
força-frequência. 
 Estes factores são também os principais determinantes da função do ventrículo intacto 
e embora sejam descritos isoladamente por conveniências pedagógicas, estão intimamente 
relacionados. A abordagem do modo como eles influenciam a função cardíaca constitui o 
tema principal desta apresentação. Vamos, no entanto, iniciá-la com uma revisão sumária do 
ciclo cardíaco e dos métodos de avaliação da contractilidade ventricular. 
CICLO CARDÍACO 
 O ciclo cardíaco corresponde ao período compreendido entre um determinado 
fenómeno e a sua repetição no ciclo cardíaco seguinte. Encontra-se ilustrado nas figuras 1 e 2, 
as quais servirão de base à descrição que se segue. Embora estejam apenas representados os 
fenómenos respeitantes às câmaras cardíacas esquerdas, é de referir que nas cavidades direitas 
os fenómenos são qualitativamente semelhantes. A diferença entre os dois lados do coração 
manifesta-se apenas por pressões mais baixas à direita e por um desfasamento temporal 
fisiológico. A figura 1 consiste numa representação esquemática das fases e eventos do ciclo 
cardíaco, onde se mostram, em função do tempo, as variações das pressões ventricular 
esquerda, auricular esquerda e aórtica, do fluxo aórtico, do volume ventricular esquerdo e do 
electrocardiograma. Na figura 2 estão representados os traçados da pressão e sua derivada, da 
espessura da parede e dos diâmetros ântero-posteriores externo e interno do ventrículo 
___________________________________________________________________________ 
 
 3 
esquerdo do coelho, registados com o intuito de avaliar a função cardíaca, no decurso de um 
trabalho experimental. 
Contracção isovolumétrica 
 O início da contracção ventricular coincide com o pico da onda R do 
electrocardiograma, manifestando-se na curva de pressão ventricular por um aumento de 
pressão a seguir à contracção auricular. A válvula mitral encerra e a pressão ventricular 
aumenta progressivamente. Uma vez que a válvula aórtica também está encerrada o volume 
intraventricular mantém-se constante. A fase de contracção isovolumétrica corresponde assim 
ao intervalo compreendido entre o encerramento da válvula mitral e a abertura da válvula 
aórtica. Apesar de não haver variação de volume, esta fase não é verdadeiramente isométrica 
uma vez que algumas fibras musculares se alongam enquanto outras se encurtam, devido a 
alterações da forma ventricular. Logo após o início da contracção ventricular, o encerramento 
da válvula mitral e o seu abaulamento para o interior das aurículas provoca um aumento 
transitório da pressão auricular, que se manifesta pela onda "c" na curva de pressão auricular 
(figura 1). 
Fase de ejecção 
 Inicia-se com a abertura da válvula aórtica, quando a pressão no interior do ventrículo 
esquerdo excede a pressão no interior da aorta. Pode ser subdividida numa fase mais precoce 
e mais curta de ejecção rápida e numa fase mais tardia e mais longa de ejecção lenta. A fase 
de ejecção rápida, que corresponde aproximadamente ao primeiro terço da fase de ejecção, 
distingue-se da fase de ejecção lenta, que corresponde aos restantes dois terços, pelo facto de: 
1. as pressões intraventricular esquerda e aórtica aumentarem mais rapidamente; 
2. o volume intraventricular esquerdo diminuir mais abruptamente; 
3. o fluxo aórtico ser maior e aumentar progressivamente; 
4. o gradiente de pressão ventrículo-aórtico ser positivo, ou seja, a pressão 
intraventricular esquerda ser superior à aórtica. 
 A inversão do gradiente de pressão ventrículo-aórtico, na presença de um fluxo 
sanguíneo contínuo do ventrículo esquerdo para a aorta (provocado pelo momento do fluxo), 
fica a dever-se ao armazenamento de energia potencial nas paredes estiradas das artérias, o 
que provoca uma diminuição da velocidade do fluxo. O pico da curva de fluxo coincide com 
o ponto de inversão dos gradientes de pressão, ou seja, o ponto em que a curva de pressão 
 
 
 
4 
 
 
Figura 1. Fases e eventos do ciclo cardíaco, onde se mostram, em função do tempo, as 
variações das pressões ventricular esquerda, auricular esquerda e aórtica, do 
fluxo aórtico, do volume ventricular esquerdo e do electrocardiograma (ECG). 
 
 5 
aórtica intersecta a curva de pressão ventricular. A manutenção deste gradiente de pressão 
invertido faz com que o fluxo aórtico continue a diminuir durante a fase de ejecção lenta. 
 Durante a fase de ejecção, a espessura da parede ventricular aumenta 
progressivamente e os diâmetros ventriculares diminuem (figura 2), à medida que as fibras 
musculares se encurtam. Para a ejecção ventricular contribuem fundamentalmente as fibras 
musculares circunferenciais, sendo a contribuição das fibras longitudinais bastante mais 
modesta. É por este motivo que são os pequenos eixos ventriculares (ântero-posterior e 
septo-lateral) aqueles que diminuem mais durante a fase de ejecção. Na verdade, enquanto os 
pequenos eixos diminuem aproximadamente 25%, contribuindo para 80-90% do volume de 
ejecção, o grande eixo ventricular (ápico-basal) diminui apenas cerca de 9%. 
 A pressão auricular, por sua vez, diminui imediatamente após o início da ejecção 
ventricular em virtude da descida da base ventricular e do consequente estiramento das 
aurículas. Durante o restante tempo da fase de ejecção, a pressão auricular aumenta 
progressivamente à medida que o sangue retorna às aurículas. 
 No final da fase de ejecção um determinado volume de sangue (volume residual) 
permanece na cavidade ventricular esquerda. 
Relaxamento isovolumétrico 
 O relaxamento isovolumétrico corresponde ao período compreendido entre o 
encerramento da válvula aórtica e a abertura da válvula mitral. Caracteriza-se por uma queda 
acentuada da pressão ventricular sem alterações concomitantes do volume. O encerramento 
da válvula aórtica origina a incisura no ramo descendente da curva de pressão aórtica 
(figura 1) e algumas vibrações na curva de pressão auricular. A pressão auricular continua a 
aumentar durante esta fase, dando origem à onda "v" (figura 1). 
Fase de enchimento rápido 
 O enchimento rápido inicia-se com a abertura da válvula mitral, quando a pressão no 
ventrículo esquerdo se torna inferior à pressão na aurícula esquerda, sendo responsável pela 
maior parte do enchimento ventricular. É interessante verificar que durante a parte inicial 
desta fase a pressão no ventrículo diminui apesar do seu volume aumentar. Este facto, fica a 
dever-se ao relaxamento miocárdico ainda em curso e ao recuo elástico (elastic recoil) da 
contracção que o precede, estando na base do fenómeno fisiológico conhecido por sucção 
 
 
 
 
6 
Figura 2. Traçados em função do tempo de 3 ciclos cardíacos consecutivos obtidos no decurso de 
um trabalho experimental realizadono coelho, com o intuito de avaliar a função cardíaca. 
 A. Pressão ventricular esquerda (Pressão VE). 
 B. Derivada da pressão ventricular esquerda em função do tempo (dP/dt). 
 C. Diâmetro externo ântero-posterior do ventrículo esquerdo (Diâm. Ext. VE). 
 D. Espessura da parede anterior do ventrículo esquerdo (Esp. parede VE). 
 E. Diâmetro interno ântero-posterior do ventrículo esquerdo (Diâm. Int. VE). 
P
re
ss
ão
 V
E (
m
m
H
g)
0
40
80
120
Tempo (ms)
0 200 400 600
D
iâ
m
. I
nt
. V
E (
m
m
)
6,0
9,5
13,0
E
sp
. p
ar
ed
e 
V
E (m
m
)
2,0
3,5
5,0
D
iâ
m
. E
xt
. V
E (m
m
)
15,5
17,0
18,5
dP
/d
t (m
m
H
g/
s)
-6000
-3000
0
3000
6000
A
B
C
D
E
 
