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UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO Curso de Fisioterapia CAROLINE AYRES DE SOUZA TUMORES GINECOLÓGICOS DO TRATO GENITAL INFERIOR Bragança Paulista 2021 INTRODUÇÃO A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que o câncer atinge anualmente pelo menos 9 milhões de pessoas, e cerca de 5 milhões morrem em decorrência da doença. Atualmente ela é a segunda causa de morte por doença na maioria dos países, sendo superada apenas pela doença cardiovascular 1.1 CÂNCER DE COLO UTERINO 1.1.1 Incidência O câncer de colo uterino é um importante problema de saúde pública, sendo o terceiro mais frequente é a quarta causa de mortalidade de mulheres no Brasil, com uma incidência anual de 16.340 casos, risco estimado de 15,85 casos por 100.000 mulheres e uma taxa de mortalidade de 4,86 casos por 100.000 mulheres. Entre as diferentes regiões, há variação significativa das taxas, o que reforça a vinculação direta entre o desenvolvimento socioeconômico, a precariedade da estrutura de assistência à saúde e a ocorrência desse tipo de câncer. A região Norte destaca-se por apresentar a maior incidência, chegando a 24/100.000 casos novos por ano, ocupando a segunda posição entre os cânceres mais frequentes em mulheres, atrás apenas do de pele. Dados de 2003 a 2012 sobre mortalidade mostram uma taxa corrigida de 7,2/100.000 mulheres-ano, apontando para uma tendência significativa à redução das taxas no período em todas as regiões do Brasil, exceto no Norte. Nos últimos 40 anos, a incidência e a mortalidade por esse tipo de câncer apresentaram decréscimo na maioria dos países desenvolvidos, como consequência de programas de rastreamento com base no exame citológico e no tratamento das lesões precursoras. Entretanto, nos países em desenvolvimento, o câncer cervical permanece como grave problema de saúde para as mulheres, demonstrando falhas na implementação de programas de rastreamento efetivos. Isso se deve principalmente ao fato de que, para haver impacto na morbimortalidade do câncer do colo do útero, são necessários: infraestrutura complexa e bem organizada para coleta; processamento dos exames e tratamento das lesões precursoras, o que implica unidades de saúde e profissionais bem treinados para coletar e preparar o material de forma adequada; laboratórios; integração entre os diversos níveis hierárquicos do sistema de saúde; e principalmente estratégias de rastreamento periódico e com cobertura de grande parte da população. 1.1.2 Fatores de Risco e Proteção A relação causal entre o papilomavírus humano (HPV, human papillomavirus) e a neoplasia do colo do útero estabeleceu novo paradigma de pesquisa em prevenção, detecção e tratamento da neoplasia intraepitelial cervical e do câncer invasor. O HPV pertence à família dos ácidos desoxirribonucléicos (DNA, deoxyribonucleic acid) vírus. Atualmente, mais de 200 sorotipos já foram identificados, mas apenas 12 têm potencial carcinogênico confirmado. Os mais importantes na prática clínica ginecológica são HPV 6, 11, 16, 18, 33, 35 e 45. Os efeitos oncogênicos do HPV ocorrem pela ligação entre suas oncoproteínas E6 e E7 e proteínas do hospedeiro responsáveis pelo controle do ciclo celular, gerando desregulação desse processo. A prevalência dos tipos de HPV no Brasil é semelhante à prevalência dos tipos de HPV observadas no mundo todo. Mulheres com citologia normal e alterações citológicas leves apresentam baixa prevalência de HPV; já as portadoras de lesão precursora ou câncer invasor, apresentam prevalência alta. Cerca de 70% dos casos de câncer do colo do útero são causados pelos sorotipos 16 e 18, alvos das campanhas de vacinação no mundo todo. A infecção persistente por tipos oncogênicos de HPV é o principal fator para o desenvolvimento do câncer do colo do útero e de suas lesões precursoras. Entretanto, a maior parte das infecções por HPV é eliminada espontaneamente pela mulher. Apenas uma pequena parte (cerca de 10%) não elimina o vírus e está sob o risco de desenvolver a lesão precursora. E mesmo dentre essas pacientes, nem todas irão evoluir para câncer invasivo. A discrepância entre a prevalência de HPV e a incidência de câncer cervical sugere que outros fatores sejam necessários para o desenvolvimento e a progressão da doença, pois a infecção pelos tipos virais de alto risco é necessária, mas não suficiente. São fatores de risco associados: a alta paridade, o tabagismo, o uso de contraceptivo hormonal oral combinado, a imunossupressão, a sexarca precoce e o elevado número de parceiros sexuais. Atualmente, a principal estratégia para prevenir o câncer do colo do útero é a vacinação de base populacional contra o vírus do HPV, especialmente em meninas antes do início da atividade sexual, quando a vacina apresenta melhor eficácia. No Brasil, a vacinação contra o HPV foi iniciada pelo Ministério da Saúde em 2014. Em 2017, a recomendação é a de que sejam vacinados meninos e meninas de 9 a 13 anos com duas doses da vacina. 1.1.3 Diagnóstico O Ministério da Saúde, em concordância com a maior parte dos países do mundo que adotam o rastreamento citológico, recomenda a coleta do exame em mulheres sexualmente ativas de 25 a 64 anos em intervalos trienais, após 2 exames iniciais consecutivos e normais realizados com intervalo de 1 ano. Após um exame de rastreamento positivo, a mulher deve ser encaminhada para colposcopia. Em caso de alteração, é realizada a biópsia, que é o método diagnóstico das lesões precursoras. As de alto grau identificadas na biópsia são classificadas como neoplasia intraepitelial cervical graus 2 e 3 (NIC 2 e 3). As de baixo grau ou NIC 1 não são consideradas precursoras e refletem apenas a infecção produzida pelo HPV. As lesões precursoras e as micro invasoras são quase sempre assintomáticas, podendo apresentar, esporadicamente, corrimento e/ou sangramento espontâneo ou sinusorragia. Já no câncer invasivo, a perda sanguínea do contato sexual é mais comum. Nas fases de franca invasão, trata-se do sinal mais sugestivo e pode ocorrer corrimento fétido. Na doença avançada pode haver insuficiência renal com sinais de uremia, dor lombar e/ou edema de membros inferiores. O estadiamento da neoplasia tem como objetivo principal avaliar a extensão da doença e planejar a terapêutica e, para tanto, utiliza-se a classificação da International Federation of Gynecology and Obstetrics. Para o câncer cervical, o estadiamento é feito por exame pélvico, toque vaginal e retal, avaliação de linfonodos palpáveis, podendo ser complementado por exames subsidiários, como para a avaliação das vias urinárias e intestinais, a radiografia do tórax, além de ressonância magnética e tomografia computadorizada em casos selecionados. Estadiamento do câncer cervical da International Federation of Gynecology and Obstetrics Estádio I – carcinoma confinado ao colo uterino: ● IA: carcinoma invasivo identificado microscopicamente ● IA1: invasão do estroma de 3 mm ou menos, extensão horizontal de 7 mm ou menos ● IA2: invasão do estroma entre 3 e 5 mm e extensão horizontal até 7 mm ● IB: lesões clínicas confinadas ao colo ou lesão pré-clínica maior que estádio IA ● IB1: lesão de 4 cm ou menos ● IB2: lesão de 4 cm ou mais Estádio II – carcinoma além do colo, mas que não atinge a parede pélvica ou o terço inferior da vagina: ● IIA: sem comprometimento evidente do paramétrio. Envolvimento de dois terços superiores da vagina ● IIB: envolvimento evidente do paramétrio sem comprometimento da parede pélvica Estádio III – carcinoma com extensão até a parede pélvica e/ou envolvimento do terço inferior da vagina. Hidronefrose ou rim não funcionante sem outra causa: ● IIIA: não há extensão à parede pélvica, mas existe envolvimento do terço inferior da vagina ● IIIB: extensão à parede pélvica ou hidronefrose ou rim não funcionante Estádio IV – carcinoma com extensão além da pelve verdadeira ou com envolvimento da mucosa da bexiga e/ou reto: ● IVA: extensão para órgãos pélvicos adjacentes ● IVB: extensão para órgãos distantes Os fatores prognósticos mais importantes para a sobrevidasão presença de metástase para linfonodos, tamanho do tumor, idade, status clínico da paciente, doença bilateral e estádio clínico. O atraso no início da radioterapia também influencia a sobrevida livre de doença, que, em 5 anos para os estádios I, II, III e IV é, respectivamente, 90, 75, 55 e 30%. 