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UM OLHAR SOBRE O PENSAMENTO RELIGIOSO DE FREUD FRENTE AO CONTEXTO SOCIO-POLÍTICO-CULTURAL DE SUA ÉPOCA

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OLIVEIRA, Elaine de Deus. UM OLHAR SOBRE O PENSAMENTO RELIGIOSO DE 
FREUD FRENTE AO CONTEXTO SOCIO-POLÍTICO-CULTURAL DE SUA 
ÉPOCA. [Trabalho de Conclusão de Curso - Artigo - Graduação em Psicologia -- Universidade 
Estácio de Sá]. Nova Friburgo (RJ), 2018. 
 
UM OLHAR SOBRE O PENSAMENTO RELIGIOSO DE FREUD 
FRENTE AO CONTEXTO SOCIO-POLÍTICO-CULTURAL DE SUA ÉPOCA 
 
A LOOK AT FREUD'S RELIGIOUS THOUGHT 
TOWARDS THE SOCIO-POLITICAL-CULTURAL CONTEXT OF ITS TIME 
 
Elaine de Deus Oliveira * 
RESUMO 
 
Esta pesquisa tem a intenção de provocar o leitor para uma nova reflexão a respeito da teoria 
freudiana na temática ciência e religião, considerando o aspecto socio-político-cultural de sua 
época. Para isso, traz como referenciais teóricos C. S. Lewis, A. Nicholi, T. Pfrimmer, S. 
Freud, entre outros. O critério metodológico obedecido foi a consulta sistêmica de materiais 
bibliográficos, constituindo uma pesquisa de abordagem qualitativa. A pesquisa investigou a 
trajetória percorrida por Freud durante toda sua vida com o foco lançado na temática religião. 
Levando ao entendimento de que Freud não foi um teórico de verdades dogmáticas, e sim um 
pensador aberto para refletir e reeditar suas teorias, dando sempre possibilidades de novas 
releituras. 
 
Palavras-chave: Psicanálise. Ciência. Religião. Culturas. 
 
 
ABSTRACT 
 
This research intends to provoke the reader to a new reflection on the Freudian theory in 
science and religion, considering the socio-political-cultural aspect of his time. For this, it 
brings as theoretical references C. S. Lewis, A. Nicholi, T. Pfrimmer, S. Freud, among others. 
The methodological criterion obeyed was the systemic consultation of bibliographic materials, 
constituting a qualitative approach research. The research investigated Freud's trajectory 
throughout his life with the focus on religion. Leading to the understanding that Freud was not 
a theorist of dogmatic truths, but an open thinker to reflect and reedit his theories, always 
giving possibilities of new re-readings. 
 
Keywords: Psychoanalysis. Science. Religion. Cultures. 
 
 
 
* Formanda do Curso de Psicologia da Universidade Estácio de Sá. Campus – Nova Friburgo, RJ. 2018. E-mail: 
oliveira.elainededeus@gmail.com – Orientador: Prof. Dr. Raymundo de Oliveira Reis Neto. 
 2 
UM OLHAR SOBRE O PENSAMENTO RELIGIOSO DE FREUD 
FRENTE AO CONTEXTO SOCIO-POLÍTICO-CULTURAL DE SUA ÉPOCA 
 
Elaine de Deus Oliveira * 
 
“Bem-aventurado o homem cuja força está em 
ti, em cujo coração se encontram os caminhos 
aplanados.[...]Ó Senhor dos exércitos, feliz o 
homem que em ti confia.” 1 
 
