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– – – – – – – – – – – 3.7.2.1.1 a) vigor, passaram a ser absolutamente incapazes apenas os menores de dezesseis anos. Em suma, não existem mais maiores que sejam absolutamente incapazes. Os prazos não são contados contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios. Entendemos que a mesma regra vale para os casos de ausência, hipótese de morte presumida da pessoa natural, tratada entre os arts. 22 a 29 do Código Civil. Também não contam contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra. Pendendo condição suspensiva, não se adquire um bem por usucapião. A título de exemplo, se a propriedade do bem estiver sendo discutida em sede de ação reivindicatória, não haverá início do prazo. Não se adquire por usucapião não estando vencido eventual prazo para a aquisição do direito. Não haverá contagem para o prazo de usucapião pendendo ação de evicção. Não se contam os prazos de usucapião quando a ação de usucapião se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correndo a prescrição antes da respectiva sentença definitiva. Haverá interrupção do prazo de usucapião no caso de despacho do juiz que, mesmo incompetente, ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual. Essa ação em que há a citação pode ser justamente aquela em se discute o domínio da coisa. Em diálogo com o Novo Código de Processo Civil, a citação retroage à data da propositura da ação. Nos termos do art. 240 do CPC/2015, “A citação válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor, ressalvado o disposto nos arts. 397 e 398 da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). § 1.º A interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data de propositura da ação”. O prazo prescricional para a usucapião se interrompe pelo protesto judicial ou até mesmo por eventual protesto cambial, se assim se pode imaginar. Interromperá o prazo prescricional para a usucapião a apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores. Qualquer ato judicial que constitua em mora o possuidor interrompe o prazo para a usucapião. Por fim, por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito alheio por parte do possuidor tem o condão de interromper o prazo para a usucapião. Superada a análise dos seus requisitos, é o momento de apontar as modalidades de usucapião imobiliária admitidas no Direito Privado Brasileiro. Da usucapião ordinária (art. 1.242 do CC) Dispõe o art. 1.242 do atual Código Civil que: “Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos. Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico”. Pela redação transcrita, o atual Código acaba por concentrar no mesmo dispositivo duas modalidades de usucapião ordinária. De início, no caput do dispositivo há previsão da usucapião ordinária regular ou comum, cujos requisitos são os seguintes: Posse mansa, pacífica e ininterrupta com animus domini por 10 anos. O Código Civil de 2002 reduziu e Rectangle b) c) unificou os prazos anteriormente previstos, que eram de 10 anos entre presentes e de 15 anos entre ausentes (art. 551 do CC de 1916). Justo título. Boa-fé, no caso a boa-fé subjetiva, existente no campo intencional ou psicológico (art. 1.201 do CC). Relativamente à menção ao justo título, é fundamental a citação do Enunciado n. 86 do CJF/STJ, aprovado na I Jornada de Direito Civil, prevendo que a expressão abrange todo e qualquer ato jurídico hábil, em tese, a transferir a propriedade, independentemente de registro. Em outras palavras, deve ser considerado justo título para a usucapião ordinária o instrumento particular de compromisso de compra e venda, independentemente do seu registro ou não no Cartório de Registro de Imóveis. Vários são os julgados do Superior Tribunal de Justiça adotando esse entendimento, merecendo transcrição o seguinte: “Civil e processual – Ação reivindicatória – Alegação de usucapião – Instrumento particular de compromisso de compra e venda – Justo título – Súmula 84-STJ – Posse – Soma – Período necessário à prescrição aquisitiva atingido. I. Ainda que não passível de registro, a jurisprudência do STJ reconhece como justo título hábil a demonstrar a posse o instrumento particular de compromisso de compra e venda. Aplicação da orientação preconizada na Súmula 84. II. Se somadas as posses da vendedora com a dos adquirentes e atuais possuidores é atingido lapso superior ao necessário à prescrição aquisitiva do imóvel, improcede a ação reivindicatória do proprietário ajuizada tardiamente. III. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, REsp 171.204/GO, 4.ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 26.06.2003, DJ 01.03.2004, p. 186). No tocante à citada Súmula 84 do STJ, cumpre esclarecer o seu teor, sendo a sua redação: “É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro”. O paralelo é interessante, uma vez que se o compromisso de compra e venda, registrado ou não, possibilita a oposição de embargos de terceiro, também caracteriza justo título para os fins de aquisição da propriedade pela posse prolongada. O teor da súmula é perfeito e deve ser mantido na vigência do Novo CPC. O seu fundamento anterior era retirado do art. 1.046, § 1.º, do CPC/1973, que previa o direito do legítimo possuidor embargar como terceiro. Essa regra foi praticamente repetida pelo art. 674, § 1.