1.1.4 Tratamento As lesões intraepiteliais de baixo grau ou NIC 1 não devem ser tratadas, uma vez que costumam apresentar resolução espontânea em até 2 anos. Havendo lesões precursoras (NIC 2 e 3), o tratamento é sua remoção. Pode ser adotada conduta conservadora em mulheres abaixo de 25 anos com NIC 2. Na maioria dos casos, é realizada a cirurgia de alta frequência (CAF), procedimento ambulatorial com baixas taxas de complicações. Para lesões muito extensas no colo, suspeita de microinvasão ou lesões do epitélio glandular indica-se a conização a frio, o que possibilita a remoção de maior extensão e profundidade do colo uterino. Ambos os métodos permitem análise histopatológica para confirmação diagnóstica e avaliação das margens cirúrgicas. A histerectomia é indicada quando houver adenocarcinoma in situ. O tratamento para o carcinoma invasivo baseia-se em diagnóstico, estadiamento e conhecimento dos fatores prognósticos. Para o câncer no estádio IA, a chance de metástase linfonodal e disseminação para paramétrios é muito baixa e o tratamento é a histerectomia extrafascial ou conização a frio para pacientes selecionadas. Para o câncer em estádios IA2, IB1 e casos selecionados do estádio IIA, o tratamento é cirúrgico, sendo indicada a histerectomia radical, mais conhecida como cirurgia de Wertheim-Meigs. Ela compreende histerectomia total abdominal, salpingo-ooforectomia bilateral, colpectomia proximal, dissecção de linfonodos pélvicos e parametrectomia. Para os tumores localmente avançados estádios IIB, III e IVA –, indica-se a radioterapia com quimioterapia sensibilizadora. Em relação aos tumores no estádio IVA sem envolvimento parametrial e vaginal, que apresentem condições clínicas para a cirurgia de grande porte, pode-se indicar a exenteração pélvica. De modo geral, este procedimento só é indicado após tentativa de controle da doença com radioterapia exclusiva, sendo mais utilizado nas situações de resgate da paciente. No estadiamento clínico IVB, a doença é considerada sistêmica, e cada caso deve ser analisado de acordo com as características locais e da disseminação a distância. A radioterapia, também é indicada quando, após a histerectomia radical e a dissecção dos linfonodos pélvicos, houver fator prognóstico ruim, como linfonodos pélvicos positivos, margens cirúrgicas comprometidas, invasão profunda do estroma ou comprometimento linfático, independentemente do estadiamento clínico prévio. A radioterapia exclusiva pode ser considerada como esquema tradicional para tratamento dos tumores localmente avançados e é composta também por braquiterapia. Nessa abordagem, os ovários são lesados pela radiação, podendo causar menopausa precoce. Pacientes jovens com doença inicial e contraindicação à cirurgia também se beneficiam do tratamento radioterápico. A associação da quimioterapia com a radioterapia aponta para melhoria da sobrevida global e do intervalo livre de doença, com redução do risco de morte. 1.2 CÂNCER DE ENDOMÉTRIO 1.2.1 Incidência O câncer endometrial é a patologia ginecológica maligna mais comum nos países desenvolvidos. No Brasil, ocupa a sexta causa de câncer feminino, com uma estimativa de 6,74 casos a cada 100 mil mulheres, representando cerca de 3% dos cânceres nesse sexo. A alta incidência nos países desenvolvidos está relacionada com a epidemia de obesidade e o aumento da expectativa de vida. Dentre os cânceres ginecológicos, é o que tem melhor prognóstico. O acometimento de mulheres pelo câncer de endométrio é mais comum por volta dos 60 anos, com cerca de 70% das ocorrências em estádios iniciais da doença. 1.2.2 Fatores de Risco e Proteção Os fatores de risco relacionados com o excesso de estrogênio podem ser endógenos ou exógenos. Os primeiros estão associados ao aumento da exposição ao estrogênio (menarca precoce, nuliparidade e menopausa tardia), especialmente nas situações em que não há contraposição da progesterona, como obesidade e síndrome dos ovários policísticos. A obesidade tem aumentado no mundo todo e influencia diretamente a incidência de câncer endometrial, sendo responsável por cerca de 1/4 dos casos em regiões desenvolvidas. É fator de risco pela conversão de androgênios em estrogênios no tecido adiposo, o que permite a estimulação estrogênica do endométrio. Além disso, a obesidade também reduz os níveis da globulina transportadora de hormônios sexuais (SHGB), permitindo maior biodisponibilidade do estrogênio. A associação diabetes melito e síndrome metabólica é significativa. A terapia hormonal é reconhecidamente associada ao aumento do risco de câncer de endométrio quando não contrabalançada pela combinação da progesterona. O tamoxifeno, modulador seletivo do receptor de estrogênio bastante utilizado durante o seguimento do câncer de mama, também está relacionado com o aumento do risco. Fatores que reduzem a chance de exposição endógena ao estrogênio, como elevada paridade e lactação, protegem contra o risco de câncer de endométrio, assim como o uso de contraceptivos orais combinados. História familiar positiva para câncer de endométrio em parente de primeiro grau aumenta o risco desse câncer, com risco cumulativo absoluto de cerca de 3% aos 70 anos. Condições herdadas, como síndrome de Lynch e de Cowden, também aumentam o risco. 1.2.3 Diagnóstico O sintoma clínico mais relevante do câncer de endométrio é o sangramento genital na pós-menopausa. O American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) recomenda que qualquer sangramento vaginal na pós-menopausa deva se investigado por ecografia ou biopsia de endométrio ambulatorial. Se houver suspeita de lesão à ecografia, a paciente deve ser submetida à biópsia ambulatorial ou dirigida por histeroscopia. O valor da ecografia em mulheres assintomáticas é questionável. A maioria das lesões observadas durante a investigação é benigna. Sinais e sintomas que podem indicar doença avançada são: dor na região hipogástrica, aumento do volume abdominal e emagrecimento. O diagnóstico confirmatório é feito pela análise histopatológica da biópsia. O sistema de estadiamento mais usado é o preconizado pela FIGO, que determina o estadiamento por cirurgia. Dessa forma, todas as pacientes devem ser encaminhadas para cirurgia. Casos de doença inoperável ou paciente com risco cirúrgico muito elevado podem ser guiados diretamente para tratamento com radioterapia ou hormonioterapia. Os fatores prognósticos mais importantes são o estadiamento da doença e o grau de diferenciação do tumor, além do status hormonal. De acordo com a FOSP, a sobrevida em 5 anos quando o tumor é diagnosticado nos estádios I, II, III e IV é de aproximadamente 90, 80, 60 e 30%, respectivamente. Estadiamento da International Federation of Gynecology and Obstetrics para câncer de endométrio. Estádio I – câncer limitado ao corpo uterino: ● IA: invasão até a metade do miométrio ● IB: invasão igual ou além da metade do endométrio Estádio II – câncer que invade o estroma do colo uterino, mas sem extensão além do útero Estádio III – câncer com extensão local ou regional além do útero: ● IIIA: invasão tumoral da serosa do corpo uterino e/ou anexos ● IIIB: metástases vaginais e/ou envolvimento de paramétrios ● IIIC: metástases para linfonodos pélvicos e/ou para-aórticos Estádio IV – câncer que envolve bexiga ou mucosa retal, ou com metástase a distância: ● IVA: invasão tumoral da bexiga e/ou mucosa retal ● IVB: metástases à distância, incluindo tecido intra-abdominal e/ou linfonodos inguinais 1.2.4 Tratamento O tratamento primário para o câncer endometrial baseia-se no estadiamento cirúrgico. A abordagem inicia-se pela histerectomia com anexectomia, devendo-se enviar a peça cirúrgica para análise histológica de congelação paraavaliar a profundidade de invasão miometrial e confirmar tipo e grau histológicos. Em casos de invasão miometrial superior a 50% ou grau histológico 3, ou ainda tumores serosos ou de células claras, indica-se a complementação do procedimento com dissecção dos linfonodos pélvicos e paraaórticos, omentectomia, lavado peritoneal e biópsia de áreas suspeitas. A complementação do tratamento, quando necessária, pode ser feita com radioterapia – teleterapia ou braquiterapia –, hormonioterapia, quimioterapia e, eventualmente, imunoterapia. A radioterapia na abordagem do câncer endometrial é mais utilizada no pós-operatório, porém também pode ser empregada como tratamento exclusivo em paciente sem condições clínicas para se submeter à cirurgia ou com doença em estádio avançado. A radioterapia pré-operatória impede o estadiamento cirúrgico e a determinação dos fatores de risco pelas alterações celulares induzidas por radiação. Pode ser também opção útil no procedimento paliativo, na doença metastática e nas recidivas vaginais e pélvicas. Nos estádios iniciais de alto risco, indica-se a quimioterapia com ou sem a concomitância da radioterapia. Nesses casos, a braquiterapia reduz a incidência de recorrências locais ou regionais, sem aumentar a sobrevida. Nos estádios avançados (III e IV), o tratamento padrão é a cirurgia seguida de quimioterapia e/ou radioterapia. Tumores positivos para receptores de estrogênio e progesterona respondem ao tratamento com progestógenos, especialmente com metástases a distância. 1.3 CÂNCER DE OVÁRIOS 1.3.1 Incidência Ainda hoje, o câncer de ovário representa um grande desafio, pois apesar do avanço no tratamento oncológico, a sobrevida em 5 anos permanece abaixo de 50%, ainda que tenha apresentado relativa melhora nas últimas décadas. No Brasil, o câncer de ovário é a sétima neoplasia mais comum entre as mulheres, atrás dos cânceres de pele, mama, cólon e reto, colo do útero, pulmão e corpo do útero. Em 2018, foram estimados cerca de 6.150 novos casos da doença ou um risco estimado de 5,79 casos a cada 100.000 mulheres. Nos EUA, em 2017, foram estimados 22.440 novos casos e 14.080 mortes. A neoplasia ovariana apresenta-se como tumores das mais diversas linhagens histológicas, em qualquer época da vida. É também local frequente de metástases de cânceres ginecológicos e não ginecológicos, como os de cólon, tireóide, mama, pâncreas, entre outros. Quando metastáticos, costumam se constituir de massa sólida, bilateral, muitas vezes acompanhada de ascite e comprometimento peritoneal. 