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1 - ESTRATÉGIAS ORGA IZACIO AIS Ricardo César Alves 1.1 - Fundamentos da Estratégia O primeiro passo para a definição do processo estratégico é o entendimento das condições que proporcionaram o desenvolvimento do conceito de estratégia. Entre o final do século XIX e o início do século XX, um país tinha uma estrutura montada que facilitava o desenvolvimento de uma indústria progressivamente preponderante. A moderna infra-estrutura industrial nos EUA nesse período, segundo Ansoff e Mcdonell (1993), se tornou conhecida por permitir a “revolução industrial” que mudaria a face das organizações em todo o globo. Foi, segundo os autores, um período extraordinário de turbulência estratégica. Os primeiros empreendedores industriais devotaram a maior parte de suas energias à criação da moderna tecnologia de produção. O conceito de concorrência, da forma hoje conhecida, não começou sua evolução antes da década de 1880. A partir de 1900, o centro das atenções se deslocou para o desenvolvimento e a consolidação da estrutura industrial, ficando conhecida essa época como a era da produção em massa. O foco da atividade industrial concentrou-se na elaboração e aperfeiçoamento da produção. O conceito era direto e simples: a firma que oferecesse o produto padronizado ao preço mais barato seria vencedora. Ansoff e Mcdonell (1993) consideram que as três primeiras décadas do século XX constituíram, nos Estados Unidos, a “era de produção de massa”. Por volta da década de 1930, a demanda por bens de consumo básicos caminhava em direção à saturação. O consumidor, cada vez mais influente, começou a exigir mais do que o desempenho básico. Nesse sentido, houve deslocamento em direção à orientação para o marketing, inaugurando-se uma era de relacionamento mais intensivo com um ambiente repleto de consumidores diferenciados. Essa passagem significou uma transferência do poder de administradores com mentalidade de produção para administradores com mentalidade de marketing (ANSOFF e MCDONELL, 1993). A partir de meados da década de 1950, as organizações depararam, cada vez mais, com desafios novos e inesperados. A inflação, as crescentes restrições governamentais, a insatisfação dos consumidores, a invasão de concorrentes estrangeiros, as novas conquistas tecnológicas, as mudanças na atitude com relação ao trabalho, entre outros fatores, foram elementos que se estabeleceram como contingências reais às quais a organização deveria responder. A consciência de que eram necessários uma nova atitude e novos comportamentos para lidar com esses novos fatores não foi imediatamente assumida pelas organizações, segundo Ansoff e Mcdonell (1993). Torna-se fácil entender a resistência por parte das mesmas pela crítica reflexiva que teriam de fazer sobre o seu próprio comportamento. Na prática, a ação da organização não ficou incólume diante das mudanças presentes no ambiente. A pouca receptividade das organizações significou, possivelmente, o não entendimento das novas condições de trabalho presentes no ambiente. Novas indústrias emergiram e passaram a atender às demandas dos clientes, customizando-se ao extremo a produção da organização. A tecnologia, nesse contexto, afetava tanto a oferta quanto a demanda. Além disso, a firma foi atacada em sua posição de elemento imprescindível do contexto social. Ela continuava servindo à sociedade, mas devia assumir a responsabilidade social por seus atos. Segundo Ansoff e Mcdonell, "tendo enchido suas barrigas, os indivíduos começam a aspirar a níveis mais elevados de satisfação, tanto no que dizia respeito a seu comportamento como comprador quanto como trabalhador. Seu poder de discriminação se torna cada vez maior e demandam cada vez mais a plena divulgação dos fatos” (ANSOFF e MCDONELL, 1993: 35). A partir da evolução dos mercados, passa-se, então, para uma discussão crescente sobre a utilização da estratégia nas organizações. Segundo Vasconcelos (2001), se comparada aos estudos de teoria administrativa em geral a conceituação de estratégia pode ser considerada uma das teorias mais novas dentro dos estudos em administração. Gaj (1995) aponta que há correlação direta entre a ascensão dos estudos em estratégia e o cotidiano das organizações, principalmente se consideramos as transformações que acontecem no contexto atual. As transformações da sociedade, as mudanças econômicas, as variáveis tecnológicas etc. foram fatores que estimularam o desenvolvimento de novas formas de administração, entre as quais a busca de flexibilidade e oportunidades estratégicas. Certamente, os conceitos do autor estão relacionados com a tentativa de se administrar o futuro da organização. Isso não implica que o administrador deverá usar algum tipo de futurologia para gerir a organização em que trabalha; antes, o significado se refere a uma busca da identificação dos fatores que afetam a organização e que podem influenciar diretamente na sua permanência em termos de mercado, ou na sua saída desse tipo de ambiente. Portanto, reconhece-se a importância do “ambiente” na construção da estratégia e passa-se ao próximo capítulo com o intuito, então, de apresentar a estratégia no contexto deste trabalho. 