º, do CPC/2015, que lhe dá fundamento. Além dessa forma de usucapião prevista no caput do art. 1.242 do Código Civil, o seu parágrafo único trata da usucapião ordinária por posse-trabalho . Isso porque o prazo cai para cinco anos se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelado posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico. Em resumo, a usucapião é possível, com prazo reduzido, havendo a estudada posse qualificada pelo cumprimento de uma função social, em um sentido positivo. O dispositivo material, sem dúvidas, apresenta um sério problema. Isso porque traz um requisito ao lado da posse-trabalho, qual seja, a existência de um documento hábil que foi registrado e cancelado posteriormente, caso de um compromisso de compra e venda. Tal requisito gera o que se convencionou denominar como usucapião tabular, especialmente entre os juristas da área de registros públicos. Pela literalidade da norma, parece que tal elemento é realmente imprescindível. Entretanto, pensamos o contrário, pois a posse-trabalho é que deve ser tida como elemento fundamental para a caracterização dessa forma de usucapião ordinária, fazendo com que o prazo caia pela metade. Deve-se então concluir que a existência do título registrado e cancelado é até dispensável, pois o elemento é acidental, formal. A posse-trabalho, em realidade, é o que basta para presumir a existência da boa-fé (aqui é a 3.7.2.1.2 3.7.2.1.3 boa-fé objetiva, que está no plano da conduta) e do justo título. Essa parece ser a melhor interpretação, fundada no princípio da função social da posse. Por fim, pontue-se que, na VI Jornada de Direito Civil, evento realizado em 2013, foi aprovado o Enunciado n. 569, estabelecendo que, “no caso do art. 1.242, parágrafo único, a usucapião, como matéria de defesa, prescinde do ajuizamento da ação de usucapião, visto que, nessa hipótese, o usucapiente já é otitular do imóvel no registro”. De acordo com as suas justificativas, “a usucapião de que trata o art. 1.242, parágrafo único, constitui matéria de defesa a ser alegada no curso da ação de anulação do registro do título translativo de propriedade, sendo dispensável o posterior ajuizamento da ação de usucapião”. O presente autor está totalmente filiado ao seu teor. Da usucapião extraordinária (art. 1.238 do CC) Segundo o caput do art. 1.238 do Código Civil de 2002, “Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis”. De acordo com o seu parágrafo único, o prazo estabelecido no dispositivo será reduzido para dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. A exemplo do que ocorre com a usucapião ordinária, há a usucapião extraordinária regular ou comum (caput) e a usucapião extraordinária por posse-trabalho (parágrafo único). Em relação à primeira, o prazo foi reduzido para 15 anos, uma vez que o Código Civil de 1916 previa um prazo de 20 anos (art. 550 do CC/1916). Assim, no que diz respeito à usucapião extraordinária, é seu requisito essencial, em regra, a posse mansa e pacífica, ininterrupta, com animus domini e sem oposição por 15 anos. O prazo cai para 10 anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel sua moradia habitual ou houver realizado obras ou serviços de caráter produtivo, ou seja, se a função social da posse estiver sendo cumprida pela presença da posse-trabalho. O que se percebe é que nos dois casos não há necessidade de se provar a boa-fé ou o justo título, havendo uma presunção absoluta ou iure et de iure da presença desses elementos. O requisito, portanto, é único: a presença da posse que apresente os requisitos exigidos em lei. Por fim, consigne-se que a nova modalidade de usucapião extraordinária, fundada na posse-trabalho, vem sendo objeto de numerosos acórdãos nacionais (por todos: STJ, REsp 1.088.082/RJ, 4.ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 02.03.2010, DJE 15.03.2010; TJSC, Apelação Cível 0003848-56.2013.8.24.0014, Campos Novos, 2.ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Cid Goulart, DJSC 22.09.2017, p. 307; TJSP, Apelação 1006659- 96.2013.8.26.0278, Acórdão 10786058, Itaquaquecetuba, 1.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. 13.09.2017, DJESP 18.09.2017, p. 2541; TJSP, Apelação 994.09.273833-3, Acórdão 4552538, Fernandópolis, 6.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Roberto Solimene, j. 10.06.2010, DJESP 26.07.2010; TJMG, Apelação Cível 1.0317.05.048800-4/0011, Itabira, 17.ª Câmara Cível, Rel. Des. Eduardo Mariné da Cunha, j. 29.10.2009, DJEMG 18.11.2009). A multiplicidade de julgados demonstra que o instituto tem tido a devida efetivação social. Da usucapião constitucional, agrária ou especial rural – pro labore (art. 191, caput, da CF/1988; art. 1.239 do CC e Lei a) b) c) d) – – – 6.969/1981) Dispõe o caput do art. 191 do Texto Maior que “Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade”. A regra foi reproduzida, na literalidade, pelo art. 1.239 do CC/2002. O instituto da usucapião constitucional ou especial rural (pro labore ) ainda está regulamentado pela Lei 6.969/1981, principalmente quanto às questões processuais, que merecerão estudo aprofundado em seção própria. Essa modalidade de usucapião também é denominada como agrária, sobretudo pelos doutrinadores do Direito Agrário. Segundo Benedito Ferreira Marques, o termo especial deve ser utilizado apenas para a usucapião indígena, a seguir estudada, e não para o instituto objeto deste tópico (Direito agrário.. . 