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Psicólogo social, filósofo e padre jesuíta, Ignácio Martin Baró nasceu na Espanha em 1942 e faleceu em El Salvador em 1989. Ignácio Martín-Baró é conhecido por ser o proponente da Psicologia da Libertação. Diversos autores sublinham a relevância de sua obra por buscar, explicitamente, colocar a Psicologia a serviço da transformação social de estruturas opressoras e propor como ponto de partida o estudo da realidade latino-americana. De acordo com os principais estudiosos da vida e da obra do autor, a violência e a guerra constituem um dos eixos fundamentais que caracterizam a trajetória da obra de Martín-Baró. Por isso, é possível facilmente identificar um significativo número de artigos e textos sobre violência em sua obra. A preocupação com a violência está estreitamente relacionada com o contexto de El Salvador, país em que, entre 1932 e 1972, ocorreram sete golpes de Estado encabeçados por agentes militares e oligarquias nacionais apoiadas pelos Estados Unidos. Este número mostra o predomínio da violência na vida política salvadorenha e a conjuntura social explosiva em um país que teve sua história marcada por intensa desigualdade social. Em um contexto social explosivo, um ponto de virada decisivo foi o ano de 1979, quando, após a instauração de uma junta governamental constituída por militares e civis, houve uma grande manifestação de organizações populares que terminou em confrontos e massacres. A psicologia da libertação de Ignácio Martín-Baró Resumo feito por Giovanna Gebrim Desde então, o cenário político dividiu-se, cada vez mais, entre a violência insurgente, protagonizada pela Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN) e apoiada pela Frente Democrática Revolucionária (FDR) e a violência estatal protagonizada pelo governo salvadorenho apoiado pelos EUA e por organizações paramilitares, os chamados "esquadrões da morte". Durante o período de guerra, mais de 750 mil pessoas foram removidas de El Salvador e aproximadamente 1 milhão de pessoas se refugiaram nos Estados Unidos. Estima-se ainda que 75 mil pessoas foram mortas diretamente pela guerra, a maioria composta por civis. A Universidade Centroamericana José Simeón Cañas (UCA) teve um papel importante. Membros da universidade publicaram artigos críticos à guerra, denúncias de crimes e violações aos direitos humanos e análises psicossociais sobre problemas de El Salvador. Tal envolvimento resultou em diversos atentados executados pelo exército salvadorenho contra a estrutura física da universidade, além do assassinato de seis jesuítas e duas funcionárias no interior da própria UCA, dentre as pessoas assassinadas estava Martín-Baró. O episódio ficou conhecido como o massacre que marcou a intensificação das pressões por uma saída pacífica e negociada do conflito. Os responsáveis pelo assassinato dos jesuítas e das duas trabalhadoras pertenciam a um batalhão de elite do exército de El Salvador, o Batallón Atlácatl - treinado nos EUA, especialmente comprometido com o assassinato de civis e responsável pelo massacre de Mozote, o maior massacre de civis da guerra em El Salvador, que assassinou mais de 900 pessoas. Além de figuras diretamente envolvidas na execução do assassinto, como o coronel Guillermo Alfredo Benavides e o sargento Ramiro Ávalos, o assassinato foi orquestrado por assessores estadounidenses e líderes do partido que presidia o país na época, a Aliança Republicana Nacionalista (ARENA), especificamente um militar envolvido diretamente na articulação de diversos esquadrões da morte em El Salvador e que presidiu a Assembleia Legislativa do país entre 1982 e 1985, Roberto d'Aubuisson. Resumo feito por Giovanna Gebrim Neste contexto, Martín-Baró desenvolveu diversos estudos analisando a sociedade em que estava inserido e problematizando o papel da Psicologia em uma sociedade profundamente desigual. Após o agravamento da guerra civil, a violência se tornou um tópico cada vez mais presente em sua obra. Seu interesse abarcou tanto a especificidade da guerra