1.2 - O que é Estratégia? A base teórica da administração de empresas enfrenta importantes alterações que envolvem principalmente os termos estratégia, competitividade, planejamento e controle (MINTZBERG, 2004). O ponto fundamental de mudança é a rapidez com que o ambiente oscila e, conseqüentemente, altera os pontos de referência das organizações. Dessa forma, surgem muitas teorias e modelos que auxiliam as organizações a gerenciarem seus negócios através de planos, estruturas, controles, cognições etc. Para Sobanski (1995), o crescente dinamismo e a competição encontrados no ambiente de negócio vêm criando novas formas de organização e envolvimento dos diversos agentes econômicos, sociais e culturais, ao mesmo tempo que induzem a criação e a consolidação de mecanismos e estilos de gestão adaptados às novas necessidades organizacionais. De acordo com Ribeiro et. al (2000), o grande desafio do gestor passa pela compreensão do comportamento das firmas, dos fatores que direcionam as estratégias empresariais e explicam as estruturas de mercado. Na verdade, o grande desafio está na condução eficaz das organizações num mercado de extrema competitividade. Henderson (1998) afirma que quanto mais rico o ambiente, maior o número de competidores e mais acirrada será a competição. Ele afirma ainda que as estratégias procuram fazer mudanças rápidas em relacionamentos competitivos de mercado, ou seja, o mercado fica atrativo para muitas empresas que aumentam a competição por meio de diferentes estratégias de atuação. Então, a administração estratégica passa a ser essencial para a continuidade e a longevidade das organizações, como também argumentam Ansoff e McDonnell (1993: 15): A administração estratégica é um enfoque sistemático a uma responsabilidade importante e cada vez mais essencial da administração geral: posicionar e relacionar a empresa a seu ambiente de modo que garanta seu sucesso continuado e a coloque a salvo de eventuais surpresas (ANSOFF e MCDONELL: 1993: 15). Mas afinal, o que significa a estratégia? Como as empresas percebem e utilizam as estratégias? Whittington (2002) adverte que muitos consultores e teóricos entram em contradição já na definição do que é e do que não é estratégia. Mintzberg polemiza ainda mais a discussão: "estratégia, na verdade, é uma dessas palavras que as pessoas definem de um jeito e usam de forma diferente, sem perceber a diferença" (MINTZBERG, 2001: 186). Essa definição de Mintzberg demonstra a dificuldade de se compreender formalmente o que é estratégia. Michael Porter ainda destaca a utilização de ferramentas gerenciais como estratégia: A busca da produtividade,da qualidade e da velocidade disseminou uma quantidade extraordinária de ferramentas e técnicas gerenciais: gestão da qualidade total, benchmarking, competição baseada no tempo, terceirização, parceria. Reengenharia e gestão da mudança. Embora as melhorias operacionais daí resultantes muitas vezes, tenham sido drásticas, muitas empresas se frustraram com a incapacidade de refletir esses ganhos em rentabilidade sustentada. E aos poucos, de forma quase imperceptível, as ferramentas gerenciais tomaram o lugar da estratégia. (PORTER, 1999: 47) A idéia de estratégia fica pulverizada por sua utilização em transações rotineiras das organizações. Embora as transações de mercado sejam relevantes no contexto organizacional, as firmas não podem ser reduzidas a essas, pois, segundo Chandler (1992), é no interior da organização que funciona a “estufa” para o cultivo de competências inovadoras e duradouras. Buscando uma definição básica de estratégia, pode-se remeter a Henderson (1998), que define a estratégia como uma busca deliberada de um plano de ação para desenvolver e ajustar a vantagem competitiva de uma empresa. Essa vantagem de competição deve ser significativa em relação às empresas que exploram o mesmo mercado. Ohmae (1998) destaca que a estratégia deve ser utilizada quando se quer oferecer valor para o seu consumidor. Porter (1999) complementa a idéia dizendo que a base