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pequeno artigo teoria x ideologia - rosemiro (1)

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Aula Introdução ao Estudo do Direito
UESPI, 15 de setembro de 2021.
Prof. Dr. Joseli Lima Magalhães
DIREITO, IDEOLOGIA E TEORIA
Karl Popper parte da ideia de que por trás de toda palavra e, portanto, de todo discurso há uma teoria ou uma ideologia[footnoteRef:0], sendo que a teoria consiste em uma proposição formalizada (enunciada escrituralmente) e testificada (demonstrada logicamente) que se oferece, por sua própria fraseologia ou texto, à crítica incessante. Se insuscetível de crítica[footnoteRef:1], a proposição não é teórica, mas ideológica. Se os conteúdos da proposição não são testificáveis, porque trabalha modos monológicos ou monádicos e saberes indevassáveis, logo dogmáticos, do discurso e da linguagem, então está-se diante de uma crença. Quando a Ciência, que consiste num saber ordenado, se põe a serviço exclusivo da técnica, que é apenas um proceder ordenado, e se distancia dos confrontos da teoria e da crítica, promove-se mera ideologia (ausência de interesse pelos fundamentos teóricos ou críticos de validade e interesse por parâmetros de utilidade e eficiência). [0: POPPER, Karl. Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionária. Belo Horizonte: Itatiaia, 1999.] [1: A crítica é o apontamento de ausência de conteúdos (aporias) na estrutura do discurso do conhecimento (Rosemiro e Popper).] 
Na epistemologia contemporânea, crítica é o apontamento da ausência de conteúdos na estrutura do discurso do conhecimento vigorante (Rosemiro Leal). Por meio da crítica é possível trabalhar a lógica aporítica (ou aporética), que denuncia os furos (os vazios, as aporias) da linguagem. Assim, ao ser confrontada, uma teoria prevalece não por ser verdadeira, mas por ser resistente à crítica[footnoteRef:2]. O pensamento crítico recusa a lógica apofântica (enunciado autonormativo), que fecha as hipóteses de conhecimento e sugere o desvelamento definitivo da verdade imanente e permanente do ser, ou do objeto de estudo. Ademais, e por fim, também para Popper, apenas a crítica provoca o crescimento do conhecimento, porque viabiliza o preenchimento dos poros da linguagem (ou do discurso) das teorias até então vigentes, estabelecendo-se, inevitavelmente, uma permuta de problemas, na medida em que a solução de problemas antigos possibilita a identificação de inúmeros problemas novos. [2: POPPER, Karl. Conhecimento Objetivo. Belo Horizonte: Itatiaia, 1999, p. 238-241.] 
A expressão ideologia remete às cogitações teóricas elaboradas por Karl Marx contra o pensamento neohegeliano, segundo o qual o pensamento idealista centrado no eu não tem condições de encontrar respostas satisfatórias às indagações sobre a emancipação do homem, uma vez que a própria realidade material é que condiciona a consciência do pensador sobre si mesmo e acerca do mundo à sua volta[footnoteRef:3], de nada valendo tentativas ditas filosóficas de explicação da racionalidade humana, “enquanto não levarem em consideração a história que, literalmente, modela essa racionalidade”[footnoteRef:4], o que o próprio Marx designa ideologia. Mas também autores tidos como pós-marxianos tem desenvolvido pesquisas a respeito da ideologia a descaracterizá-la como “simples equívoco ou produto de um auto-engano do pensamento humano”[footnoteRef:5], converte-se em discurso verdadeiramente estratégico capaz de prover suplantar o domínio de uma classe sobre as outras, inclusive se utilizando da própria lei, e do ambiente legislado, para apresentarem lobby capazes de concretizar tal desiderato, como no caso que ocorreu junto à construção do novo CPC. [3: MAGALHÃES, Joseli Lima [Et. All.] Introdução ao discurso normativo do código de processo civil de 1973. In LEAL, Rosemiro Pereira Leal (Coord.). Comentários críticos a Exposição deg Motivos do CPC de 1973 e os motivos para a elaboração de um novo CPC. Franca: Lemos e Cruz, 2010, p. 45.] [4: MAGALHÃES, Joseli Lima [Et. All.] Introdução ao discurso normativo do código de processo civil de 1973. In LEAL, Rosemiro Pereira Leal (Coord.). Comentários críticos a Exposição deg Motivos do CPC de 1973 e os motivos para a elaboração de um novo CPC. Franca: Lemos e Cruz, 2010, p. 45.] [5: MAGALHÃES, Joseli Lima [Et. All.] Introdução ao discurso normativo do código de processo civil de 1973. In LEAL, Rosemiro Pereira Leal (Coord.). Comentários críticos a Exposição deg Motivos do CPC de 1973 e os motivos para a elaboração de um novo CPC. Franca: Lemos e Cruz, 2010, p. 45.] 
Um dos grandes problemas enfrentados pela Academia, em especial por aqueles que estudam direito de forma “apressada” e, muitas vezes, descontextualizada e centrado apenas nos círculos de autores preocupados em fazerem alimentar o que eles mesmos (re)produzem, é a presença da capacidade mental de compreensão instantânea, ou seja, o estudioso do direito faz conexões rápidas entre o que está separado e o que entender ser a sua interpretação do objeto analisado. Pior ainda é quando este “modo de trabalho” e “ver as coisas” partem dos positivistas, os quais trabalham com métodos, mas não sabem qual método utilizar, a ponto de optarem ora por uma teoria, ora por outra, fazendo verdadeira associação de teorias (de modo tudo muito sincrético). São finalistas, procurando fazer verdadeiras costuras para chegar às suas idéias, de tão maneira que não percebem que tais teoria estão, na verdade, repletas, de aporias.
Estas interconexões, às quais a elas não são dadas importâncias, talvez até por inexistirem, somente podem ser feitas por meio de teorias. Mas teorias realmente sérias, postas à testificação. No fundo, o que vemos muito hoje no mundo jurídico são ideologias, e não teorias, repletas de aporias. 
Para piorar ainda mais, no discurso jurídico, há a presença marcante da distopia, que nada mais vem a ser do que a descoberta do caráter estratégico de um discurso, por um discurso que se supõe não conter, a priori, nenhuma aporia. O sujeito se acha muito prodigioso. A distopia é, no fundo, verdadeira uma ideologia.
Quanto ao direito processual estudado hoje no país, pode-se dizer que quanto às suas teorias, na verdade, muitas delas é pura ideologia, agregando forte carga de crença, de conteúdo apofântico de certeza, de tal maneira que para romper este ciclo há necessidade do saber, necessariamente, ter que passar por teorias, sendo uma delas é a “teoria neoinstitucionalista do processo”, à qual corresponde a uma resposta, segundo seu próprio idealizador, professor Rosemiro Pereira Leal, ao holocausto a que ele próprio foi submetido pelo aprendizado museológico de um Direito fincado na ideologia secular da própria Ciência Dogmática do Direito.
Assim, a respeito desta temática, que envolve a dualidade Ideologia X Teoria, no fundo toda vez que se trabalha o saber deformado, trabalha-se a própria ideologia, o que fica bem evidente na construção do novo CPC, cuja tradição nele presente, traz reminiscências da própria história, perpassada de mitos (como do non liquet e da coisa julgada), de ideologias de várias tendências, ideologias verdadeiramente sincréticas.

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