 
 7 
ventricular. A contribuição do recuo elástico para o enchimento rápido é contudo modesta em 
condições basais, tornando-se mais evidente quando a contractilidade miocárdica está 
aumentada e o volume telessistólico diminuído. 
Diástase 
 Durante este período, as pressões auricular e ventricular são praticamente iguais, o 
que determina uma diminuição acentuada do fluxo aurículo-ventricular. O fluxo, que apesar 
de tudo subsiste, fica a dever-se à energia cinética criada pelo retorno venoso da circulação 
sistémica no caso do ventrículo direito e da circulação pulmonar no caso do ventrículo 
esquerdo. Este aumento relativamente lento do volume ventricular determina um aumento 
igualmente lento das pressões auricular e ventricular. 
Contracção auricular 
 A contracção auricular segue-se à onda P do electrocardiograma, a qual representa a 
despolarização das aurículas. É responsável pelo aumento da pressão auricular e 
consequentemente por um segundo período de enchimento rápido. Apesar de não existirem 
válvulas na junção das veias cavas com a aurícula direita, nem na junção das veias 
pulmonares com a aurícula esquerda, a maior parte do sangue é bombeado, em condições 
normais, para os ventrículos, uma vez que a inércia provocada pelo retorno venoso se opõe ao 
movimento retrógrado do sangue para as veias cavas ou pulmonares. 
 Em condições basais, a contracção auricular não é indispensável ao enchimento 
ventricular. Pode assumir, no entanto, crucial importância em condições patológicas e durante 
o exercício físico. Manifesta-se pela onda "a" na curva de pressão auricular. 
Ansa (loop) pressão-volume 
 A curva, ou mais precisamente a ansa (loop), pressão-volume constitui uma forma 
alternativa de representar as alterações de pressão e de volume ventriculares durante o ciclo 
cardíaco. Nesta representação a variável tempo não é considerada. Obtém-se traçando 
graficamente em cada instante o valor da pressão em função do valor correspondente do 
volume. A leitura desta ansa é feita em sentido anti-horário, da forma que passaremos a 
explicar com referência à figura 3: 
 
 
 
8 
1. Enchimento ventricular: 
Inicia-se em A, com a abertura da válvula mitral, e termina em C, com o seu 
encerramento. Na fase inicial do enchimento ventricular (de A a B) a pressão 
ventricular diminui apesar do volume aumentar, pelas razões acima referidas. Durante 
o restante tempo do enchimento ventricular (de B a C) a pressão aumenta à medida 
que o volume também aumenta, a uma velocidade que depende fundamentalmente das 
propriedades elásticas passivas do músculo. 
2. Contracção isovolumétrica: 
Inicia-se em C e termina em D. Durante esta fase a pressão aumenta abruptamente sem 
alterações do volume intraventricular. 
3. Fase de ejecção: 
Inicia-se em D, com a abertura da válvula aórtica, e termina em F, com o encerramento 
da mesma. Este ponto F está localizado no canto superior esquerdo da ansa 
pressão-volume e é por vezes considerado como identificador do fim da sístole, uma 
vez que coincide com o ponto em que termina a ejecção ventricular. Na fase inicial, 
ou de ejecção rápida (de D a E), a diminuição do volume ventricular está associada a 
um aumento continuado da pressão ventricular. Segue-se a fase ejecção lenta (de E a 
F) durante a qual a diminuição do volume ventricular está associada a uma queda 
ligeira da pressão. 
4. Relaxamento isovolumétrico: 
Inicia-se em F e termina em A. Durante esta fase a pressão cai abruptamente sem 
alterações do volume intraventricular. 
Figura 3. Ansa (loop) pressão-volume. As setas 
indicam o sentido de leitura da curva. 
 A - abertura da válvula mitral; 
 B - pressão ventricular mínima; 
 C - encerramento da válvula mitral; 
 D - abertura da válvula aórtica; 
 E - pressão ventricular máxima; 
 F - encerramento da válvula aórtica. 
 
 
 9 
 As ansas pressão-volume permitem ilustrar de forma relativamente clara os efeitos, na 
função cardíaca, de alterações da pré-carga, da pós-carga e do inotropismo, como veremos 
adiante. Estas ansas permitem ainda determinar com relativa facilidade alguns índices da 
função cardíaca sistólica, nomeadamente: 
1. Volume de ejecção ou sistólico, cujo valor é igual à largura da ansa pressão-volume. 
Num ciclo cardíaco isovolumétrico, onde não existe ejecção ventricular e a variação 
de volume é nula, a relação pressão-volume é representada por um segmento de recta 
vertical e não propriamente por uma ansa. 
2. Trabalho de ejecção ou sistólico, cujo valor é igual à área limitada pela ansa. Num 
ciclo cardíaco isovolumétrico, o trabalho de ejecção é, portanto, nulo. 
 Em determinadas circunstâncias, substitui-se o registo do volume ventricular pelo 
registo de uma ou mais dimensões ventriculares. Na figura 2 ilustrou-se o diâmetro interno 
ântero-posterior e a espessura da parede anterior do ventrículo esquerdo. As técnicas 
disponíveis para o registo deste tipo de dimensões são mais precisas do que as técnicas 
normalmente utilizadas para o registo do volume, daí que no animal de experiência sejam 
utilizadas mais frequentemente. Quando se registam simultaneamente pressões e dimensões 
ventriculares é possível construir ansas (loops) pressão-dimensão. Na figura 4 representou-se 
graficamente a ansa pressão-diâmetro interno de um dos ciclos cardíacos ilustrados na figura 
2. A leitura desta curva é semelhante à da ansa pressão-volume, acima descrita. 
Diâmetro Interno (mm)
6 10 14
Pr
es
sã
o 
(m
m
H
g)
0
40
80
120
A
D
E
F
CB
 
Figura 4. Ansa (loop) pressão-diâmetro interno. As 
setas indicam o sentido de leitura da curva. 
 A - abertura da válvula mitral; 
 B - pressão ventricular mínima; 
 C - encerramento da válvula mitral; 
 D - abertura da válvula aórtica; 
 E - pressão ventricular máxima; 
 F - encerramento da válvula aórtica. 
 
 
 
10 
AVALIAÇÃO DA CONTRACTILIDADE VENTRICULAR 
 Têm sido propostos e utilizados vários índices para a avaliação da contractilidade, os 
quais são de crucial importância não só para os fisiologistas, mas também para os 
cardiologistas clínicos. Como regra geral, um índice é tanto melhor quanto maior a sua 
sensibilidade e especificidade. Assim, um bom índice de contractilidade deve mostrar-se 
altamente sensível a alterações da contractilidade ou inotropismo e ser o menos possível 
afectado por factores extrínsecos ao coração, nomeadamente por variações da carga. 
Classicamente, os índices de contractilidade derivam da fase de contracção isovolumétrica ou 
da fase de ejecção. Os primeiros, tais como dP/dtmax e (dP/dt/P)max, revelam-se bastante 
sensíveis a alterações da contractilidade e, devido à sua natureza, insensíveis a alterações da 
pós-carga. São, contudo, altamente influenciados por variações da pré-carga. Os segundos, 
derivados da fase de ejecção, como por exemplo a fracção de ejecção, o volume de ejecção e 
odébito cardíaco, mostram-se sensíveis a alterações quer da pré-carga, quer da pós-carga. 
Deve, por isso, ser-se particularmente crítico quando se avaliar a contractilidade com 
qualquer um destes índices. Os estudos experimentais realizados até ao momento sugerem 
que a relação pressão-volume telessistólica é bastante sensível a alterações da contractilidade 
e muito pouco afectada por variações da carga. Iremos, portanto, dar particular atenção a este 
índice nesta apresentação. 
Relação pressão-volume telessistólica 
 Como foi acima referido, o ciclo cardíaco pode ser descrito, de uma forma 
independente do tempo, pela ansa pressão-volume. Referiu-se também que o fim da sístole 
coincide com o canto superior esquerdo da ansa pressão-volume (ponto F, figura 3) enquanto 
o fim da diástole coincide com o canto inferior direito da mesma (ponto C, figura 3). Se 
fizermos variar a carga, obteremos ciclos cardíacos com pressões e volumes telediastólicos e 
telessistólicos diferentes, por razões que adiante discutiremos. Na figura 5 estão 
representadas as ansas pressão-volume de quatro ciclos cardíacos a diferentes níveis de 
pré-carga e de pós-carga. Como se pode ver, é possível traçar uma linha recta que una os 
valores da pressão e do volume no final da sístole de cada ciclo cardíaco. Esta linha recta 
 