1.3.2 Fatores de Risco e Proteção A teoria clássica sobre a origem dos tumores ovarianos indica que podem ter surgido de uma das três células principais do ovário: epitélio, estroma ou células germinativas, sendo os tumores epiteliais os mais comuns. Entretanto, avanços moleculares recentes mostraram que a expressão molecular das neoplasias epiteliais do ovário é diferente das células do epitélio superficial do ovário normal. No epitélio ovariano normal, as células apresentam padrão molecular compatível com o das células originárias do mesotélio, enquanto, nas neoplasias ovarianas, as células têm padrão molecular compatível com o tecido mülleriano, semelhante aos outros órgãos do trato genital: colo, endométrio e tuba. Hoje, são reconhecidos dois tipos clínicos distintos de tumores epiteliais, baseados no perfil molecular, os tumores de baixo e alto grau, a maioria dos casos é constituída pelo segundo tipo. De acordo com a nova hipótese sobre a patogênese da neoplasia ovariana, admite-se que as células primárias do tumor teriam origem extra ovariana: os tumores do tipo seroso seriam provenientes das fímbrias, os tipos endometrióides e de células claras, do tecido endometrial ou da endometriose, e os tumores mucinosos teriam origem nas células da junção mesotelial tubária. Essas células seriam transportadas aos ovários durante o processo de transferência do oócito para a fímbria, que, no sentido inverso, também transferiria células epiteliais tubárias para o ovário. As células atingiram o estroma formando cistos de inclusão e, posteriormente, sofreram mutações genéticas com o surgimento de tumores de baixo ou alto grau, de acordo com o perfil genético primário. Além dos tipos epiteliais, os tumores de ovário também podem ter origem nas células do estroma e germinativas. O câncer ovariano pode ocorrer em todas as idades, mas tipos histológicos específicos incidem em grupos etários distintos. Em mulheres com menos de 20 anos, os tumores de células germinativas constituem uma parcela significativa dos casos, enquanto, em mulheres acima de 50 anos, são os tumores epiteliais, com pico de incidência entre 60 e 64 anos As causas do câncer de ovário não são totalmente compreendidas, porém se acredita que fatores de risco específicos estejam associados ao seu aparecimento. Um ou mais fatores aumentam a probabilidade, mas não garantem a ocorrência do tumor. Um dos mais importantes fatores de risco para tumor de ovário maligno está relacionado à história familiar ou pessoal de câncer de ovário ou mama. O risco aumenta quando mãe, irmã ou filha de uma mulher tiver um dos cânceres mencionados e se o diagnóstico for feito antes de 55 anos. Dez por cento das neoplasias ovarianas são causados por mutação herdada de genes do câncer de mama (BRCA1, breast cancer gene 1) e (BRCA2, breast cancer gene 2). Mutações genéticas associadas ao câncer colorretal também podem elevar o risco de câncer ovariano. Aproximadamente 20% dos casos de câncer de ovário são familiares. Para mulheres com risco aumentado, a retirada cirúrgica das tubas uterinas e do ovário, chamada de salpingo-ooforectomia profilática, pode ser considerada a partir dos 35 anos se a prole estiver completa. A história reprodutiva também tem relação significativa com esse tipo de tumor. Mulheres que menstruam antes dos 12 anos, nuliparas ou que tenham o primeiro filho após 30 anos ou, ainda, aquelas que entram na menopausa tardiamente, podem ter risco elevado para câncer de ovário. A relação está no número de vezes que uma mulher ovula, ou seja, quanto mais ovulações, maior o risco. O uso de contraceptivo diminui a ameaça dessa patologia, provavelmente por suprimir a ovulação. A amamentação também reduz o risco. Não há evidências suficientes de que o uso de fármacos para infertilidade possa aumentar a chance de câncer de ovário. Outros fatores que aumentam o risco são terapia de reposição hormonal, obesidade e estatura elevada. Fatores dietéticos, uso de medicamentos anti-inflamatórios não hormonais e exposição perineal a talco foram, no passado, implicados como indutores de risco, mas hoje não apresentam evidências suficientes para justificar sua associação com o câncer de ovário. Embora a cirurgia e a quimioterapia tenham papel fundamental no tratamento, a diminuição significativa da incidência e da taxa de mortalidade só será alcançada com a elucidação da etiologia da neoplasia ovariana, com a descoberta de métodos para rastreamento e diagnóstico precoce e com a realização sistemática de ooforectomia profilática em mulheres com risco significativamente elevado. 1.3.3 Diagnóstico Dentre os tumores ginecológicos, o câncer de ovário está associado à alta mortalidade, já que dois terços das pacientes têm diagnóstico em estádios avançados: III e IV. Isso se deve à natureza agressiva da doença, principalmente do tipo histológico mais comum, o carcinoma seroso de alto grau. Também contribui o fato de os achados clínicos serem inespecíficos e a ausência de métodos efetivos de detecção precoce. Felizmente, nos estádios iniciais exibe bom prognóstico, decorrente do adequado estadiamento cirúrgico e dos tratamentos adjuvantes. Segundo a International Federation of Gynecology and Obstetrics (FIGO), o estadiamento do câncer de ovário é cirúrgico, ou seja, todas as pacientes com suspeita clínica devem ser submetidas à cirurgia. Não existe um método de rastreamento para o câncer de ovário. Portanto, não se recomenda utilizar como rotina a ecografiaabdominal associada ou não ao marcador tumoral CA 125, uma vez que os estudos são conflitantes quanto à redução da morbimortalidade da doença à custa de um aumento significativo de procedimentos cirúrgicos desnecessários para diagnóstico de lesões benignas. O diagnóstico precoce quase sempre decorre de achado incidental após avaliação clínica de rotina ou ecografia fortuita ou rotineira, quando se detecta massa pélvica ou anexial. O diagnóstico tardio geralmente acontece pela natureza agressiva do tumor, com disseminação precoce. Os estádios iniciais são geralmente assintomáticos ou apresentam achados inespecíficos, como dispareunia, dor pélvica ou, ainda, torção ovariana como consequência do aumento do volume ovariano. Com o crescimento tumoral, os sintomas mais comuns incluem: dor, peso e crescimento abdominal, tumor no abdome, emagrecimento, sintomas gastrintestinais (entre eles mudanças no hábito intestinal, saciedade precoce e dispepsia) e urinários, lombalgia, perturbações menstruais e sangramento genital na pós-menopausa. Estes sintomas são inespecíficos e ocorrem pela disseminação do tumor na cavidade abdominal, sendo, então, decorrentes de implantes abdominais, ascite ou compressão de estruturas vizinhas pelo próprio tumor. Ainda que as massas ovarianas sejam, em mais de 90% das vezes, representadas por processos benignos originados de alterações ovulatórias na menarca, cistos de retenção peritoneal, hidátide de Morgagni ou outras patologias benignas, quando detectados no exame físico são o sinal mais importante de câncer de ovário. Neste caso, devem ser realizados exames complementares, como ecografia abdominal, marcadores tumorais como CA 125 e antígeno carcinoembrionário (CEA), com o intuito de definir o risco de malignidade e se há necessidade de prosseguir com a investigação. Irregularidade, aspecto sólido, alta taxa de vascularização e projeções intracísticas são as características sugestivas desse câncer mais relevantes. Estadiamento da International Federation of Gynecology and Obstetrics dos cânceres de ovário, de tuba uterina e peritoneal primário. Estádio I – câncer limitado aos ovários ou tubas: ● IA: tumor limitado a um ovário (cápsula íntegra) ou tuba, sem comprometimento da superfície externa ou células malignas em ascite ou lavado peritoneal ● IB: tumor limitado a ambos os ovários com as mesmas características de IA ● IC: tumor limitado a um ou ambos os ovários com cápsula rota, comprometimento da superfície externa, células malignas em ascite ou lavado peritoneal Estádio II – câncer em um ou ambos os ovários ou tubas com envolvimento dos órgãos pélvicos ou câncer peritoneal primário: ● IIA: comprometimento uterino e/ou tubário e/ou ovariano ● IIB: extensão a outros órgãos pélvicos Estádio III – câncer que envolve um/ambos os ovários ou tubas ou câncer peritoneal primário, com comprovação cito ou histológica de disseminação para além da pelve e/ou metástases para linfonodos retroperitoneais: ● IIIA: metástase para linfonodos retroperitoneais com ou sem envolvimento microscópico para além da pelve ● IIIB: metástase peritoneal macroscópica além da pelve, inferior a 2 cm na maior dimensão com ou sem envolvimento e linfonodos retroperitoneais ● IIIC: metástase peritoneal além da pelve, superior a 2 cm na maior dimensão e/ou linfonodos regionais comprometidos com ou sem envolvimento e linfonodos retroperitoneais Estádio IV – metástases a distância; derrame pleural com citologia positiva; metástases intra-hepáticas O diagnóstico definitivo só é feito por exame histológico e, como o ovário é um órgão intra-abdominal, o diagnóstico deve ser obtido pela ressecção cirúrgica da massa ou do ovário por laparoscopia ou laparotomia. Vale ressaltar que as biópsias por agulha realizadas por via percutânea são contra indicadas nos casos de massas ovarianas pela chance de disseminar a doença dentro da cavidade abdominal. Nos estádios avançados, é possível perceber a distensão abdominal quando há ascite e o omento se apresenta infiltrado pelo tumor, podendo ser palpado. No estádio IV, pode-se observar também derrame pleural. Ascite ou evidência de metástase peritoneal, com massa ovariana, é sugestiva de câncer de ovário avançado. A sobrevida por câncer de ovário depende de uma série de fatores. Os prognósticos favoráveis mais importantes são idade jovem, bom status clínico, células claras ou outro tipo histológico que não o mucinoso, boa diferenciação do tumor, estádio inicial, ausência de ascite, baixo volume da doença na pré-cirurgia, baixo volume de doença residual após a cirurgia e não ser portadora de mutação nos genes BRCA 1 e 2.5 Dados da Fundação Oncocentro de São Paulo (FOSP) apontam, em 5 anos, sobrevida de 90% para pacientes diagnosticadas em estádio I, 70% para estádio II, 40% para estádio III e 20% para estádio IV. A sobrevida é significativamente mais favorável em pacientes jovens. O seguimento após o tratamento é realizado com exame clínico (anamnese e exame físico) e marcador tumoral sérico (CA 125). Exames de imagem devem ser solicitados diante de anormalidades no exame clínico. 