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As_escolas_militares_-_o_controle_a_cult

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Prévia do material em texto

Muitos são, hoje, da opinião de que não existem duas 
coisas mais dissonantes e incongruentes que a vida 
civil e a militar. Pois, vemos diariamente que, quando 
um homem ingressa no exército, ele imediatamente 
muda não apenas sua indumentária, mas seu compor-
tamento, suas companhias, sua tez, sua maneira de 
falar, e este se investe para despojar-se de tudo aquilo 
que possa parecer da vida ou das conversas comuns. 
Pois o homem almejando estar pronto para qualquer 
sorte de violência despreza a indumentária padrão 
do civil, e crê que nenhum traje serve ao seu propósito 
que não a farda-armadura. E quanto a civilidade e 
polidez, como se pode esperar encontrá-las em alguém 
que imagina que tais coisas o fariam parecer afemi-
nado e que tais coisas seriam um obstáculo ao seu 
serviço, especialmente quando tal sujeito pensa que é 
seu dever, ao invés de conversar e comportar-se como 
os outros homens, ameaçar qualquer um que encontre 
com uma saraivada de pragas e um temível par de 
bigodes?
Maquiavel – A arte da guerra
Caetano e Viegas
(organizadores)
Uma Avaliação Crítica das Escolas Militarizadas
2016
Projeto editorial, Preparação dos originais e Revisão
Ian Caetano de Oliveira & Victor Hugo Viegas de Freitas Silva
Capa
Ian Caetano de Oliveira
(sobre desenho de Heitor Aquino Vilela)
Diagramação
Ian Caetano de Oliveira
 Coleção Piquete (coordenadores Ian Caetano & Victor Viegas) - Volume I
Copyleft
Esse livro é publicado em regime copyleft. Pode ser reproduzido para fins 
não comerciais no todo ou em parte, além de ser liberada sua distribuição, 
sendo mencionada a fonte
Escultura produções editoriais
Rua 13 de Maio, Quadra 148, Lote 10 - Setor Garavelo
Aparecida de Goiânia - Goiás
CEP: 74.930-570 / e-mail: esculturaedicoes@outlook.com
2016
Dados internacionais de catalogação na publicação (CIP)
Dados fornecidos pelos organizadores
E79
Estado de Exceção Escolar: uma avaliação crítica das escolas militarizadas / Ian 
Caetano de Oliveira, Victor Hugo Viegas de Freitas Silva, organizadores. 
Aparecida de Goiânia: Escultura produções editoriais, 2016. -(Piquete)
ISBN 978-85-5896-000-7
1. Escola pública. 2. Militarização. 3. Doutrina Militar. 4. Políticas Públicas para 
a Educação. 5. Polícia Militar. I. Oliveira, Ian Caetano de, org. II. Silva, Victor Hugo 
Viegas de Freitas, org. III. Título
CDU 37.01
Sumário
Agradecimentos …………………………………………….……..….. 9
Introdução
Ian Caetano de Oliveira & Victor Hugo Viegas de Freitas Silva….........… 11
Sobre o livro …………………………………………………….…..….. 17
Os dilemas de estudar no regime militar: relatos de 
uma estudante em uma escola militarizada .............. 21
As escolas militares: o controle, a cultura do medo e 
da violência
Dijaci David de Oliveira ............................................................... 41
Quem quer manter a ordem? A ilegalidade da 
militarização das escolas em Goiás
Francisco Mata Machado Tavares .................................................. 53
A exclusão dos alunos mais pobres nos Colégios 
Militares
Rafael Saddi Teixeira .................................................................. 67
Nós perdemos a consciência?: apontamentos sobre a 
militarização de escola públicas estaduais de ensino 
médio no estado de Goiás
Ellen Ribeiro Veloso & Natália Pereira de Oliveira ............................. 71
Militarização de escolas públicas: avanços ou 
retrocessos?
Joab Júnio Dias Gregório da Silva .................................................. 87
Sobre os autores .............................................................. 99
9
Agradecimentos
Agradecemos enormemente os autores, que 
gentilmente aceitaram o pedido de escrever os textos 
contidos nessa obra, todos de grande valia e que expõem 
grande conhecimento sobre o tema.
Agradecemos especialmente também o artista e 
jornalista Heitor Vilela, que produziu todas as ilustrações 
contidas nesta obra, as de capa, 4ª capa e do interior do 
livro.
Agradecemos ainda o Programa de Pesquisa 
sobre Ativismo em Perspectiva Comparada (PROLUTA) 
da UFG; e o Núcleo de Estudos sobre Violência e 
Criminalidade (NECRIVI), também da UFG, pelo apoio 
à produção e difusão da obra.
Agradecimentos também, e principalmente, aos 
pais e mães, estudantes e trabalhadores da educação que 
resistiram e continuam resistindo bravamente contra 
a militarização e privatização das escolas públicas – e 
cuja luta urgiu para que terminássemos esse livro o mais 
rápido possível.
11
Introdução
Ian Caetano de Oliveira
Victor Hugo Viegas de Freitas Silva
 A educação pública – resguardadas algumas 
exceções que são tidas como instituições de “excelência 
educacional” – é marcada por uma patente má avaliação, 
tanto dos exames oficiais que periodicamente avaliam 
a qualidade desta educação, quanto, de maneira mais 
genérica, por familiares e estudantes que estão nestas 
mesmas escolas. Se pegarmos o IDEB, por exemplo, 
como indicador, perceberemos que a disparidade em 
relação à escola privada é acentuada.
 No IDEB de 2013, vejamos, a avaliação do 3º ano 
do ensino médio nas escolas públicas teve média de 3,8; 
enquanto as particulares fecharam com 5,5.
 São diversas as preocupações de estudantes 
e familiares quanto ao futuro, uma vez que, sem as 
adequadas melhorias na educação, estes estudantes terão 
dificuldade de ascender a boas instituições de ensino 
superior. Tendo dificuldades de ascender a carreiras 
profissionais tidas como “melhores”, o que, na grande 
gama dos casos, significa apenas “melhor remuneradas”. 
O critério dessa avaliação tem sua base nas notas do 
ENEM e do IDEB. Se o colégio vai bem nestes índices, 
isso implica que será preferido por pais e estudantes.
 De fato, o futuro a todos assombra e não é difícil 
se preocupar, quando as “boas oportunidades” parecem 
estar distantes. Muitas famílias não têm condição de 
arcar com os custos de uma educação em escolas privadas 
(que são, supostamente, melhores), então confiam 
na educação pública para que esta seja suficiente para 
encucar nas crianças e jovens bons valores sociais e éticos 
e, também, boa instrução que lhes capacite bons lugares 
12
Estado de Exceção Escolar
e possibilidades no mercado de trabalho.
 Mesmo escolas particulares tremem ante o ENEM, 
já que esta nota consolidou-se como o índice definitivo de 
predileção. Então se os alunos de uma escola privada vão 
mal nessa prova, ocorre o risco de queda na procura. A 
escola, desta feita, arrisca reduzir seus lucros. Algumas, 
com trapaças, ainda tentam mascarar a nota com práticas 
diversas, como pedir a alunos tidos como “bons” que 
façam o cadastro na prova com um documento escolar 
e alunos tidos como “ruins” com outro. Este é só um 
exemplo, existem vários. Há ainda casos extremos em 
que o aluno é simplesmente expulso de escolas por não 
atingir os “padrões” exigidos. Quem vai se preocupar com 
“educação de qualidade” quando o que vale é o ENEM?
 Nas escolas públicas a situação devia ser um pouco 
diferente. O aluno não pode ser simplesmente excluído 
do processo, pois ali, como assegura a constituição, ele 
tem direito a educação. Então a situação tem de ser 
tratada com outras soluções.
 Compete ao governo do estado cuidar das escolas 
estaduais. Compete a ele, portanto, ouvir a população, 
entender as demandas e carências gerais e demandas 
particulares de cada colégio e região. Depois deste 
processo de estudo, cabe ao estado propor melhorias e 
debatê-las com a população interessada, para que estas 
medidas possam ser revisadas, melhoradas, e para que a 
população veja se condizem com suas demandas.
 No caso específico de Goiás, a resposta do governo 
para a questão da educação tem sido dividida em 
basicamente dois blocos: de um lado, o repasse da gestão 
escolar para as chamadas Organizações Sociais (OS), e, 
por outro, a Militarização Escolar, o repasse de escolas 
públicas para a Polícia Militar do Estado de Goiás. 
Notem que não falamos “o repasse da administração 
13
escolar” e sim “orepasse das escolas”. O governo pode 
nomear a medida da maneira que quiser, mas a verdade 
é que estas escolas não são apenas “administradas” por 
quadros da polícia militar, mas são, de fato, remodelas na 
imagem e semelhança de um quartel militar, com todas 
as imposições, doutrinações e abusos que tal regime 
implica.
Não queremos apontar que o problema da escola 
pública é simplesmente o fato desta não poder mascarar, 
como as escolas particulares, sua nota no ENEM, há 
problemas de toda ordem, e graves: falta de investimento, 
desestímulo à capacitação de professores, problemas de 
estrutura física, problemas na relação entre a comunidade 
circundante e a escola… uma gama de problemas a serem 
resolvidos para que possamos avançar rumo a uma 
educação mais digna e igualitária. A pergunta que este 
livro tenta responder é se: “militarização seria de fato 
a escolha mais eficiente e viável”? Seria esse o caminho 
para reduzir a disparidade no ensino?
Não iremos falar, neste livro, sobre as Organizações 
Sociais. Por quê?
 Falar das Organizações Sociais e da Militarização 
Escolar em um único livro seria algo demasiado extenso, 
esta é uma das razões; e a outra é que são temas que, 
embora tenham convergências, devem ser analisados 
e criticados por caminhos diferentes, de modo que 
pretendemos abordar as Organizações Sociais, 
eventualmente, em outro livro. Nesta obra trataremos 
apenas da militarização escolar.
 Em certas escolas, oficialmente, o governo tem 
apontado a militarização como uma saída viável para: 
I) a melhoria da qualidade do ensino; II) a melhoria da 
noção disciplinar de alunos e; III) também – em alguns 
colégios onde o convívio com a sensação de insegurança 
Introdução
14
Estado de Exceção Escolar
é mais alarmante – para a maior segurança de alunos 
em colégios de regiões mais “inseguras” e, também, 
para a maior segurança do bairro/região que abriga a 
escola, uma vez que esta região agora contaria com um 
“quartel” dentro de si. Porém, como temos visto, a coisa 
não corresponde, na realidade, ao discurso oficial.
