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mais conhecida na abordagem de am- bientes alimentares, define quatro tipos de ambientes onde os indi- víduos encontram-se imersos e que definem nossa decisão alimen- tar: o físico, o econômico, o político e o sociocultural (Swinburn et al. 1999). O ambiente físico refere-se à disponibilidade de opor- tunidades para escolhas alimentares, como pontos de venda de alimentos diversos, opções alimentares em cantinas escolares ou lanchonetes no ambiente de trabalho etc. O ambiente econômico re- fere-se aos custos relacionados à alimentação. Por exemplo, dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, a FAO (2020), mostram que o custo de uma dieta saudável excede a média nacional dos gastos com alimentos na maioria dos países do Sul Global. Com base na renda média estimada, mais de 3 bilhões de pessoas no mundo não poderiam ter uma dieta saudável, segundo o mesmo relatório. A renda, ou o ambiente econômico, é sem dúvidas um dos fatores que mais modelam nossas práticas alimentares. Pare e pense sobre isso. Já o ambiente político refere-se às regras e regu- lamentos que podem influenciar a escolha dos alimentos e o acesso à alimentação. Considere, por exemplo, normativas que proíbem a venda de fast-food em escolas, ou ainda, o exemplo do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que garante que crianças, 22 ALIMENTAÇÃO E CULTURA PARA NUTRIÇÃO muitas em situação de fome, tenham acesso a alimentação de qua- lidade nas escolas (FAO 2015). Finalmente, o ambiente sociocultu- ral refere-se às normas descritivas e subjetivas sociais e culturais e outras influências sociais, tais como apoio social para a adoção de comportamentos de saúde ou pressão social para se envolver em há- bitos não saudáveis, conforme já discutimos nesta seção. Lembra da propaganda da criança que chorava para a mãe comprar brócolis no supermercado? A graça dessa propaganda reside no fato de que, no nosso ambiente sociocultural, os vegetais geralmente não são os alimentos mais desejados, principalmente no caso de crianças. Por isso, o comportamento do menino é no mínimo intrigante para nós. Tanto é que o narrador conclui a cena com a seguinte frase: “essa criança provavelmente não existe”. O ruído entre a cena e o ambien- te sociocultural cria a propaganda. O ambiente alimentar ainda pode ser dividido em duas es- calas: uma macro e outra micro (Brug et al. 2008). Denominamos como microambiente as estruturas e processos com os quais os indi- víduos interagem diretamente em seu entorno imediato, a exemplo dos domicílios, escolas, locais de trabalho, supermercados, bares e restaurantes, outras instalações comunitárias etc. O macroambien- te, por sua vez, é representado pela infraestrutura mais abstrata, pública e privada, que tem o poder e influenciar comportamentos alimentares, a exemplo das políticas nacionais ou internacionais de alimentação, regulamentos, tributação, propagandas etc. 23 ALIMENTAÇÃO E CULTURA PARA NUTRIÇÃO 2) Como atuar sobre esses fatores para promover dietas saudáveis? Embora os humanos sejam predispostos a preferir certos sabores e considerar os novos alimentos com desconfiança, eles também conseguem aprender com a experiência. A vantagem da maleabilidade das preferências alimentares humanas é que a anti- patia por um alimento pode ser reduzida ou mesmo revertida. Aqui apresentamos duas estratégias para atuar sobre esses fatores consi- derando os indivíduos, preferencialmente ainda quando crianças: exposição e exemplo . A exposição tenta atuar sobre a familiaridade na seleção alimentar. Assim, aumentar a exposição, ou seja, expor crianças a oportunidades frequentes de saborear uma variedade de novos alimentos, aumenta a familiaridade e, logo, amplia a chance de adesão a comportamentos mais saudáveis quando adultas (Cooke 2007). O exemplo é outro fator poderoso a ser modulado porque as pistas sociais que recebemos dos nossos pares sobre consumo dos alimentos têm