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AULA 2 DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO Prof.ª Thaís Savedra 2 CONVERSA INICIAL O curso de Direito Penal Tributário tem como objetivo inserir o aluno na teoria e prática dos Crimes Contra a Ordem Tributária. Nesta aula, será necessária a retomada da estrutura da norma jurídica (norma primária) para a compreensão do nascimento da norma secundária ou sancionatória e sua decorrência, ou seja, a sanção tributária. A categoria das sanções de ordem tributária será analisada, bem como os tipos de infrações. Será feita uma varredura lógico-sistemática e integrativa das previsões do Código Tributário Nacional acerca do tema e de algumas legislações esparsas a fim de delimitar a natureza das responsabilidades que envolvem os temas em debate. Para tanto, o roteiro de raciocínio a ser seguido será o seguinte: TEMA 1 – INFRAÇÕES TRIBUTÁRIAS: - 1.1 Regra sancionatória exemplificada. TEMA 2 – REGRA SANCIONATÓRIA E PROPORCIONALIDADE: - 2.1 Proporcionalidade da sanção pelo ilícito e o não confisco. TEMA 3 – REGRA SANCIONATÓRIA E ABSORÇÃO DA SANÇÃO MAIS GRAVE - 3.1 Proibição do bis in idem para as infrações tributárias. TEMA 4 – INFRAÇÕES TRIBUTÁRIAS E RESPONSABILIDADE: - 4.1 Responsabilidades por infrações tributárias. TEMA 5 – INTRODUÇÃO À RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA PARA COMPREENSÃO DOS CONTORNOS PENAIS: - 5.1 Delimitação das infrações tributárias. Bons estudos. CONTEXTUALIZANDO Nesta aula, construiremos as noções de infrações tributárias e analisaremos os principais atos ilícitos que conduzem a aplicação de penalidades tributárias, cercando seu objeto. A proporção na consequência (sanção) pela ilicitude será estudada, bem como a proibição de várias penalidades sobre mesmo fato. Importante distinção entre a natureza das responsabilidades em matéria tributária e qual postura é adotada pelo ilícito serão objetivos a serem perseguidos, 3 além de definir, à luz da doutrina e jurisprudência, a matéria em questão, enumerando algumas formas de materialização da consequência pela ilicitude das normas tributárias e de deveres instrumentais da ordem administrativa e tributária. TEMA 1 – INFRAÇÕES TRIBUTÁRIAS Segundo o doutrinador Ruy Barbosa Nogueira (1995, p. 193), infrações à ordem tributária “[...] são os desatendimentos das obrigações tributárias principais ou acessórias [...]”. Vale apontar, primeiramente, que doutrinadores do naipe de Roque Antônio Carrazza (2017, p. 379-391) e Paulo de Barros Carvalho (2015, p. 291-295) entendem que o legislador agiu imprecisamente ao categorizar em obrigação acessória os deveres instrumentais exigidos por contribuintes ou responsáveis tributários. Para Paulo de Barros Carvalho (2015, p. 291-295), a ausência de conteúdo patrimonial na chamada obrigação acessória desclassifica-a, pois não se trataria de uma relação obrigacional, ferindo a lógica do sistema tributário. Essas “obrigações”, na verdade, teriam um conteúdo jurídico que exige meramente uma prestação positiva ou negativa por parte do sujeito passivo ou do responsável eleito pela lei para cumpri-la. Assim, não tendo como resultado uma relação de conteúdo patrimonial, não poderia ser chamada de obrigação. O descumprimento da obrigação principal, que tem caráter econômico, caracteriza o ilícito, desde que a referida obrigação esteja líquida e certa. Assim, é necessário que tal obrigação esteja, de antemão, convertida em crédito tributário pelo ato administrativo do lançamento. Somente após o descumprimento da obrigação de quitar o crédito tributário regularmente constituído é possível falar no ilícito com respectiva sanção. O ilícito estaria, por lógica, relacionado ao fato jurídico tributário que impõe ao sujeito passivo o dever jurídico de cumprir a obrigação tributária. A ilicitude decorre da conduta em descumprir o preceito legal que se consumou pelo nascimento da Relação Jurídica Tributária. Nos casos das “obrigações acessórias” ou, como preferimos chamar, deveres instrumentais, tais como emitir nota fiscal, manter escrituração contábil, fazer declarações etc., o não cumprimento dessas regras tem como resultado um ilícito que será sancionado de acordo com a previsão legal. 4 O Código Tributário Nacional estipula que os deveres instrumentais decorrem da legislação tributária e convertem-se em obrigação principal na parte pecuniária. Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 2.