 Não é raro encontrar bons autores que sustentam a ideia de que Freud, durante a maior 
parte de sua vida e obra, promoveu um ostensivo ataque à religião. Porém, na esfera da 
psicanálise, uma leitura mais refinada permitirá que um leitor cuidadoso perceba, entre linhas, 
sutis revelações sobre o verdadeiro pensamento desse brilhante teórico. 
 Com intuito de trazer luz sobre esse tema, a pesquisa valeu-se de materiais 
bibliográficos de autores que abordam o assunto com maior ênfase, entre eles: C. S. Lewis; A. 
Nicholi; T. Pfrimmer e o próprio S. Freud, entre outros. 
 Freud escreveu sobre religião em boa parte da sua trajetória, especialmente nos seus 
últimos 30 anos de vida quando dedicou maior tempo ao tema. E as obras que contemplam 
esse tema são: Psicopatologia da vida cotidiana (1901); Atos obsessivos e práticas religiosas 
(1907); Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância (1910); Totem e tabu (1913); 
Uma neurose demoníaca do século XVII (1922); O futuro de uma ilusão (1927); O mal-estar 
na civilização (1930); A questão de uma weltanschauung (1932/36) e, Moisés e o 
monoteísmo: três ensaios (1937) - dois anos antes de sua morte, trazendo sutil impressão de 
uma tentativa de remissão. 
 O artigo foi construído baseado nos argumentos de autores que denunciam a 
probabilidade de Freud não ter sido tão opositor à religião como ainda é proclamado. E para 
se chegar a esse entendimento a pesquisa percorreu a trajetória da evolução da carreira de 
Freud até sua morte, focando, especificamente, a questão religiosa por ele vivida ao longo de 
sua vida. Dessa forma, será percebido o apego camuflado de Freud à religião; ou seja, sua fé 
em Deus, desmistificando ou, confrontando, num bom sentido, o que ainda hoje é anunciado 
como verdades absolutas - o ateísmo de Freud e sua aversão pela religião. 
 
* Formanda do Curso de Psicologia da Universidade Estácio de Sá. Campus – Nova Friburgo, RJ. 2018. E-mail: 
oliveira.elainededeus@gmail.com – Orientador: Prof. Dr. Raymundo de Oliveira Reis Neto. 
 