 11 
constitui a relação pressão-volume telessistólica, sendo caracterizada por um declive e por 
uma intersecção no eixo das ordenadas. O declive desta relação, designado Emax ("maximal 
elastance"), constitui um índice de contractilidade relativamente independente da carga, uma 
vez que por definição o seu cálculo é efectuado a vários níveis de carga. 
 Além da relação pressão-volume telessistólica, a figura 5 ilustra a relação 
pressão-volume telediastólica obtida pela união dos pontos que representam os valores da 
pressão e do volume no final da diástole de cada ciclo cardíaco. A relação pressão-volume 
telediastólica é exponencial e permite derivar índices que caracterizam as propriedades 
passivas do ventrículo esquerdo, nomeadamente a sua rigidez, complacência e 
distensibilidade. A abordagem do relaxamento e da diástole ventriculares estão, no entanto, 
fora do âmbito desta apresentação. 
 
Figura 5. Ansas pressão-volume de quatro ciclos cardíacos a diferentes 
níveis de carga e respectivas relações pressão-volume 
telediastólica e telessistólica. 
 
 
 
PRÉ-CARGA 
Músculo cardíaco isolado 
 No músculo cardíaco isolado, a pré-carga pode ser definida como a tensão exercida 
sobre o músculo antes deste se começar a contrair, determinando por isso o seu estiramento 
passivo. A relação entre a pré-carga e o estiramento muscular, vulgarmente designada por 
relação tensão passiva-comprimento (figura 6), é exponencial. Este facto evita um 
estiramento muscular excessivo, uma vez que, a partir de determinada altura, um aumento 
ainda que pequeno do comprimento muscular provoca um grande aumento da sua tensão 
passiva. 
 As alterações do comprimento muscular reflectem em grande parte alterações do 
comprimento do sarcómero. Estudos ultra-estruturais e funcionais revelaram que quando o 
comprimento do sarcómero é de 2,20 µm, a disposição dos filamentos de actina e miosina é 
tal que, a possibilidade de se formarem pontes cruzadas é máxima e, consequentemente, a 
tensão desenvolvida pelo músculo também é máxima. Quando o comprimento do sarcómero 
é menor que 2,20 µm a tensão desenvolvida decresce, provavelmente porque a afinidade da 
troponina C para o cálcio diminui e os miofilamentos de actina perdem a sua relação ideal 
com as cabeças de miosina, comprometendo assim a formação de pontes cruzadas. Os 
miofilamentos de actina passam a ocupar a parte central do sarcómero (zona H) quando o 
 
Figura 6. Relação tensão passiva-comprimento 
no músculo cardíaco isolado. 
 
 13 
comprimento deste diminui até 2,00 µm e entrecruzam-se quando esse comprimento se torna 
inferior a 2,00 µm. A tensão desenvolvida também diminui quando o comprimento do 
sarcómero excede os 2,20 µm. Este fenómeno fica a dever-se a uma menor sobreposição dos 
miofilamentos de actina e miosina, o que acarreta uma diminuição da capacidade de formar 
pontes cruzadas. É importante notar, que no músculo cardíaco, ao contrário do que acontece 
no músculo esquelético, o comprimento do sarcómero dificilmente excede os 2,20 µm, uma 
vez que a rigidez muscular aumenta bastante quando o comprimento do sarcómero atinge este 
valor, devido ao perfil exponencial da relação tensão passiva-comprimento. Além disso, 
observou-se experimentalmente o aparecimento de lesão miocárdica na sequência de um 
estiramento muscular excessivo. Com base nestas explicações, é fácil compreender a razão 
pela qual aumentos até um determinado nível da pré-carga, e consequentemente do 
comprimento muscular, provocam um aumento da tensão desenvolvida (contracções 
isométricas) ou do encurtamento muscular (contracções isotónicas). Pelo contrário, aumentos 
da pré-carga acima desse nível provocam um declínio da tensão desenvolvida ou do 
encurtamento. Este fenómeno é descrito pela relação tensão activa-comprimento (figura 7). 
 O comprimento muscular em repouso que determina uma tensão desenvolvida ou um 
encurtamento máximos é designado por Lmax e corresponde a um comprimento do sarcómero 
de 2,20 µm. A figura 7 evidencia a dificuldade em estirar o músculo cardíaco acima de Lmax, 
devido ao aumento exponencial da sua rigidez a partir deste comprimento. 
Figura 7. Relações tensão passiva-comprimento 
e tensão activa-comprimento no 
músculo cardíaco isolado. 
 
 
 
 
Coração intacto 
Avaliação da pré-carga 
 No coração intacto a pré-carga ventricular deveria ser, por definição, quantificada pela 
tensão telediastólica da parede ventricular, a qual determina o comprimento das fibras 
musculares em repouso. A medição da tensão da parede coloca, contudo, algumas 
dificuldades de ordem prática, uma vez que a geometria ventricular não é definida com 
exactidão por nenhum modelo matemático. Para contornar estas dificuldades é costume usar 
modelos simplificados do ventrículo esquerdo, assumindo que este possui uma forma 
elipsóide, ou mais simplesmente esférica. De acordo com a lei de Laplace, a tensão da parede 
de uma cavidade é directamente proporcional ao seu diâmetro interno e à pressão no seu 
interior e inversamente proporcional à espessura da sua parede. Assim, o cálculo da tensão da 
parede ventricular implica o registo simultâneo da pressão, da espessura da parede e de um ou 
mais diâmetros ventriculares. Por isso, é comum na prática avaliar a pré-carga a partir da 
pressão telediastólica ou do volume telediastólico, uma vez que, caso não haja alterações 
profundas da geometria ventricular, estes índices estão intimamente relacionados com o 
comprimento telediastólico das fibras musculares da parede ventricular e consequentemente 
com a pré-carga. 
Efeitos da pré-carga 
 A importância da pré-carga na modulação da função cardíaca foi amplamente 
difundida e passou a receber particular atenção por parte da comunidade científica 
internacional a partir dos estudos de Starling e colaboradores publicados em 1914, ainda que 
anteriormente outros investigadores tivessem chamado a atenção para este fenómeno. De 
facto, já em 1884, Howell e Donaldson tinham observado que um aumento do retorno venoso 
provocava um aumento da pressão auricular direita e do débito cardíaco, numa preparação de 
coração-pulmão. Em 1895, Frank, utilizando o coração isolado de rã, observou que um 
aumento da pressão e do volume telediastólicos provocava um aumento da pressão 
desenvolvida e do volume de ejecção ventricular. Em 1914, ano em que Starling e 
colaboradorespublicaram os seus resultados, tanto Wiggers como Straub efectuaram 
independentemente observações semelhantes. Foram, no entanto, os resultados de Starling os 
 
 15 
mais difundidos, particularmente nos países de língua inglesa. Starling e colaboradores 
utilizaram uma preparação de coração-pulmão para investigar os efeitos da tensão e do 
comprimento musculares pré-contrácteis na função ventricular. Concluíram que “a energia 
mecânica libertada na passagem do estado de repouso ao estado contráctil depende da área 
das superfícies activas, ou seja, do comprimento das fibras musculares”. Este princípio geral 
é conhecido por lei de Frank-Starling do coração. 
 A lei de Frank-Starling traduz, portanto, a influência da pré-carga na função 
ventricular e pode ser definida da seguinte forma: um aumento do volume ventricular 
telediastólico provoca um aumento do volume de ejecção ou da pressão isovolumétrica 
máxima desenvolvida. Este princípio está ilustrado na figura 8, onde se representam as ansas 
pressão-volume de seis ciclos cardíacos a diferentes níveis de pré-carga, juntamente com as 
respectivas relações pressão-volume telediastólica e telessistólica. Dos ciclos cardíacos 
representados, três possuem fase de ejecção (ciclos 1, 3 e 5) e três não (ciclos 
isovolumétricos: 2, 4 e 6). 
 