2011, p. 98-99). De toda sorte, o presente autor prefere utilizar a expressão especial, majoritária na doutrina civilista nacional também para a usucapião constitucional urbana. No que concerne aos requisitos dessa usucapião especial rural ou pro labore , podem ser apontados os seguintes: Área não superior a 50 hectares (50 ha), localizada na zona rural. Vale lembrar que apesar de originalmente o art. 1.º da Lei 6.969/1981 ter previsto uma área de 25 ha, este comando não foi recepcionado pela CF/1988. Posse de cinco anos ininterruptos, sem oposição e com animus domini. Utilização do imóvel para subsistência ou trabalho (pro labore), podendo ser na agricultura, na pecuária, no extrativismo ou em atividade similar. O fator essencial é que a pessoa ou a família esteja tornando produtiva a terra, por força de seu trabalho. Aquele que pretende adquirir por usucapião não pode ser proprietário de outro imóvel, seja ele rural ou urbano. Não há qualquer previsão quanto ao justo título e à boa-fé, pois tais elementos se presumem de forma absoluta (presunção iure et de iure) pela destinação que foi dada ao imóvel, atendendo à sua função social. Além desses requisitos gerais, cumpre destacar que o art. 3.º da Lei 6.969/1981 proíbe que a usucapião especial rural ocorra nas seguintes áreas: Áreas indispensáveis à segurança nacional. Terras habitadas por silvícolas. Áreas de interesse ecológico, consideradas como tais as reservas biológicas ou florestais e os parques nacionais, estaduais ou municipais, assim declarados pelo Poder Executivo, assegurada aos atuais ocupantes a preferência para assentamento em outras regiões, pelo órgão competente. Em relação ao instituto da usucapião especial rural, interessante aqui comentar alguns enunciados aprovados nas Jornadas de Direito Civil, com conteúdo muito importante e que merecem o devido estudo. O primeiro deles é o Enunciado n. 312 do CJF/STJ, pelo qual, “Observado o teto constitucional, a fixação da área máxima para fins de usucapião especial rural levará em consideração o módulo rural e a atividade agrária regionalizada”. O autor do enunciado doutrinário em análise é o professor capixaba Paulo Henrique Cunha da Silva. Foram as suas justificativas: “Trata-se de posse pro labore em conjunto com a família, daí não assistir razão para que a modalidade especial de aquisição seja para áreas superiores ou inferiores a um módulo. Ora, o inciso II, do art. 4.º, do Estatuto da Terra (Lei 4.504/1964), define como propriedade familiar o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente, trabalhado com a ajuda de terceiros, sendo o módulo rural uma unidade de medida, expressa em hectares, que busca exprimir a interdependência entre a dimensão, a situação geográfica dos imóveis rurais e a forma e condições do seu aproveitamento econômico”. O enunciado doutrinário, assim, tem a sua razão de ser, visando a um diálogo importante com o Direito Agrário, com o objetivo de otimizar a atividade agrária. Aplicando esse enunciado doutrinário, recente acórdão do Superior Tribunal de Justiça concluiu que é possível que a usucapião agrária incida sobre área inferior a um módulo rural, especialmente pelo fato de estar citada na ementa aprovada na IV Jornada de Direito Civil apenas a área máxima, e não a mínima. Nos termos do correto julgado, “a usucapião prevista no art. 191 da Constituição (e art. 1.239 do Código Civil), regulamentada pela Lei n. 6.969/1981, é caracterizada pelo elemento posse-trabalho. Serve a essa espécie tão somente a posse marcada pela exploração econômica e racional da terra, que é pressuposto à aquisição do domínio do imóvel rural, tendo em vista a intenção clara do legislador em prestigiar o possuidor que confere função social ao imóvel rural.O módulo rural previsto no Estatuto da Terra foi pensado a partir da delimitação da área mínima necessária ao aproveitamento econômico do imóvel rural para o sustento familiar, na perspectiva de implementação do princípio constitucional da função social da propriedade, importando sempre, e principalmente, que o imóvel sobre o qual se exerce a posse trabalhada possua área capaz de gerar subsistência e progresso social e econômico do agricultor e sua família, mediante exploração direta e pessoal – com a absorção de toda a força de trabalho, eventualmente com a ajuda de terceiros. Com efeito, a regulamentação da usucapião, por toda legislação que cuida da matéria, sempre delimitou apenas a área máxima passível de ser usucapida, não a área mínima, donde concluem os estudiosos do tema, que mais relevante que a área do imóvel é o requisito que precede a ele, ou seja, o trabalho realizado pelo possuidor e sua família, que torna a terra produtiva e lhe confere função social. Assim, a partir de uma interpretação teleológica da norma, que assegure a tutela do interesse para a qual foi criada, conclui-se que, assentando o legislador, no ordenamento jurídico, o instituto da usucapião rural, prescrevendo um limite máximo de área a ser usucapida, sem ressalva de um tamanho mínimo, estando presentes todos os requisitos exigidos pela legislação de regência, parece evidenciado não haver impedimento à aquisição usucapicional de imóvel que guarde medida inferior ao módulo previsto para a região em que se localize. A premissa aqui assentada vai ao encontro do que foi decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em conclusão de julgamento realizado em 29.04.2015, que proveu recurso extraordinário, em que se discutia a possibilidade de usucapião de imóvel urbano em município que estabelece lote mínimo para parcelamento do solo, para reconhecer aos recorrentes o domínio sobre o imóvel, dada a implementação da usucapião urbana prevista no art. 183 da CF” (STJ, REsp 1.040.296/ES, 4.