º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária. Dessas afirmações emergem dois problemas. O primeiro é em relação ao veículo legislativo de estipulação desses deveres. Parece-nos que ninguém pode ser obrigado a fazer ou não fazer alguma coisa se não por disposição expressa de lei, conforme o art. 5.º, II da CF/1988. Assim, não é suficiente qualquer outro meio legislativo além de lei formal para criar deveres instrumentais. Com relação a essa formalidade, Roque Antônio Carrazza (2017, p. 388) assevera que a necessidade de lei formal foi chancelada pela Lei n. 8.137/1990, que define os crimes contra a ordem tributária, econômica, e contra as relações de consumo. Segundo o autor: Aliás, esta ideia agora ganhou uma força ainda maior, na medida em que a Lei 8.137 de 27.12.1990, passou a considerar crimes contra a ordem tributária os descumprimentos, por parte dos contribuintes, de deveres instrumentais tributário. De fato, tais infrações, com o advento da referida lei, deixaram de ser simples ilícitos administrativos, para tipificarem verdadeiros ilícitos penais, apenados, inclusive, com extremo rigor. Parece óbvio que não tenha sentido um contribuinte poder vir a ser condenado a uma pena privativa de liberdade (reclusão ou detenção, conforme a gravidade da infração cometida) pelo descumprimento de um dever instrumental tributário que lhe tenha disso imposto por ato normativo infralegal (decreto, portaria, instrução ministerial, ato administrativo). (Carrazza, 2017, p. 288-389) O segundo problema é a conversão da penalidade pecuniária, pelo ilícito ao dever instrumental, na obrigação principal. Conforme já explicamos, somente há configuração de ilícito pelo descumprimento da obrigação principal convertida em crédito tributário. O lançamento, segundo o CTN, tem os seguintes efeitos: 5 Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. (Grifo nosso) A obrigação tributária decorre da subsunção do fato a uma norma que preveja a figura do tributo e, como é sabido, tributo sempre terá hipótese lícita no seu desenho normativo. A conversão da sanção, pelo ato ilícito do descumprimento dos deveres acessórios, em obrigação principal, que teoricamente decorreria da tipologia de um tributo, parece-nos uma anomalia legislativa. Ademais, não é toda obrigação tributária que é lançada de ofício conjuntamente com eventual penalidade pecuniária. Nos casos de homologação do lançamento, surgindo penalidade pecuniária pelo descumprimento de dever instrumental, somente este é lançado de forma superveniente, após revisão de ofício: “Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: VI – quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidadepecuniária;”. Parece-nos que a opção do legislador em converter uma penalidade pecuniária em obrigação principal certamente tem por objetivo facilitar a cobrança da multa, que poderá, de plano, ser convertida em título executivo extrajudicial. Em que pese a péssima dicção da lei, a qual poderia ter optado por afirmar que seriam os mesmos procedimentos adotados para exigir o cumprimento forçado tanto para a cobrança da liquidação da obrigação principal quanto da penalidade pelo descumprimento dos deveres instrumentais, fato é que acaba o lançamento sendo o instrumento jurídico hábil para também exigir penalidade pecuniária. À mesma conclusão chega a professora Heloisa Estellita Salomão (2001, p. 160): [...] fica claro que o legislador determinou que aquilo que chama de “lançamento” é ato ou procedimento administrativo, destinado também a exigir penalidade pecuniária. [...] Ao contrário do que ocorre nas obrigações tributárias principais que têm por objeto o pagamento de tributo, onde nem sempre o lançamento tributário é necessário para exigibilidade do crédito, naqueles que têm 6 por objeto o pagamento de penalidade pecuniária tal ato ou procedimento administrativo é sempre necessário. [...] Assim, a aplicação da penalidade pecuniária semente poderá ser feita por meio do lançamento tributário de ofício, sujeito, em virtude da norma constitucional inserto no art. 5.º, LV, à impugnação eventualmente efetuada pelo sujeito passivo. Assim, nesse primeiro momento, deve ficar claro que as infrações tributárias decorrem da não observação das obrigações principais e dos deveres instrumentais. 