 Em uma fala em um evento, quando da intervenção 
de alguns professores protestando por melhorias de 
suas condições de trabalho, o governador afirmou que 
onde houver baderneiros ele implantará militarização. 
É curioso ouvir um governador chamar de baderneiros 
não pessoas que estivessem a cometer qualquer tipo de 
delito, mas que estavam ali explicitando legitimamente 
sua indignação com a patente calamidade que é a atual 
situação da educação em Goiás. Mais espantoso ainda 
é que o governador passe a impressão que motivos 
tão circunstanciais motivam-no a implantar políticas 
públicas de tamanho impacto, com o agravante de serem 
postas em execução da noite para o dia, sem consulta 
com interessados (estudantes, familiares, professores, 
etc.)
 E nesta toada tem funcionado a implantação da 
militarização escolar em Goiás: I) sem consulta prévia 
com estudantes, professores, familiares e pessoas da 
região da escola; II) sem respeito (como demonstraremos 
com os artigos que compõem este livro) tanto às leis que 
dispõem sobre educação quanto às leis que dispõem 
sobre segurança pública e; III) sem qualquer avaliação 
dos impactos psicológicos e sociais de longo e médio 
prazo que a militarização pode imputar a crianças e 
jovens em estágios de formação.
 Embora seja possível pensar em algumas 
possibilidade e caminhos para a melhoria do ensino 
público, não o faremos neste livro. Mas também não 
15
consideramos que a crítica a um modelo com claras 
mostras de equívoco e de ineficiência – tal qual é o 
da Militarização Escolar – seja ilegítima pela falta 
da apresentação de um modelo pronto e acabado de 
melhoria. Como dissemos anteriormente, tal modelo, 
como fórmula última, inexiste, e um bom caminho para 
começar a melhoria da educação é a ampliação do debate 
democrático e aberto sobre o papel da escola, a estrutura 
escolar, os objetivos do ensino, etc.
Introdução
17
Sobre o Livro
 Discorrer mais sobre o tema seria repetir o que já 
está tão bem escrito nos artigos que compõem esta obra, 
de modo que vamos apenas resumir os temas que cada 
um dos artigos expõe. Pois, embora uma ordem tenha 
sido pensada para compor este livro, tentamos elaborá-lo 
de modo que os artigos possam ser lidos individualmente 
e na ordem que o leitor achar mais interessante, segundo 
os temas que mais o interessem.
O livro conta com uma entrevista exclusiva os 
dilemas de estudar no regime militar, com uma ex-
estudante de colégio militar, dando um panorama geral 
do expediente vivido por estudantes e docentes nos 
colégios militares, as questões hierárquicas, pedagógicas, 
as restrições com relação a aparência, além de diversas 
outras questões, muitas vezes desconhecidas por aqueles 
que nunca frequentaram um colégio militar.
No artigo As escolas militares: o controle, a 
cultura do medo e da violência, as pessoas interessadas 
terão acesso a uma análise sobre os argumentos gerais 
que, supostamente, legitimam a militarização e uma 
réplica a estes argumentos. Tratando da visão social 
que paira sobre os jovens, da legitimação cultural da 
“sensação de insegurança”, e dos aspectos políticos 
implícitos na implantação da militarização escolar.
 No artigo Quem quer manter a ordem? A 
ilegalidade da militarização das escolas em Goiás, 
leitoras e leitores terão acesso a uma robusta, mas 
acessível, avaliação da ilegalidade jurídica ocorrente na 
Militarização Escolar, tanto no que se refere às leis que 
dispõem sobre educação, quanto no que se refere às leis 
sobre segurança pública e também leis fiscais (e ainda no 
que se refere a leis de direito internacional).
18
Estado de Exceção Escolar
 No artigo A exclusão dos alunos mais pobres nos 
Colégios Militares, é feita uma avaliação dos aspectos de 
segregação socioeconômicos implícitos e imbrincados 
na Militarização Escolar, que ocorrem desde questões 
elementares, como a compra da farda escolar, até 
em vácuos jurídicos mais problemáticos, como as 
“contribuições voluntárias”.
No artigo Nós perdemos a consciência?: 
apontamentos sobre a militarização de escolas públicas 
estaduais de ensino médio no estado de Goiás é feito um 
balanço geral do Estatuto da Criança e do Adolescente, 
sua incompatibilidade com a Militarização Escolar, 
além de um panorama amplo sobre os malefícios da 
implantação da doutrina militar a nível escolar.
 No artigo Militarização de escolas públicas: 
avanços ou retrocessos? destrincha-se a hierarquia 
militar, suas formas de consolidação, seu impacto a nível 
social e individual e sua relação problemática com a 
educação. Avaliando o papel da violência na corporação 
militar, bem como, em fluxo histórico, o papel da mesma 
na consolidação do corpo militar.
 Obviamente a obra abarca apenas uma parcela dos 
problemas, mas, obviamente, escarafunchá-los de modo 
último seria um trabalho que levaria não um único livro, 
mas uma obra de dimensões enciclopédicas. A obra que 
apresentamos tem o intuito de problematizar algumas 
questões mais urgentes e patentes, e também o de abrir 
o debate, apresentando argumentos principalmente 
à parcela que é mais frágil nessa disputa, que é a de 
estudantes, familiares e professores, que são os que 
sofrem os arbítrios de modo mais evidente.
19
21
Os dilemas de estudar no regime militar: 
relatos de uma estudante em uma escola 
militarizada
Sobre a entrevista
A entrevista foi realizada oralmente e depois 
transcrita. A entrevistada estava ciente do interesse de 
publicação da entrevista e com ele concordou. A ordem 
das perguntas na transcrição foi ligeiramente alterada 
em relação à gravação original para fins de melhor 
organização das ideias. A transcrição foi apresentada 
à entrevistada antes de sua publicação. Por razão 
de a entrevistada almejar a carreira militar e temer 
complicações em virtude da publicação deste texto, sua 
identidade foi preservada.
Vamos começar pela entrada então:
A entrada é o seguinte, vocêtem um horário 
cronometrado para entrar no colégio. No caso, na parte 
da manhã você tem até 06:45 para entrar, 06:46 você 
não entra mais. Aí, nesses quinze minutos até as 07:00 
você fica “em forma” (se não tiver feito algo de errado). 
Por exemplo, pra você entrar no colégio você tem que 
estar com a sua agenda, sua agenda tem que estar em 
dia. O que é uma agenda em dia, ela tem que estar com 
a sua foto, preenchida completamente (se ela não estiver 
completamente preenchida você não entra no colégio. 
Isso acontece muito no começo do ano, muitos alunos 
ficam do lado de fora porque não conseguiram terminar 
de preencher a agenda a tempo). E não se pode entrar 
no colégio depois da hora, nem no segundo horário. Só 
permitem entrar na segunda aula no noturno e, de vez 
em quando, no vespertino. Mas isso é raro.
22
Estado de Exceção Escolar
Eu acho que o horário mais rigoroso é o matutino. 
Eu não sei, poderiam deixar os estudantes entrarem 
na segunda aula, mas é muito difícil eles deixarem. De 
vez em quando eles veem que têm muitos alunos que 
chegaram atrasados, eles deixam entrar no colégio, mas 
só no segundo horário. Até chegar o segundo horário você 
terá de ficar “em forma”. Isso é feito da seguinte maneira: 
são feitas filas, o padrão são quatro ou cinco filas, e em 
formato militar mesmo. Rigorosamente militar. Tem 
que ficar em posição de “sentido”, só quando o militar 
manda você “descansar” que você vai estar autorizado 
a descansar. Descansar é ficar com as mãos para trás 
em “postura”. E isso é feito desde o 6º ano do ensino 
fundamental, crianças de dez anos têm de fazer isso.
Como eu falava, para entrar no colégio você ter de 
estar com a agenda corretamente preenchida. Se houver 
alguma coisa, por exemplo, uma anotação de algum 
militar mandando você cortar o cabelo e você não cortou, 
você não entra no colégio, você leva advertência. Se você 
estiver com a xuxinha errada, estiver com a meia errada, 
estiver sem o bibico, se você estiver de farda, mas estiver 
com o sapato errado, você não entra. O tênis tem que ser 
100% preto, se tiver algum destaque de outra cor, eles te 
mandam embora trocar. Se o tênis estiver sujo, se a roupa 
estiver suja, eles também te mandam embora, para você 
lavar. E se, depois disso, você chegar a tempo você entra, 
se não… é um aviso, uma aula.
E a questão da rotina dentro do colégio militar?
É a mesma coisa de um quartel, é um quartel 
escrito. Quem entra no colégio militar por vontade 
própria é porque quer seguir a carreira militar. Igual, 
no meu caso, eu entrei porque eu quero seguir a carreira 
militar. Porque lá você tem o militarismo como se tem 
23
em um quartel, é uma formação como a que se tem em 
um quartel. A formação dos militares é a mesma coisa. O 
que eles falam é “nós vamos educar vocês pra vida”, mas 
eu não acho certa essa forma. O Colégio é estruturado 
como se fosse um quartel. Logo de entrada você vê o 
pátio, o pátio que deveria ser para as crianças brincarem, 
correrem… ali nesse pátio você tem as marcações, elas 
estão ali pra você entrar em “forma”. Tem também a 
marcação da marcha. Se na hora da “formação” tiver 
algum aluno que esteja sendo punido, ele sempre fica 
na frente, nas primeiras fileiras. Se ele está ali na frente, 
é porque está sendo punido. Na região mais central do 
colégio tem outro espaço, onde é feito o hasteamento da 
bandeira. Ai termina o hasteamento da bandeira, os que 
estavam lá na frente sendo punidos, vão pra essa área 
marchar. No meu colégio, que era em prédio, os menores 
ficam nos andares de baixo, em cima ficam os alunos 
maiores, os que dão mais trabalho.
Nesse tempo de “formação” as pessoas ficam em 
silêncio… como é?
 Tem que ficar em silêncio. Se você falar você sai de 
“forma” e você vai para uma outra “formação”. Quando 
todo mundo for pra sala, você vai ficar lá, porque você 
estava conversando. Você vai ficar durante uma aula lá, 
45 minutos, em pé. Em “formação” ou “marchando”. A 
pior punição pra um aluno no colégio militar é marchar. 
A gente, alunos do colégio militar, a gente não gostava 
de marchar. Você fica em pé muito tempo, tem que 
marchar com “postura”, e com isso você vai pra sala de 
aula cansado, com os pés doendo, com as pernas doendo. 