1.3.4 Tratamento https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527734660/epub/OEBPS/Text/chapter14.html?create=true#ref_5 O tratamento padrão do câncer de ovário é a cirurgia seguida por quimioterapia. O objetivo do procedimento cirúrgico primário é estabelecer diagnóstico, avaliar a extensão da doença e remover o tumor, o máximo possível. O estadiamento da neoplasia ovariana é cirúrgico e feito por meio de uma incisão abdominal mediana que permite expor o abdome em sua totalidade. Inicia-se com aspiração do líquido ascítico para avaliação e se ausente, procede-se ao lavado da cavidade abdominal para coleta de material. Deve-se fazer um rigoroso exame da cavidade: ovário contralateral, peritônio pélvico e abdominal, goteras parietocólicas, superficie hepática e cúpulas diafragmáticas, omento, estômago, intestino delgado, reto sigmóide, escavação retouterina, bexiga e útero. Para mulheres com prole definida ou acima de 25 anos, deve ser feita ressecção do tumor ou do ovário e enviar o material para exame histopatológico de congelação. Nos casos em que for confirmada a neoplasia maligna, a complementação cirúrgica é com histerectomia total abdominal e salpingo-ooforectomia bilateral. Nos casos de ausência de disseminação peritoneal da doença, está indicada a dissecção dos linfonodos pélvicos e para-aórticos. A linfonodectomia é etapa indispensável na cirurgia do câncer de ovário, uma vez que os linfáticos são uma importante via de disseminação da doença. Na cirurgia, a incidência de linfonodos positivos pode chegar a 24% das pacientes inicialmente diagnosticadas como estádio I, 50% como estádio II e 74% como estádio III. Os linfonodos para-aórticos são tão envolvidos quanto os pélvicos. Após a avaliação cirúrgica, o sistema de estadiamento definido pela FIGO12 é aplicado como guia de tratamento adjuvante, sendo determinado, então, o prognóstico da paciente. Os cânceres de tuba uterina e de peritônio primário são estadiados da mesma forma. A cirurgia representa um papel crítico no manejo ideal do estadiamento para câncer de ovário. Em estágio inicial, a avaliação cirúrgica permite estratificar as pacientes em categorias de alto e baixo riscos. Aquelas consideradas de baixo risco são candidatas à cirurgia para preservar a fertilidade e podem, seguramente, evitar a quimioterapia e ser acompanhadas. Em pacientes com câncer de ovário inicial, mas consideradas de alto risco, ou que apresentem doença avançada, há necessidade de combinar a cirurgia e a quimioterapia. No tratamento cirúrgico de mulheres jovens sem prole definida e com tumores em estádios iniciais existe a opção de preservar a fertilidade. No estádio I, indica-se retirar o ovário com o tumor, preservar o útero e realizar o restante do estadiamento com omentectomia, dissecção dos linfonodos pélvicos e para-aórticos, lavado e biopsias peritoneais, mantendo seguimento rigoroso após o tratamento, pelo risco elevadode recidiva. Nos estádios avançados (II, III e IV), indica-se a cirurgia radical, citorredução ou debulking, que compreende a exérese do https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527734660/epub/OEBPS/Text/chapter14.html?create=true#ref_12 ovário com o tumor, do ovário contralateral com o útero, omentectomia e ressecção de toda a massa tumoral possível, seguida de quimioterapia. O termo debulking, de origem inglesa, significa “tirar o grosso”, isto é, remover todo o tumor e suas metástases, não deixando resíduos tumorais. A cirurgia é de grande valor para o tratamento do câncer epitelial ovariano, principalmente para mulheres que podem ser submetidas à citorredução ótima, ou seja, quando após a citorredução não houver resíduo ou ele for inferior a 2 cm. O procedimento cirúrgico primário visa à ausência de doença ou residual mínima. Procedimentos como cirurgia pélvica radical, ressecção intestinal e cirurgia abdominal “agressiva” são comumente necessários para alcançar citorredução ótima. Isso é fator relevante, pois o êxito da quimioterapia é inversamente proporcional ao volume de doença deixada. Entretanto, tal resultado pode ser alcançado em apenas uma pequena parte dos estádios III e IV. A quimioterapia neoadjuvante é reconhecida como alternativa de tratamento à cirurgia citorredutora para pacientes com tumores aparentemente irressecáveis ou performance status ruim.5 A cirurgia paliativa é indicada quando o objetivo é melhorar a qualidade de vida de pacientes com expectativa de vida limitada, sendo indicada, mais comumente, em casos de obstrução intestinal maligna. A quimioterapia pode ser omitida em casos de estádio IA e IB. É utilizada como tratamento adjuvante para controle dos tumores que não podem ser removidos cirurgicamente (residuais) e da disseminação metastática em casos de tumores iniciais com acometimento linfonodal. Muitos fatores podem limitar as opções terapêuticas, incluindo comorbidades associadas, diminuição no status funcional, limitação nos recursos financeiros e no suporte social e intolerância ao tratamento, o que pode justificar a frequência de tumores malignos ovarianos com tratamento incompleto, principalmente em mulheres com idade superior a 80 anos. 1.4 CÂNCER DE VULVA 1.4.1 Incidência O câncer de vulva é um tumor pouco comum, representando cerca de 5% das neoplasias ginecológicas. Tem incidência predominante na pós-menopausa, com aumento da frequência com o avançar da idade. Embora seja uma doença de localização externa, o diagnóstico costuma ser tardio, por demora no acesso ao serviço de saúde ou por dificuldade de diagnóstico em fases iniciais da doença. https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527734660/epub/OEBPS/Text/chapter14.html?create=true#ref_5 O tipo histológico mais comum é o escamoso, responsável por cerca de 90% dos casos, seguido por melanomas, adenocarcinomas, carcinomas verrucosos, sarcomas e outras neoplasias vulvares raras. A localização mais frequente dos carcinomas escamosos é o grande lábio, mas pequenos lábios, clitóris e períneo também podem ser sede de tumores primários 1.4.2 Fatores de Risco e Proteção A neoplasia intraepitelial vulvar (NIV) é uma lesão precursora do câncer vulvar. Pode ser classificada em usual ou diferenciada. A NIV usual tem associação com a infecção pelo HPV de alto risco oncogênico, assim como tabagismo, imunossupressão e vírus da imunodeficiência humana (HIV, human immunodeficiency virus), com predileção por mulheres jovens (entre 30 e 50 anos) e incidência crescente. Apresenta-se geralmente como lesões multicêntricas, pruriginosas, podendo causar também dor, ulceração e disúria. A NIV diferenciada representa 2 a 5% de todas as NIV, com pouca associação à infecção por HPV, muitas vezes relacionada ao líquen escleroso, acometendo mulheres mais velhas. Costuma ser uma lesão única, com alto potencial de malignização, devendo sempre ser realizada ressecção cirúrgica com margem. Estima-se a prevalência de HPV em 39,7% dos casos de câncer de vulva e 76,3% dos casos de NIV (86,2% no tipo usual e 2% no tipo diferenciado). A alta prevalência de HPV na NIV despertou o interesse de avaliar a utilidade das vacinas contra o HPV em sua prevenção, assim como na do colo do útero, sendo demonstrada eficácia em relação ao surgimento de novas lesões em mulheres jovens após a vacinação. Não há métodos de rastreamento para o câncer de vulva, embora pacientes com antecedente de câncer cervical, vaginal, tratamento de NIV ou ainda que apresentem líquen escleroso devam ser mantidas sob vigilância, com rigoroso exame clínico com ou sem magnificação colposcópica. O principal fator que influencia a sobrevida das pacientes com câncer de vulva é o acometimento linfonodal inguinal. A sobrevida em 10 anos para pacientes com linfonodos negativos pode chegar a 76%, enquanto para com linfonodos positivos apenas 40%. Os fatores de risco para metástases linfonodais são: presença de linfonodos palpáveis ao exame clínico, idade, grau de diferenciação, estádio e espessura do tumor, profundidade da invasão do estroma e invasão dos capilares linfáticos. Ainda em relação aos fatores de risco, observa-se que o status linfonodal e o diâmetro da lesão primária, quando analisados conjuntamente, são as únicas variáveis associadas ao prognóstico. 