de uma estratégia competitiva é ser diferente, de modo que os consumidores percebam suas ações como algo diferenciado. A estratégia deve, pois, buscar (por meio de planos de ação) criar valores que diferenciem a organização de seus concorrentes, criando, assim, uma vantagem competitiva. Porter (1999) salienta, ainda, que qualquer vantagem competitiva é sustentável até que os concorrentes consigam superar as ofertas de uma dada empresa e criar valor superior àqueles desenvolvidos por esta. Segundo Prahalad (1998), no curto prazo, a competitividade de uma empresa se origina de seus atributos de preço/desempenho em produtos existentes, mas, no longo prazo, a competitividade deriva da capacidade de formar, a custos baixos e tempo mínimo, competências que propiciam produtos inovadores e que não podem ser copiados em curto prazo. Diante desses conceitos e discussões, podemos afirmar que a busca por uma organização mais competitiva leva os gerentes a desenvolverem ações que tornem seus produtos e serviços mais atrativos perante a concorrência. Isso nos remete novamente a Porter (1989), que aponta três estratégias genéricas: liderança em custo, diferenciação e enfoque. O autor define que uma empresa precisa aplicar uma dessas três estratégias ou todas elas combinadas, para caracterizar sua posição competitiva num dado mercado. Para Porter (1989: 49), “algumas vezes a empresa pode seguir com sucesso mais de uma abordagem como seu alvo primário, embora isso seja raramente possível”. O autor considera que uma empresa no meio-termo, ou seja, que não adota uma abordagem estratégica clara, está em uma situação estratégica pobre. Além de ter quase garantida uma baixa rentabilidade, a empresa “no meio-termo provavelmente também sofre de uma cultura empresarial indefinida e de um conjunto conflitante de arranjos organizacionais e sistemas de motivação” (PORTER, 1989: 55). Considerando as definições propostas por Ansoff e Mcdonell (1993), que conceitua a estratégia como um conjunto de padrões de tomada de decisão para orientação do comportamento de uma organização, e Porter (1989), que orienta as ações empresariais para a aquisição de alguma vantagem competitiva, obtém-se uma definição razoável para se definir a estratégia como um conjunto de padrões e comportamentos direcionados à orientação de uma organização para alcançar uma vantagem competitiva, através da diferenciação de produtos e serviços oferecidos ao mercado. Meirelles (2003) acrescenta que “estratégia é a criação de uma posição competitiva exclusiva e valiosa, envolvendo um conjunto diferente e compatível de atividades; (...) é exercer opções excludentes na competição; é escolher o que fazer, mas fundamentalmente o que não fazer” (MEIRELLES, 2003: 40). Ao analisar as orientações teóricas que abordam o conceito de estratégia, encontram-se várias lacunas e contradições entre as visões dos diversos autores. Contradições que se encontram nas visões que envolvem racionalidade e decisão, força do ambiente, evolução do mercado, competências essenciais etc. Mas encontra-se também uma relativa convergência na afirmativa de que o campo da estratégia na administração envolve o estudo dos processos de escolha e decisão nos níveis macro- organizacionais, ou seja, as decisões e ações que impactam o conjunto da organização; a formação de padrões de conduta; a adequação da organização e seus processos internos ao seu ambiente de atuação e o posicionamento competitivo de uma empresa, dentre outros (PORTER, 1989; ANSOFF & MCDONELL, 1993; MINTZBERG, AHLSTRAND E LAMPEL, 2000; MEIRELLES, 2003). Na verdade, o que se buscou até aqui foi explicitar algumas tentativas de descrição de conceituações acerca da estratégia, as quais não encontram consenso entre os pesquisadores de estratégia. Para Saraiva (2004), o debate de representantes de linhas aparentemente antagônicas demonstra que a multidimensionalidade da estratégia torna difícil a possibilidade de haver consenso em torno de uma definição conceitual de estratégia. Estratégia diz respeito a decisões e ações que impactam o conjunto da organização, lidam com a adequação entre esta e o ambiente de atuação, é de natureza complexa e envolve aspectos de conteúdo e processo (MEIRELLES, 2003). Nesse sentido, fazer estratégia diz respeito ao conhecimento de onde e quando essa interação ocorre no tempo e espaço. A estratégia reuniu o que eram as características básicas de outras áreas da administração para formar os administradores estratégicos (WILSON E JARZABKOWSKI, 2004). Referências ANSOFF, H. Igor; MCDONNELL, Edward J. 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