Figura 8. Ansas pressão-volume de seis ciclos cardíacos a diferentes 
níveis de pré-carga e respectivas relações pressão-volume 
telediastólica e telessistólica. 
 
 
 
 O aumento da pré-carga, traduzido por pressões e volumes telediastólicos crescentes, 
provocou nos ciclos cardíacos 1, 3 e 5 um aumento do volume de ejecção apesar das pressões 
e volume telessistólicos se manterem constantes. Nas ansas pressão-volume, o aumento das 
pressões e volumes telediastólicos traduz-se por um deslocamento para cima e para a direita 
do seu canto inferior direito, o aumento do volume de ejecção traduz-se por um aumento da 
sua largura, enquanto a manutenção da pressão e volume telessistólicos se traduz pela 
sobreposição do canto superior esquerdo dos três ciclos cardíacos. Aumentos semelhantes da 
pré-carga nos ciclos cardíacos isovolumétricos correspondentes provocaram um aumento da 
pressão isovolumétrica desenvolvida. É de notar que os pontos correspondentes às pressões e 
volumes telessistólicos dos seis ciclos cardíacos representados se sobrepõem na mesma 
relação pressão-volume telessistólica. 
 Com base nos princípios acima descritos para o músculo isolado é possível interpretar 
em termos actuais a lei de Frank-Starling e compreender os mecanismos subjacentes à 
modulação da função cardíaca pela pré-carga. Assim, o aumento da capacidade de 
desenvolver pressão sob condições isovolumétricas no ventrículo intacto, em resposta a um 
aumento da pressão e volume telediastólicos, pode ser comparado ao maior desenvolvimento 
de tensão nas contracções isométricas do músculo cardíaco isolado, em resposta a um 
aumento da pré-carga. Por outro lado, nos ciclos cardíacos com ejecção ventricular, o 
aumento do volume de ejecção, provocado pelo aumento da pressão e do volume 
telediastólicos, é comparável ao aumento do encurtamento muscular, provocado pelo 
aumento da pré-carga, nas contracções isotónicas do músculo cardíaco isolado. Os 
mecanismos subjacentes aos efeitos da pré-carga no coração intacto são também semelhantes 
aos acima descritos para o músculo isolado, ou seja, um aumento da afinidade da troponina C 
para o cálcio e uma configuração mais favorável da relação entre a actina e a miosina, 
permitindo assim a formação de um maior número de pontes cruzadas. Ainda à semelhança 
do músculo isolado, não foi possível demonstrar uma diminuição da função cardíaca por mais 
que se elevasse a pré-carga. Este facto fica provavelmente a dever-se à grande rigidez da 
parede ventricular a partir de determinados valores. Estudos ultra-estruturais demonstraram 
que mesmo quando a pressão intraventricular telediastólica era aumentada para valores da 
ordem dos 100 mm Hg, o comprimento do sarcómero dificilmente excedia os 2,20 µm. 
 
 17 
Importância fisiológica e controle da pré-carga no coração intacto 
 O mecanismo de Frank-Starling (pré-carga) actua ciclo a ciclo controlando a função 
das quatro câmaras cardíacas. Ao mecanismo de Frank-Starling também se chama por vezes 
auto-regulação heterométrica do coração, uma vez que se trata de um mecanismo de 
regulação intrínseca, mediado por alterações do comprimento muscular. No coração intacto, 
os principais determinantes da pré-carga são o retorno venoso, o volume total de sangue e sua 
distribuição, a função cardíaca diastólica e a actividade auricular. 
 A importância da pré-carga na regulação da função cardíaca manifesta-se em várias 
situações, nomeadamente: 
1. Em resposta a uma alteração do retorno venoso. 
Uma alteração do retorno venoso provoca uma variação da pré-carga, a qual determina 
uma modificação da função cardíaca no mesmo ciclo em que ocorre a perturbação. 
Isto acontece, por exemplo, quando há alterações da postura, do volume de sangue, 
das resistências vasculares periféricas, bem como com os movimentos respiratórios. 
2. No equilíbrio do débito dos dois ventrículos. 
Quando existe uma alteração no volume de ejecção de um dos ventrículos, o retorno 
venoso ao ventrículo contralateral é alterado no mesmo sentido após alguns ciclos 
cardíacos. Este facto, leva a que o débito cardíaco de um ventrículo se ajuste, à custa 
do mecanismo de Frank-Starling, a qualquer alteração que tenha ocorrido no 
ventrículo contralateral. Desta forma, impede-se, por exemplo, que em consequência 
de um aumento do volume de ejecção de um ventrículo se acumule sangue no leito 
vascular a montante do ventrículo contralateral. Este mecanismo intervém em várias 
situações fisiológicas e patológicas, sendo de realçar a sua importância no equilíbrio 
do débito dos dois ventrículos durante os movimentos respiratórios. 
3. No reforço da função auricular para a manutenção do débito cardíaco. 
A pré-carga, ou seja, o comprimento muscular em repouso, é também um importante 
determinante da função do músculo da parede auricular: alterações do volume 
auricular antes da sua contracção provocam alterações no mesmo sentido na sua 
função. Assim, quando o retorno venoso está aumentado a contracção auricular 
 
 
 
também é mais potente, contribuindo adicionalmente para o aumento da pré-carga 
ventricular. Este mecanismo é particularmente importante se o enchimento ventricular 
for muito dependente da contracção auricular, como acontece quando o tempo de 
enchimento ventricular está diminuído. Isto verifica-se sempre que a frequência 
cardíaca está aumentada, como por exemplo durante o exercício físico. 
4. Quando o volume cardíaco é inferior ao normal. 
Nestas circunstâncias o mecanismo de Frank-Starling continua a actuar. Por exemplo, 
durante o exercício físico o volume telediastólico diminui em grande parte devido ao 
aumento da frequência cardíaca e à consequente diminuição do tempo de enchimento 
ventricular. Nestas circunstâncias, qualquer variação adicional do volume 
telediastólico provoca uma alteração, no mesmo sentido, do volume de ejecção, 
indicando que o mecanismo de Frank-Starling continua activo. 
5. Em condições patológicas. 
Quando a frequência cardíaca é muito baixa, ou na presença de insuficiência cardíaca, o 
aumento da pré-carga, provocado por um enchimento ventricular acima dos valores 
normais, pode permitir elevar o volume de ejecção para valores compatíveis com a 
vida. 
 
 19 
PÓS-CARGA 
Músculo cardíaco isolado 
 No músculo cardíaco isolado, a pós-carga consiste na tensão exercida sobre o músculo 
depois deste iniciar a sua contracção,ou seja, é a soma das cargas contra as quais o músculo 
tem de se encurtar. Os seus efeitos na função muscular são ilustrados pelas relações tensão 
activa-comprimento (figura 7) e velocidade de encurtamento-tensão (figura 9). Destas 
figuras ressalta que um aumento da pós-carga provoca uma diminuição do grau e da 
velocidade de encurtamento muscular. 
 