1.4.3 Diagnóstico Há grande número de doenças que podem acometer a região vulvar: lesões cutâneas específicas, DST, repercussões locais de doenças sistêmicas, urinárias ou cervicovaginais, lesões traumáticas e neoplásicas benignas ou malignas. Essa grande variedade de condições patológicas, associada ao desconhecimento do carcinoma por parte dos médicos, pode retardar o diagnóstico. Além disso, a demora do paciente em buscar orientação médica e a não valorização das queixas locais por parte do profissional podem também contribuir para um diagnóstico mais tardio. O diagnóstico do câncer de vulva é feito por biopsia, que pode ser realizada ambulatorialmente. Cistoscopia, proctoscopia, radiografia de tórax e urografia podem ser necessárias e usadas para estadiamento. Se houver suspeita de envolvimento vesical ou retal, a confirmação deve ser feita por biópsia. A maioria das pacientes em estádios iniciais é assintomática no momento do diagnóstico. Se houver sintomas, os achados mais comuns são: prurido vulvar, tumoração ou massa. Os sintomas em estádios avançados incluem lesão com sangramento ou ulcerativa, corrimento, dor ou disúria. Eventualmente, a queixa inicial pode ser grande massa metastática na região inguinal. O estadiamento do câncer vulvar baseia-se nos achados clínicos, como tamanho e localização do tumor, acometimento clínico dos linfonodos regionais e busca de metástases a distância. A importância prognóstica do status linfonodal é significativa, porém a precisão da avaliação clínica dos linfonodos é limitada. O sistema de estadiamento é cirúrgico, incorporando o status anatomopatológico dos linfonodos inguinais. Estadiamento do câncer de vulva da International Federation of Gynecology and Obstetrics. Estádio I – tumor confinado à vulva: ● IA: tumor ≤ 2 cm com invasão estromal ≤ 1 mm ● IB: tumor > 2 cm ou com invasão estromal > 1 mm Estádio II – tumor com extensão para estruturas perineais adjacentes (1/3 inferior da uretra e/ou vagina, ânus) com linfonodos negativos Estádio III – tumor com linfonodos inguino-femorais positivos: ● IIIA: uma metástase linfonodal ≥ 5 mm ou 1 a 2 metástases linfonodais < 5 mm ● IIIB: duas ou mais metástases linfonodais ≥ 5 mm ou três ou mais metástases linfonodais < 5 mm ● IIIC: linfonodos positivos com invasão extracapsular Estádio IV – tumor que invade outras estruturas regionais (2/3 superiores da uretra ou vagina) ou metástases a distância: ● IVA: que invade uretra superior, mucosa vaginal, vesical ou retal, ou fixa ao osso púbico ou linfonodos inguinais fixos ou ulcerados ● IVB: qualquer metástase a distância, incluindo linfonodos pélvicos 1.4.4 Tratamento O tratamento do câncer de vulva deve ser individualizado, considerando-seespecialmente o tamanho da lesão primária e o acometimento linfonodal, realizando-se a cirurgia mais conservadora e com maior potencial de cura para cada caso. O tratamento deve sempre ser em centros de referência para tratamento oncológico em razão da baixa prevalência dessa patologia. Inicialmente, a vulvectomia radical e a dissecção bilateral dos linfonodos inguinais e pélvicos em bloco eram o tratamento padrão para a maioria das pacientes com câncer de vulva operável. Se houvesse envolvimento do ânus, do septo retovaginal ou da uretra proximal, algum tipo de exenteração pélvica era associado à dissecção. Entretanto, alguns fatores acarretaram modificações deste plano de tratamento nos últimos 20 anos, como grande proporção de pacientes com doença em estágio inicial, preocupações com a morbidade pós-operatória, hospitalização prolongada e, ainda, aumento da consciência das consequências psicossexuais da vulvectomia radical. Em tumores estádio IA, ou seja, lesões inferiores a 2 cm e com invasão estromal abaixo de 1 mm, deve ser realizada apenas a excisão com margens; nos tumores laterais até 4 cm sem acometimento linfonodal deve-se fazer a ressecção com margem de 2 cm e linfonodectomia inguinal ipsilateral. Nos tumores centrais, a linfonodectomia deve ser bilateral. Nos estádios III e IV deve ser realizada vulvectomia radical com dissecção dos linfonodos inguinais bilaterais precedida ou não de tratamento com quimioterapia e radioterapia. Em relação ao tratamento dos linfonodos, sabe-se que a dissecção inguinal está associada à infecção e à deiscência da ferida no pós-operatório e também ao linfedema de membros inferiores. Ainda que a incidência de deiscência seja significativamente reduzida quando usadas incisões distintas para dissecção inguinal, o linfedema ainda é um grande problema. Em decorrência desta alta taxa de morbidade da linfonodectomia, atualmente se preconiza a técnica do linfonodo sentinela no câncer de vulva, o que traz grande avanço no tratamento, poupando muitas mulheres de extensas ressecções linfonodais desnecessárias. A radioterapia, com ou sem quimioterapia concomitante, tende a ter papel cada vez mais importante no tratamento do câncer de vulva. No pós-operatório, ajuda a evitar recorrências locais em pacientes com margens cirúrgicas comprometidas, além de ser utilizada como tratamento primário de tumores primários, nos quais a ressecção cirúrgica teria grandes consequências psicológicas e em estádios avançados. 1.5 CÂNCER DE VAGINA 1.5.1 Incidência O carcinoma primário da vagina é raro, responde por apenas 1 a 2% das neoplasias ginecológicas malignas, com uma taxa de incidência de cerca de 1/100.000 mulheres-ano.28 O pico de incidência é entre 50 e 80 anos de idade. 1.5.2 Fatores de Risco e Proteção Mais de 85% dos tumores primários de vagina são de origem epitelial. A neoplasia intraepitelial vaginal (NIVA) é considerada fator de risco para o desenvolvimento do câncer de vagina, embora os fatores que levam sua progressão para a doença invasora ainda não estejam completamente elucidados. Cerca de 3 a 7% das pacientes com NIVA irão evoluir para carcinoma invasor mesmo quando tratadas. A NIVA é quase sempre assintomática; a suspeição diagnóstica é feita por exame ginecológico e colpocitologia oncológica, que costuma se apresentar alterada. A confirmação diagnóstica é dada pela biopsia realizada sob visão colposcópica. A NIVA é classificada em graus I, II e III de acordo com a profundidade do acometimento do epitélio, sendo a NIVA III, o carcinoma in situ, a lesão mais grave. Os fatores predisponentes da NIVA estão associados à infecção pelo HPV e à presença de tratamento de neoplasia intraepitelial cervical e/ou do câncer de colo uterino. Aproximadamente 30% das mulheres com câncer vaginal têm história de câncer cervical tratado nos 5 anos anteriores. Fatores como tratamento do câncer de colo com radioterapia prévia, imunossupressão ou histerectomia para tratar o carcinoma in situ da cérvice uterina são frequentemente associados ao aparecimento do câncer vaginal. O carcinoma celular escamoso representa a maioria dos cânceres vaginais. Inicia-se superficialmente no epitélio vaginal, progredindo com o acometimento dos tecidos paravaginais e paramétrio. Metástases a distância ocorrem mais comumente em pulmões e fígado. O segundo tipo histológico mais frequente é o adenocarcinoma, que representa 5 a 10% dos casos, e tem início nas células glandulares do revestimento da vagina, com incidência aumentada em idades jovens, diferindo do carcinoma celular escamoso por aumento de metástases pulmonares e acometimento de linfonodos supraclaviculares e pélvicos. A vagina pode também ser local de lesões metastáticas de cânceres ginecológicos, como colo uterino, vulva e endométrio, assim como de cânceres não ginecológicos, como https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527734660/epub/OEBPS/Text/chapter15.html#ref_28 bexiga, glândulas periuretrais e, com menos frequência, de pulmão. É raramente acometida por melanoma e sarcoma. 1.5.3 Diagnóstico O câncer vaginal, em suas formas iniciais, apresenta-se quase sempre assintomático, mas, com a evolução da doença, as queixas mais comuns são leucorreia e sangramento pós-coito. Em casos avançados, a disúria e a dor pélvica são usuais, ao lado de retenção urinária, espasmo vesical, hematúria e polaciúria. Os tumores da parede posterior da vagina podem causar sintomas retais, como tenesmo, constipação intestinal ou melena. O estadiamento é definido pela FIGO e pelo American Joint Committee on Cancer (AJCC) e obtido por meio de exame clínico, com base em achados do exame físico geral, exame pélvico, cistoscopia, proctoscopia, radiografia de tórax e de ossos, sendo os quatro últimos úteis para o diagnóstico de doença metastática Estadiamento do câncer de vagina da International Federation of Gynecology and Obstetrics. Estádio I – câncer limitado à parede vaginal Estádio II – câncer que envolve o tecido subvaginal, mas não se estende até a parede pélvica Estádio III – câncer que se estende até a parede pélvica Estádio IV – câncer que se estende além da pelve verdadeira ou que invada mucosa da bexiga e/ou reto: ● IVA: tumor que invade a bexiga e/ou mucosa retal e/ou com extensão direta além da pelve verdadeira ● IVB: metástase a distância 1.5.4 Tratamento O tratamento do câncer vaginal deve sempre ser realizado em centros de referência em câncer, pela baixa frequência dos casos. Deve ser individualizado, levando-se em consideração estadiamento clínico, localização e dimensão do tumor, idade da paciente, estado geral, obesidade, histerectomia e/ou irradiação prévia para tratamento de câncer de colo uterino e visando à manutenção da função sexual. A radioterapia é o tratamento de escolha para a maioria dos casos de câncer de vagina. A cirurgia costuma ser realizada em pacientes com estádio clínico I e varia conforme a localização da lesão. Em tumores localizados na metade proximal da vagina, a cirurgia é a histerectomia com colpectomia radical, com margem mínima de 1 cm e dissecção de linfonodos pélvicos. Em tumores da metade distal, quando indicados, os procedimentos de escolha são a vulvovaginectomia radical e a dissecção de linfonodos inguinais bilaterais. Em casos selecionados de estádio clínico IVA, particularmente com acometimento do septo retovaginal ou vesicovaginal, ou ainda, casos de recidiva central pós-radioterapia, a cirurgia de exenteração pélvica pode ser feita. Cirurgia e radioterapia são altamente efetivas em estádios iniciais, enquanto a radioterapia isolada é o tratamento de escolha para estádios mais avançados (III e IVA). A quimioterapia não tem se mostrado efetiva para o tratamento do câncer vaginal avançado, além de não haver padrão na utilização dos quimioterápicos. 