ª Turma, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão, j. 02.06.2015, DJe 14.08.2015). A propósito, pontue-se que, posteriormente ao acórdão, na VII Jornada de Direito Civil, realizada em setembro de 2015, foi aprovado um enunciado exatamente na linha do julgamento, deduzindo que “é possível adquirir a propriedade de área menor do que o módulo rural estabelecido para a região, por meio da usucapião especial rural” (Enunciado n. 594). Desse modo, o entendimento constante do seu teor goza de grande prestígio na atualidade, não só na jurisprudência, como também na doutrina. Outro enunciado a ser comentado é o de número 313, cuja redação é a seguinte: “Quando a posse ocorre sobre área superior aos limites legais, não é possível a aquisição pela via da usucapião especial, ainda que o pedido restrinja a dimensão do que se quer usucapir”. A proposição doutrinária atinge não somente a usucapião especial rural, mas também a usucapião especial urbana (art. 1.240 do CC). Vejamos os argumentos do autor do enunciado, o magistrado e professor amazonense Aldemiro Rezende Dantas Júnior: 3.7.2.1.4 “O comportamento do possuidor que, tendo exercido por cinco anos os atos possessórios sobre área superior à máxima admitida nos casos de usucapião especial, subitamente, decorrido o quinquênio, pretendesse usucapir apenas a área correspondente a tais limites (50 ha e 250 m2), se caracterizaria como verdadeiro e inaceitável venire contra factum proprium, surpreendendo de modo inesperado o proprietário, que ainda pensava dispor de mais prazo para, querendo, ajuizar a ação reivindicatória referente ao seu imóvel. Assim, por exemplo, suponha-se que o usucapiente exerce atos possessórios sobre área de 70 hectares, sendo que o proprietário, em virtude de estar enfrentando alguns problemas familiares, ainda não pôde agir para recuperar o seu imóvel. Esse proprietário, no entanto, embora já tenham decorrido cinco anos, está tranquilo quanto ao prazo decorrido, pois acredita que ainda dispõe de prazo suficiente para o ajuizamento da mencionada ação, eis que a usucapião, na hipótese concreta (70 ha), só ocorrerá após 15 anos de posse ininterrupta e pacífica do usucapiente (na pior das hipóteses, em 10 anos, se for a situação prevista no parágrafo único do art. 1.238). Subitamente, no entanto, o possuidor ajuíza ação de usucapião apenas em relação a uma área de 50 hectares, deixando de requerer a propriedade da área excedente. Parece evidente que o primeiro dos comportamentos do usucapiente (posse exercida sobre 70 hectares) incutiu no proprietário a confiança de que ainda faltavam alguns anos para a concretização da usucapião, e por essa razão, o segundo dos comportamentos (renúncia à área excedente a 50 hectares) se mostra contraditório em relação ao primeiro, e por isso inaceitável, uma vez que se constitui em venire contra factum proprium, como acima mencionado”. A ementa doutrinária transcrita traz como conteúdo mais uma aplicação da boa-fé objetiva para o Direito das Coisas, particularmente diante da vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium). Todavia, a ela não se filia, servindo o mesmo raciocínio quanto a eventual entendimento jurisprudencial que o fundamente (por exemplo, TJRS, Processo 70014800825, Data: 01.06.2006, Órgão julgador: 17.ª Câmara Cível, Juiz relator Alexandre Mussoi Moreira, Origem: Comarca de Gravataí). Isso porque o entendimento constante do enunciado doutrinário em questão acaba por presumir a má-fé daquele que pretende usucapir o bem, algo inadmissível diante de um Código Civil que presume a boa-fé nas relações privadas; ou que pelo menos propõe a boa-fé objetiva como norte interpretativo (art. 113 do CC/2002). Além disso, o enunciado privilegia a boa-fé objetiva em detrimento da proteção da moradia e do atendimento da função social da posse. Ora, é requisito da usucapião especial rural a destinação pro labore ou para fins de moradia, que deve prevalecer sobre eventual alegação de comportamento contraditório (venire contra factum proprium), a partir da técnica de ponderação. Isso porque a proteção da moradia consta do art. 6.º, e a função social da propriedade, do art. 5.º, incs. XXII e XXIII, ambos da Constituição da República. Em reforço, saliente-se que o enunciado doutrinário em comento está apegado a um excesso de rigor formal quanto à metragem do imóvel, que não se coaduna com o atual Código Civil Brasileiro, que traz como um dos seus fundamentos a operabilidade, no sentido de facilitação do Direito Privado. Essas as razões, em conclusão, pelas quais não há como se filiar ao teor do Enunciado n. 313 do CJF/STJ, com o devido respeito. Da usucapião constitucional ou especial urbana – pro misero (art. 183, caput, da CF/1988, art. 1.240 do CC e art. 9.º da Lei 10.257/2001). A inclusão da nova usucapião especial urbana por abandono do lar conjugal pela Lei 12.424/2011 (art. 1.240- A do CC) a) b) c) d) A usucapião constitucional ou especial urbana (pro misero ) está consagrada no caput do art. 183 da Constituição Federal, pelo qual: “Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”. A norma está reproduzida no art. 1.240 do CC/2002 e no caput do art. 9.