 A relação velocidade de encurtamento-tensão obtém-se representando graficamente a 
velocidade máxima de encurtamento de variadas contracções isotónicas, produzidas contra 
diferentes níveis de pós-carga, em função do respectivo nível de pós-carga. Esta relação tem 
uma forma aproximadamente hiperbólica sendo caracterizada por dois pontos fundamentais: 
1. “P0”: corresponde à tensão desenvolvida quando a velocidade de encurtamento é zero, 
ou seja, em condições isométricas. À medida que a carga aumenta a velocidade de 
encurtamento diminui progressivamente, podendo ser nula se a carga for de tal forma 
elevada que o músculo não se consiga encurtar. Nestas condições, estamos perante 
uma contracção isométrica, na qual por definição a força desenvolvida é máxima para 
as condições experimentais consideradas, enquanto o grau e a velocidade de 
encurtamento são mínimas, ou seja, zero. 
Figura 9. Relação velocidade de 
encurtamento-tensão. 
 
 
 
2. “Vmax”: corresponde à velocidade de encurtamento quando a carga é zero. 
Teoricamente, a velocidade de encurtamento é máxima nestas circunstâncias. O valor 
de Vmax não pode, no entanto, ser determinado directamente, sendo por isso obtido por 
extrapolação a partir da relação velocidade de encurtamento-tensão. Uma das 
particularidades de Vmax, que lhe confere particular importância, consiste no facto de 
não ser afectada pela pré-carga, embora seja bastante sensível a alterações da 
contractilidade ou inotropismo. 
Coração intacto 
Avaliação da pós-carga 
 A pós-carga é, por definição, o somatório das cargas contra as quais o músculo tem de 
se encurtar. Quando este conceito é aplicado ao coração intacto, a pós-carga pode ser definida 
como a tensão exercida sobre as fibras da parede ventricular durante a fase de ejecção. Tal 
como foi dito a propósito da pré-carga, o cálculo da tensão da parede ventricular implica, de 
acordo com a lei de Laplace, o registo simultâneo da pressão, da espessura da parede e de um 
ou mais diâmetros ventriculares, o que coloca problemas de ordem prática. No caso da 
pós-carga, dever-se-á ainda ter em conta que durante a fase de ejecção a tensão da parede 
ventricular (pós-carga) não é constante, pois os diâmetros ventriculares diminuem, a pressão 
intraventricular varia e a espessura da parede aumenta. A pós-carga pode ainda ser avaliada 
pela medição da impedância aórtica, uma vez que esta constitui um dos seus determinantes 
mais importantes. A necessidade de se proceder ao registo simultâneo de pressões e de fluxos, 
se possível no mesmo local da aorta e utilizando métodos de alta precisão, limita o uso deste 
índice na prática clínica. É por isso que a avaliação clínica da pós-carga foi durante muito 
tempo feita a partir da pressão arterial sistólica, apesar das limitações evidentes de tal 
aproximação. 
 O aparecimento de técnicas de imagem, como a ecocardiografia, que permitem a 
determinação não invasiva da espessura da parede e dos diâmetros ventriculares, tornou mais 
fácil e acessível uma avaliação relativamente precisa da pós-carga. 
 
 21 
Efeitos da pós-carga 
 No coração intacto, uma alteração da pós-carga num determinado sentido provoca 
alterações no sentido oposto do volume e da velocidade de ejecção. Estes efeitos são 
semelhantes aos anteriormente descritos para o músculo isolado, se considerarmos que o 
volume de ejecção é comparável ao encurtamento muscular e que a velocidade de ejecção é 
comparável à velocidade de encurtamento. Os efeitos da pós-carga no ventrículo intacto estão 
ilustrados na figura 10, onde se representam as ansas pressão-volume de quatro ciclos 
cardíacos a diferentes níveis de pós-carga, juntamente com as respectivas relações 
pressão-volume telediastólica e telessistólica. 
 
Figura 10. Ansas pressão-volume de quatro ciclos cardíacos a diferentes 
níveis de pós-carga e respectivas relações pressão-volume 
telediastólica e telessistólica. 
 
 
 
 
 É de notar que a pressão e o volume telediastólicos (pré-carga) são iguais nos quatro 
ciclos cardíacos representados, o que se traduz pela sobreposição dos cantos inferiores 
direitos das quatro ansas pressão-volume na figura 10. O aumento da pós-carga, indicado 
então pelas pressões sistólicas crescentes, provoca uma diminuição do volume de ejecção, 
traduzido graficamente pela diminuição da largura da ansa pressão-volume. No ciclo cardíaco 
4 a resistência à ejecção é de tal forma elevada que o ventrículo não a consegue vencer. Neste 
caso obtém-se um ciclo cardíaco isovolumétrico, que se representa por um segmento de recta 
vertical, ou seja, uma ansa pressão-volume cuja largura é zero. 
Importância fisiológica e controle da pós-carga no coração intacto 
 No coração in situ, os componentes periféricos da pós-carga ventricular esquerda 
incluem as resistências vasculares periféricas, a impedância aórtica, as características físicas 
da parede vascular arterial, o volume de sangue na aorta e a viscosidade sanguínea. Os 
factores correspondentes para o ventrículo direito são a resistência vascular pulmonar, a 
impedância do tronco pulmonar, as características físicas da rede arterial pulmonar, o volume 
de sangue na artéria pulmonar e a viscosidade sanguínea. Além destes factores periféricos, o 
diâmetro e a espessura da parede ventricular são, de acordo com a lei de Laplace, também 
componentes importantes da pós-carga. Assim, um aumento do volume telediastólico eleva 
simultaneamente a pré-carga e a pós-carga. Enquanto a elevação da pré-carga é determinada 
pelo aumento do comprimento pré-contráctil das fibras ventriculares, a elevação da pós-carga 
é mediada por uma diminuição da espessura da parede e por um aumento dos diâmetros 
ventriculares. 
 A importância da pós-carga na regulação da função cardíaca manifesta-se em várias 
situações, nomeadamente: 
1. Na regulação da pressão arterial. 
Uma variação da pressão arterial provoca uma alteração da pós-carga no mesmo sentido 
e consequentemente uma alteração em sentido oposto do volume de ejecção e do 
débito cardíaco. Assim, por exemplo, se a pressão arterial aumentar, o consequente 
 
 23 
aumento da pós-carga determina uma diminuição do volume de ejecção e tende a fazer 
regressar a pressão arterial ao seu valor inicial. 
2. Na resposta do ventrículo esquerdo a um aumento súbito da pressão aórtica. 
Um aumento súbito da pressão aórtica provoca uma diminuição imediata do volume de 
ejecção. Há, contudo, uma recuperação parcial da função cardíaca alguns ciclos após 
aquele aumento da pós-carga. Este fenómeno foi designado auto-regulação 
homeométrica da função cardíaca, uma vez que, ao contrário da auto-regulação 
heterométrica, não foi relacionado com alterações do comprimento da fibra muscular. 
É por vezes também denominado efeito de Anrep, em homenagem ao investigador 
que descreveu o fenómeno pela primeira vez. Os mecanismos subjacentes a esse 
aumento da função cardíaca não estão ainda totalmente esclarecidos. As hipóteses 
explicativas incluem: 1) um aumento da contractilidade, secundário à elevação da 
pressão de perfusão coronária e à recuperação de uma isquemia subendocárdica 
transitória; e 2) um aumento da pré-carga, em consequência da diminuição do volume 
de ejecção (mecanismo de Frank-Starling). 
3. No equilíbrio do débito dos dois ventrículos. 
A diminuição do volume de ejecçãode um dos ventrículos leva a uma acumulação de 
sangue a montante desse ventrículo. Isto provoca um aumento da pós-carga do 
ventrículo contralateral e consequentemente uma diminuição do volume de ejecção 
deste. Assim, além da pré-carga, também a pós-carga desempenha um importante 
papel no equilíbrio do débito dos dois ventrículos. 
4. Em condições patológicas. 
As patologias que se acompanham de uma diminuição da contractilidade, como por 
exemplo a insuficiência cardíaca, são muitas vezes agravadas por um aumento 
concomitante da pós-carga. Este facto explica a melhoria clínica destes doentes 
quando são tratados com fármacos que diminuem a pós-carga, como por exemplo os 
anti-hipertensores. 
 