2. ABORDAGEM FISIOTERAPÊUTICA A abordagem da paciente com câncer tem se modificado e, atualmente, além do controle/cura da doença, prioriza também a qualidade de vida. Mesmo assim, mulheres submetidas ao tratamento para câncerginecológico frequentemente vivenciam sintomas físicos e psicológicos, como baixo nível de atividade física, sintomas no assoalho pélvico, prejuízo físico, fadiga e estresse psicológico, sintomas que podem afetar significativamente a funcionalidade e estão diretamente relacionados à qualidade de vida. As complicações pós-operatórias das cirurgias por câncer ginecológico mais frequentes na literatura são: dor, distúrbios de cicatrização, linfedema, disfunções do assoalho pélvico, principalmente incontinência urinária e prolapso de órgãos pélvicos, estenose vaginal e alterações respiratórias. Portanto, o aumento da sobrevida dessas mulheres requer melhor recuperação funcional no pós-operatório, além de prevenção e tratamento de possíveis complicações características do tratamento cirúrgico e/ou complementar. 2.1 FISIOTERAPIA PRÉ OPERATÓRIA PREVENÇÃO E TRATAMENTO A fisioterapia é parte integral da equipe de cuidado às mulheres com câncer ginecológico e seus familiares, tendo como objetivo melhorar a habilidade das pacientes em lidar com os efeitos adversos do tratamento e oferecer informações específicas e orientações para prevenção e restabelecimento de possíveis complicações. Portanto, a abordagem deve ser individualizada, baseando-se no estadiamento da doença, no tratamento clínico empregado, no estado físico-emocional e nas características sociodemográficas. Avaliação e orientações pré-operatórias podem ser realizadas no hospital no dia que antecede a cirurgia. Por meio de linguagem simples, a paciente deve ser orientada e informada sobre anatomia e função do sistema genital e fatores que podem influenciar as complicações físicas pós-operatórias. Deste modo, contribui-se para diminuir a ansiedade, melhorar a capacidade de reconhecimento do próprio corpo, além de estimular comportamento mais ativo da paciente nesse período. A avaliação pré-operatória oferece parâmetros para uma recuperação físico-funcional mais adequada. Deve-se realizar a anamnese buscando dados sociodemográficos, clínicos, antecedentes pessoais e atividades de vida diária. Quanto ao exame físico, deve-se verificar função respiratória, alterações posturais, força muscular, sensibilidade tátil e dolorosa e mensurar a circunferência de membros inferiores. 6.2 FISIOTERAPIA NO PÓS OPERATÓRIO Em geral, estabelecer um programa de exercícios para indivíduos submetidos ao tratamento oncológico parece benéfico. Em revisão sistemática publicada em 2016, os autores apresentam estudos que mostram que o exercício pode ser seguro, além de melhorar efetivamente a capacidade funcional, o fortalecimento muscular, a fadiga e, consequentemente, a qualidade de vida. Tratando especificamente das mulheres submetidas a tratamento oncológico ginecológico, o exercício voltado ao índice de massa corpórea e ao nível de atividade física realizada mostrou efeito positivo. O protocolo de fisioterapia do CAISM/Unicamp tem como objetivos principais prevenir complicações pós-operatórias e favorecer a alta hospitalar precoce e o retorno das mulheres às atividades diárias o mais breve possível. Portanto, incluem-se nele avaliações de: ● Função respiratória, buscando sintomas característicos de pneumonia, atelectasia e embolia pulmonar ● Função circulatória, verificando a presença de trombose venosa profunda (TVP) e edema em membros inferiores ● Funções intestinal e urinária ● Função muscular, investigando possíveis lesões nervosas. Deve-se atentar também para os aspectos cicatriciais, principalmente em relação à deiscência e/ou infecção da ferida cirúrgica, e dor. As pacientes devem ser incentivadas à respiração diafragmática (por meio de comando verbal, propriocepção gerada pela mão do terapeuta na região abdominal ou auxílio de incentivadores de fluxo), a tossir e respirar profundamente, com objetivo de prevenir atelectasias e pneumonia. Em caso de tosse, a paciente deve ser orientada a segurar com firmeza um travesseiro sobre o abdômen para aliviar a dor e proteger a ferida operatória. Para todas as cirurgias oncológicas, os exercícios circulatórios devem ser iniciados logo no pós-operatório imediato. A partir de 24 h pós-cirurgia, exercícios ativo-assistidos e ativos devem ser iniciados gradualmente, bem como a deambulação. Esse cuidado se deve ao fato de que a mulher, nesse período, ainda pode apresentar alguma reação à anestesia, como náuseas e exacerbação da hipotensão postural. Em casos específicos de linfonodectomia inguinal, como em vulvectomia, se não houver contraindicação, a drenagem linfática manual de membros inferiores pode ser iniciada, contribuindo com a melhora da circulação e reduzindo o aparecimento e/ou a gravidade de deiscências. O tempo de hospitalização no pós-operatório pode variar de dias a semanas, dependendo da ocorrência de complicações, como o íleo paralítico. Após a alta hospitalar, linfedema precoce e alterações motoras devem ter seguimento imediato. No CAISM, o acompanhamento por fisioterapia é direcionado aos ambulatórios específicos, de acordo com a necessidade individual das mulheres, em qualquer momento do tratamento. 6.3 FISIOTERAPIA NAS COMPLICAÇÕES DO TRATAMENTO ONCOGINECOLÓGICO Entre as diversas complicações do tratamento oncoginecológico, o linfedema e a dor oncológica merecem destaque pela elevada morbidade e prejuízo na qualidade de vida. 6.3.1 Alterações Respiratórias As complicações pulmonares no período pós-operatório incluem atelectasias, pneumonias, insuficiência respiratória, broncoespasmo, hipoxemia e ventilação mecânica prolongada. A ocorrência varia de 5 a 10% na população em geral e de 4 a 22% nas cirurgias abdominais.8 São tão prevalentes quanto às complicações pós-cirurgia cardíaca e contribuem similarmente para aumento da morbidade e da mortalidade, bem como para elevação dos custos hospitalares pela necessidade de hospitalização prolongada. Estima-se que um quarto das mortes nos primeiros 6 dias de pós-operatório é causado por complicações pulmonares. Fatores de risco, como idade avançada, história de doença pulmonar obstrutiva crônica, insuficiência cardíaca congestiva, tabagismo, dependência funcional, classificação do estado físico segundo a American Society of Anesthesiologists (ASA) > II ou p > 2, https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527734660/epub/OEBPS/Text/chapter16.html?create=true#ref_8 obesidade, asma, apneia obstrutiva do sono, alcoolismo, diabetes melito, infecção por vírus da imunodeficiência humana (HIV, human immunodeficiency virus) e capacidade de tolerância ao exercício físico, devem ser identificados na anamnese do paciente para melhor abordagem fisioterápica. Duração da cirurgia superior a 3 a 4 h, técnica de anestesia geral e cirurgias emergenciais também são fatores de risco para desenvolver complicações pulmonares.Entretanto, o fator preditivo mais importante é o local da cirurgia, sendo a maior frequência observada em incisão do abdome superior. Em estudo com pacientes oncológicos, as cirurgias com incisões abdominais tiveram 11,4 vezes mais complicações que as com incisões geniturinárias. A ocorrência de atelectasias durante a anestesia é alta, com incidência estimada entre 50 e 90% nos pacientes adultos submetidos à anestesia geral, tanto em ventilação espontânea quanto na mecânica. Após a indução da anestesia, há alteração da função respiratória, com depressão do estímulo respiratório, inatividade dos músculos respiratórios, principalmente do diafragma, e ventilação pulmonar inadequada. Estas alterações contribuem para reduzir a capacidade residual funcional, ocasionando formação de atelectasias. As mudanças intraoperatórias podem persistir no período pós-operatório. A anestesia, o traumatismo cirúrgico e a dor podem igualmente interromper a coordenação normal da ação dos músculos