º da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade). O Estatuto da Cidade acaba por trazer algumas regras complementares sobre a usucapião especial urbana. De início, prescreve que o título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil (art. 9.º, § 1.º, da Lei 10.257/2001). Sendo assim, ilustrando, o título poderá ser concedido se eles viverem em união estável, protegida pela Constituição Federal como entidade familiar (art. 226, § 3.º). Além disso, enuncia o § 2.º do art. 9.º do Estatuto da Cidade que o direito à usucapião especial urbana não será reconhecido ao mesmopossuidor mais de uma vez, o que confirma a ideia de que a aquisição da propriedade atende ao direito mínimo de moradia (pro misero ), em consonância com a teoria do patrimônio mínimo, criada por Luiz Edson Fachin (Estatuto..., 2006). Por fim, de acordo com o § 3.º do art. 9.º da Lei 10.257/2001, para os efeitos dessa modalidade de usucapião, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão. Eis aqui o tratamento específico da accessio possessionis para a usucapião especial urbana, como antes mencionado, não se aplicando, portanto, a regra geral prevista no art. 1.243 do CC/2002. Fica claro, pela literalidade da norma, que a soma das posses para a usucapião especial urbana somente pode ser mortis causa e não inter vivos, como é na regra geral. Pelo que consta dos dispositivos legais mencionados, são os requisitos da usucapião constitucional ou especial urbana: Área urbana não superior a 250 m2. Posse mansa e pacífica de cinco anos ininterruptos, sem oposição, com animus domini. O imóvel deve ser utilizado para a sua moradia ou de sua família, nos termos do que consta do art. 6.º, caput da CF/1988 (pro misero). Aquele que adquire o bem não pode ser proprietário de outro imóvel, rural ou urbano; não podendo a usucapião especial urbana ser deferida mais de uma vez. Cumpre observar que não há menção a respeito do justo título e da boa-fé pela presunção absoluta ou iure et de iure de suas presenças. Em relação à usucapião especial urbana, cumpre destacar inicialmente outros enunciados aprovados nas Jornadas de Direito Civil, sem prejuízo do Enunciado n. 313, da IV Jornada (2006), aqui citado e criticado. O primeiro deles é o Enunciado n. 85 do CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil (2002), pelo qual, “Para efeitos do art. 1.240, caput, do novo Código Civil, entende-se por ‘área urbana’ o imóvel edificado ou não, inclusive unidades autônomas vinculadas a condomínios edilícios”. Na esteira da jurisprudência, o entendimento doutrinário consubstanciado no enunciado doutrinário está a possibilitar a usucapião especial urbana de apartamentos em condomínio edilício (TJSP, Apelação 390.646-4/3-00 – Mococa, 3.ª Câmara de Direito Privado, 05.09.2006, Rel. Des. Beretta da Silveira, v.u., Voto 11.567). Em complemento, havendo usucapião de área em condomínio, expressa o Enunciado n. 314 do CJF/STJ, da IV Jornada, que, “Para os efeitos do art. 1.240, não se deve computar, para fins de limite de metragem máxima, a extensão compreendida pela fração ideal correspondente à área comum”. Em suma, para o cômputo dos 250 m2 que exige a lei, somente deve ser levada em conta a área autônoma ou individual e não a fração da área comum. E não se olvide que, conforme enunciado aprovado na VII Jornada de Direito Civil, em 2015, também o condomínio edilício pode adquirir área por usucapião (Enunciado n. 596), o que conta com o total apoio deste autor, que reconhece a personalidade jurídica ao condomínio, conforme ainda será desenvolvido nesta obra. Ademais, conforme visto anteriormente, o Superior Tribunal de Justiça considerou, em 2015, a possibilidade de usucapião agrária em área inferior a um módulo rural. Mantendo a coerência, em 2016, surgiu aresto aplicando a mesma premissa para o módulo urbano. Nos termos da publicação constante do Informativo n. 584 da Corte, “não obsta o pedido declaratório de usucapião especial urbana o fato de a área do imóvel ser inferior à correspondente ao ‘módulo urbano’ (a área mínima a ser observada no parcelamento de solo urbano por determinação infraconstitucional). Isso porque o STF, após reconhecer a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, fixou a tese de que, preenchidos os requisitos do artigo 183 da CF, cuja norma está reproduzida no art. 1.240 do CC, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote) (RE 422.349-RS, Tribunal Pleno, DJe 05.08.2015)” (STJ, REsp 1.360.017/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 05.05.2016, DJe 27.05.2016). Pois bem, a Lei 12.424, de 16 de junho de 2011, inclui no sistema a usucapião especial urbana por abandono do lar. Vejamos a redação do novo comando, constante do art. 1.240-A do CC/2002: “Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m2 (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir- lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1.