salvadorenha e seus efeitos psicossociais, quanto a compreensão do fenômeno da violência em geral. Sendo seus estudos marcados por uma compreensão específica sobre o papel da Psicologia. Para Martín-Baró, as teorias psicológicas hegemônicas na América Latina possuíam diversos problemas: Estes problemas fazem com que as teorias hegemônicas na Psicologia latino-americana sejam incapazes de contribuir para uma melhoria das condições de vida das maiorias populares. Com o fim de desenvolver uma Psicologia voltada à superação dos problemas dos setores populares, o autor propõe a Psicologia da Libertação: uma Psicologia que parte da realidade latino-americana, que define suas questões a partir dos problemas populares e, por fim, que busca orientar sua práxis para a transformação da realidade social. Referências das informações desse tópico: MARTINS, Karina Oliveira e LACERDA JR, Fernando.A contribuição de Martín-Baró para o estudo da violência: uma apresentação. Rev. psicol. polít. [online]. 2014, vol.14, n.31, pp. 569-589. ISSN 1519-549X. - A apropriação de teorias importadas sem uma análise crítica de sua adequação teórica para o contexto latino-americano. - A adoção de uma epistemologia construída a partir da perspectiva do dominador. - Foco em falsos dilemas e polêmicas que não respondem às questões da realidade latino-americana. Ignácio Martín-Baró Resumo feito por Giovanna Gebrim Presença de desigualdades A obra “A distância que nos une - Um retrato das desigualdades brasileiras" afirma que, no mundo, oito pessoas detêm o mesmo patrimônio que a metade mais pobre da população. Ao mesmo tempo, mais de 700 milhões de pessoas vivem com menos de US$1,90 por dia. No Brasil, a situação é pior: apenas seis pessoas possuem riqueza equivalente ao patrimônio dos 100 milhões de brasileiros mais pobres. E mais: Os 5% mais ricos detêm a mesma fatia de renda que os demais 95%. Uma trabalhadora que ganha um salário mínimo por mês levará 19 anos para receber o equivalente aos rendimentos de um super-rico em um único mês. De acordo com a CNN Brasil, a população abaixo da linha da pobreza triplicou e atingiu 27 milhões de brasileiros. De acordo com a Agência IBGE Notícias, a extrema pobreza atingiu 13,5 milhões de pessoas e chegou ao maior nível em 7 anos. De acordo com a Veja, ser rico acrescenta até nove anos à expectativa de vida. De acordo com a DW, a vida na periferia de São Paulo é, em média, até 23 anos mais curta. De acordo a UFMG, jovens negros têm 2,7 mais chances de serem assassinados que os brancos. Homicídio é sintoma de sistema que exclui jovens negros, segundo especialista. Resumo feito por Giovanna Gebrim Para quê psicólogos? Há alguns anos atrás, em 1968, um psicólogo francês, Marc Richelle, colocava a questão “para que psicólogos?” A razão deste questionamento radicava no que ele qualificava de uma repentina e “inquietante proliferação de uma espécie nova”. Naquela mesma época, outro francês, Didier Deleule, dava uma resposta bastante radical a essa questão: a proliferação da psicologia se devia à função que estava assumindo na sociedade contemporânea, ao converter-se em uma ideologia de reconversão. A psicologia oferecia uma solução alternativa para os conflitos sociais: tratava-se de mudar o indivíduo preservando a ordem social ou, no melhor dos casos, gerando a ilusão de que talvez, ao mudar o indivíduo, também mudaria a ordem social, como se a sociedade fosse uma somatória de indivíduos. Psicologia moderna e a torre de marfim Inicia-se um pensamento crítico sobre a psicologia, criando uma imagem de que a psicologia está no alto de uma torre de marfim. Afinal, tradicionalmente, a psicologia era voltada para uma clínica de valores inacessíveis para a maioria da população. Ou seja, tratava-se de uma psicologia elitista, em que era formada por profissionais brancos para uma elite branca, sem inclusão de negros (não tinham condições de pagar esse serviço). A clínica era voltada para raízes individuais dos problemas, esquecendo-se dos fatores sociais.Ou seja, o pensamento era de “se você sofre, é porque