um efeito profundo na forma como lidamos com a comida. Em uma pesquisa com mais de 550 famílias com crianças em idade pré-escolar, o consumo de frutas e vegetais pelos pais foi o fator mais forte na predição da ingestão de vegetais pelas crian- ças (Cooke et al. 2006). As crianças possuem uma tendência de imitar o comportamento de outras pessoas que consideram im- portantes para elas. Observar os outros comendo pode aumentar a probabilidade de consumo, o que promove o gosto por meio da exposição ao paladar. Além dos nossos esforços para mudar as preferências indi- viduais, é importante considerar que vivemos em um ambiente 24 ALIMENTAÇÃO E CULTURA PARA NUTRIÇÃO obesogênico. Em poucas palavras poderíamos definir um ambien- te obesogênico como aquele onde a escolha mais saudável não é a mais fácil (Swinburn et al. 1999). Esse ambiente é caracterizado por alta disponibilidade e acessibilidade de alimentos densos em energia, pressão social para comer tais alimentos (pense nas propa- gandas às quais você é constantemente exposto), bem como poucas oportunidades para investir tempo em atividade física. Junte isso à nossa predisposição para preferir alimentos com alto teor de ener- gia. Sem dúvidas, precisamos de ambientes mais saudáveis para sermos estimulados a ter dietas mais saudáveis. Em um estudo recente Downs e colegas (2020) sugerem quatro grandes estratégias para promover ambientes alimentares saudáveis. Elas são as seguintes: (1) aumentar a disponibilidade de alimentos saudáveis, ou seja, tornar os alimentos saudáveis mais diversos e abundantes; (2) ampliar a acessibilidade a esses alimen- tos, tornando-os economicamente mais acessíveis; (3) favorecer a conveniência, por exemplo, considerando praticidade de preparos e facilidade de acesso físico a alimentos de qualidade; e, por fim, (4) alterar a forma como a promoção de alimentos saudáveis ocorre, gerando mais demanda e condições para comercialização destes produtos. Pontos-chave • A seleção de alimentos é uma habilidade importante para os seres humanos enquanto espécie. • Nossas escolhas são condicionadas por fatores biológicos e so- cioculturais que interagem de forma complexa no ambiente alimentar. 25 ALIMENTAÇÃO E CULTURA PARA NUTRIÇÃO • A adesão a dietas saudáveis não depende apenas da motivação ou de conhecimentos do indivíduo, mas das condições postas pelo ambiente onde estão inseridos. • A transformação de ambientes alimentares é uma das maiores agendas de pesquisa e prática da Nutrição no século XXI. Saiba mais Se você se interessou pelo tema dessa aula, vai gostar de ler o livro do sociólogo Claude Fischler El (h)omnívoro. A seguir apresento um fragmento do livro, extraído do seu primeiro capítulo (p. 11). “El (h)omnívoro: el gusto, la cocina y el cuerpo”, 1995, p. 421, Ed. Anagrama (Barcelona) *** Comer: nada más vital, nada más íntimo. “Íntimo” es precisa- mente el adjetivo que se impone: en latín, intimus es el superlativo de in- terior. Incorporando los alimentos, hacemos que accedan al colmo de la interioridad. Es justamente lo que entiende la sabiduría de los pueblos cuando afirma que “somos lo que comemos”; por lo menos, lo que co- memos se convierte en nosotros mismos. El vestido y los cosméticos sólo están en contacto con nuestro cuerpo; los alimentos deben traspasar la barrera oral, introducirse en nosotros y convertirse en nuestra sustancia íntima. En esencia, pues, hay algo muy serio ligado al acto de incorpo- ración; la alimentación es el dominio del apetito y del deseo gratificados, del placer, pero también de la desconfianza, de la incertidumbre, de la ansiedad. *** 26 ALIMENTAÇÃO E CULTURA PARA NUTRIÇÃO Exercício Nesta aula, por diversas vezes, os termos “escolha” ou “deci- são” para falar sobre fatores que regulam o comportamento alimen- tar. Veja a imagem a seguir. Como você analisa a utilização desses termos após ver essa fotografia e estudar a influência de fatores am- bientais sobre nosso comportamento alimentar? Escreva de