respiratórios, conduzindo à hipóxia e a diminuições persistentes nas capacidades vital e residual funcional. As atelectasias podem persistir diversos dias após a cirurgia, podendo levar à pneumonia, embora esta progressão não seja mostrada conclusivamente.A pneumonia pós-operatória pode ser a mais grave das complicações, podendo levar a quadro de sepse, falência múltipla dos órgãos e, por conseguinte, à morte. Ocorre em 9 a 40% dos pacientes cirúrgicos e a taxa de mortalidade associada é de 30 a 46%, dependendo do tipo de cirurgia. O mecanismo básico para as complicações pulmonares no pós-operatório é ocasionado pela hipoventilação, decorrente do monótono padrão respiratório superficial e ausência de suspiros respiratórios, aliados à disfunção diafragmática temporária e dor pós-operatória. O transporte mucociliar também é danificado, em razão da pouca efetividade da tosse, aumentando os riscos por retenção de secreções. A fisioterapia respiratória pode contribuir para profilaxia e reversão das complicações pulmonares pós-operatórias. Evidências sugerem que qualquer intervenção que promova reexpansão pulmonar é melhor que a não profilaxia. Técnicas como padrões respiratórios profundos, espirômetros de incentivo, auxílio à tosse, aspirações de secreções traqueobrônquicas, drenagem postural, deambulação precoce, respiração com pressão positiva intermitente e ventilação mecânica não invasiva podem ser indicadas. 6.3.2 Distúrbios de Cicatrização Fatores como tipo de cirurgia, região do corpo envolvida, certos medicamentos, transtornos imunossupressores, diabetes não controlada, doença vascular periférica, fumo e má nutrição podem aumentar o risco de complicações cicatriciais no pós-operatório. Localização e direção das incisões em cirurgias para câncer ginecológico variam de acordo com o órgão afetado e o estadiamento da doença, pois tumores mais avançados demandam cirurgias de maior porte. A incisão da laparotomia exploradora transversal às linhas de fenda, possivelmente empregada em tumores de endométrio e ovário, pode gerar processo cicatricial lento e mais suscetível a distúrbios cicatriciais, como deiscência de cicatriz hipertrófica. Em estudo com mulheres diagnosticadas com câncer endometrial e submetidas à laparotomia, os autores observaram que índice de massa corpórea ≥ 30 kg/m2, diabetes melito e cirurgia abdominal prévia foram fatores de risco para complicações no processo de cicatrização; a obesidade e a cirurgia abdominal prévia aumentaram três vezes a chance de complicações cicatriciais As complicações mais comuns da ferida cirúrgica são infecção e deiscência. Nas cirurgias para câncer de vulva, a incidência de deiscência cicatricial é bastante elevada, em torno de 86,6%,, e isso se dá pelo fato de a técnica cirúrgica ser realizada em um único bloco. Nesses casos, há uma grande tensão colocada sobre a incisão durante o fechamento, podendo ocorrer a formação de seroma e infecção. Além disso, a localização da ferida operatória em uma dobra cutânea e de grande mobilidade também favorece a deiscência cicatricial. Assim, como a estratégia cirúrgica pode estar relacionada a alta taxa de complicação cicatricial, principalmente infecção e deiscência da ferida operatória, o método cirúrgico por incisões separadas – uma em vulva e duas nas regiões inguinais – tem sido utilizado na tentativa de diminuir a incidência de deiscência cicatricial. Tão importante quanto a utilização de recursos que contribuam para a prevenção e/ou tratamento das complicações cicatriciais, é a avaliação da ferida cirúrgica realizada pelo fisioterapeuta. Saber identificar sinais, como infecção, deiscência, hematoma, seroma, febre e secreção purulenta, é fundamental não só para escolha adequada da técnica a ser utilizada, mas principalmente para a contraindicação a qualquer recurso fisioterapêutico que venha prejudicar o processo cicatricial. Entretanto, é importante ter em mente que a inflamação de uma ferida cirúrgica é parte do processo fisiológico de cicatrização e, na ausência de outras características clínicas, não equivale a uma complicação cicatricial. https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527734660/epub/OEBPS/Text/chapter16.html?create=true#ref_2 Um dos recursos fisioterapêuticos mais utilizado para a cicatrização de feridas, de forma geral, é o laser. Contudo, a literatura não recomenda seu uso, nessa condição, em pacientes oncológicas. Para os casos de câncer vulvar, a prevenção da deiscência de cicatriz inguinal pode ser feita por drenagem linfática manual. Em estudo com 43 mulheres com esse tipo de neoplasia e submetidas à vulvectomia, 11 receberam cinesioterapia e drenagem linfática manual em membros inferiores no período de internação pós-operatório e 32 serviram como controle. O grupo que recebeu cinesioterapia e drenagem linfática apresentou tendência a ter menos deiscência, principalmente as mulheres submetidas à linfonodectomia inguinal superficial. Porém não houve alteração no tempo de aparecimento da deiscência e no período de internação. Também foram observadas perimetria estável dos membros inferiores e amplitude de movimento do quadril mantida ou aumentada. A massagem cicatricial pode ser realizada na fase de remodelamento cicatricial para prevenir e/ou tratar aderência cicatricial e fibrose pericicatricial. Exercício ativo-livre e de alongamento também deve ser incentivado, pois promove a estimulação mecânica da cicatriz, melhora o metabolismo e a circulação sanguínea local, prevenindo aderência cicatricial e pericicatricial. 6.3.3 Alterações Circulatórias - Trombose Venosa Profunda Complicações tromboembólicas são a maior preocupação da equipe médica no manejo de paciente com câncer ginecológico, pois são causa significativa de morbidade e mortalidade. A incidência da TVP em pacientes com malignidade ginecológica varia consideravelmente entre os estudos, de 3 a 25%, de acordo com o sítio tumoral e o estadiamento clínico. Esta complicação constitui a principal causa de mortalidade no pós-operatório de cirurgia para tumores ginecológicos, e o câncer de ovário é uma das malignidades mais associadas a ela. Existem diversos fatores de risco para o desenvolvimento de TVP nessa população; alguns compreendem a própria patologia, bem como seu tratamento e manejo clínico: idade avançada, obesidade, presença de comorbidades ou doenças crônicas, problemas vasculares prévios, desidratação, diminuição da deambulação na fase operatória, cirurgia extensa com dissecção retroperitoneal, longo período de anestesia, recorrência da malignidade, radioterapia, quimioterapia, grande perda sanguínea no intraoperatório, alto risco para sangramento no pós-operatório (contraindicação à prevenção medicamentosa), entre outros. Para entender melhor a fisiopatologia da TVP, a tríade de Virchow deve ser lembrada: hipercoagulabilidade, estase venosa e lesão endotelial. Os fatores de risco inerentes à TVP irão se encaixar de alguma forma em uma ou mais destas três categorias. O câncer, por si só, leva o paciente a um estado de hipercoagulabilidade, aumentando o risco de TVP em até 7 vezes, pois as células malignas liberam considerável quantidade de fator tissular, o que facilita a agregação plaquetária e a atividade pró-coagulante. Além disso, liberam citocinas pró-coagulantes e angiogênicas. Nota-se que os tumores ginecológicos pélvicos, principalmente os volumosos, causam compressão das veias pélvicas com prejuízo ao retorno venoso e, consequentemente, estase venosa, predispondo o paciente à formação de trombos. Vale lembrar que considerável número de pacientes desenvolve TVP em veias pélvicas sem evidência de comprometimento nos membros inferiores no pós-operatório. Além disso, alguns tumores cervicais avançados que invadem os paramétrios e parede pélvica podem causar lesão endotelial local. O exame físico deve ser cuidadoso em mulheres com queixa de dor em membros inferiores e naquelas acamadas de alto risco. Os sinais e os sintomas podem estar presentes precocemente, algumas horas após a cirurgia ou em questão de dias, ou mais tarde, após semanas. Deve-se suspeitar de TVP se houver edema, eritema e calor. Muito frequentemente, o paciente apresenta dor causada pela distensão da veia no processo inflamatório vascular e perivascular e pelo edemamuscular que expande o volume dos músculos no interior da fáscia pouco distensível, o que causa pressão sobre as terminações nervosas. O edema é provocado pela elevação da pressão venosa, que é responsável pelo aumento da pressão venular e capilar, resultando em acúmulo de líquido no meio intersticial. Outros sintomas como febre, taquicardia e mal-estar podem estar presentes em pacientes com TVP, porém não são indicativos dessa patologia. Embora muitos casos de tromboembolismo pulmonar sejam assintomáticos, deve-se ficar atento à queda de saturação com necessidade de oxigenoterapia suplementar, à insuficiência respiratória de intensidade variada e à dor torácica. À inspeção, as veias superficiais poderão estar visíveis no membro acometido. Poderá haver alteração de coloração, como cianose, eritema ou palidez, por exemplo, em alguns casos de trombose ilíaco-femoral, em decorrência de espasmo arterial. À palpação, pode-se observar edema muscular e de tecido subcutâneo com depressão e dor muscular na panturrilha e no trajeto venoso, que depende