E ser moça não importa, não adianta falar que está com 
cólica, com as pernas doendo, “não estou nos melhores 
dias”, mesmo assim você tem que marchar. Você não tem 
Os dilemas de estudar no regime militar
24
Estado de Exceção Escolar
essa opção do “não”.
E tem alguma diferença entre o tempo de “formação” 
de quem entra com advertência e de quem não tem?
Tem. Quem entra no horário certo fica só quinze 
minutos em pé, que é o tempo de formação para hastear a 
bandeira. Que é aquela coisa, você vai ficar em “sentido”, 
vai bater continência para a bandeira. Tem que esperar 
hastearem a bandeira. Quando ela chegar lá em cima 
você bate continência. Eu fiz isso cinco anos da minha 
vida e nem sei por que.
A bandeira vai abaixando conforme os militares 
vão mandando os alunos para as salas. Você vai para a 
sala em formação, em fila, uma fila por vez. Aí os militares 
passam em sala, antes de começar a aula. Eles passam de 
sala em sala antes dos professores entrarem, para ver se 
está tudo certo, se está todo mundo sentado. Se você não 
estiver sentado, você leva advertência, não pode ficar em 
pé não. Depois os professores entram.
A maioria das punições é de tipo físico, como colocar 
a pessoa para ficar de pé?
 A maioria delas são assim. Além de você levar 
a punição na agenda, que seu pai tem que assinar. 
Também tem essa punição física, onde você tem que ficar 
em pé, em “forma”, mais que os outros. Se você for com o 
fardamento errado, você vai ter que ficar em formação. A 
formação dura em torno de 45 minutos, ou o restante da 
aula. Tem também a questão da marcha. Na marcha dos 
alunos a sincronização tem que estar perfeita, a parada 
tem que estar sincronizada. Se ela não ficar sincronizada 
os alunos vão ficar fazendo ali até ela estar.
E se você passar mal dentro do colégio?
25
Por exemplo, tem muito aluno que passa mal 
por ficar muito tempo em “forma”, quando o sol está 
muito quente. Quando eu era aluna padrão tive que 
ajudar muitos estudantes que desmaiaram ficando em 
“forma”. Nesses caso você tem um apoio, tem o corpo de 
bombeiros dentro do colégio, eles te dão assistência e, 
quando preciso, te levam para o hospital, ligam pros seus 
pais. Se os pais não puderem comparecer, um militar vai 
te acompanhar. Eu já passei mal, tive que ir pro hospital 
e meu pai não podia ir, porque estava no trabalho. Um 
militar me levou em casa.
Passando agora pra sala de aula, na organização e nas 
práticas em sala, existe diferença entre os alunos?
Sim. Isso varia em cada colégio, mas no que eu 
estudava, todo mês você vai mudando de chefe de turma. 
Esse chefe de turma tem que fazer as chamadas da sala, 
o chefe de turma é responsável por toda a sala, como se 
fosse um militar. E, antes do professor começar a aula, 
ele vai fazer os outros alunos entrarem em formação. Ele 
vai apresentar a turma para o professor. Ele vai ficar na 
frente da sala, vai bater continência para o professor, ficar 
em posição de “sentido”, vai mandar a sala “descansar” 
e alternar entre “sentido” e “descansar” até a sala 
inteira estar sincronizada, quando a sala inteira estiver 
sincronizada neste movimento, depois disso o chefe de 
turma bate continência novamente para o professor, fala 
ao professor quantos alunos tem na sala, quantos alunos 
faltaram e quantos alunos deveria haver no total em 
sala. Esta é a última fala dele. Então ele senta e a aula 
prossegue. Isso toma em torno de uns dez minutos de 
aula para acontecer.
E o chefe de turma tem alguma outra 
Os dilemas de estudar no regime militar
26
Estado de Exceção Escolar
responsabilidade, ou é só a de apresentar a 
turma?
Tem. Se acontecer alguma coisa dentro de sala, 
por exemplo, a sala estiver desorganizada, a sala não 
estiver limpa, o professor nãoconseguir dar a aula por 
causa de barulho ou alguma outra coisa, quem vai ser 
o responsável vai ser o chefe de turma. Quem vai levar 
advertência vai ser o aluno que estava bagunçando e o 
chefe de turma. E a punição do chefe de turma é a pior 
de todas.
E como é a relação entre o chefe de turma e o restante 
da sala?
O chefe de turma manda na sala, você não pode 
fazer nada de errado perto do chefe de turma. Por que o 
chefe de turma é como se fosse um militar. E isso começa 
desde o 6º ano do ensino fundamental.
O Chefe de turma gosta de ocupar essa posição?
Em geral gosta. Porque se você está em um colégio 
militar, você aprende a querer mandar. Você não quer ser 
mandado, você quer mandar. Porque você ser mandado 
é pior. O chefe de turma é visto como maioral entre os 
alunos militares, porque ele está com a formação geral 
de um militar. Por exemplo, se ele quiser (algo que 
acontece muito), você não fez nada, mas o chefe de turma 
não gosta de você, ele vai lá e fala alguma coisa de você 
para o militar e o militar vai e te dá uma advertência. É 
simples assim que funciona. O militar não vai chegar em 
você e perguntar “você fez isso?”, não, ele vai te dar uma 
punição e vai ligar para os seus pais e falar o que o chefe 
de turma falou de você.
27
E algum aluno pode recusar-se a ser chefe de turma?
Ele não pode recusar. Não existe essa opção.
E como funciona essa coisa do “aluno padrão”?
Aluno padrão só existe no 3º ano do ensino 
médio. Tem também uma coisa parecida no 9º ano do 
ensino fundamental, mas “aluno padrão” mesmo, que é 
o “maior”, que manda em todos como um militar, é só 
no 3º ano. Para ser aluno padrão você não precisa ter 
uma nota “excelente”, basta o militar gostar de você e 
ele vai te premiar como aluno padrão. É simples. Eu fui 
premiada como aluno padrão, mas eu fui desclassificada 
porque eu não ficava fiscalizando rigidamente os alunos. 
Passava uma aluna do meu lado e estava com a franja 
solta, o militar brigava comigo, não brigava com a aluna, 
porque eu era a aluna padrão e eu tinha que mandar essa 
aluna prender a franja que estava solta. Eu tinha que 
chegar no aluno e falar pra ele fazer a barba. Como aluno 
padrão você tem que punir os outros alunos. Um aluno 
que está com algo “irregular”, você tem que falar pra ele 
que ele não pode entrar na escola. “Você volta pra sua 
casa, pra cortar o cabelo, pra fazer a barba, pra trocar 
sua meia...”. O aluno padrão tem que fazer isso, se ele 
não fizer ele é punido. O aluno padrão também tem essa 
punição, ele é “maior” entre os alunos, mas ele é punido 
pelos militares. É como se fosse um serviço sem estarem 
te pagando nada. Você é obrigado a comparecer a todos 
os eventos do colégio. Em eventos em que tem marcha, o 
aluno padrão marcha na frente, porque ele é “maior” que 
os outros.
Existe algum privilégio em ser aluno padrão? 
Privilégio mesmo é só o de você poder mandar 
Os dilemas de estudar no regime militar
28
Estado de Exceção Escolar
nos outros. Você sai de sala na hora que você quer… tem 
essa vantagem. Eu fui e não vi muita vantagem. Você 
tem mais responsabilidades. Apesar disso, todo aluno, o 
sonho de todo aluno, desde o 9º ano, é ser aluno padrão. 
Pra você não ter essa “pressão” tão grande. Você pode 
chegar mais atrasado, se dar uma justificativa o militar 
deixa você entrar. Aconteceu alguma coisa com o seu 
uniforme, você vai ter um diálogo com o militar, você 
sendo aluno padrão ele vai te escutar. Você tendo uma 
“cordinha” preta no ombro, que o aluno padrão usa, ele 
vai te escutar. Também, por exemplo, na “formação”, 
quem manda nos alunos quando eles estão em “forma”, 
na entrada do colégio, ou quando acontece algo no recreio 
(quando os alunos estão correndo de mais no recreio os 
militares mandam todos ficarem em “forma” também.), 
são os alunos militares (os alunos padrão) que mandam 
em tudo. Eles são como militares no colégio.
E os outros alunos têm que bater continência para o 
aluno padrão?
Tem que bater continência. É como se fosse um 
militar, tem que bater continência, tem que respeitar 
como se fosse um militar mesmo.
Sobre os militares, eles andam armados dentro dos 
colégios?
Andam armados. Faz diferença pra muitos alunos, 
porque tem estudante que tem medo de militar, e eles 
andam todos armados. Eu acho que não havia necessidade 
deles portarem armas. Mesmo tendo 3º anos, acho que 
não tinha necessidade deles estarem armados. Alguns 
não andam armados, mas muitos, a maioria, andam 
armados. No meu colégio ficavam sempre dois policiais 
na portaria; em cada corredor, ficam, no mínimo, dois 
29
policiais. Nos corredores das turmas com alunos mais 
velhos ficam dois ou três militares. Nesses corredores 
os militares ficam entrando nas salas, quando viam um 
aluno conversando, ou algo assim.
E como é a relação dos alunos com os militares?
É uma relação de medo. Tipo, ficar correndo 
de militar. Eu, até hoje, quando eu vejo um militar na 
rua eu já desvio. Porque se um militar vê alguma coisa 
“errada” em você, se seu cabelo não está preso ou algo 
assim, ele vai te punir, vai te dar uma advertência. Aí 
os alunos começam a ter esse medo. O militar está em 
um corredor, a gente passa por outro corredor, pra não 
ter esse contato direto com o militar. Apesar de que, 
dentro do colégio militar, você é obrigado a ter esse 
contato com o militar. Toda vez que você passa perto de 
um militar tem que bater continência. Se você não bater 
continência… igual criança, isso acontece demais, elas 
não batem continência, a criança não sabe por que ela 
tem que bater continência, ela não sabe qual é o motivo. 
Elas não batem. Aí o militar adverte elas.
Muitas vezes, quando eu era “aluna padrão”, uma 
criança passava correndo por mim, eu tinha que chamar 
e dizer “menino, você não me deu continência, agora vou 
ter que te punir por isso. Você tem que passar por mim e 
tem que me dar continência”, aí eles respondiam: “uae, 
mas por que eu tenho que te dar continência?”, ué, eu 
não sei, só sei que tem que dar continência.
E isso era preciso só dentro do colégio?
Não. Fora também. Você estando uniformizado, 
você tem que bater continência para todos os militares. 