1.1 Regra sancionatória exemplificada A regra sancionadora tem o mesmo recorte lógico da Regra-Matriz de Incidência Tributária, contudo, a hipótese é a infração tributária. As regras primárias sempre são descritoras das condutas desejadas em sociedade e, ainda, chamadas de normas mandamentais. Já as secundárias são a implicação pelo descumprimento do mandamento e terão como consequência a sanção ou penalidade, que pode ser de caráter pecuniário ou não. Segundo Edmar Oliveira Andrade Filho (2015, p. 7): São penalidades os juros de mora, cujo fato gerador é um ato ilícito do devedor que deixa de adimplir o débito na data fixada em lei; [...] No que concerne às penalidades tributárias de caráter não pecuniário, essas consistem em: (a) perda de bens, como ocorre no Regulamento Aduaneiro; (b) submissão a regime especial de fiscalização; (c) negativa de concessão de autorização de alvarás; (d) negativas de acesso a financiamentos por entidades públicas ou paraestatais; (e) impossibilidade de gozo de incentivos fiscais etc. Tanto as infrações tributárias quanto os crimes fiscais podem ser hipótese para a regra secundária ou sancionatória. Os crimes fiscais, como hipótese de desvelamento de sanções penais, estudaremos nas aulas conseguintes desse curso. Por agora, o pertinente é definir o que são infrações tributárias puras para poder lhes distinguir das infrações penais tributárias, conversão, por opção do legislador, da infração pura em tipo. Esposamos a definição de Paulo de Barros Carvalho (2015, p. 470) de infração tributária, o qual define tal instituto como sendo “[...] toda ação ou omissão que, direta ou indiretamente, represente o descumprimento dos deveres 7 estatuídos em leis fiscais.” Assim, toda vez que houver o descumprimento à legislação tributária, deverá haver um consequente, ou penalidade por descumprimento. TEMA 2 – REGRA SANCIONATÓRIA E PROPORCIONALIDADE 2.1 Proporcionalidade da sanção pelo ilícito e o não confisco Uma vez nascida a sanção tributária, ela deve atender ao princípio da proporcionalidade, pois, em regra, as penas devem ser proporcionais ao dano que causaram. Infração à legislação tributária sempre terá como lesionada a sociedade, o que torna a conduta ilícita, nessa seara, altamente indesejada (Andrade Filho, 2015). Embora, em regra, sejam muito graves os ilícitos tributários, porquanto tomam o contorno de delapidar os cofres públicos e, por consequência, a nação, a penalidade que cair como reprimenda ao ilícito deve também não ferir o Princípio do Não Confisco. Esse entendimento é desposado pela Suprema Corte Brasileira: TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ICMS. MULTA MORATÓRIA APLICADA NO PERCENTUAL DE 40%. CARÁTER CONFISCATÓRIO. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES DO TRIBUNAL PLENO. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal já decidiu, em diversas ocasiões, serem abusivas multas tributárias que ultrapassem o percentual de 100% (ADI 1075 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, DJ de 24-11-2006; ADI 551, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, DJ de 14-02-2003). 2. Assim, não possui caráter confiscatório multa moratória aplicada com base na legislação pertinente no percentual de 40% da obrigação tributária. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 400.927-AgR/MS, Rel. Min. Teori Zavascki, 2ª Turma, DJe 18.6.2013). AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. MULTA MORATÓRIA DE 30%. CARÁTER CONFISCATÓRIO RECONHECIDO. INTERPRETAÇÃO DO PRINCÍPIO DO NÃO CONFISCO À LUZ DA ESPÉCIE DE MULTA. REDUÇÃO PARA 20% NOS TERMOS DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE. 1. É possível realizar uma dosimetria do conteúdo da vedação 8 ao confisco à luz da espécie de multa aplicada no caso concreto. 2. Considerando que as multas moratórias constituem um mero desestímulo ao adimplemento tardio da obrigação tributária, nos termos da jurisprudência da Corte, é razoável a fixação do patamar de 20% do valor da obrigação principal. 3. Agravo regimental parcialmente provido para reduzir a multa ao patamar de 20%. (AI 727872 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 28/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-091 DIVULG 15-05-2015 PUBLIC 18-05-2015) (Grifo nosso) Em capítulo oportuno, trataremos do princípio da insignificância para os crimes tributários. Tudo que foi mencionado acerca do grau de lesividade da ordem social pelo ilícito tributário deve ser estendida aos crimes contra a ordem tributária. Aponte-se que possui altíssimo grau de lesividade para a comunidade, em nosso entender, os crimes que tenham como cerne ludibriar a Fazenda Pública com a vantagem para o sujeito