você tem um problema, e não porque as relações que você estabelece com o mundo te afetam". A partir desse momento de crítica, a psicologia começa a mudar seu ponto de vista, refletindo que a forma como essa população sofre, seja ela pobre ou rica, está determinada pela organização social, se inscrevendo nas relações sociais. O contexto social converte-se assim em uma espécie de natureza, um pressuposto inquestionado, frente a cujas exigências “objetivas” o indivíduo deve buscar a solução para seus problemas de modo individual e “subjetivo”. Com este enfoque e com esta clientela, não é de se estranhar que a psicologia esteja servindo aos interesses da ordem social estabelecida, isto é, que se converta em um instrumento útil para a reprodução do sistema. Ou seja, ao desnaturalizar as relações sociais e compreendê-las historicamente vai permitir que as coletividades (e não os sujeitos) construam formas de enfrentamento para seus sofrimentos. Daí, surge o imperativo de examinar não só o que somos, mas o que poderíamos ter sido, e sobretudo, o que deveríamos ser frente às necessidades de nossos povos, independentemente de contarmos ou não com modelos para isso. Resumo feito por Giovanna Gebrim As obras “Um jantar brasileiro (1827)” e “Loja de sapateiros (séc. XIX)”, ambas do Jean-Baptiste Debret, representam as desigualdades raciais muito presentes e naturalizadas naquela realidade. Do comportamento à consciência Definições de consciência: OBS: Isso não quer dizer que a análise do comportamento deve ser descartada, mas que devemos considerar que o comportamento deve ser visto à luz de seu significado pessoal e social, do saber que manifesta e do sentido que adquire historicamente, e não apenas como uma adequação do comportamento. Na medida em que a psicologia tome como seu objetivo específico os processos da consciência humana, deverá atender ao saber das pessoas sobre si mesmas enquanto indivíduos e membros de uma coletividade. Ou seja, o indivíduo deixa de ser visto como um sujeito isolado (que sofre por razões individuais) e passa a se perceber como membro de uma coletividade (sendo capaz de olhar não apenas para si, mas também de se reconhecer como membro de uma população). - Consiste no saber ou no não saber sobre si mesmo, sobre o próprio mundo e sobre os demais, um saber práxico mais que mental. Se inscreve na adequação às realidades objetivas de todo comportamento, e só é condicionada parcialmente ao se tornar saber reflexivo. - Realidade psicossocial relacionada com a consciência coletiva. Ou seja, a forma como a realidade se constitui é uma ótima forma de ver como a consciência coletiva se estrutura. - Inclui a imagem que as pessoas têm de si mesmas, imagem que é o produto da história de cada uma e que não é um assunto privado. - Inclui também as representações sociais, ou seja, todo saber social e cotidiano que chamamos “senso comum”, âmbito da ideologia. Resumo feito por Giovanna Gebrim Conhecimento O saber mais importante do ponto de vista psicológico não é o conhecimento explícito e formalizado, mas esse saber inserido na práxis cotidiana, na maioria das vezes implícito, estruturalmente inconsciente, e ideologicamente naturalizado, enquanto adequado ou não às realidades objetivas, enquanto humaniza ou não às pessoas, e enquanto permite ou impede os grupos e povos de manter o controle de sua própria existência. Mais importante que o conhecimento científico, é a psicologia querer saber como as pessoas pensam, vivem e agem. Conceitos importantes - Paulo Freire Conscientização: termo cunhado por Paulo Freire. Caracteriza o processo de transformação pessoal e social que experimentam os oprimidos quando se alfabetizam em dialética com o seu mundo. Alfabetizar-se: consiste em aprender a ler a realidade circundante e a escrever a própria história. O que importa não é tanto saber codificar e decodificar palavras estranhas, mas aprender a dizer a palavra da própria existência, que é pessoal, mas, sobretudo, é coletiva. Para isso, faz-se necessário superar sua falsa consciência e atingir um saber crítico sobre si mesmo, sobre seu mundo e sobre sua inserção nesse mundo. 