Mas é meio que um cumprimento, até. Vai chegando no 
Os dilemas de estudar no regime militar
30
Estado de Exceção Escolar
8º ano, no 9º ano, você já vai criando esse costume, esse 
hábito. Você vê outro aluno… no colégio militar você não 
pode ter essa “proximidade”, essa “aproximação”, não 
pode beijar no rosto para cumprimentar, não pode ter 
contato. Como se fossem militares mesmo. Esse contato 
não pode acontecer nem dentro da escola, nem fora se 
você estiver uniformizado. Eles não te dão essa liberdade 
de ter contato com as pessoas. Aí a gente começa a ter 
esse cumprimento, de dar continência. Com o tempo, até 
para aluno normal, que não é “aluno padrão”.
E com relação a abuso de autoridade, acontece?
Abuso de autoridade acontece até entre os alunos, 
com os próprios alunos. Acontece de aluno padrão se 
exaltar com outros alunos, isso acontece muitas vezes. 
Militares também. Daí, quando isso acontece a gente tem 
que recorrer ao “capitão”. Chegar nele e dizer “houve um 
abuso de autoridade, acontecei isso e aquilo…”, porque 
existem muitos militares que, do meu ponto de vista, 
não estão preparados pra estar lidando com crianças 
e adolescentes. Como que você vai se alterar com uma 
criança? Quando alguém interfere nessas ocasiões eles 
já não gostam, aí acontecem uns “cala a boca”, uns 
xingamentos…
Você já teve aula com um militar?
Já. Em todo colégio militar isso acontece, quando 
falta um professor ou algo assim. Quando isso acontece, 
normalmente ele dá aula de hierarquia, ou coisas sobre 
o militarismo.
E a questão da aparência, o aluno, ou aluna, pode, 
por exemplo, pintar o cabelo, usar maquiagem?
Tem o padrão do colégio. Seu cabelo tem que 
31
estar na cor natural. Antes meninas não podiam usar 
maquiagem, agora parece que o artigo foi atualizado, 
você só pode usar maquiagemclara e leve. Esmalte nas 
unhas tem que ser claro, não se pode usar esmalte escuro. 
E o cabelo não pode ter corte “extravagante”. Pro menino 
o corte de cabelo é o corte padrão, na lateral corte de 
máquina Nº 1 e em cima Nº 2.E não pode usar barba, 
nem quando ela está começando a crescer. O militar 
verifica o tamanho do cabelo colocando a mão na cabeça 
do estudante, se o cabelo passar da altura do dedo o corte 
está fora do padrão, então o aluno não entra no colégio. 
Tem que estar indo de duas em duas semanas no salão 
cortar o cabelo, é um gasto grande pros pais.
Você falou da questão do contato entre estudantes, 
tem mais regras sobre isso?
No colégio você não pode ter contato físico com 
outros estudantes, você não pode namorar, não pode 
ter contato como beijo no rosto, abraço, essas coisas. O 
militar pode te punir.
E com relação a manifestações e atos políticos? O 
aluno é livre para participar deles se quiser?
Aluno de colégio militar não pode ir em 
manifestação, mesmo sem uniforme. Com uniforme 
você é punido, você vai levar advertência direta, pode 
até ser expulso do colégio. Se não estiver fardado, você 
será repreendido oralmente. Se você fizer “asneira na 
rua”, eles chamam de “asneira”, você é punido. Se você 
não estiver uniformizado, mas eles souberem que você 
é do militar, você é punido. Porque no colégio militar 
você tem que manter um “padrão” independente da 
roupa, independente de estar no colégio. Pra você ver, 
entrou aluno do colégio militar no ônibus, você pode 
Os dilemas de estudar no regime militar
32
Estado de Exceção Escolar
descer, porque eles são os mais “atentados”. Eles fazem 
“asneiras” no ônibus pra ver se alguém vai lá e denuncia. 
E tem muita gente que vai no colégio e denuncia.
E a relação com os professores, como é?
Com os professores é uma relação normal. Você 
só observa que você perde muito tempo de aula, com as 
coisas militares. Por exemplo, no terceiro ano, quando 
os alunos são vestibulandos e é uma matéria que você 
precisa, você tem que ficar perdendo tempo batendo 
continência, fazendo “formação” de turma… e você perde 
bastante tempo com isso.
Os professores também têm que seguir regras?
Os professores também têm os artigos que têm 
que ser seguidos. A gente vê muito de fora, a gente não 
tem oportunidade de ter esse contato direto com essas 
regras que os professores seguem, porque o professor 
tem uma agenda diferente da nossa. Na nossa agenda tem 
os artigos que a gente tem que cumprir e na do professor 
também. Professor não pode dar aula de cabelo solto, não 
pode mostrar tatuagem, tem que estar com a roupa bem 
limpa, unhas bem cortadas. O cabelo dos professores 
homens eles nem exigem tanto, mas com as mulheres 
esses padrões são mais rígidos. É isso, têm as regras 
que eles têm que cumprir também. Questão de atraso: 
os professores são punidos quando atrasam. Pra mudar 
de uma sala para a outra o professor não pode atrasar 
também. O professor não tem uma liberdade direta pra 
dar uma aula. Um professor de artes, por exemplo, pra 
realizar alguma atividade diferente, se ele precisar mudar 
a configuração da sala, fazer um círculo com as carteiras, 
ele tem que pedir autorização a um militar. Ele não tem 
essa liberdade com a aula, como ele quiser.
33
Você entende que as aulas nos colégios militares são 
diferentes das dos demais colégios?
Se você pega, por exemplo, o 3º ano, tem a questão 
da ordem, já que tem os alunos padrões, o chefe de turma 
e o professor. O professor está ali para dar a aula, ele 
não está ali para dar ordem à turma, quem põe ordem 
na turma é o chefe de turma. E tem também a regra de 
silêncio durante a aula. Essas são as diferenças. Porque os 
alunos, eles são crianças da mesma forma que em outro 
lugar, estudantes também da mesma forma. O que muda 
é o militar. Porque o objetivo deles, pra colocar ordem 
na turma, é colocar o chefe de turma como um militar 
dentro da sala. Só que o chefe de turma é um aluno como 
os outros. No início, ele quer ser aluno, ele quer brincar 
como os outros, ele quer interagir com os outros.
Existe, entre os alunos, algum tipo de diferenciação 
por nota?
Sim. Essa diferenciação ela acontece em todas 
as séries. Funciona assim, juntam a cada bimestre 
todas as suas notas, se você tiver, em um bimestre, o 
boletim com todas as notas 10 você ganha um “cordão” 
amarelo, chamado alamar (eu já ganhei o alamar, no 
7º ano). Ai você usa esse alamar. E também têm as 
premiações, as medalhinhas. Muitos alunos se esforçam 
pra ganhar as medalhinhas, porque você fica “mais que 
os outros”, os militares te tratam melhor, “olha, esse 
aqui tem medalhinha, o outro ali não tem. Esse aqui tem 
um alamar, o outro não tem”. Entende, aí existe essa 
desigualdade. Se você não tem um alamar, o professor, o 
militar, já te desconsideram em relação a quem tem.
E com esse alamar o aluno tem algum privilégio 
dentro da escola, ou algo parecido?
Os dilemas de estudar no regime militar
34
Estado de Exceção Escolar
Não. Quando você ganha o alamar você tem que 
pagar por ele. E você fica sendo “mais que os outros”, só. 
A única coisa que é de graça são as medalhinhas. Esse 
é outro ponto interessante. Igual, por exemplo, no 7 de 
Setembro. Vocês já perceberam que no 7 de Setembro 
todos os alunos têm alamar? Não tem um aluno que 
está sem a “cordinha” na farda, ou sem medalha. Como 
funciona, não é a maioria ali que tem alamar, não é a 
maioria que tem as medalhinhas também. Eles te 
emprestam um dia antes o alamar e as medalhinhas e 
você devolve no outro dia. Acabou a formação, você vai 
devolver. Porque é o ideal para apresentar pros coronéis, 
pros policiais, pros “chefões”, porque eles querem 
mostrar que têm muitos alunos com alamar. “Todos os 
alunos têm alamar”. Mas, na realidade, o que acontece 
é que, em cada sala, no máximo dois alunos têm alamar, 
porque é muito difícil você chegar nessa premiação. 
Porque no padrão de nota 2,0 pontos são de “disciplina”, 
esses são os mais difíceis de tirar, porque quem vai te dar 
essa nota é um militar. E nem todo militar vai te dar 2,0.
Como você consegue essa nota de disciplina?
O principal é você não ter nenhuma anotação na 
agenda. E isso é muito difícil, chegar em algum aluno no 
colégio militar e perguntar “você tem alguma anotação 
na agenda?” e ele falar que “não tem nenhuma”. Porque 
se você ficar em pé dentro de sala e um militar chegar 
na sala, ele vai ter dar uma punição. Se você ir com o 
cabelo grande, ele vai te dar uma punição. Se você estiver 
com um piercing, ele vai te dar uma punição. Teve uma 
vez que eu achei um absurdo. Uma menina estava no 2º 
ano do ensino médio e cortou o cabelo, e na época não 
podia, ela meio que raspou a cabeça na lateral, e ela levou 
punição por isso. Então é difícil conseguir os 2,0 pontos.
35
Agora, como que funciona a questão das 
“contribuições voluntárias”? Elas são voluntárias 
mesmo? Como é isso?
Não. Não é voluntário. Se você não pagar… eu 
tive um problema no 3º ano do ensino médio. Se eu não 
pagasse essa taxa (na época essa taxa era R$50,00 no mês, 
eu já devia R$400,00) eu não ia receber meu diploma. 
É isso que acontece em todos os colégios militares. Se 
você não pagar… você pode esperar acumular, não junta 
juros, você pode deixar pra pagar no final do ano, só que 
se você não pagar, sua matrícula não é atualizada quando 
você passa de ano. Se você não pagar no último ano, você 
não tem seu diploma. Então você é obrigado a pagar 
essa taxa. Essa taxa aumenta anualmente. Quando eu 
comecei a estudar eu pagava R$15,00 ao mês. No final já 
estava R$50,00. Como se fosse em um colégio particular. 
Eles não sujam seu nome, só que você não continua 
estudando, porque sua matrícula não é atualizada. Pra 
atualizar a taxa tem que estar paga.
Você conhece estudantes que tiveram de sair 
do colégio por não conseguirem bancar estas 
“contribuições voluntárias”?