passivo de diminuir ou fazer desaparecer a obrigação tributária. Os crimes contra a ordem tributária são demasiados sérios, retiram do Estado importantes quantias que poderiam ser revertidas em bens sociais relevantes. Cumpre apontar que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça lançam mão do princípio da insignificância para excluir a tipicidade de alguns desses delitos, por entenderem que tais ilícitos provocam ínfima lesão ao bem jurídico tutelado, que o grau de reprovabilidade do comportamento é reduzidíssimo, além de ser inexpressiva a lesão jurídica e mínima a ofensividade da conduta do sujeito passivo da obrigação tributária. Verifique-se: PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO. VALOR SONEGADO INFERIOR AO FIXADO NO ART. 20 DA LEI 10.522/2002, ATUALIZADO PELAS PORTARIAS 75/2012 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. REITERAÇÃO DA CONDUTA NÃO VERIFICADA NOS AUTOS. AUSÊNCIA DE CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO. REEXAME DE FATOS E PROVAS EM RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. I – Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o princípio da insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, com as atualizações feitas pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. Precedentes. II – A busca por 9 procedimentos administrativos estranhos ao caso em concreto, demanda o reexame de fatos e provas pelo Superior Tribunal de Justiça,o que é vedado em recurso especial, conforme disposto na Súmula 7 daquele Tribunal Superior. III – Mesmo que o suposto delito tenha sido praticado antes das referidas Portarias, conforme assenta a doutrina e jurisprudência, norma posterior mais benéfica retroage em favor do acusado. IV – Ordem concedida para trancar a ação penal. (HC 136843, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 08/08/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-232 DIVULG 09-10-2017 PUBLIC 10-10-2017) (Grifo nosso) Considera-se insignificante o crime tributário que tenha por expressão econômica uma quantia igual ou inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, atualizadas pelas Portarias 75 e 130 do Ministério da Fazenda, ou seja, R$ 20.000,00. Mesma sorte não tem quem furta dois telefones usados. No caso do HC 93.021 / PE – PERNAMBUCO, por exemplo, o STF julgou não ser insignificante o furto de dois celulares, que somados perfazem a quantia de R$ 648,00. Em março deste ano, o STJ revisou o Tema 157 para considerar, perante aquele Tribunal, insignificante o crime de descaminho com valor igual ou inferior a R$ 20.000,00. TEMA 3 – REGRA SANCIONATÓRIA E ABSORÇÃO DA SANÇÃO MAIS GRAVE 3.1 Proibição do bis in idem para as infrações tributárias Conforme oportunamente assinalado por Edmar Oliveira Andrade Filho (2015, p. 10), “A cada ofensa a um bem jurídico tutelado pela ordem jurídica deve corresponder uma única sanção.” O autor supracitado, ainda, explica que, caso a ação do agente ofenda diversos bens jurídicos, caberão, nesse caso, sanções correspondentes, sempre tendo em mente que a penalidade mais grave absorverá a mais branda quando se tratar do mesmo ilícito. Outrossim, “A multa de mora não é aplicada nos casos em que há imposição de multa de ofício.” (Andrade Filho, 2015, p. 7, 10-12). Vale lembrar, todavia, que a aplicação de penalidade, seja ela derivada de ilícito tributário ou de crime contra a ordem tributária, não retiram o dever de pagar pelo tributo devido, nem tão pouco obsta o direito da Fazenda de cobrar a quantia com a correção monetária respectiva, a qual não se trata de penalidade, mas, tão 10 somente, de recomposição monetária da moeda. Leia-se o disposto no CTN: “Art. 157. A imposição de penalidade não ilide o pagamento integral do crédito tributário.”. TEMA 4 – INFRAÇÕES TRIBUTÁRIAS E RESPONSABILIDADE As infrações tributárias podem ser classificadas de diversas formas. As mais corriqueiras, no dizer de Paulo de Barros Carvalho (2015), são a) aquelas que violam a obrigação jurídica tributária, como o não pagamento de um tributo no prazo estipulado, ou b) formais, oriundas dos deveres instrumentais. O professor usa os seguintes exemplos para explicar a referida divisão: Exemplo da primeira: um comerciante deve pagar o ICMS por haver realizado o fato jurídico daquele tributo. Nos prazos estabelecidos na legislação estadual, deixa de promover o regular recolhimento da importância correspondente. Tal comportamento se caracteriza como infração à obrigação tributária do ICMS. Exemplo da segunda: pessoa física, contribuinte do IR, não oferece, em tempo oportuno, sua declaração de rendimentos e de bens, fazendo-o quinze dias após o termo final do prazo estabelecido. Descumpriu, por isso, dever instrumental ou formal do IR (pessoa física). (Carvalho, 2015, p. 472). Podem, ainda, as infrações serem de ordem objetiva ou subjetiva, dependendo da conduta do agente. Tal ponto torna-se demasiado controvertido por conta da previsão do Código Tributário Nacional, que consagra a responsabilidade objetiva. Passemos a essa discussão. 