da fase do processo inflamatório perivascular. Durante a dorsiflexão passiva do pé e com a perna estendida, a dor é caracterizada pelo sinal de Homan positivo e provocada pela distensão dos músculos edemaciados e das veias inflamadas. Este sinal, porém, é detectável apenas quando há oclusão vascular completa. A sensação de peso no membro afetado está na dependência do volume do edema, bem como o desconforto e até mesmo certo grau de impotência funcional, que pode impedir a movimentação do membro acometido. Pode ocorrer modificação da pele, com cianose de artelhos em determinadas posições. Os sintomas vasomotores podem vir acompanhados de sensação parestésica extremamente desconfortável. A confirmação do diagnóstico se dá por exame de imagem. Comumente, se faz ultrassonografia com Doppler, exame não invasivo, de baixo custo, sem radiação e que possui altas sensibilidade e especificidade. Outros exames podem ser solicitados: tomografia computadorizada, flebografia com ressonância magnética ou via cateter, entre outros. A dosagem de D-dímero sérico (produto da degradação da fibrina) também é utilizada, no entanto, pode estar elevada no paciente oncológico mesmo sem complicações tromboembólicas. A TVP pode provocar sequelas, como a síndrome pós-trombótica, e complicações, como o tromboembolismo pulmonar (com ou sem hipertensão pulmonar). A síndrome pós-trombótica é a complicação crônica mais comum da trombose venosa profunda e está presente em 20 a 50% dos casos. O diagnóstico é clínico e se baseia em um espectro amplo de sinais e sintomas característicos de insuficiência venosa crônica. Pode variar de um edema leve ou hiperpigmentação da pele até uma ulceração importante no membro inferior acometido. Esta síndrome aumenta custos hospitalares e causa grande prejuízo à qualidade de vida do paciente. Alguns estudos mostram que a TVP reduz a sobrevida do paciente oncológico. A atuação da fisioterapia no pós-operatório tem cunho preventivo e baseia-se em medidas profiláticas simples que devem fazer parte da rotina de cuidados pós-operatórios. Dentre as medidas, priorizam-se exercícios passivos ou ativos de membros inferiores, deambulação precoce e elevação dos membros inferiores. Além de prevenir complicações tromboembólicas, tais medidas permitem o retorno mais rápido às atividades de vida diária, além de reduzir o tempo de hospitalização, contribuindo para diminuir complicações pós-operatórias. A profilaxia da TVP também deve ser realizada em todos os pacientes acamados (aqueles que passam mais de 50% do tempo deitados). A principal forma de prevenir a TVP é a deambulação. Na impossibilidade de caminhar, consideram-se as profilaxias farmacológicas (com anticoagulantes) e/ou mecânica (meias de compressão de 18 a 23 mmHg ou compressão sequencial intermitente. Em casos de alto risco para TVP, como pacientes oncológicos, pode-se associar as duas, se possível. Em pacientes com contraindicação ao uso de anticoagulantes, considerar apenas a profilaxia mecânica. Atualmente, acredita-se que o repouso no leito, prescrito antigamente para o paciente com diagnóstico de TVP, não seja benéfico, pois, além de prejudicar o retorno venoso e causar estase venosa, parece não diminuir a ocorrência de tromboembolismo pulmonar. Dessa forma, há quem indique a mobilização precoce com o objetivo de reduzir mais rapidamente os sintomas da TVP, principalmente dor e edema, mas somente após a instituição terapêutica medicamentosa com anticoagulante. Alguns trabalhos mostram melhores resultados da fisioterapia motora quando o paciente utiliza meia de compressão. 6.4 DISFUNÇÕES URINÁRIAS As pacientes submetidas ao tratamento oncoginecológico apresentam alta prevalência de disfunções uroginecológicas. Entre elas, as mais comuns são incontinência urinária de esforço, incontinência urinária de urgência, prolapso de órgãos genitais e obstrução urinária. Ainda que uma estrutura possa sair ilesa da cirurgia oncoginecológica, o simples fato de se extrair um órgão da cavidade abdominopélvica implica grande mudança anatômica, que influencia o posicionamento dos órgãos remanescentes. Na Figura 16.4, visualiza-se a diferença no posicionamento anatômico da bexiga quando o útero está presente e quando houve sua ressecção. Essa alteração pode modificar os vetores de força do detrusor sobre a uretra, causando alteração do mecanismo de continência urinária. De acordo com o dano provocado pela abordagem cirúrgica, radioterapia ou invasão tumoral, algumas complicações uroginecológicas podem se tornar mais ou menos comuns. Pode ocorrer também comprometimento do esfíncter uretral intrínseco, hipermobilidade do colo vesical, bexiga neurogênica, perda urinária insensível e hipotonia do músculo detrusor. Na avaliação dos sintomas urinários da paciente oncológica é importante investigar: ● Existência de sintomas urinários atuais e prévios ao diagnóstico e tratamento oncológico ● Tipo de cirurgia realizada: técnica e dissecção de linfonodos ● Quimioterapia e radioterapia: número de sessões, doses e data da última sessão ● Funcionamentos vesical e colorretal anteriores e imediatamente após a cirurgia. Esses dados poderão guiar de forma mais assertiva o diagnóstico da disfunção urinária, bem como o prognóstico que o tratamento fisioterapêutico pode oferecer. A anamnese e a avaliação física devem ser completas e minuciosas e têm como objetivo identificar a estrutura prejudicada, além de procurar perdas funcionais decorrentes do tratamento oncológico. No entanto, é possível que alguns sintomas urinários apresentem característica transitória nas pacientes tratadas por câncer ginecológico. https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527734660/epub/OEBPS/Text/chapter16.html#ch16fig4 Mulheres sem queixas urinárias prévias ao tratamento oncológico e que agora as têm, provavelmente apresentam fisiopatogenia advinda de irradiação, quimioterápico, procedimento cirúrgico ou mais de um desses motivos. Para pacientes que tiveram a musculatura do assoalho pélvico danificada – como no caso de estenose vaginal – e passaram a referir perda urinária ao esforço, o objetivo fisioterapêutico deve contemplar o retorno funcional dessa musculatura. Se houver sintomas característicos de incontinência urinária de esforço, a etiologia pode ter ligação com alterações da anatomia visceral, que mesmo discretas, podem resultar em hipermobilidade do colo vesical. Portanto, exames complementares, como a urodinâmica, devem ser solicitados a fim de se delinear tratamentos e prognósticos compatíveis. Na evolução de bexiga neurogênica ou diante da manifestação de sintomas irritativos (noctúria, polaciúria, enurese, urgência e urgeincontinência) é importante o fisioterapeuta ter perspicácia ao investigar possíveis lesões nervosas, parciais ou totais. Em alguns casos, a eletroestimulação sacral pode ser preferível à eletroestimulação do nervo tibial ou vice-versa. Isso pode ocorrer especialmente em cirurgias em que o tumor tratadoapresentou estadiamento de alto grau, grande tamanho ou invasão tecidual adjacente importante. Nesses casos, a lesão nervosa unilateral transitória ou definitiva é mais frequente e pode danificar a condução nervosa homolateral ao nervo a ser eletroestimulado, por isso, um exame físico que contenha teste sensório-motor deve ser considerado. O tratamento fisioterapêutico das disfunções urinárias aplicado à paciente oncológica deve seguir o raciocínio clínico. No entanto, é preciso avaliar algumas contraindicações que determinados recursos eletrofísicos possuem, quando considerados para essa população. Primeiramente, é necessário se certificar se o paciente em questão está na fase ativa ou não da doença. Outro fator essencial à tomada de decisão é se a localização do tumor tratado é na região exata ou muito próxima àquela a ser estimulada física ou manualmente. A literatura científica mundial é escassa de trabalhos que abordem a segurança do tratamento fisioterapêutico aplicado às disfunções de assoalho pélvico em pacientes oncológicas. No entanto, sabe-se que a conscientização perineal, a reeducação vesical – a partir de orientações sobre ingesta hídrica e alimentar – e a programação da micção são bastante efetivas no tratamento da incontinência urinária de urgência e não apresentam risco à paciente oncológica. Também é prescrita com segurança a cinesioterapia aplicada à musculatura do assoalho pélvico, com auxílio de técnicas de biofeedback, como Kegel à palpação, dispositivos insufláveis com visor de diferença de pressão ou eletromiografia. Por outro lado, muito se discute quanto à segurança oncológica com o emprego de aparelhos eletroterapêuticos, como a ultrassonografia, normalmente indicada à analgesia e melhora da resposta inflamatória local, o laser e as correntes elétricas [estimulação elétrica funcional (FES, functional electrical stimulation), eletroestimulação nervosa transcutânea (TENS, transcutaneous electrical nerve stimulation) e interferencial] muito utilizadas na área de fisioterapia uroginecológica. BIBLIOGRAFIA 1. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Assistência à Saúde. Instituto Nacional de Câncer (Brasil). Estimativa da incidência e mortalidade por câncer no Brasil para 1999. Rio de Janeiro: INCA; 1999. 2. Ministério da Saúde. 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