º O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez”. O instituto traz algumas semelhanças em relação à usucapião especial urbana que já estava prevista, a qual pode ser denominada como regular. De início, cite-se a metragem de 250 m2, que é exatamente a mesma, procurando o legislador manter a uniformidade legislativa. Isso, apesar de que em alguns locais a área pode ser tida como excessiva, conduzindo a usucapião de imóveis de valores milionários. Ato contínuo, o novo instituto somente pode ser reconhecido uma vez, desde que o possuidor não tenha um outro imóvel urbano ou rural. A principal novidade é a redução do prazo para exíguos dois anos, o que faz com que a nova categoria seja aquela com menor prazo previsto, entre todas as modalidades de usucapião, inclusive de bens móveis (o prazo menor era de três anos). Deve ficar claro que a tendência pós-moderna é justamente a de redução dos prazos legais, eis que o mundo contemporâneo possibilita a tomada de decisões com maior rapidez. O abandono do lar é o fator preponderante para a incidência da norma, somado ao estabelecimento da moradia com posse direta. O comando pode atingir cônjuges ou companheiros, inclusive homoafetivos, diante do amplo reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, equiparada à união estável. Fica claro que o instituto tem incidência restrita entre os componentes da entidade familiar, sendo esse o seu âmbito de aplicação. Nesse sentido, precioso enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil, a saber: “A modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A do Código Civil pressupõe a propriedade comum do casal e compreende todas as formas de família ou entidades familiares, inclusive homoafetivas” (Enunciado n. 500). Consigne-se que, em havendo disputa, judicial ou extrajudicial, relativa ao imóvel, não ficará caracterizada a posse ad usucapionem, não sendo o caso de subsunção do preceito. Eventualmente, o cônjuge ou companheiro que abandonou o lar pode notificar o ex-consorte anualmente, para demonstrar o impasse relativo ao bem, afastando o cômputo do prazo. Desse modo, o requisito do abandono do lar merece uma interpretação objetiva e cautelosa. Nessa esteira, vejamos outro enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil, que analisava muito bem a temática: “A aquisição da propriedade na modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A do Código Civil só pode ocorrer em virtude de implemento de seus pressupostos anteriormente ao divórcio. O requisito ‘abandono do lar’ deve ser interpretado de maneira cautelosa, mediante a verificação de que o afastamento do lar conjugal representa descumprimento simultâneo de outros deveres conjugais, tais como assistência material e dever de sustento do lar, onerando desigualmente aquele que se manteve na residência familiar e que se responsabiliza unilateralmente pelas despesas oriundas da manutenção da família e do próprio imóvel, o que justifica a perda da propriedade e a alteração do regime de bens quanto ao imóvel objeto de usucapião” (Enunciado n. 499). Como incidência concreta desse enunciado doutrinário anterior, não se pode admitir a aplicação da nova usucapião nos casos de atos de violênciapraticados por um cônjuge ou companheiro para retirar o outro do lar conjugal. Em suma, a expulsão do cônjuge ou companheiro não pode ser comparada ao abandono. Outra aplicação da transcrita ementa doutrinária diz respeito ao afastamento de qualquer debate a respeito da culpa, com o fim de influenciar a usucapião a favor de um ou outro consorte. Na verdade, existindo qualquer controvérsia a respeito do imóvel, não há que se falar em posse ad usucapionem com a finalidade de gerar a aquisição do domínio. De toda sorte, pontue-se que, na VII Jornada de Direito Civil, realizada em 2015, o Enunciado n. 499 do CJF foi cancelado, substituído por outro com linguagem mais clara, que parece englobar as hipóteses aqui mencionadas. Nos termos da nova ementa doutrinária, “o requisito do ‘abandono do lar’ deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como abandono voluntário da posse do imóvel somando à ausência da tutela da família, não importando em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável. Revogado o Enunciado 499” (Enunciado n. 595). Com o devido respeito, pensamos que o novo enunciado não inova substancialmente, trazendo como conteúdo exatamente o que estava tratado no anterior, ora cancelado, apenas com o uso de termos mais claros e objetivos. No que concerne à questão de direito intertemporal, é correto o entendimento já defendido por Marcos Ehrhardt Jr., no sentido de que “O prazo para exercício desse novo direito deve ser contado por inteiro, a partir do início da vigência da alteração legislativa, afinal não se deve mudar as regras do jogo no meio de uma partida” (EHRHARDT JR., Marcos. Temos um novo tipo de usucapião...). A conclusão tem relação direta com a proteção do direito adquirido, retirada do art. 5.º, XXXVI, da Constituição e do art. 6.º da Lei de Introdução. Do mesmo modo, o entender constante em outro enunciado da V Jornada de Direito Civil: “A fluência do prazo de 2 anos, previsto pelo art. 1.240-A para a nova modalidade de usucapião nele contemplada, tem início a partir da entrada em vigor da Lei n.º 12.424/2011” (Enunciado n. 498). Na mesma linha, podem ser colacionados os seguintes julgados: “Usucapião. Ação de usucapião familiar. Autora separada de fato que pretende usucapir a parte do imóvel que pertencente ao ex-cônjuge. Artigo 1240-A do Código Civil, inserido pela Lei n.