Sim. Tem alunos que tiveram que sair por causa 
disso. Se você estiver no 3º ano do ensino médio, você 
terminou.Você pode entrar na justiça para pedir seu 
diploma. Mas se você estiver no 8º ano, não tem jeito, 
você tem que pagar. Ou você paga, ou sai do colégio.
Você conhece alguém que abandonou os estudos, 
porque não conseguiu entrar em outro colégio?
Sim. Teve um amigo meu que saiu. Daí não voltou 
a estudar mais.
Os dilemas de estudar no regime militar
36
Estado de Exceção Escolar
Existe algum tipo de controle, ou fiscalização, sobre 
como é gasto esse dinheiro das “contribuições”?
Os alunos não ficam sabendo. Por exemplo, 
formatura dos 3º anos, o colégio não ajuda a financiar 
a formatura, os alunos têm que bancar tudo. Porque a 
escola não gasta verba com essas coisas. Eles falam que 
esse dinheiro é gasto com despesas do colégio, mas a 
gente não sabe ao certo.
Existe alguma prestação de contas sobre esse 
dinheiro?
Não. 
Existe algum tipo de consulta, por parte da 
administração do colégio, com a comunidade escolar 
para a tomada de algumas decisões?
Não. Não tem essa opção de argumentar “eu acho 
que isso está errado”, “eu acho que o aluno podia vir com 
tênis de outra cor”, eles não dão essa opção de diálogo.
Você vê um colégio militar como um colégio público?
Não. Eu vejo como um colégio conveniado. Eu não 
considero como um colégio público. A estrutura dele não 
é a de um colégio público. Em colégio público você não 
paga. Ali você tem que pagar. Eu acho que isso deveria 
ser mudado, acho que não deveria ter que pagar.
E a evasão é grande?
Tem muita gente que sai porque não passa, muita 
gente que sai porque não aguenta o militarismo. Eu até 
conheço menina que começou a entrar em depressão, 
aí por conta disso os pais resolvem tirar. Tem pai que 
tá vendo que a escola está fazendo mal pra criança, mas 
37
não tira, até que chega em consequências piores. Porque 
tem uns estudantes que querem, outros não. Eu entrei 
porque eu quis, mas tem muitos que entram porque são 
obrigados, porque não tem outro lugar pra estudar, ou 
porque os pais obrigam.
Tem pessoas que sofrem psicologicamente com esse 
treinamento militar?
Tem. Tem muitos que começam desde criança 
(porque tem colégios que começam desde o 6º ano do 
ensino fundamental), eles já começam a adquirir um 
medo do militarismo. Daí começa a ter essa paranoia de 
“eu tenho que respeitar”, “eu não posso me vestir como 
eu quero”, “eu não posso cortar o meu cabelo como eu 
quero”, desde cedo colocam isso na cabeça das crianças e 
elas vão crescer, elas não vão ter uma vida plena, elas vão 
ter só parte dela. Porque não ensinaram ele a desenvolver 
esse arbítrio, essa tomada de decisão.
E você entende que o colégio militar te formou como 
cidadã?
Ele me formou como militar, na verdade.
E você entende que há diferença entre um “cidadão” 
e um “militar”?
Tem diferença. Você vê a diferença entre uma 
pessoa que é formada em um colégio militar e uma pessoa 
que é formada em um colégio normal. No colégio militar 
você é treinado para ter disciplina, em todos os aspectos. 
O problema é que eu acho que eles estão ensinando essa 
disciplina em uma hierarquia muito forte, eles estão 
jogando muito para o lado do militarismo. Eu acho que 
eles deveriam jogar mais para o lado da educação mesmo. 
Porque o que eu aprendi lá, se eu não for militar, não vai 
Os dilemas de estudar no regime militar
38
Estado de Exceção Escolar
me servir pra nada. Não vai me servir pra nada as horas 
que eu fiquei em pé marchando. Não vai me servir pra 
nada as continências que eu dei.
ARTIGOS
41
As escolas militares: o controle, a cultura 
do medo e da violência
Dijaci David de Oliveira
Uma pergunta que muitas pessoas têm feito é “qual 
o sentido da presença das escolas militares na educação 
pública no Estado de Goiás?”. Essa questão se distingue 
daquela outra que busca saber sobre quais as razões que 
levaram o governador do Estado a implementar novas 
unidades de escolas militares. Em relação à primeira, 
as respostas têm sido díspares. Para uns, a partir da 
experiência das escolas já instaladas, trata-se de um 
investimento na qualidade da educação, mas para outros, 
a partir da leitura do cenário político e social, trata-se de 
mais uma ação nos moldes da agenda conservadora em 
busca de consolidar sua hegemonia política. 
Se tomarmos a leitura da reação social sobre 
o processo de implementação das escolas militares, 
observaremos que sua emergência tem se metamorfoseado 
em uma moeda eleitoral. Elas emergem como objeto de 
desejo para prefeitos que têm muito pouco para oferecer 
no campo da educação (ou talvez não saibam ou ainda, 
não desejam), mas, ao mesmo tempo as escolas militares 
se tornaram uma concessão do Governo em benefício 
de aliados, apoiadores (é também como uma forma de 
acomodação do excesso de oficiais militares e de política 
de fortalecimento de uma instituição desacreditada como 
a Polícia Militar, todavia, ainda vista como uma forte 
aliada no jogo político) e, por fim, como o Governador 
deixou público, uma política de contra-ataque aos 
movimentos sociais.
 As mais recentes notícias sobre as razões da 
militarização das escolas demonstram ambiguidade 
42
Estado de Exceção Escolar
(aparentemente) do próprio Governo sobre quais rumos 
tomar no cenário da educação e em relação à política 
de implementação de novas escolas militares. Isto é, 
se elas supostamente se destacam como “boas escolas” 
isso não significa que serão generalizadas pela simples 
razão de que o que realmente interessa ao Governo é se 
“desfazer” da obrigação do gerenciamento das escolas. 
Noutras palavras, as escolas militares são parte de uma 
estratégia de pequenas trocas e ações políticas, já que o 
objeto da política educacional no Estado de Goiás tende 
a ser a política de terceirização no modelo clássico ou no 
modelo das chamadas Organizações Sociais (OS).
Ainda assim, devemos perguntar “o que 
fundamenta a implementação de escolas militares?”. A 
despeito da fala pública do Governador, a militarização 
é também uma resposta a uma demanda política, mas, 
evidentemente, não despontam como uma meta de 
médio e longo prazo (pois isso implicaria mais custos e 
mais investimentos), ainda que eleitoralmente o Governo 
possa se beneficiar com tal política.
Como se fortalece o ideal das escolas militares?
Existem várias razões que favorecem o discurso 
em favor das escolas militares. Vou trabalhar aqui com 
dois que creio sejam os mais proeminentes. O primeiro 
deles está no discurso do medo e da violência, o segundo, 
está na visão negativa e preconceituosa de que os 
adolescentes são ameaçadores e perigosos. O resultado 
disso é que para ampliar ou simplesmente instalar uma 
política de controle, na ótica do Estado e de boa parte da 
sociedade, nada melhor e mais eficiente que transformar 
a escola em um quartel.
O discurso da segurança pública tem se tornado 
43
um instrumento importante para muitos governantes. 
Por meio dele tem sido possível criar mecanismos que 
permitem um maior controle dos movimentos sociais, 
a ampliação da capacidade de monitoramento dos 
grupos de oposição, assim como de acompanhamento de 
setores apontados como socialmente incômodos como, 
por exemplo, as pessoas em situação de rua, migrantes 
estrangeiros de países considerados pobres ou arrasados, 
além dos movimentos sociais de contestação.
A consolidação de um projeto de controle 
social com ampla aceitação social demanda, contudo, a 
configuração de alguns cenários. Entre eles, podemos 
destacar o enfraquecimento dos procedimentos 
democráticos (ainda que se fale em seu fortalecimento 
e aperfeiçoamento), na criminalização dos movimentos 
sociais, assim como na construção de uma cultura do 
medo por meio da mídia.
Todas essas práticas já estão em pleno curso. 
As evidências podem ser percebidas na unicidade dos 
discursos dos gestores, nas ações da elite e na difusão 
das agências midiáticas de que a única forma de garantir 
a segurança está na ampliação dos mecanismos de 
controle. Esses setores afirmam ainda que sem essas 
condições(mais aparatos tecnológicos, mais uso da 
força, legislação mais duras e maior flexibilidade para as 
ações de controle e punição), o cenário da insegurança 
prevalecerá. 
Este tipo de discurso ocorre tanto em cenários em 
que a violência efetivamente cresce, mas também surge 
em panoramas em que se observa a queda nos índices 
de criminalidade (isso evidentemente ocorre no Brasil e 
nos EUA). Todavia, o que deve prevalecer, ao final, é a 
cultura do medo, e é isso que tem ocorrido.
O discurso do medo não tem compromisso 
As escolas militares: o controle, a cultura do medo e da violência
44
Estado de Exceção Escolar
com a verdade, mas apenas com o medo e com todos os 
mecanismos que supostamente serão necessários para 
que possamos enfrentá-lo. Uma observação mais atenta 
evidencia que o discurso do medo sobrevive mais por 
meio de falácias do que por meio dos fatos. Quando 
acompanhamos os noticiários da grande mídia podemos 
extrair um repertório significativo que tem sido utilizado 
por muitos governantes que desejam ampliar o controle 
social e, para além disso, desejam ampliar a submissão 
dos cidadãos. 
a) Os mitos da sociedade insegura
Todos, hoje em dia, compartilham de uma 
certeza, a de que vivemos em uma sociedade insegura. 
Essa percepção é tão forte, tão evidente que muitos a 
tomam como real, concreta. O mundo é inseguro, logo 
devemos nos defender e, para além disso, contra-atacar 
ou desejar que alguém faça algo contra todos aqueles que 
representam uma ameaça. Mas, como disse o antropólogo 
indiano, Arjan Appadurai, o ódio e o medo sempre recai 
sobre os mais fracos, contra todos os que são diferentes, 
não importa que sejam poucos e vulneráveis (no caso das 
minorias), a própria diferença já será o suficiente para 
representar uma ameaça.
45
Narrativas 
do Mito Cultura do medo Uma resposta contra-hegemônica
Estamos em 
guerra
Precisamos preparar as 
polícias para enfrentar o 
“inimigo”
Não estamos em guerra. Tal discurso 
fragiliza e vulnerabiliza a pessoa que 
deixa de ser tratada como cidadã para ser 
apontada como “inimiga”.