3 aspectos do nosso processo de conscientização 1. O ser humano transforma-se ao modificar sua realidade, processo dialético que não pode acontecer através da imposição, mas sim através do diálogo. Ou seja, não há como impor uma forma de ver o mundo. 2. Ocorre mediante a gradual decodificação do seu mundo, pois através desse processo as pessoas seriam capazes de captar e desnaturalizar os mecanismos que as oprimem, abrindo caminho para novas possibilidades de ação (possibilidade de nova práxis e novas formas de consciência). Resumo feito por Giovanna Gebrim Ou seja, as pessoas se transformam no mundo na medida que o mundo vai apresentando situações que não são compreendidas com facilidade, isso leva a um processo de reflexão sobre a forma de enxergar e agir no mundo. 3. O novo saber constituído leva a um novo saber sobre si e sobre sua identidade social, fazendo com que a pessoa se perceba em sua ação transformadora em relação às coisas e seu papel ativo nas relações com os demais. Dessa forma, conscientização não significa uma mudança da subjetividade individual que deixaria intacta a situação objetiva, mas sim uma mudança das pessoas no processo de mudar sua relação com o meio ambiente e, sobretudo, com os demais. A conscientização leva as pessoas a recuperar a memória histórica, a assumir o mais autêntico do seu passado, a depurar o mais genuíno do seu presente e a projetar tudo isso em um projeto pessoal e nacional. Parafraseando Martín-Baró As perguntas críticas que os psicólogos devem se formular a respeito do caráter de sua atividade e, portanto, a respeito do papel que está desempenhando na sociedade, não devem centrar-se tanto no onde, nas no a partir de quem; não tanto em como se está realizando algo, mas sim em benefício de quem; e, assim, não tanto sobre o tipo de atividade que se pratica (clínica, escolar, industrial, comunitária ou outra), mas sobre quais são as consequências históricas concretas que essa atividade está produzindo. 3 pontos de reflexão importantes O psicólogo centro-americano deve repensar a imagem de si mesmo como profissional. Não se pode continuar com a inércia dos esquemas teóricos já conhecidos ou das formas de atuar habituais; nosso saber psicológico deve ser confrontado com os problemas novos dos povos centro-americanos e com as questões que lhe são apresentadas. O caso das vítimas da guerra é talvez o mais agudo e urgente, porém não é o único, nem sequer, talvez, o mais radical. Resumo feito por Giovanna Gebrim É urgente assumir a perspectiva das maiorias populares. Sabemos, pela sociologia do conhecimento, que o que se vê da realidade e como se vê, depende de forma essencial do lugar social de onde se olha. Até agora, o nosso saber psicológico alimentou-se fundamentalmente de uma análise dos problemas realizada a partir da perspectiva dos setores dominantes da sociedade. Não é provável e, talvez, nem sequer possível, que alcancemos uma compreensão adequada dos problemas mais profundos que atingem as maiorias populares se não nos colocarmos, ainda que hermeneuticamente, em sua perspectiva histórica. Talvez a opção mais radical com que se defronta a psicologia centro- americana hoje esteja na alternativa entre uma acomodação a um sistema social que pessoalmente nos tem beneficiado, ou uma confrontação crítica frente a esse sistema. Em termos mais positivos, a opção reside entre aceitar, ou não, acompanhar as maiorias pobres e oprimidas em sua luta por constituir-se como povo novo em uma terra nova. Não se trata de abandonar a psicologia; trata-se de colocar o saber psicológico a serviço da construção de uma sociedade em que o bem estar dos menos não se faça sobre o mal estar dos mais, em que a realização de alguns não requeira a negação dos outros, em que o interesse de poucos não exija a desumanização detodos. Referências para a construção do resumo: Aula do professor Diego Toloy (UNIFACS) Resumo feito por Giovanna Gebrim
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