1 Salmo dos filhos de Corá - nº 84, verso 5 - Bíblia Sagrada. 
 3 
 De acordo com os escritos de Schestatsky et al. (2003), S. Freud conviveu com a 
tristeza deixada pela Primeira Guerra e, no momento em que se viu desafiado com os quadros 
psiquiátricos resultantes dela, precisou aprimorar seus conhecimentos para manter-se e resistir 
o desconforto e as consequências do pós-guerra. O desempenho e construção de sua teoria, 
nesse contexto, foram fantásticos; entretanto, precisou valer-se da conjuntura política em que 
vivia e extrair dela a razão de sua existência. É oportuno recordar aqui o período exato da 
Primeira Guerra - 28 de julho de 1914 a 11 de novembro de 1918. Tem-se notícias de que os 
primeiros escritos de Freud foram anteriores a 1884, pois em 1885 e também em 1894, ele 
próprio destruiu seus apontamentos. Após isso, a primeira publicação, então considerada, foi 
em 1896 - ano da morte de seu pai, Jacoub Freud. Logo, trabalhando em "A Interpretação dos 
sonhos" Freud retoma suas anotações remontando sua infância e revelando as raízes de sua 
própria neurose. 
 Vivenciando dia a dia o terror e a instabilidade deixada pela passagem da Primeira 
Guerra, Freud vislumbrou o avanço da ciência em detrimento da religião. De forma que fez 
desse insight uma oportunidade para estabelecer e fundamentar sua teoria. Então, 
publicamente, Freud despreza a fé e faz desse ato um caminho 'seguro' para ascensão de suas 
ideias. Um ataque ostensivo a fé foi iniciada por ele mudando sua concepção espiritual, 
adquirida desde a infância no convívio de uma família judaica, para uma forte defesa de vida 
ateísta, secular e materialista. 
 Schestatsky et al. (2003) relata que no decurso da Primeira Guerra, por forças das 
circunstâncias, Freud retoma seus estudos sobre neuroses traumáticas e, na sequência, 
preocupa-se em integrar as instâncias intrapsíquica (Id, Ego e Superego) juntamente com a 
influência ambiental ao seu modelo etiológico, pois em Freud não há separação, a influência 
ambiental aparece como representação e essa está sempre afetada pelo princípio do prazer e 
seu lugar tenente, o princípio de realidade, que juntos tentam evitar o desconforto causado 
pela demanda constante da pulsão sexual. Ela é implacável e o psiquismo trabalha investindo 
ligando e desligando - desinvestindo representações. 
 De acordo com os relatos de Nicholi (2005), o homem vê o universo através de uma 
das duas premissas: como um acidente onde a existência ou é uma questão de acaso ou fruto 
de uma inteligência, além do universo, capaz de prover com precisão e ordem todo o universo 
ao mesmo tempo em que atribui sentido e propósito à vida humana. 
 De acordo com isso, também em Freud encontramos a divisão da humanidade em duas 
classes: os crentes e os descrentes. Interessante notar a nomenclatura de cunho religioso 
utilizada por ele nessa divisão. São expressões que apontam uma cultura religiosa 
 4 
impregnada, logo, não se pode deixar de questionar a razão dele, neste momento, ter evitado 
expressões de caráter científico valendo-se de uma terminologia própria da área médica. Ou, 
pelo menos, algo mais distante daquilo que se tornou seuobjeto de ataque. 
 Outra hipótese tomada por Freud, segundo Nicholi (2005), foi a tentativa de atribuir a 
religião a necessidade de controlar o mundo sensorial. Nesse viés, uma leitura mais apurada 
levará o leitor a perceber, através dos seus muitos apontamentos, uma ferrenha tensão entre 
sua fidelidade aos ideais científicos e a prática dos fundamentos da religião judaica 
entranhada. 
 Oportuno, nesse momento, destacar a utilização da própria terminologia freudiana para 
levantar algumas questões que sugerem pontos sintomáticos em Freud, revelando, 
possivelmente, uma preocupação ou ainda uma ocupação sistemática na temática - religião. 
Buscando estudar durante longo período sobre a religião e mantendo sobre ela uma aversão, 
não estaria Freud tomado de uma "formação reativa"? Haveria nele um "desejo" explícito por 
resposta? Não estaria ele dominado pelas forças exigidas de seu "ego" quando investe boa 
dose de sua "libido" no assunto em pauta? Que é isso que o perturba por tantos anos? Não 
estaria Freud tentado a tamponar uma "culpa" pelo abandono da religião que foi seu berço? 
 Outro conceito da teoria freudiana é o "ato falho", que refere-se a uma reação 
inesperada, uma fala fora de tempo, ou mesmo uma falha na expressão, um gesto, algo que 
denuncie alguma coisa velada. E o ato falho são diferentes dos erros comuns, ele tem a função 
de realizar um desejo inconsciente. Qualquer pessoa desavisada ou pouco informada sobre 
esse conceito na teoria freudiana escorregaria nele sem se dar conta, mas não se pode esperar 
uma reação dessa de Freud. Contudo, pode-se observar, esse sutil deslize em sua trajetória de 
vida no que diz respeito a religião e isso é, no mínimo, curioso! 
 Um fato marcante e que exemplifica essa questão são as correspondências mantidas 
com um teólogo suíço chamado Oskar Pfister2. Sobre esse homem, Ana Freud faz uma 
intrigante declaração quando participou de uma entrevista conduzida por Nicholi (2005). 
Segundo esse autor, ela lhe disse: "não conheça meu pai lendo sua biografia, mas suas cartas 
direcionadas a Oskar Pfister." Nessas cartas encontram-se expressões como: "minha única e 
secreta oração"; "se algum dia nós nos encontrarmos lá em cima"; "Você é um verdadeiro 
servo de Deus... que sente a necessidade de fazer um bem espiritual para todos que você 
encontra. Você fez isso por mim também." 
 
2 Pastor e pedagogo. 
 5 
 Frases como essas causam certa inquietude porque elas se aproximam ao limite da 
teoria construída por Freud. E, sobretudo, em sua própria existência. E ainda com foco 
lançado nesse tema, pode-se perceber, com certa clareza, os desvios e retomadas que Freud dá 
ao longo de sua produção textual. Considerando essa vertente, uma revelação do abraço de 
Freud à religião, no final de sua vida, traria, para muitos, notória surpresa. 
 O alto nível da experiência de Freud, em diversas áreas do conhecimento, convida ao 
leitor a considerar, também, seu longo diálogo mantido com Oskar Pfister e outros, 
possivelmente, já preparando o caminho para futuras releituras conforme sugeridas em sua 
própria obra. É bastante provável que tenha sido esse um ato, planejadamente, intencional de 
Freud. 
 Provocar o leitor para uma nova reflexão é a intenção primordial desse artigo, porém, 
estando imbuído da mesma disposição de Francis Bacon que instiga "Ler não para 
contradizer... mas para pensar e ponderar!" (apud NICHOLI, 2005, p. 14). 
 