4.1 Responsabilidades por infrações tributárias Aparentemente, o Código Tributário Nacional adotou a tese da responsabilidade objetiva por infrações à legislação tributária tanto para o sujeito passivo da obrigação quanto para o responsável tributário: “Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.” Paulo de Barros Carvalho (2015, p. 472) explica que, para haver reponsabilidade subjetiva, há que se perquirir dolo ou culpa do agente, enquanto que na responsabilidade objetiva basta haver a respectiva previsão da infração tributária. O autor cita o exemplo do inadimplemento do IPTU: 11 Situação típica é a do não pagamento de determinada quantia, a título de imposto predial e territorial urbano, nos prazos fixados na notificação de lançamento. Sendo irrelevante o ânimo do devedor, não realizado o recolhimento até o limite final do prazo, incorrerá ele em juros de mora e multa de mora. (Carvalho, 2015, p. 470). A doutrina diverge sobre o tema, sendo, atualmente, minoritária a defesa da responsabilidade objetiva, embora, na prática, o inadimplemento de obrigação tributária ou de dever instrumental gere, de plano, a aplicação de sanção tributária. Sacha Calmon Navarro Coelho (2001, p. 55-56) defende esse sistema: O ilícito puramente fiscal é, em princípio, objetivo. Deve sê-lo. Não faz sentido indagar se o contribuinte deixou de emitir uma fatura fiscal por dolo ou culpa (negligência, imperícia ou imprudência). De qualquer modo a lei foi lesada. De resto se se pudesse alegar que o contribuinte deixou de agir por desconhecer a lei, por estar obnubilado ou por ter-se dela esquecido, destruído estaria todo o sistema de proteção jurídica da Fazenda. Paulo de Barros Carvalho (2015, p. 472) aduz que, mesmo sendo a regra a responsabilidade objetiva, fica livre ao legislador a criação de “figuras típicas de infração subjetivas” as quais demandariam apreciação de dolo e culpa. Outrossim, em razão de análise sistemática da Ordem Jurídica brasileira, por terem as sanções tributárias ideação similar as de Direito Penal, e por existir previsão expressa no próprio CTN de que os princípios gerais do direito público serão fonte de interpretação da legislação tributária, há que se perquirir a possibilidade de relativização da regra da responsabilidade objetiva para subjetiva, como faz o Direito Penal, em face de casos concretos. Dispõe o Código Tributário Nacional: Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada: I – a analogia; II – os princípios gerais de direito tributário; III – os princípios gerais de direito público; IV – a equidade. (Grifo nosso) No mesmo sentido, Leandro Pause (2014, p. 1.880), em consonância com outros doutrinadores, defende a tese na qual, mesmo objetivando a 12 responsabilidade geral prevista pelo CTN, é possível investigar subjetivamente a vontade do sujeito ou responsável. Observe-se: Nos termos do art. 136, a responsabilidade por infrações independe da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato. Isso significa que, praticado o ato que a legislação indica como implicando infração a que comina multa, não se perquire outros aspectos atinentes à situação. Esta regra não impede, contudo, que se analise o caso concreto tendo em conta os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da vedação do excesso. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou algumas vezes acerca da responsabilidade objetiva tributária, tecendo críticas à adoção hermética dessa postura: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. INOCORRÊNCIA DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC/1973. NÃO HÁ RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO VENDEDOR, NA HIPÓTESE DE TRESDESTINAÇÃO DE ÁLCOOL HIDRATADO, SE REGULARMENTE VENDIDO E ENTREGUE AO TRANSPORTADOR PRÉ-CREDENCIADO. ART. 121, I E II DO CTN. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA EMERGENTE. EXIGÊNCIA DE ANTERIOR DEMONSTRAÇÃO DE SOLIDARIEDADE (ART. 124, I E II DO CTN) OU CONDUTA INFRACIONAL APTA A GERAR O VÍNCULO JURÍDICO (ART. 135, CAPUT DO CTN). RECURSOESPECIAL DA COOPERATIVA CONHECIDO E PROVIDO. [...] 4. No caso de cometimento de infrações, alvitra-se a chamada (e abominável) responsabilidade tributária objetiva, que se ancoraria (no dizer dos que a sustentam) no art. 136 do CTN, mas essa sugestão é absolutamente contrária aos princípios do Direito Público moderno e, em especial, ao sistema do CTN, porquanto esse Código proclama, nos seus arts. 108, IV e 112, que a interpretação da lei tributária se fará com a aplicação da equidade e do princípio in dubio pro contribuinte, conforme já assinalou o preclaro Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI (REsp. 494.080/RJ, DJ 16.11.2004). 5. Insigne Ministro LUIZ FUX, ao analisar esse mesmo tema, sob a sistemática do art. 543-C do CPC (REsp. 1.148.444/MG, DJe 27.04.2010), consignou no seu voto, para asseverar a indispensabilidade do elemento subjetivo na conduta do obrigado tributário. [...] 13 (REsp 1574489/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/09/2017, DJe 03/10/2017) (Grifo nosso) Acentue-se que o estipulado no julgado anterior foi no sentido que lei, a qual defina infração tributária, deverá “interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado”, corroborando, dessa forma, nosso entendimento no sentido de análise individual da responsabilidade do sujeito passivo ou responsável tributário. Veja- se o teor do dispositivo do CTN: Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto: I – à capitulação legal do fato; II – à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; III – à autoria, imputabilidade, ou punibilidade; IV – à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação. (Grifo nosso) Por fim, deve-se acentuar o fato de se aplicar para as sanções tributárias – por serem ontologicamente similares às penais, conforme já visto em aula anterior – critérios de interpretação dos princípios do Direito Penal. Tal é o entendimento de Edmar Oliveira Andrade Filho (2003, p. 202): A estrutura e a função das normas que prescrevem sanções pelo não cumprimento de deveres previstos em normas tributárias podem ser consideradas em face de normas constitucionais que delimitam o ius puniendi estatal. De fato, no ordenamento jurídico constitucional vigente em nossa comunidade há um grande número de normas que estabelecem critérios de ordem formal e material que devem ser observados pelo legislador e pelos intérpretes. Essas normas constitucionais delimitam o campo de eleição dos tipos penais, das espécies de penas e da estipulação da intensidade das penas. 14 TEMA 5 – INTRODUÇÃO À RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA PARA COMPREENSÃO DOS CONTORNOS PENAIS 5.1 Delimitação das infrações tributárias As sanções são o resultado de infração à legislação tributária, tem aspecto ontológico similar às sanções penais, contudo, são de caráter administrativo. Algumas infrações darão azo a uma pena pecuniária, outras têm como consequência um “fazer ou não fazer”. O descumprimento de obrigação principal em regra produz uma multa, diferentemente dos deveres instrumentais, que podem produzir diferentes tipos de sanção. Segundo o Supremo Tribunal Federal, para a sanção por ato ilícito tributário, que tem como consequência uma penalidade pecuniária, há três categorias. Leia-se: [...] No direito tributário, existem basicamente três tipos de multas: as moratórias, as punitivas isoladas e as punitivas acompanhadas do lançamento de ofício. As multas moratórias são devidas em decorrência da impontualidade injustificada no adimplemento da obrigação tributária. As multas punitivas visam coibir o descumprimento às previsões da legislação tributária. Se o ilícito é relativo a um dever instrumental, sem que ocorra repercussão no montante do tributo devido, diz-se isolada a multa. No caso dos tributos sujeitos a homologação, a constatação de uma violação geralmente vem acompanhada da supressão de pelo menos uma parcela do tributo devido. Nesse caso, aplica-se a multa e promove-se o lançamento do valor devido de ofício. Esta é a multa mais comum, aplicada nos casos de sonegação. [...] (AI 727872 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 28/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-091 DIVULG 15-05-2015 PUBLIC 18-05-2015) Sobre as espécies individuais de cada sanção, bem como as categorias de responsabilidades descritas no Código Tributário Nacional, Capítulo V, oportunamente trataremos de interpretá-las individualmente, a fim de compreender, com clareza, as infrações elevadas à categoria de tipos penais. Na sequência das próximas aulas, retomaremos, ainda, os principais conceitos de Direito Penal indispensáveis para a apreensão dos tipos mencionados. 