 
 
24 
INOTROPISMO 
Músculo cardíaco isolado 
 A contractilidade ou inotropismo é traduzida pela velocidade e grau de encurtamento 
ou desenvolvimento de tensão pelo músculo, a níveis determinados de pré-carga e de 
pós-carga. Assim, um aumento da contractilidade provoca nas contracções isométricas um 
aumento da velocidade e da capacidade de desenvolvimento de tensão e nas contracções 
isotónicas um aumento do grau e da velocidade de encurtamento muscular. Estes efeitos são 
produzidos na ausência de variações da carga. Uma intervenção que aumente a 
contractilidade é denominada inotrópica positiva, enquanto uma intervenção que a diminua é 
denominada inotrópica negativa. As alterações da contractilidade têm sido atribuídas a 
variações da quantidade de cálcio disponível para a contracção muscular e/ou a alterações da 
sensibilidade dos miofilamentos ao cálcio. 
 Um método ideal de avaliação da contractilidade deverá ser independente da carga e 
incluir as variáveis força, comprimento, velocidade e tempo. Assim, no músculo isolado a 
contractilidade é normalmente avaliada pela relação tensão activa-comprimento (figura 7) e 
pela relação velocidade de encurtamento-tensão (figura 9). Um aumento da contractilidade 
provoca um deslocamento para cima e para a esquerda da relação tensão activa-comprimento 
(figura 11). 
Figura 11. Efeitos de um aumento da contractilidade 
(curva a tracejado) na relação tensão 
activa-comprimento. 
 
 
 25 
 O deslocamento desta relação para cima traduz o aumento da tensão máxima 
desenvolvida nas contracções isométricas, a qualquer nível de pré-carga; o deslocamento para 
a esquerda reflecte o aumento do encurtamento muscular nas contracções isotónicas, a 
qualquer nível de pré-carga e de pós-carga. 
 Como foi acima referido a propósito dos efeitos da pós-carga, a relação velocidade de 
encurtamento-tensão é aproximadamente hiperbólica, sendo caracterizada por dois pontos 
fundamentais: “P0”, que corresponde à tensão máxima desenvolvida pelo músculo numa 
contracção isométrica, e “Vmax”, que representa a velocidade de encurtamento quando a carga 
é zero. Como se pode observar na figura 12, um aumento da contractilidade desloca esta 
relação para cima e para a direita, o que traduz um aumento da velocidade de encurtamento a 
qualquer nível de carga. 
 
 Assim, quer P0 quer Vmax aumentam (P'0 e V'max) quando a contractilidade aumenta. 
Além desta sensibilidade a alterações da contractilidade, Vmax tem ainda a particularidade de 
não ser afectada pela pré-carga. Este facto, faz com que a Vmax seja considerada um dos 
melhores e mais sensíveis indicadores da contractilidade ou inotropismo. 
 
Figura 12. Efeitos de um aumento da contractilidade 
(curva superior) na relação velocidade de 
encurtamento-tensão. 
 
 
 
26 
Coração intacto 
Avaliação da contractilidade 
 A avaliação da contractilidade ventricular já foi abordada no início desta 
apresentação. Relembramos, no entanto, que dos vários índices de contractilidade aí 
enumerados se destacou, pelo facto de ser independente da carga, o declive da relação 
pressão-volume telessistólica, também designado Emax ("maximal elastance"). Concluiu-se 
que este índice deve ser preferido e utilizado sempre que possível para avaliar a 
contractilidade ventricular. 
Efeitos da contractilidade 
 No coração intacto, a um determinado nível de pré-carga e de pós-carga, um aumento 
da contractilidade provoca um aumento do volume e da velocidade de ejecção nos ciclos 
cardíacos com fase de ejecção, e um aumento da pressão máxima desenvolvida nos ciclos 
isovolumétricos. Parte destes efeitos estão ilustrados na figura 13, onde se representam as 
ansas pressão-volume de 6 ciclos cardíacos, juntamente com as respectivas relações 
pressão-volume telediastólica e telessistólica. 
 
Figura 13. Efeitos da contractilidade na função cardíaca. Ansas 
pressão-volume de seis ciclos cardíacos e respectivas relações 
pressão-volume telediastólica e telessistólica. 
 
 27 
 Dos ciclos cardíacos representados, três possuem fase de ejecção (ciclos 1, 3 e 5) e 
três não (ciclos isovolumétricos: 2, 4 e 6). É de notar que a pressão e volume telediastólicos 
(pré-carga) são comuns aos 6 ciclos cardíacos. Os ciclos 1 e 2 partilham a mesma relação 
pressão-volume telessistólica (linha a cheio), ou seja, têm uma contractilidade semelhante. 
Um estímulo inotrópico positivo (aumento da contractilidade) provoca um aumento do 
volume de ejecção (ciclo 3), da pressão máxima desenvolvida sob condições isovolumétricas 
(ciclo 4) e do declive da relação pressão-volume telessistólica (linha a tracejado superior). 
Um estímulo inotrópico negativo (diminuição da contractilidade) tem efeitos opostos (ciclos 
5 e 6, linha a tracejado inferior). 
Importância fisiológica e controle da contractilidade no coração intacto 
 À semelhança dos outros determinantes da função cardíaca, a contractilidade ou 
inotropismo tem uma grande importância fisiológica, pois permite que a função cardíaca seja 
rapidamente alterada e adaptada às necessidades do momento do organismo. Dentre os vários 
factores que afectam a contractilidade miocárdica destacamos, pela sua relevância, os 
mecanismos neurohumorais, que incluem: 
1. O sistema nervoso autónomo, no qual se destaca o sistema simpático. A quantidade 
de catecolaminas libertada pelos terminais nervosos simpáticos do coração é, em 
condições fisiológicas, provavelmente o factor mais importante na regulação da 
contractilidade miocárdica. De facto, as variações rápidas da contractilidade no 
organismo intacto são efectuadas fundamentalmente à custa de variações no número 
de impulsos nos nervos cardíacos adrenérgicos. A libertação de catecolaminas pela 
medula supra-renal, embora tenha acções cardíacas mais lentas que as dos nervos 
simpáticos, pode adquirir particular relevância em situações como a hipovolemia e a 
insuficiência cardíaca congestiva. O sistema nervoso parassimpático tem um efeito 
menos importante sobre a contractilidade, sendo inotrópico negativo a nível auricular. 
O seu efeito a nível ventricular ainda não está completamente esclarecido, parecendo, 
contudo, ter pouca importância fisiológica, dada a escassa inervação parassimpática 
dos ventrículos. 
 
 
 
28 
2. O endotélio cardíaco. À semelhança do endotélio vascular, que tem um importante 
papel na regulação da vasomotricidade, também os endotélios endocárdico e vascular 
coronário (endotélio cardíaco) são importantes moduladores da função cardíaca. Os 
trabalhos experimentais sugerem que, em condições fisiológicas, o endotélio cardíaco 
tem um efeito inotrópico positivo. Os efeitos do endotélio na função cardíaca são 
provavelmente mediados pela libertação de várias substâncias, tais como: o monóxido 
de azoto (NO), a endotelina-1 e a prostaciclina (PGI2). Além disso, existem evidências 
experimentais de que os efeitos cardíacos de várias substâncias são influenciados pelo 
endotélio, nomeadamente: os agonistasα1, o peptídeo natriurético auricular, a 
vasopressina, a 5-hidroxitriptamina, as angiotensinas I e II, a endotelina-1 e os dadores 
de NO, como por exemplo, o nitroprussiato de sódio. 
3. Hormonas. Várias hormonas influenciam a contractilidade miocárdica. Enquanto, por 
exemplo, as angiotensinas I e II, a vasopressina, o cortisol, a glicagina e as hormonas 
tiróideias T3 e T4 têm um efeito inotrópico positivo, o peptídeo natriurético auricular 
tem um efeito inotrópico negativo. Como foi acima referido, este efeito inotrópico 
pode ser, nalguns casos, influenciado pelo endotélio cardíaco. Convém lembrar que 
algumas hormonas, além dos seus efeitos na contractilidade, podem ainda influenciar 
os outros determinantes da função cardíaca, ou seja, a pré-carga, a pós-carga e a 
frequência cardíaca. As variações da carga devem-se fundamentalmente aos seus 
efeitos sobre a vasomotricidade e/ou a natriurese. 
 A importância da contractilidade na modulação da função cardíaca manifesta-se em 
variadas situações fisiológicas e patológicas, tais como: 
1. Alterações hemodinâmicas. 
Uma variação da pressão arterial, por exemplo, induz, pelo reflexo barorreceptor, uma 
alteração da contractilidade: uma diminuição da pressão arterial provoca um aumento 
da contractilidade e vice-versa. O aumento da contractilidade eleva o débito cardíaco e 
consequentemente a pressão arterial. 
 