FREUD E SUA TRAJETÓRIA RELIGIOSA 
 
“A psicanálise em si não é religiosa nem 
antirreligiosa, mas um instrumento apartidário 
do qual tanto o religioso como o laico poderão 
servir-se, desde que aconteça tão somente a 
serviço da libertação dos sofredores.”3 
 
A trajetória religiosa de Freud iniciou-se nos primeiros dois anos de sua vida, quando 
sua ama-seca4 (velha mulher5 - devota e católica romana) conduz o menino à igreja expondo-
o às práticas católicas como o orar ajoelhado e a fazer o sinal da cruz. 
 Pfrimmer (1994), em sua pesquisa, confirma que Freud recebeu seus primeiros 
ensinamentos religiosos na infância e foi na casa onde residia com seus familiares. Por conta 
própria, aos sete anos, ele iniciou a leitura bíblica utilizando a versão Philippson6 da Bíblia 
um volume que continha 1215 páginas com importantes comentários e cativantes ilustrações. 
Provavelmente, esse exemplar reunia o primeiro e parte do segundo volume, e foi adquirida 
 
3 FREUD, [1909] 1963, p. 47 (apud CECCARELLI et al., 2014, p. 75). 
4 De acordo com Pfrimmer (1994, p. 44) a babá católica chamava-se Nannie e possuía cerca de 40 anos. 
5 Expressão utilizada por Nicholi, 2005. 
6 Obra de um rabino, Dr. Ludwig Philippson, e seu irmão mais velho Phöbus (Dr. em medicina). Constitui-se de 
três volumes que possuem ricos comentários e 685 ilustrações oriundas de 31 países identificados. Uma 
verdadeira enciclopédia com 3.820 páginas. 
 6 
por Jacoub Freud que provavelmente providenciou sua encadernação. Esse exemplar foi 
composto por meio de aquisição de fascículos. 
 Em seguida, antes de entrar para o ginásio, Freud frequentou uma escola primária 
particular onde, durante cinco horas semanais, recebeu estudos bíblicos e de história judaica.
 Ao entrar no Ginásio, em Viena, no período de sua adolescência, frequentou aulas de 
religião 'mosaica' pois não havia professor de religião judaica nos primeiros anos. Mais 
adiante, entrou para o quadro de docentes o professor Samuel Hammerschlag que, enquanto 
viveu, exerceu grande influência sobre Freud, reparando, provavelmente, uma lacuna deixada 
por seu pai. 
 O programa de ensino religioso nesse segmento (Ginásio) enfatizava, em especial, o 
Pentateuco7; pois de acordo com a tradição judaica, nesses livros encontra-se o cerne da 
revelação. Pfrimmer (1994) destaca que Freud recebeu nota máxima na educação religiosa. 
 Aos 15 anos iniciou um período de longas correspondências, com Eduard Silberstein 
que teve a duração de uma década, tratavam de questões sobre se havia ou não Inteligência 
além do universo. Além desse, outros quatro nomes são destacados pelo autor: Fluss, 
Knolpfmacher, Koller e sua noiva Martha Bernays. Pfrimmer (1994) afirma que são cartas 
que revelam o estilo de Freud, manifestando seu grande senso de humor, profunda observação 
psicológica e sua grande paixão amorosa. 
 A Bíblia é citada por Freud durante toda a sua vida e, segundo Pfrimmer (1994), essa 
constância chama muito a atenção. O autor, em seu livro "Freud leitor da Bíblia", apresenta 
diversos trechos das correspondências mantidas por Freud com seus pares. Nesses trechos é 
revelado o grande conhecimento que ele possuía dos textos bíblicos em sua totalidade, 
permitindo-o fazer uso deles em diversos contextos e de diferentes maneiras, como: 
utilizando-os com seu bom humor para fazer trocadilhos em discussões com os amigos; em 
seriedade como base nas discussões de cunho filosófico ou acadêmico (formal); convertendo-
os em declarações de amor para sua amada ou ainda, para rasgar seu coração em confissões da 
alma para seu amigo Fliess8. 
 Ceccarelli (2014) afirma que o pensamento freudiano reserva um considerável espaço 
para tratar da religião e das experiências religiosas. As cartas de Freud denunciam seu 
profundo conhecimento bíblico e revelam um conteúdo impregnado de expressões que são 
frequentemente encontradas nos textos bíblicos. 
 