Bandidos 
estão cada vez 
mais perigosos
Eles estão mais 
organizados e bem mais 
armados
Os bandidos não são mais perigosos 
que em épocas anteriores. As próprias 
investigações policiais demonstram que o 
crime organizado é “desorganizado” e onde 
prevalece o domínio do grupo organizado, 
em geral, conta com informantes 
privilegiados dentro da própria polícia.
A sociedade 
atual é mais 
insegurança
Todos nós corremos 
risco iminente de morrer
Na verdade, na sociedade atual, 
estamos mais seguros que em todas 
as épocas anteriores. Contudo, a forte 
e desproporcional exposição de fatos 
violentos nos faz supor que a sociedade 
atual é mais violenta.
A ampliação 
das penas 
reduz a 
violência
Precisamos de leis 
mais duras e mais 
encarceramento
As políticas de encarceramento apresentam 
um efeito irrisório sobre a redução da 
criminalidade. Em muitos lugares tem 
servido apenas como mais uma forma de 
exploração pelo capital e mecanismo de 
controle social.
Jovens estão 
mais violentos
Os jovens estão cada vez 
mais perigosos
Os jovens de hoje não são mais perigosos, 
nem a violência produzida por alguns pode 
ser apontada como mais letal. 
Os 
movimentos 
sociais são 
perigosos e 
violentos
Precisamos criar leis que 
impeçam a ação violenta 
de grupos radicais
O Estado atua de forma violenta contra 
todos os grupos que são vistos como 
oposição aos seus interesses particulares.
Direitos 
humanos 
devem ser 
apenas para 
“humanos 
direitos”
Busca assegurar o acesso 
aos direitos apenas aos 
grupos historicamente 
privilegiados.
Todos os seres humanos devem ter acesso 
pleno aos direitos humanos.
Bandido bom 
é bandido 
morto
A sociedade está 
cheia de bandidos 
que se aproveitam da 
fragilidade das leis e das 
pessoas.
Todos têm direito ao acesso à justiça, a 
julgamento justo e direito a comprovar sua 
inocência. 
Temos que 
defender o 
homem de 
bem
Os homens de bem são 
as pessoas que precisam 
ser defendidas.
As leis e todo o sistema de justiça sempre 
privilegiaram as pessoas que possuem bens 
em detrimento das pessoas em geral. O 
que existe não são “pessoas de bem”, mas 
pessoas com bens.
As escolas militares: o controle, a cultura do medo e da violência
46
Estado de Exceção Escolar
Como pudemos observar são vários os mitos. 
Poderíamos facilmente ampliar e incluir inúmeros 
outros discursos, mas nosso objetivo aqui é indicar alguns 
exemplos de mitos que compõem a chamada cultura do 
medo e o cenário de violência como fontes no processo 
de fortalecimento da ideia de que temos que preparar 
nossas instituições para agirem de forma dura contra 
as “ameaças”. Mais importante ainda é percebermos o 
quanto esse discurso serve de pilar para suprimir setores 
vulneráveis, mas nunca para realmente construir uma 
política de segurança com base na justiça social.
b) O medo dos adolescentes
Quando observamos aqueles mitos percebemos 
que um personagem importante no discurso do medo 
está centrado na figura do adolescente. O medo e o ódio 
uniram boa parte da sociedade contra os adolescentes. 
Não há uma única pesquisa de opinião sobre a proposta 
de redução da maioridade penal em que a sociedade 
reconheça que os adolescentes não são os responsáveis 
pelos dramas da violência brasileira. Isso, mesmo contra 
todos os dados em que se demonstra claramente que os 
adolescentes são vítimas. Mas como isso ocorre?
O Instituto Brasileiro de Opinião Pública e 
Estatística (Ibope) realizou a Pesquisa Brasileira de 
Mídia (PBM 2015) para o Governo Federal. Foram 
entrevistados mais de 18 mil pessoas em todo o Brasil. Um 
dos objetivos foi saber como os brasileiros se informam 
e acessam as fontes midiáticas disponíveis. Os dados são 
significativos, “95% dos entrevistados afirmaram ver TV, 
sendo que 73% tem o hábito de assistir diariamente. Em 
média, os brasileiros passam 4h31 por dia expostos ao 
televisor, de 2ª a 6ª-feira, e 4h14 nos finais de semana... 
47
(IBOPE, 2015, pág. 7).
Isto nos dá uma dimensão do poder de persuasão 
da TV. Somado a isso temos o fato de que boa parte 
dos brasileiros não leem. Apenas 7% leem diariamente 
jornais (que em geral são dos mesmos donos dos canais 
de TV). Logo temos um problema, como se informa a 
maior parte dos brasileiros? Os brasileiros se informam 
por meio da grande mídia. O que vão discutir com você 
amanhã é o que viram hoje na TV. O problema é que a 
grande mídia não tem compromisso com a verdade, mas 
apenas com o mercado.
Se somando ao discurso dos gestores por mais 
investimento em aparatos de segurança, observamos 
ostensivamente um “bombardeio” por meio da mídia 
televisiva (principalmente) de que vivenciamos uma 
“insustentável realidade social no campo da segurança”. 
Evidentemente temos uma conjunção de interesses 
entre mídia televisiva e gestores focados nas políticas de 
mercado. Para o mercado, a cultura do medo mobiliza 
recursos (econômicos) e investimentos fundamentais 
para estruturar a cadeia do mercado de segurança 
(organizações sociais, terceirização, construção de 
presídios, fortalecimento das industrias de armamentos, 
compras do Estado, prestação de serviços de segurança, 
aparatos de controle social e de punição).
Onde entra o adolescente? Em todo discurso 
do medo é fundamental que se tenha um “inimigo”. 
Durante muito tempo se teve o “morro” carioca como um 
emblema de domínio do tráfico de drogas e do perigo. 
Contudo, como o modelo servia apenas para alguns 
Estados, aos poucos foi se estruturando um discurso 
anti-jovem no âmbito nacional. Hoje, em qualquer lugar 
do Brasil o jovem é visto como um perigo. Mesmo quando 
as estatísticas demonstram claramente que o adulto 
As escolas militares: o controle, a cultura do medo e da violência
48
Estado de Exceção Escolar
representa a maior parcela dos crimes, a adolescentes 
aparecem com a principal ameaça na mídia. Na narrativa 
cristã o “bode expiatório”representava a figura de alguém 
escolhido para curar os pecados da sociedade, o jovem é 
o “bode expiatório” em nossa sociedade. Da cultura do 
medo nasce o apoio às propostas pedagógicas de mais 
controle e mais repressão.
Os riscos da pedagogia militarista
A história grega nos oferece um exemplo clássico 
de dois modelos educacionais, duas formas de pensar um 
modelo de sociedade. Falamos dos modelos educacionais 
espartanos e atenienses. A vitória de Esparta sobre Atenas 
permitiu a reprodução, ao longo da historia, de que o 
processo disciplinar e a rigidez educacional prevalecem 
sobre a formação humanista. 
Contudo, a derrota de Atenas não foi por sua opção 
de manter uma educação humanista, mas por inúmeros 
outros fatores que podem ser facilmente destacados por 
qualquer um que saiba recorrer aos livros. Independente 
das reais causas da queda de Atenas, o militarismo tem 
se sobressaído ao longo da história como uma forma 
de prática educativa supostamente eficiente e que se 
baseia em treinamentos duros e violentos como forma 
de preparação para uma vida.
A cultura do medo e a prática militarista tendem 
a vender a ideia de que a militarização é uma solução 
para ampliar a segurança, além de servir de combate à 
violência. Essa foi uma das teses espalhadas pelo Estado. 
Não é verdade. Política de segurança se faz com justiça 
social. O processo de militarização das escolas é parte 
do processo de ampliação do controle social, e segue a 
prática já denunciada pelo pensador Michel Foucault, 
49
das formas de docilização do corpo e controle da mente. 
Por fim, embora a rigor o modelo das escolas 
militares não seja uma meta, a presença delas possui um 
forte sentido emblemático, a ideia do poder do Estado 
como ameaça permanente. Finalmente, cabe reconhecer 
que o modelo das escolas militares se torna um ideal para 
uma parcela da comunidade também pela ausência de 
um modelo consistente de escola que se contraponha aos 
modelos atuais e, ao mesmo tempo, sejam acessíveis a 
todos. Se queremos uma outra escola, devemos construí-
la. 
As escolas militares: o controle, a cultura do medo e da violência
51
53
Quem quer manter a ordem? A ilegalidade 
da militarização das escolas em Goiás
Francisco Mata Machado Tavares
Trataremos de uma questão que eu já estudo 
há algum tempo, que é: o regime jurídico da educação 
pública no Brasil.
O que me parecia é que abstratamente poderíamos 
pensar que, ainda que a escola militar fosse adequada do 
ponto de vista didático-pedagógico; ainda que a escola 
militar fosse uma boa saída, digamos, para – e essa é 
a fórmula coringa para se justificar qualquer política 
pública que não obedeça a Constituição – acabar com a 
criminalidade; ainda que a escola militar fosse adequada 
para alcançar-se o “santo graal” da elevação da nota do 
ENEM… parece-me que se é uma política de Estado e, 
notadamente, se é uma política de forças de segurança 
pública, a primeira indagação que se deve fazer, já que não 
estamos falando de uma política de força revolucionária, 
não estamos falando de uma política de forças golpistas, 
não estamos falando de uma política de fato, mas em 
uma política de direito, implementada pelo estado e 
pelas forças do estado que manu militari defendem a lei, 
a primeira pergunta que se deve colocar é: a escola sob 
gestão militarizada é constitucional? Porque se isso não 
for lícito, quem gostar de escola militar que proponha 
uma PEC, que proponha um golpe de estado, que faça 
uma revolução.
Eu, por exemplo, sou contra – por razões pessoais, 
políticas, sociais – o direito da propriedade privada, mas 
isso não significa que eu entenda que a partir de amanhã 
eu possa andar pelas ruas como quem não o reconhece. 
Eu sei, inclusive, que eu vou suportar consequências 
54
Estado de Exceção Escolar
coercitivas muito graves se eu fizer isso. Portanto, se eu 
quero acabar com o direito da propriedade privada, o 
que eu posso fazer é: tentar mexer na Constituição, ou 
tentar derrubar essa ordem jurídica, mas nessa ordem 
jurídica a propriedade privada está assegurada. E se eu 
fosse, antes de tudo, um defensor dessa ordem jurídica, 
eu não iria, sem modificá-la, violá-la.