 29 
2. Extra-sístoles e variações da frequência cardíaca. 
Afectam a contractilidade miocárdica pela relação força-frequência, que consiste no 
aumento da contractilidade após uma extra-sístole ou em resposta a um aumento da 
frequência cardíaca. 
3. Alterações metabólicas. 
As alterações metabólicas provocadas pela isquemia, hipoxia ou acidose deprimem a 
função cardíaca. 
4. Patologia endócrina. 
Os seus efeitos na contractilidade dependem do tipo de hormona envolvida e dos seus 
níveis plasmáticos. São exemplo de patologias endócrinas que se acompanham de 
alterações da contractilidade, o feocromocitoma, os tumores do córtex supra-renal, o 
hipotiroidismo e o hipertiroidismo. 
5. Perturbações da estrutura e função cardíacas: 
5.1. Necrose miocárdica, incluindo o enfarte do miocárdio. Apesar da disfunção 
regional, provocada pelo miocárdio necrótico, a função cardíaca global pode estar 
preservada devido ao aumento compensatório da contractilidade do miocárdio 
normal. Para a manutenção da função cardíaca global nestas condições 
contribuem ainda outros factores, nomeadamente o aumento da pré-carga. 
5.2. Insuficiência cardíaca. Esta condição patológica é caracterizada por uma 
diminuição da contractilidade miocárdica, o que induz a estimulação dos 
mecanismos que tendem a aumentar a função cardíaca. Em situações graves, estes 
mecanismos podem ser incapazes de manter, mesmo em repouso, uma função 
cardíaca adequada às necessidades do organismo. 
6. Resposta a fármacos: 
6.1. Inotrópicos positivos: aminas simpaticomiméticas, glicosídeos cardiotónicos, 
cafeína, teofilina, amrinona, milrinona, etc. 
6.2. Inotrópicos negativos: bloqueadores-β, bloqueadores dos canais de cálcio, 
barbitúricos, bem como a maioria dos anestésicos gerais e locais. 
 
 
 
FREQUÊNCIA DE CONTRACÇÃO 
Músculo cardíaco isolado 
 No músculo cardíaco, a frequência e a sequência com que se geram os potenciais de 
acção podem afectar consideravelmente a função muscular, ou seja, a força desenvolvida ou o 
grau de encurtamento muscular. São exemplos destes efeitos as alterações da função muscular 
provocadas por variações da frequência de contracção e por contracções prematuras. Estes 
fenómenos estão relacionados com alterações da cinética do cálcio. 
 Um aumento da frequência de contracção provoca uma diminuição imediata da força 
desenvolvida. Segue-se, então, uma fase de recuperação progressiva que acaba por estabilizar 
num novo nível em que a força desenvolvida é superior à inicial. Isto significa que em última 
instância, um aumento da frequência de contracção acaba por ter um efeito inotrópico 
positivo, conhecido por relação força-frequência ou efeito de Bowditch. Este efeito 
inotrópico positivo é tanto mais pronunciado, quanto maior for o aumento da frequência de 
contracção. 
 A diminuição imediata da força desenvolvida após um aumento da frequência de 
contracção deve-se, pelo menos em parte, à incompleta recuperação das reservas de cálcio 
pelo retículo sarcoplasmático e outros locais de armazenamento. Durante o relaxamento 
muscular o cálcio é bombeado activamente para os locais de armazenamento. São, contudo, 
necessários 500 a 800 ms para que o cálcio reabsorvido pelo retículo sarcoplasmático esteja 
disponível para ser libertado em resposta à despolarização seguinte. Quando a frequência de 
contracção aumenta, o intervalo de tempo entre duas contracções sucessivas, que corresponde 
ao período de recuperação das reservas de cálcio, diminui. Este facto explica o decréscimo da 
quantidade de cálcio disponível para a contracção e consequentemente a diminuição da força 
desenvolvida. 
 O fenómeno de Bowditch ou relação força-frequência, que consiste no aumento 
progressivo da força desenvolvida em resposta a um aumento da frequência de contracção, é 
mediado por um aumento gradual da concentração intracelular de cálcio durante a contracção 
muscular. Este aumento da concentração intracelular de cálcio é devido ao maior número de 
despolarizações por minuto e ao aumento do fluxo de cálcio para o sarcoplasma em cada 
 
 31 
despolarização, em consequência da estimulação da actividade reabsorptiva do retículo 
sarcoplasmático. 
 As alterações da função muscular induzidas por contracções prematuras são também 
mediadas por alterações da cinética do cálcio. A estimulação prematura de um músculo, que 
se estava a contrair com uma determinada frequência, provoca uma diminuição da força de 
contracção, que é tanto mais acentuada quanto menor for o intervalo de tempo entre a 
contracção normal e a contracção prematura ou extra. Este fenómeno é semelhante à 
diminuição imediata da função muscular após um aumento da frequência cardíaca e, como 
tal, pode ser explicado pela incompleta recuperação das reservas de cálcio pelo retículo 
sarcoplasmático e outros locais de armazenamento. A uma contracção prematura segue-se 
uma pausa prolongada e uma contracção muscular que desenvolve mais força que o normal. 
Este aumento da força muscular constitui um efeito inotrópico positivo que é tanto mais 
pronunciado quanto mais prematura tiver sido a contracção extra. Este efeito inotrópico 
positivo é explicado por um aumento da quantidade de cálcio libertada para o sarcoplasma 
durante a fase de contracção. Isto acontece porque o período de repouso prolongado que se 
segue a uma contracção prematura torna possível a reabsorção de uma maior quantidade de 
cálcio pelos locais de armazenamento ao mesmo tempo que lhe permite tornar-se disponível 
para ser libertado durante a fase de contracção. O referido efeito inotrópico positivo diminui 
rapidamente de intensidade, desaparecendo por completo ao fim de três ou quatro 
contracções. 
Coração intacto 
 A frequência e sequência de contracção também afectam a função do coração intacto. 
Neste, é comum denominar a frequência de contracção por frequência cardíaca e as 
contracções prematuras por extra-sístoles. 
Efeitos da frequência cardíaca 
 No coração intacto, um aumento da frequência de contracção também provoca um 
aumento da contractilidade miocárdica pela relação força-frequência. Este efeito é, no 
entanto, menos pronunciado que no músculo isolado, sendo mais facilmente demonstrável 
 
 
 
quando a função cardíaca está comprometida e relativamente modesto quando essa função énormal. Apesar dos seus efeitos modestos na contractilidade ventricular, a frequência de 
contracção é um importante determinante da função cardíaca, uma vez que influencia 
directamente o débito: 
 