7 A coleção dos cinco primeiros livros do Velho Testamento (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e 
Deuteronômio) - Dicionário Eletrônico Houaiss 3.0, 2009. 
8 Médico alemão - Especialista em Otorrinolaringologia. 
 7 
 Segundo Nicholi (2005) na casa de Freud, em Londres, há um volume grande da 
Bíblia de Martim Lutero que contém numerosas citações bíblicas. Para ele foi essa a tradução 
bíblicaque Freud mais se dedicou à leitura. Um outro volume da Bíblia também foi 
encontrado por Nicholi nessa visita à casa de Freud. Na estante de livros encontrou a Bíblia de 
Philippson, essa traz ênfase nos estudos do Movimento da Reforma9. Há indícios de que foi 
essa a Bíblia que Freud lia quando garoto, pois nesse exemplar há uma linda dedicatória de 
Jacob Freud anunciando seu reenvio a Freud em seu aniversário de 35 anos. De acordo com 
Fuks (In: FRANÇA, 2003, p. 45) "o texto mais comovente que já foi escrito em toda a história 
da psicanálise." E, nessa dedicatória, o pai faz menção da infância de Freud deixando a 
impressão de que foi nessa época que ele ganhou esse mesmo exemplar da Bíblia pela 
primeira vez. Por tal conduta, pode-se supor que ele conhecia muito bem o texto do Rei 
Salomão que advertia: "Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for 
velho, não se desviará dele"10 Jacob Freud cresceu numa família judaica ortodoxa, mas 
abandonou as práticas religiosas sem, contudo, deixar a leitura da Bíblia em hebraico. 
 Em 1872, na Universidade de Viena, Freud vivencia uma triste experiência, contrária 
ao que deseja todo adolescente - ser aceito por seus pares. Experimentou a rejeição por ser 
judeu, fato esse que, décadas a frente, relembra amargamente. Felizmente, nessa época, 
estudou com o filósofo Franz Brentano (ex-padre católico) e Freud o via como "um homem 
esplêndido [...] um ser humano ideal" (NICHOLI, 2005, p. 26). E por sua influência, "Freud 
vacilou e cogitou a possibilidade de tornar-se um crente" (Idem). De acordo com relato do 
autor, Brentano tratava da existência de Deus de forma convincente. 
 Nas correspondências que Freud manteve com seu amigo Silberstein, muitas vezes, ele 
expressou sua grande admiração pelo irrefutável discurso de Brentano. Porém, num 
determinado momento, Freud começa a expressar sua inquietude entre Ciência e a existência 
de Deus. A partir daí, novas influências despontam e Freud torna-se mais incrédulo. A cultura 
européia, no final do Séc. XIX e início do Séc. XX contribui para fortalecer o ateísmo de 
Freud, tendo ainda como agravante o ambiente social da faculdade de medicina onde 
estudava. (NICHOLI, 2005). Nesse contexto, muitas publicações surgiam abordando a 
suposta divergência entre Ciência e Religião. E autores influentes, que envolviam a 
comunidade médica, eram visados por Freud, pois ele, intensamente, buscava aceitação com 
 