15 FINALIZANDO Nesta aula, analisamos a questão atinente às infrações tributárias, a regra sancionatória que gera a respectiva sanção pelo ilícito e a natureza dos ilícitos decorrentes do descumprimento das obrigações principais e deveres instrumentais. O lançamento, como condição para a caracterização do ilícito por descumprimento de obrigação principal, bem como a possibilidade de conversão da parte pecuniária dos deveres instrumentais em obrigação principal, foram objeto de estudo. Os Princípios da Proporcionalidade e do Não Confisco foram analisados à luz do conceito de infração fiscal, bem como a proibição do bis in idem dessas figuras, além de enunciado os parâmetros para a aplicação do princípio da insignificância para os crimes contra a Ordem Tributária. Por fim, o controvertido tema acerca natureza das responsabilidades por infrações tributárias foi meticulosamente discutido, trazendo o posicionamento da doutrina e da jurisprudência sobre a possibilidade de relativização da tese da responsabilidade objetiva contida no Código Tributário Nacional. Foi, ainda, demonstrada a forma pela qual o Supremo Tribunal Federal delimita essas infrações. Nas aulas seguintes, retomaremos o tema da Responsabilidade Tributária, perquirindo o Título V do Código Tributário Nacional. LEITURA OBRIGATÓRIA Texto de abordagem teórica Oliveira, L. F. de. Infração Tributária, Ilícito Penal Tributário e a Responsabilidade Tributária do Agente. Jusbrasil, 2015. Disponível em: <https://lucasfaria2.jusbrasil.com.br/artigos/187830246/infracao-tributaria-ilicito- penal-tributario-e-a-responsabilidade-tributaria-do-agente>. Acesso em: 7 maio 2018. Texto de abordagem prática ATALIBA, G. Denúncia espontânea e exclusão da responsabilidade penal. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 135, jan./mar. 1995. Disponível em: 16 <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/176309/000495712.pdf?seq uence=1>. Acesso em: 7 maio 2018. Saiba mais BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1112748 (2009/0056632-6 – 13/10/2009) (inteiro teor). Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/ revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=911258&num_regist ro=200900566326&data=20091013&formato=PDF>. Acesso em: 7 maio 2018. 17 REFERÊNCIAS ABRÃO, C. Crime tributário: um estudo da Norma Penal Tributária. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. AMARO, L. Infrações tributárias. Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 67, p. 25-42, 1996. ANDRADE FILHO, E. O. Direito Penal Tributário, crimes contra a Ordem Tributária e contra a Previdência Social. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015. ATALIBA, G. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. 16.ª tir. São Paulo: Malheiros, 2016. _____. Infrações e sanções tributárias. São Paulo: Dialética. 2003. _____. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1999. CARRAZZA, R. A. Curso de Direito Constitucional Tributário. 31 ed. São Paulo: Malheiros, 2017. CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário.26 ed. São Paulo: Saraiva, 2015. COELHO, S. C. N. 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São Paulo: Saraiva, 2015. SALOMÃO. H. E. A tutela penal e as obrigações tributárias na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. 19 LEITURA OBRIGATÓRIA DA DISCIPLINA: Texto de abordagem teórica Oliveira, L. F. de. Infração Tributária, Ilícito Penal Tributário e a Responsabilidade Tributária do Agente. Jusbrasil, 2015. Disponível em: <https://lucasfaria2.jusbrasil.com.br/artigos/187830246/infracao-tributaria-ilicito-penal- tributario-e-a-responsabilidade-tributaria-do-agente>. Acesso em: 7 maio 2018. Texto de abordagem prática ATALIBA, G. Denúncia espontânea e exclusão da responsabilidade penal. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 135, jan./mar. 1995. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/176309/000495712.pdf?sequence =1>. Acesso em: 7 maio 2018. Saiba mais BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1112748 (2009/0056632-6 – 13/10/2009) (inteiro teor). 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