Portanto, a primeira pergunta que se deve fazer é: 
a militarização de uma escola encontra amparo no nosso 
ordenamento jurídico? Pode uma escola ser militar? É 
lícita ou não? Essa é a pergunta que pretendo responder.
Para responder essa questão é preciso enquadrar 
a escola no âmbito das modalidades de ensino previstas 
no artigo 206 da Constituição da República. Isso é uma 
escola pública? É uma escola confessional? É uma escola 
privada? O que é, afinal, uma escola sob gestão militar? 
Bom, isso foi objeto de uma consulta ao órgão que dispõe 
sobre estas questões, qual seja: o Conselho Nacional de 
Educação. E no âmbito dessa consulta o estado de Goiás e 
a sua polícia militar defenderam a seguinte tese jurídica: 
a escola militar é uma escola pública. Pública tout 
court. Não é pública com um predicado específico. Eles 
defenderam, junto ao Conselho Nacional de Educação, a 
tese de que ela era uma escola pública. Portanto, como 
outra qualquer. Porque a Constituição prevê apenas 
“escola pública”, ela não predica isso.
O Conselho Nacional de Educação acatou a tese 
do estado de Goiás e de sua polícia militar. E entendeu 
que, para todos os efeitos jurídicos, a escola de ensino 
médio no estado de Goiás sob gestão militar é uma escola 
pública. Bom, se assim é, agora temos de fazer uma 
outra pergunta: o que prevê a Constituição quanto às 
escolas públicas? Para o que nos interessa, começaremos 
pelo artigo 206, inciso VI. Ela prevê a chamada “gestão 
55
democrática do ensino público”. Escola pública deve 
ser gerida democraticamente. Caso contrário, não há 
licitude.
É verdade que o Supremo Tribunal Federal 
entendeu, de um modo diferente daquele que eu, pelo 
menos, entendo o direito à educação no Brasil – mas 
como bem dizem os mais conservadores no mundo 
jurídico, e lamentavelmente é a tese deles que se aplica, 
ainda que não seja a mais acertada: as decisões do 
Supremo Tribunal Federal não são definitivas por serem 
as mais corretas, mas são as mais corretas por serem 
definitivas. Retomando, o Supremo Tribunal Federal 
entendeu que uma escola pública não é obrigada a 
fazer eleição para diretor. Certo, o Supremo Tribunal 
Federal disse isso, mas disse mais. Ela não é obrigada 
a fazer eleição para diretor, mas ainda assim ela deve 
ser gerida democraticamente. Pergunta-se: como? 
O Supremo Tribunal reponde: as políticas didático-
pedagógicas, a relação com a comunidade, as normas 
internas, os padrões disciplinares, as escolhas em termos 
de conteúdos disciplinares – claro, tudo na moldura 
das normas jurídicas gerais para cada disciplina e para 
a educação no país – devem ser objeto de participação 
(e veja que essa palavra é importante e diferente de 
presença. É participação, tomar decisão) de toda a 
comunidade. Estudantes, pais, docentes e a comunidade 
que circunda a escola.
Então, do ponto de vista abstrato, a questão que 
devemos pontuar é: se as polícias militares querem gerir 
escolas, elas não podem gerir de qualquer maneira, elas 
têm que gerir na forma da lei. E na forma da lei pode, por 
exemplo, um conselho de pais e estudantes se reunir e 
dizer “ninguém vai usar farda”, e dizer “o aluno vai ter o 
cabelo do comprimento, da cor e do jeito que ele quiser”, 
Quem quer manter a ordem?
56
Estado de Exceção Escolar
e dizer “o nosso projeto disciplinar aqui não prevê chefe 
de turma”. E cabe à figura que ocupa a direção da escola, 
seja um oficial, seja quem for, cumprir as decisões da 
comunidade. Quem conhece tão bem de hierarquia como 
um/a policial militar poderia aproveitar para cumprir 
bem a decisão daquele que hierarquicamente, segundo 
a Constituição da República, dispõe sobre as decisões 
didático-pedagógicas, administrativo-gerenciais, de 
uma escola. Que são: pais, estudantes e comunidade. De 
um modo bem simples:quem decide sobre o regimento 
disciplinar, as opções pedagógicas, o vestuário dos 
estudantes e todos os detalhes de uma escola pública 
é a respectiva comunidade, constituída de pais/mães, 
mestres e estudantes. O/a militar que se comportar 
em descompasso com esta premissa estará a malferir a 
Constituição da República e, portanto, cometerá falta 
grave.
Isso é o que diz a constituição, e qualquer forma 
de gestão de uma escola pública que não obedeça a isso é 
ilícita, antes de qualquer outra coisa.
Mas a Constituição diz mais. Ela prevê o princípio 
da gratuidade do ensino em todos os níveis. Ensino em 
escola pública é gratuito, e quem diz isso é a Constituição. 
Mesmo que se aprove uma lei modificando isso, ela 
será inconstitucional. “E se eu pedir uma contribuição 
voluntária, pode”? Não.
Existe uma disciplina no Brasil chamada direito 
financeiro, que cuida justamente dos processos de 
arrecadação (tributação, direito tributário) e dispêndio 
(direito financeiro stricto sensu) do poder público nesse 
país. Essa é a disciplina mais rigidamente burocratizada 
do nosso país (essa é a disciplina que toca questões como 
responsabilidade fiscal, sistema tributário nacional, 
etc.). E você não pode, como Estado, simplesmente pedir 
57
“contribuições” por aí. O dinheiro do poder público não 
funciona assim. Este é um Estado liberal-democrático, 
estado liberal-democrático tem “receita originária”, 
quando o Estado aluga um terreno, presta um serviço 
e isso gera dinheiro, etc. e “receita derivada”, quando 
o estado multa alguém, ou arrecada tributos. A grande 
receita do Estado vem de tributos. O modo como 
esse dinheiro será gasto dinheiro será discutido pelo 
Parlamento, e o Poder Executivo irá executar o que o 
parlamento decidir, podendo fazer contingenciamentos. 
Isso é norma cogente. Para quem não está familiarizado 
com esse chatíssimo vocabulário: isso é obrigatório, isso 
não tem discussão.
O Estado não vive, portanto, de contribuições 
voluntárias. Não existe isso na nossa ordem jurídica. E se 
ele está, portanto, recebendo contribuição voluntária, isso 
é uma ilegalidade, porque, por via transversa, você está 
malferindo o princípio da gratuidade do ensino público. 
Em matéria de direito público, não importa o nome 
que uma prática possui, mas a sua substância última. 
Se uma família, ainda que sob suposta espontaneidade, 
repassa valores mensais, por menores que sejam, 
para a escola onde suas crianças estudam, então não 
se trata de ensino gratuito e, portanto, está violada a 
Constituição da República. O Militar que aceita receber 
valores informais de particulares, sem que esse dinheiro 
integre a contabilidade pública, está a contribuir para o 
vilipêndio do princípio da gratuidade do ensino público 
e, destarte, comete falta grave. Ademais, deve-se indagar 
sobre como se dá a escrituração e a fiscalização, por 
órgãos como o TCE e o MP, do dinheiro que segue para 
um serviço estatal, como escolas.
Então, do ponto de vista constitucional, se 
quisermos uma escola militar, ela terá que dar um 
Quem quer manter a ordem?
58
Estado de Exceção Escolar
jeito de atender a estas duas possibilidades: gestão 
democrática e absoluta gratuidade. Isso é ensino público. 
Vai ter, igualmente, que respeitar a legislação ordinária 
do Brasil. Por exemplo, a lei 7398/85, a “lei do grêmio 
livre”, aqui em Goiás comumente chamada de “lei Aldo 
Arantes”, por ter sido quem lutou por sua aprovação no 
Parlamento. A “lei do grêmio livre” prevê que o grêmio 
estudantil é autônomo. Se o Grêmio, por exemplo, 
quiser fazer um ato público em favor do Incidente de 
Deslocamento de Competência dos crimes apurados na 
Operação Sexto Mandamento, ou se quiser organizar um 
jornal para arrecadar fundos para uma campanha em 
favor da desmilitarização da PM, é uma prerrogativa que 
lhe assiste. Ademais, é ilícita a manutenção de bancos de 
dados ou controles, por parte de gestores escolares, sobre 
quem são os/as estudantes ativistas ou aderentes ao 
Grêmio Estudantil. Em resumo: obstruir, por qualquer 
meio, os direitos associativos de estudantes implica 
estar fora da lei, implica desprezar a ordem vigente no 
país. Assim, temos um debate: quem está ao lado da 
legalidade e quem está contra a legalidade? quem está ao 
lado da ordem e quem está contra a ordem? quem está ao 
lado do direito e quem está contra o direito? Quem quer 
cumprir a lei e quem quer fazer “bagunça”, para utilizar 
um termo recorrente? Quem são “as pessoas de bem” e 
quem são aqueles que desrespeitam as nossas normas 
jurídico-sociais?
Quem descumpre, de uma só vez, o artigo 
206 inciso IV, artigo 206 inciso VI, e a lei 7398/85 é 
“bagunceiro”, não respeita o direito. Esta é uma primeira 
parte da explicação.
Mas tem um problema maior. A emenda 
constitucional de número 59 modificou a Constituição 
da República. Ela dispôs que o ensino até os dezessete 
59
anos de idade, não mais até os quatorze como outrora, é 
obrigatório. Aqui surge um problema mais grave.
Se uma escola era civil, não há tantas escolas assim 
na mesma região, ou o estudante já está nessa escola e 
ela se transforma em militar, se o ensino é obrigatório, 
está-se, na verdade, por via transversa, criando um 
serviço militar obrigatório para pessoas de quinze anos 
de idade. Pode-se fazer isso? Sim, modificando primeiro 
a constituição. Em segundo lugar, modifique normas de 
direito internacional ou se submeta a sanções da ONU. 
Porque existe uma convenção da ONU – e, mais do 
que isso, existe o artigo 38 da Convenção dos Direitos 
da Criança – que proscreve (ou seja, não permite) o 
chamado “soldado criança”. Isso não pode, e o mundo 
inteiro se mobiliza contra essa forma. Para que as forças 
armadas se adaptassem a essa convenção da ONU foi um 
suplício. A primeira cláusula da convenção da ONU é: se 
a pessoa com quinze anos for para alguma organização 
militar, ela tem que ir voluntariamente.