9 Momento em que Martinho Lutero rompeu com a Igreja Católica e iniciou a Reforma Protestante. Completou 
500 anos em 2017. É, sobretudo, um fato laico porque provocou profundas transformações na sociedade da 
época. 
10 Bíblia Sagrada - Provérbios, Capítulo 22, verso 6 
 8 
vista ao seu avanço profissional e, mais tarde, para aprovação de sua Teoria. Brücke foi o 
nome enaltecido por Freud por ser, agora, responsável por sua guinada de posicionamento nas 
questões que o inquietavam e, sobre ele, declarou: "[...] pessoa que teve mais peso pra mim do 
que qualquer outra por toda a minha vida" (NICHOLI, 2005, p. 28). Esse autor, avesso a visão 
de mundo espiritual, insistia em dizer: "que as diferenças entre Ciência e Religião são 
inconciliáveis e que nenhuma verdade existe, a não ser aquela adquirida pelo método 
científico" (NICHOLI, 2005, p. 28). Mais tarde, Freud, envolvido nessa nova linha de 
pensamento, escreve: "não há fontes de conhecimentos no universo a não ser... o que podemos 
chamar de pesquisa." (Idem). 
 Em seus estudos sobre Freud, Nicholi (2005) percebe seu interesse por uma cadeira na 
Universidade de Viena e revela ser compreensível a motivação que determinou a renúncia de 
Freud ao que ele chamava de visão de mundo (weltanschauung), e em referência à Religião 
disse: "Sem esse 'inimigo' ele não estaria numa pequena minoria e ninguém esperaria que ele 
se sentisse 'inferior e um estranho'." (NICHOLI, 2005, p. 29). 
 Na verdade, revelando-se judeu (ser religioso em Viena) o fazia inferior e o 
distanciava da promissora carreira médica. Além disso, Freud conservava registros negativos 
de diversas situações vividas por ele e por seu pai pelo fato de serem judeus. Tais episódios o 
marcaram profundamente, trazendo prejuízo na relação com o seu pai e atravessamentos na 
vida adulta. Um exemplo é descrito no seu texto: A Interpretação dos Sonhos, quando recorda 
uma situação por volta de seus 12 anos de idade. Foi nessa época que Freud começou a 
entender o que era pertencer a uma raça estranha, vivenciando um episódio com seu pai 
quando juntos caminhavam de mãos dadas numa calçada em Viena e ali foram surpreendidos 
com humilhações. Seu pai não reagiu e passivamente se sujeitou. Freud relata que para ele 
isso foi um forte golpe, interpretado como uma conduta anti-heróica de seu pai que para ele 
sempre foi um homem grande e forte. É fato que, desde cedo, o antissemitismo11 foi vivido 
por Freud com certa regularidade. (NICHOLI, 2005). 
 Aos trinta anos Freud abre sua clínica particular (num Domingo de Páscoa) e poucos 
meses a frente se casa com Martha. Ele não quis um casamento judaico porque achava os 
aspectos cerimoniais desagradáveis. Entretanto, se casou na Alemanha, numa breve cerimônia 
judaica reunindo, na casa de sua noiva, poucas pessoas da família. 
 Passado uma década, Freud tem seus sentimentos antigos reacendidos em razão da 
morte de seu pai e sobre isso escreve ao amigo Fliess revelando sentir-se desarraigado e 
 
11 Corrente ou atitude política adversa aos judeus. - Dicionário Eletrônico Houaiss 3.0, 2009. 
 9 
comentando sua nova percepção sobre a morte do pai de uma pessoa. Freud escreve ao amigo: 
"[...] é o evento mais importante, a perda mais pungente na vida de um homem" (NICHOLI, 
2005, p. 31). Mais adiante o autor acrescenta: "[...] a consciência da nossa imortalidade 
também nos causa dor (...), o nosso medo mais penetrante é a perda daqueles que amamos. O 
Salmista nos diz que há sabedoria na consciência de que os nossos dias estão contados (Salmo 
90:12)" (p. 202). Freud, em sua experiência clínica, observou que as pessoas tinham maior 
dificuldade de enfrentar a morte dos pais quando essas conservavam sentimentos negativos e 
não resolvidos em vida. E essa também foi sua experiência, pois ele conservava o registro de 
seu pai como um fracassado por ter enfrentado dificuldades de sustentá-lo durante seus 
estudos; por ter passado a humilhação de receber ajuda assistencial da família de sua esposa e, 
ainda, pelas reações anti-heróicas quando identificado como um judeu. 
 A literatura psicanalítica, no geral, aponta para uma relação conflituosa de Freud com 
seu pai, especialmente, após a adolescência. Nesse sentido, Aletti (2004) aposta no conceito 
elaborado por Winnicott (1982) para explicar como percebe a vivência de Freud com seu pai. 
Winnicott, em uma de suas conferências sobre os cuidados pré-verbais, destacou, a priori, a 
fundamental importância de como a criança é segurada nos braços por seus progenitores. O 
autor faz uso de seu conceito de "mãe suficientemente boa" como sendo aquela que sabe 
dosar com equilíbrio os processos de amadurecimento e crescimento (dando ao filho nem 
muito nem pouco, mas o suficiente). Para Winnicott, tais processos acontecem num ambiente 
facilitador, que dará a criança a possibilidade de "crer em" ao mesmo tempo em que saberá 
conduzir-se "sozinha". Resulta na "confiabilidade humana", que é fruto do sentir-se abraçada. 
Essa experiência mais tarde mostrará como essa criança (agora adulta) irá se relacionar, se 
aproximar dos "braços eternos" de Deus (WINNICOTT, 1989 apud ALETTI, 2004, p. 172). 
A maior dificuldade enfrentada por Freud foi conseguir encontrar em Deus (Pai) uma 
paternidade digna de confiança, pois essa confiabilidade parece ter sido ofuscada pela 
vivência com seu paiterreno diante de suas falhas impostas pelo contexto sócio-político 
(hostil) em que viveram. 
 Por essa conturbada lembrança relacionada ao seu pai, Freud viu-se forçado à 
autoanálise e dela surgiram significativas obras, como: A Interpretação dos Sonhos e o início 
da formulação do complexo de Édipo. Freud vai mais adiante e compreende que "a nossa 
ambivalência em relação à autoridade dos pais - especialmente sentimentos positivos dessa 
ambivalência - formam a base do nosso desejo profundamente assentado por Deus" 
(NICHOLI, 2005, p. 33). 
 10 
 Pfrimmer (1994) confirma que Freud percorreu vasta literatura durante sua vida; além 
da Bíblia, a história do povo de Israel e seus vizinhos e, também, obras científicas de seu 
tempo. É fato que a Bíblia teve importância destacada em diferentes momentos da vida de 
Freud, bem como em sua obra, a qual recebeu direta influência dessa leitura. E Nicholi (2005) 
diz que a familiaridade que Freud teve com a história da Bíblia desde cedo o fez reconhecer, 
mais tarde, que ela teve um efeito duradouro no destino de seu interesse. E é sabido que a 
Psicanálise foi o centro de interesse de Freud. Em sua autobiografia (1935) Freud, faz esse 
reconhecimento. Logo, a Bíblia foi sem dúvida a primeira fonte na qual Freud saciou sua sede 
de conhecimento. Portanto, é considerável o espaço que as Sagradas Escrituras ocupou na 
vida e obra de Freud. 
 Pfrimmer (1994 p. 384) compreende através de sua investigação sistemática a respeito 
de Freud que: 
A Psicanálise nasceu como uma caçula à sombra das irmãs mais velhas: 
anatomia, fisiologia, física e química, o que a caracteriza como a ciência 
mais jovem, pode-se completar dizendo que ela plantou suas raízes no solo 
substancial da Sagrada Escritura, o que a torna ao mesmo tempo mais 
antiga. 
 