 Esta fórmula chama, no entanto, a atenção para o facto dos efeitos da frequência 
cardíaca no débito dependerem do volume de ejecção. À medida que a frequência aumenta o 
tempo de enchimento ventricular diminui e a contractilidade aumenta ligeiramente. Enquanto 
o primeiro efeito tende a diminuir o volume de ejecção, o segundo tende a aumentá-lo. 
Assim, quando se avaliam os efeitos da frequência sobre a função cardíaca deve ter-se em 
conta a importância relativa dos vários factores que afectam o volume de ejecção. Se a 
frequência for alterada por intermédio de um marca-passo ("pacemaker"), desde 
aproximadamente 50 até cerca de 180 ciclos por minuto, o débito cardíaco manter-se-á 
relativamente constante. Isto acontece porque o volume de ejecção diminui quando a 
frequência aumenta, uma vez que o retorno venoso não se altera e o tempo de enchimento 
ventricular se encurta. No entanto, se um aumento semelhante da frequência for provocado 
pelo exercício físico o débito cardíaco aumentará, apesar do tempo de enchimento ventricular 
se encurtar. Este facto fica a dever-se fundamentalmente ao aumento do retorno venoso que 
acompanha o exercício físico. Estes fenómenos evidenciam a importância da interacção entre 
a função cardíaca e a circulação periférica, a qual cai, no entanto, fora do âmbito desta 
apresentação. 
Importância fisiológica e controle da frequência cardíaca 
 Tal como se referiu, se o volume de ejecção for constante, o débito cardíaco será 
directamente proporcional à frequência de contracção. A importância da frequência na 
adaptação do débito às necessidades do momento do organismo é facilmente demonstrável 
em animais de experiência ou em pacientes que não possam alterar a frequência cardíaca. 
Estes são incapazes de aumentar adequadamente o débito cardíaco mesmo quando a função 
 
débito cardíaco = volume de ejecção x frequência cardíaca 
 
 33 
miocárdica é perfeitamente normal. A adaptação ao exercício físico é um exemplo clássico da 
importância fisiológica da frequência na regulação do débito. 
 Os principais determinantes da frequência cardíaca são o automatismo intrínseco do 
nó sinusal e a actividade do sistema nervoso autónomo. O automatismo intrínseco do nó 
sinusal pode ser alterado por vários factores, tais como a temperatura e o metabolismo. A 
febre e o hipertiroidismo aumentam a frequência cardíaca (efeito cronotrópico positivo), 
enquanto a hipotermia e o hipotiroidismo a diminuem (efeito cronotrópico negativo). 
Relativamente ao sistema nervoso autónomo, o sistema nervoso simpático tem um efeito 
cronotrópico positivo, enquanto o sistema nervoso parassimpático tem um efeito cronotrópico 
negativo. 
Extra-sístoles 
 O efeito de uma extra-sístole no coração intacto é semelhante ao efeito de uma 
contracção prematura no músculo isolado, ou seja, a diminuição da função cardíaca é tanto 
mais pronunciada quanto mais prematura tiver sido a extra-sístole. Este fenómeno está 
também relacionado com a incompleta recuperação das reservas de cálcio. Ainda à 
semelhança do que acima foi dito para as contracções prematuras no músculo isolado, 
também as extra-sístoles são seguidas de uma pausa prolongada e de um ciclo cardíaco em 
que a função está aumentada. Este aumento da função cardíaca não se deve, no entanto, 
apenas a um efeito inotrópico positivo provocado por uma maior libertação de cálcio durante 
a contracção, semelhante ao que foi descrito para o músculo isolado. No coração intacto, a 
pausa diastólica prolongada permite um enchimento ventricular mais eficaz, o qual pelo 
mecanismo de Frank-Starling aumenta a função cardíaca. Em resumo, o aumento da função 
cardíaca no ciclo que se segue a uma extra-sístole é provocado por um aumento quer da 
contractilidade quer da pré-carga e denomina-se potenciação pós-extra-sistólica. 
 A potenciação pós-extra-sistólica pode ser utilizada para aumentar continuamente a 
contractilidade através de uma técnica denominada “estimulação eléctrica emparelhada”. Esta 
técnica, consiste na estimulação cardíaca contínua com pares de estímulos, ocorrendo o 
segundo estímulo imediatamente após o período refractário do primeiro. O segundo estímulo 
provoca assim uma extra-sístole bastante prematura e uma contracção cardíaca de pequena 
grandeza. A esta extra-sístole segue-se uma contracção cardíaca mais forte que o normal em 
 
 
 
consequência da potenciação pós-extra-sistólica. Este efeito inotrópico positivo esteve na 
base da utilização terapêutica desta “estimulação eléctrica emparelhada” em condições 
patológicas associadas a uma contractilidade miocárdica comprometida. O seu uso clínico é, 
no entanto, limitado pelo elevado risco de ocorrerem outras formas de arritmia cardíaca, 
nomeadamente, fibrilação ventricular. 
 
 
 35 
NOTAS FINAIS 
 Tal como foi referido no início desta apresentação, os vários determinantes da função 
cardíaca foram descritos isoladamente apenas por questões pedagógicas. Na descrição 
individual de cada um dos determinantes foram sendo referidas as suas interacções com um 
ou mais dos restantes factores. Antes de terminar, passaremos a enumerar essas interacções, 
explicando sucintamente cada uma delas: 
1. Interacção pré-carga / pós-carga. 
No coração intacto, um aumento da pré-carga eleva a pós-carga por dois mecanismos 
distintos: 1) a diminuição da espessura da parede e o aumento dos diâmetros 
ventriculares condicionam, pela lei de Laplace, um aumento da tensão da parede antes 
e depois do ventrículo se começar a contrair (pós-carga); 2) o aumento do volume de 
ejecção induzido pelo aumento da pré-carga leva a uma elevação da pressão arterial e 
consequentemente da pós-carga. Por seu turno, um aumento da pós-carga também 
eleva a pré-carga no coração intacto, uma vez que ao diminuir o volume de ejecção 
induz um aumento do volume telediastólico (pré-carga) nos ciclos cardíacos seguintes. 
2. Interacção pré-carga / inotropismo. 
Uma elevação da pré-carga provoca um aumento imediato da sensibilidade dos 
miofilamentos ao cálcio, o que representa um efeito inotrópico positivo. Além deste 
efeito imediato, foi ainda descrito um aumento adicional da contractilidade nos 10 
minutos que se seguem a uma elevação do volume telediastólico (pré-carga). Este 
fenómeno foi atribuído a um aumento da libertação de cálcio pelo retículo 
sarcoplasmático. 
3. Interacção pós-carga / inotropismo. 
Uma elevação súbita da pós-carga provoca um aumento da contractilidade, sendo este 
fenómeno conhecido por efeito de Anrep. Este efeito tem sido atribuído: 1) a um 
aumento da contractilidade, secundário à elevação da pressão de perfusão coronária e 
à recuperação de uma isquemia subendocárdica transitória; e 2) a um aumento da 
pré-carga, em consequência da diminuição do volume de ejecção (mecanismo de 
Frank-Starling). 
 
 
 
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4. Interacção frequência cardíaca / inotropismo. 
Um aumento da frequência cardíaca provoca uma elevação da concentração intracelular 
de cálcio, o que representa um efeito inotrópico positivo. Este efeito é conhecido por 
relação força-frequência. 
5. Interacção frequência cardíaca / pré-carga. 
Um aumento da frequência cardíaca provoca uma diminuição do tempo de enchimento 
ventricular e consequentemente da pré-carga e do volume de ejecção. Quando a 
frequência cardíaca é muito elevada (superior a 180 batimentos por minuto), o 
enchimento ventricular e consequentemente o volume de ejecção podem ficar de tal 
forma comprometidos que sobrepujem o efeito positivoda frequência no débito 
cardíaco. 
 Em resumo, a função cardíaca melhora quando a pré-carga, a contractilidade ou a 
frequência cardíaca aumentam, ou quando a pós-carga diminui e vice-versa. Desta forma, não 
é de estranhar que os efeitos de determinado factor na função cardíaca possam ser 
contrariados pelos efeitos de outro que actue em sentido oposto. É por isso que, na avaliação 
dos efeitos de qualquer intervenção sobre a função cardíaca sistólica, é muito importante ter 
em conta os seus vários determinantes, bem como as possíveis interacções entre eles. Na 
verdade, pode inclusivamente acontecer que a função cardíaca não tenha sido globalmente 
alterada apesar de terem ocorrido variações individuais importantes de alguns daqueles 
factores.

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