A lógica é simples: um adolescente de 14 anos 
frequenta o ensino médio em determinada escola 
pública localizada em seu bairro. Digamos que a escola, 
sub-repticiamente, seja convertida em instituição 
militar. Ocorre que, como não haverá outra opção viável 
de matrícula para esse adolescente em sua vizinhança 
e, como o ensino médio é obrigatório, está-se, por 
via oblíqua, submetendo-se crianças ou adolescentes 
à inserção em uma instituição militar. Inobstante o 
nome que se atribua a uma prática desta natureza, sua 
substância jurídica é, indubitavelmente, a do Soldado 
Criança. Cabe, portanto, uma representação contra a 
República Federativa do Brasil no âmbito da ONU. Nós 
já não estamos mais falando apenas da ordem jurídica 
interna, mais de um estado que não respeita normas 
Quem quer manter a ordem?
60
Estado de Exceção Escolar
fundamentais de direito internacional público. Isso é 
grave.
Então temos aqui um descumprimento do 
artigo 206 inciso VI, gestão democrática do ensino; 
descumprimento do artigo 206 inciso IV, gratuidade; 
descumprimento da “lei do grêmio livre” e ainda 
o problema do “soldado criança”, que não é um 
problema menor, essa é uma das grandes questões de 
direitos humanos e de direito internacional público na 
contemporaneidade.
Digamos que a gestão militar das escolas consiga 
adequar o seu comportamento a todas essas normas. 
Abstratamente é possível. Suponhamos que a gestão, 
por algum mecanismo, seja democrática e os militares 
passem a obedecer às determinações da Associação de 
Pais e Mestres e do Grêmio Estudantil; os estudantes 
estejam lá voluntariamente; o grêmio seja respeitado 
e a gratuidade esteja assegurada. Digamos, então, que 
esta primeira pergunta, depois de muitos ajustes, seja 
respondida afirmativamente: pode a escola ser militar. Só 
que, constitucionalmente, devemos fazer uma segunda 
pergunta: pode militar ser escola?
Essa é uma outra pergunta. Então, saímos do 
artigo 206 da Constituição, que dispõe sobre educação, 
e vamos para o artigo 144, que dispõe sobre segurança 
pública. E o artigo 144 daConstituição é cristalino. No 
parágrafo quinto o artigo 144 fala sobre a polícia militar, 
e ele fala o que ela pode e o que ela não pode fazer. E 
o que ela pode fazer? Duas coisas: I) manutenção da lei 
e da ordem e; II) policiamento ostensivo. Mais nada. E 
investigação? Polícia Civil e Polícia Federal. E Rodovia 
Federal? Polícia Rodoviária Federal. E Ferrovia? Polícia 
Ferroviária. A polícia militar só pode fazer estas duas 
coisas no nosso ordenamento jurídico.
61
Pensando na Constituição tal como ela está posta, 
o que pode a polícia militar fazer? Manutenção da lei e 
da ordem e o chamado policiamento ostensivo. De modo 
bem claro, veja-se o que dispõe o parágrafo quinto do 
artigo 144 da Constituição: “às polícias militares cabem 
a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública”. 
A única função adicional – e de caráter excepcional – 
prevista para as PMs no direito brasileiro é aquela que 
a própria Constituição, agora no parágrafo 6o do artigo 
144, dispõe. O texto é o seguinte: “As polícias militares 
e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e 
reserva do Exército....”. Fica claro, portanto, que a PM, 
licitamente, só pode exercer três tipos de atividade: 1) 
Policiamento ostensivo; 2) Manutenção de lei e ordem e; 
3) compor as forças auxiliares e a reserva do Exército. Não 
cabe à Polícia Militar, portanto, sob nenhuma hipótese, 
ministrar, gerir, organizar, fornecer ou lidar, direta ou 
obliquamente, com o serviço de educação pública.
Ora, quando uma instituição armada atua sem 
respaldo constitucional para exercer uma atividade que 
não de sua esfera jurídica de competências, está-se em 
uma situação de séria ruptura com a ordem democrática, a 
ensejar uma representação contra a República Federativa 
do Brasil no âmbito das instituições internacionais 
de defesa e proteção dos direitos humanos. Não cabe 
à PM gerir escolas públicas e o militar que o faz trai, 
diariamente, o seu juramento de cumprir a Constituição. 
Ora, como vamos ensinar à nossa juventude que devemos 
cumprir as leis e respeitar o nosso direito, se os próprios 
dirigentes de suas escolas desprezam a Constituição e 
exercem funções, como PMs, que o artigo 144 não lhes 
entrega? O exemplo de que a lei deve ser cumprida apenas 
por cidadãos desarmados, de modo que os militares não 
precisam se preocupar em respeitar as nossas normas, é 
Quem quer manter a ordem?
62
Estado de Exceção Escolar
o melhor modo de educar as gerações futuras? Insisto: 
qual é o artigo da Constituição que permite à PM gerir 
escolas? Como qualquer cidadão bem informado sabe, se 
a Constituição não autoriza uma instituição a fazer algo, 
mas esgota suas atribuições taxativamente ( como faz no 
art. 144, parágrafos quarto e quinto), qualquer conduta 
excedente ou alheia às determinações constitucionais se 
revela abusiva.
Finalmente, é preciso lembrar que, ainda que uma 
escola pública de ensino médio regular pudesse ser militar 
e; ainda que policiais militares pudessem ser desviados da 
sua função para se converterem em gestores escolares, o 
que eu admito apenas para fins de argumentação; restaria 
imperiosa a motivação do ato legislativo concernente à 
militarização das escolas em Goiás. Como se sabe, no 
âmbito do direito administrativo brasileiro a finalidade 
e o motivo se revelam como requisitos vinculados, ou 
seja, alheios à margem de decisão discricionária da 
administração pública. Ocorre que, com o escopo de 
justificar o ato de militarização das escolas em Goiás, o 
atual Governador se referiu a um “remedinho” contra 
supostos sindicalistas de extrema esquerda que o teriam 
vaiado em uma cerimônia pública. O caso, aliás, ensejou 
a aprovação de uma nota crítica por parte do Conselho 
Universitário da Universidade Federal de Goiás. Ora, 
ao fundamentar uma medida administrativa sobre o 
escopo de dirimir conflitos sindicais ou de disciplinar 
o comportamento de ativistas, o governador malferiu o 
dever de vincular o motivo de uma medida (“remedinho” 
para sindicalistas) à sua finalidade jurídica (prestação do 
serviço público de educação em grau de eficiência, gestão 
democrática, universalidade etc). Este elemento, por si 
só, desencadeia duas fundamentais consequências: i) 
nulidade das militarizações, em função de vilipêndio 
63
aos requisitos da motivação e da finalidade dos atos 
emanados da administração pública e; ii) eventual 
responsabilização do Estado de Goiás por conduta 
antissindical, a ser apurada na forma da lei e no âmbito da 
Organização Internacional do Trabalho, em consonância 
com os tratados devidamente ratificados pela República 
Federativa do Brasil.
Em suma, repito que não sou educador e nada 
posso dizer sobre a qualidade do serviço prestado por 
escolas militares. O que, com certeza, como bacharel 
em direito e cientista político, eu posso assegurar, 
é que este debate sobre a militarização em Goiás só 
possui dois lados: o da lei e o da ilegalidade. A lei não 
permite a militarização e, muito menos, a chancela 
nos termos em que tem ocorrido. Nesta contenda, em 
respeito ao juramento que fiz no dia em que recebi o meu 
diploma, posto-me ao lado do respeito à Constituição e 
contrariamente à militarização.
Quem quer manter a ordem?
65
67
A exclusão dos alunos mais pobres nos 
Colégios Militares
Rafael Saddi Teixeira
“Eu ganho 01 salário mínimo e tenho três filhos 
nesta escola. Se o colégio for militarizado, aonde os meus 
filhos vão estudar?”.
Não sei as palavras exatas. Não estava lá. Mas, foi 
assim que uma amiga me descreveu a pergunta dolorosa 
feita por uma mãe de alunos do Colégio Estadual 
Waldemar Mundim (Colégio localizado na Vila Itatiaia, 
de Goiânia, que passou desde terça-feira (04-08) a ser 
administrado pela Polícia Militar).
Um professor desta escola, o professor Marcelo 
Souza, bastante preocupado com a expulsão em massa 
das famílias mais pobres, resolveu investigar como é a 
situação sócio econômica dos alunos que estudam em 
colégios da polícia militar.
Não existem muitas pesquisas a respeito, mas 
é possível traçar algumas considerações com base em 
dados coletados e disponibilizados pelo INEP. Trata-se 
do INSE (Índice Sócio Econômico Escolar), que é medido 
a partir de questionários contextuais aplicados a alunos 
durante o ENEM.
Segundo estes dados, em 2013, a maioria 
esmagadora das escolas de Goiânia apresentava índice 
socioeconômico escolar MÉDIO, enquanto todos os 06 
colégios militares do estado de Goiás que participaram 
do ENEM da época apresentavam índices MÉDIO ALTO 
ou ALTO (o caso do COLEGIO DA POLICIA MILITAR 
DE GOIAS UNIDADE CARLOS CUNHA FILHO, da 
cidade de Rio Verde).
Fica mais fácil compreender o que isso significa, se 
68
Estado de Exceção Escolar
compararmos a maioria das escolas estaduais de Goiânia 
com as escolas militares. Veremos que a porcentagem de 
alunos cuja renda familiar é entre 5 e7 salários mínimos 
aumenta em mais de 100%. De 6% na maioria das escolas 
estaduais para 14% nas escolas militares.
Há também uma diminuição em mais de 100% 
dos alunos cujas famílias possuem renda de até 1 
salário mínimo. O número de alunos nesta condição é 
praticamente insignificante: 5% nestes colégios militares 
contra 16% nas demais escolas.
A propósito, qual é a porcentagem de alunos 
cujas famílias ganham menos de 01 salário mínimo? Nos 
colégios militares, 0%. Pode não parecer tão grave, pois 
na maioria das outras escolas estaduais o índice é de 1%.
Porém, se traduzirmos isso em números absolutos, 
com todo o risco que isso possui, estaríamos dizendo que 
dos 1607 alunos dos 06 colégios militares de Goiás que 
prestaram Enem em 2013, nenhum aluno afirmou ter 
família com renda menor que 01 salário mínimo.
Com a publicação, ontem, dos dados do ENEM 
2014, a situação de exclusão das famílias mais pobres 
ficou ainda mais evidente. Dos 05 Colégios Militares que 
apresentavam, em 2013, o índice sócio econômico Médio 
Alto, 04 subiram este índice para Alto, se igualando ao 
Colégio da Polícia Militar

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