º 12.424/2011. Inaplicabilidade. Prazo de 2 anos necessário para aquisição na modalidade de ‘usucapião familiar’ que deve ser contado da data da vigência da lei (16.06.2011). Ação distribuída em 25.08.2011. Lapso temporal não transcorrido. Sentença de indeferimento da inicial mantida. Recurso desprovido” (TJSP, Apelação 00406656920118260100, 3.ª Câmara Cível, Rel. Alexandre Marcondes, j. 25.02.2014). “Direito de família. Divórcio litigioso. Apelação. Usucapião familiar. Artigo 1.240-A do Código Civil. Aplicação retroativa. Impossibilidade. Recurso desprovido. O artigo 1.240-A do Código Civil não possui aplicação retroativa, 3.7.2.1.5 porque comprometeria a estabilidade das relações jurídicas” (TJMG, Apelação Cível 1.0702.11.079218-2/001, Rel. Des. José Carlos Moreira Diniz, j. 11.07.2013, DJEMG 16.07.2013). “Apelação cível. Divórcio. Justiça gratuita. (...). Usucapião de bem familiar. Exegese do art. 1.240-A do Código Civil, incluído pela Lei n. 12.424, de 2011. Contagem do prazo de dois anos anterior à vigência da Lei. Impossibilidade. (...). 2 O termo inicial da contagem do prazo de dois anos para aplicação da usucapião por abandono familiar e patrimonial do imóvel comum é a data do início da vigência da Lei que instituiu essa nova modalidade de aquisição dominial. (...)” (TJSC, Apelação Cível 2013.008829-3, Itajaí, 2.ª Câmara de Direito Civil, Rel. Des. José Trindade dos Santos, j. 31.05.2013, DJSC 07.06.2013, p. 191). Merece relevo mais um enunciado aprovado na V Jornada, que conclui que não é requisito indispensável para a nova usucapião o divórcio ou a dissolução da união estável, bastando a mera separação de fato: “As expressões ‘ex- cônjuge’ e ‘ex-companheiro’, contidas no artigo 1.240-A do Código Civil, correspondem à situação fática da separação, independentemente de divórcio” (Enunciado n. 501). Do mesmo evento, concluiu-se que “O conceito de posse direta do art. 1.240-A do Código Civil não coincide com a acepção empregada no art. 1.197 do mesmo Código” (Enunciado n. 502 da V Jornada de Direito Civil). Isso porque o imóvel pode ser ocupado por uma pessoa da família do ex-cônjuge ou ex-companheiro que pleiteia a usucapião, caso de seu filho, conforme consta do próprio dispositivo. Em casos tais, pelo teor do enunciado e nossa opinião doutrinária, a usucapião é viável juridicamente. Outra questão de debate diz respeito à competência para apreciar tal modalidade de usucapião, se da Vara Cível ou da Vara da Família. Já surgem arestos concluindo, com precisão, pela competência da primeira, diante da presença de questão eminentemente civil, relativa ao Direito das Coisas. Nessa linha, para ilustrar, do Tribunal Bandeirante: “Conflito Negativo de Competência. Varas Cível e de Família e Sucessões da Comarca. Processamento de pedido de ‘Usucapião Familiar’ (artigo 1.240-A do Código Civil). Instituto que visa à legitimação de domínio de imóvel. Ação real. Existência de instituição familiar que é apenas um dos requisitos cumulativos previstos em lei. Questão que não refere ao estado das pessoas. Efeitos registrários. Arts. 34 e 37 do Código Judiciário de SP. Varas da Família e Sucessões que detêm hipóteses de competência restritas. Tutela de caráter exclusivamente patrimonial, afastando a competência do Juízo Especializado. Conflito julgado procedente, para declarar a competência do MM. Juízo da Vara Cível” (TJSP, Conflito de Competência 0180277-60.2013.8.26.0000, Franca, Câmara Especial, Rel.ª Claudia Grieco Tabosa Pessoa, j. 09.12.2013, Data de registro: 12.12.2013). Superado o estudo da usucapião especial urbana, passa-se à usucapião especial urbana coletiva, prevista no Estatuto da Cidade. Da usucapião especial urbana coletiva (art. 10 da Lei 10.257/2001) Dispõe o caput do art. 10 do Estatuto da Cidade, com nova redação desde junho de 2017 (Leis 10.257/2001 e 13.465/2017): “Art. 10. Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de cinco anos e cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor são suscetíveis de serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural”. O comando consagra a usucapião especial urbana coletiva ou, tão somente, usucapião coletiva, possível nos casos envolvendo imóveis localizados em zonas urbanas. Como visto outrora, a norma foi alterada pela Lei a) b) c) d) 13.465/2017, tendo a seguinte redação anterior: “as áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural”. A primeira modificação diz respeito à substituição de um critério subjetivo – a ocupação por famílias de baixa renda – por um objetivo – a existência de núcleos urbanos informais. A propósito, o art. 11, inc. I, da Lei 13.465/2017 conceitua núcleo urbano como sendo o assentamento humano, com uso e características urbanas, constituído por unidades imobiliárias de área inferior à fração mínima de parcelamento de um módulo, independentemente da propriedade do solo, ainda que situado em área qualificada ou inscrita como rural. Na sequência, a nova lei define o núcleo urbano informal como aquele clandestino, irregular ou no qual não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda que atendida a legislação vigente à época de sua implantação ou regularização (art. 11, inc. II).Há também previsão quanto ao núcleo urbano informal consolidado, o de difícil reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município (art. 11, inc. III). Na opinium deste autor, a modalidade de usucapião coletiva aplica-se também à última categoria. Outra alteração diz respeito ao critério da área do imóvel objeto da usucapião coletiva. Antes, utilizava-se o parâmetro de área mínima de 250 m2. Atualmente, a norma menciona que a área total dividida pelo número de possuidores deve ser inferior a 250 m2 por possuidor. Desse modo, nota-se que o critério não é mínimo da área total, mas o máximo da área de cada usucapiente. A terceira modificação é que não há mais menção ao destino da área para moradia, pelo menos expressamente, o que abre a possibilidade de usucapião coletiva caso o núcleo urbano informal tenha outro destino, como o estabelecimento de uma atividade comercial. A quarta e última alteração é que a lei também não menciona a impossibilidade de identificação de cada possuidor na área a ser usucapida, pois o fator predominante é a existência do citado núcleo informal. Em suma, são seus requisitos atuais: Área urbana, sendo certo que a área total, dividida pelo número de possuidores, deve ser inferior a 250 m2 por cada possuidor. Posse de cinco anos ininterruptos, sem oposição, com animus domini. Como se pode perceber, não há exigência de que a posse seja de boa-fé. Existência no local de um núcleo urbano informal ou de um núcleo urbano informal consolidado. Aquele que adquire não pode ser proprietário de outro imóvel – rural ou urbano. Em relação a tais elementos, aprofundando, é interessante trazer à baila dois exemplos anteriores do Tribunal de Justiça de São Paulo. De início, entendeu o Tribunal pela viabilidade de soma das posses, não quanto ao tempo, mas sim quanto ao espaço, para a configuração do instituto da usucapião coletiva: “Usucapião coletivo – Imóvel urbano – Cômodos integrantes de um mesmo imóvel – Soma das posses – Admissibilidade – Legitimidade dos possuidores em estado de composse ou litisconsórcio – Aplicação do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) – Prazo – Cômputo a partir da Constituição 88 – Cassada a sentença extintiva – Recurso provido” (TJSP, Apelação 297.047-4/1-00, São Paulo, 10.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Testa Marchi, 14.03.2006, v.u., Voto 8.897). Com as mudanças engendradas pela Lei 13.465/2017, tal entendimento parece superado, pois o que deve ser 3.7.2.1.6 levado em conta não é mais a área mínima total, mas a máxima de cada possuidor, que não pode ser superior a 250 m2. O mesmo Tribunal Paulista concluiu não ser possível a usucapião especial urbana (individual) em caso envolvendo um cômodo em habitação coletiva (o popular cortiço). Para a Corte Estadual, o caminho processual a ser percorrido seria o da usucapião coletiva, como se pode notar da ementa a seguir transcrita: “Usucapião especial urbano – Ação ajuizada em caráter individual com a finalidade do reconhecimento de domínio exclusivo sobre um cômodo de habitação coletiva – Inadmissibilidade – Situação a viabilizar em tese a ação de usucapião especial urbano coletivo, na qual a legitimidade ‘ad causam’ é deferida a todos os moradores em litisconsórcio necessário ou à associação que os representa – Aplicação das regras dos artigos 9.º, 10 e 12 da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) – Petição inicial indeferida – Recurso do casal autor desprovido” (TJSP, Apelação 283.033-4/0 – São Paulo, 8.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Morato de Andrade, 27.08.2003, v.u.). Em relação ao último acórdão, pensamos que a tendência é a manutenção da mesma conclusão sob a égide da Lei 13.465/2017. Os parágrafos do art. 10 do Estatuto da Cidade trazem importantes regras de cunho material e processual, sem prejuízo de outras normas instrumentais que estão estudadas em tópico próprio. Aqui não houve qualquer modificação feita pela recente norma. Nos termos do § 1.º do art. 10 do Estatuto da Cidade, o possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por esse artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas. Em norma especial, está consagrada a possibilidade da accessio possessionis, ou seja, a possibilidade de o sucessor da posse somar, no aspecto temporal, a posse anterior para fins de usucapião coletiva. No campo processual, a usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis (art. 10, § 2.º, da Lei 10.257/2001). Nessa sentença o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas (art. 10, § 3.º, da Lei 10.257/2001). A última norma consagra o estabelecimento de um condomínio a favor dos usucapientes, o que deve constar da sentença declaratória da propriedade. Esse condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio (art. 10, § 4.º, da Lei 10.257/2001). Por fim, determina o comando legal que as deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes (art. 10, § 5.º, da Lei 10.257/2001). Da usucapião especial indígena (art. 33 da Lei 6.001/1973) Além das formas de usucapião elencadas no Código Civil de 2002, na Constituição Federal, na Lei Agrária e no Estatuto da Cidade, é preciso apontar e estudar a usucapião especial indígena, tratada pelo Estatuto do Índio (Lei 6.001/1973). Estabelece o art. 33 dessa lei especial que “O índio, integrado ou não, que ocupe como próprio, por dez anos consecutivos, trecho de terra inferior a cinquenta hectares, adquirir-lhe-á a propriedade plena”. O parágrafo único do dispositivo enuncia que ele não se aplica às terras do domínio da União, ocupadas por grupos tribais, às áreas reservadas tratadas pelo próprio Estatuto do Índio, nem às terras de propriedade coletiva de Rectangle
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