 As alusões bíblicas são encontradas na obra de Freud desde as primeiras cartas 
publicadas em 1872 até a sua morte em 1939, conforme afirma Pfrimmer (1994). Segundo 
esse autor, elas aparecem ao longo dos 67 anos da escrita freudiana e com poucas 
interrupções, correspondentes aos períodos vazios de correspondências e de publicações. 
 Segundo relato de Nicholi (2005), Freud precisou se esforçar muito para evitar que a 
psicanálise fosse reconhecida como uma espécie de ciência judaica e, por isso, muitas vezes, 
ele expressava sua impaciência. Freud se via desnudo frente aos médicos alemães e alguns 
cientistas diante da rejeição e ridículo que esses o faziam sentir. Tal fato resultou numa 
amarga decepção e durante toda sua vida ele sofreu por esse sentimento. Nicholi (2005) diz 
que essa foi uma considerável dor emocional vivida por Freud, ou seja, o antissemitismo que 
o atravessou em Viena. 
 Maciel e Rocha (2008) trazem em suas pesquisas, a justificativa que Freud dá ao seu 
grande amigo, pastor Oskar Pfister, diante da necessidade da publicação do seu texto "O 
futuro de uma ilusão" que Freud adiou em consideração a amizade e a estima que tinha por 
Pfister; então, Freud lhe escreve: "Nas próximas semanas sairá uma brochura de minha 
autoria, que tem muito a ver com o senhor. Eu já a teria escrito a tempo, mas adiei-a em 
 11 
consideração ao senhor, até que a pressão ficou forte demais. Ela trata da minha posição 
totalmente contrária à religião [...]" 12 
 Maciel e Rocha (2008) abordam que Freud enfrentou um horizonte epistemológico 
complexo que dificultou o estabelecimento epistemológico de sua própria teoria. Foi preciso 
optar pelas Ciências da Natureza (Naturwissenchatfen) e distanciar-se das Ciências do 
Espírito (Geisteswissenschaften), caso contrário, Freud estaria fora do meio científico de 
Viena. Os autores concluem essa ideia trazendo a contribuição de Mijolla (2005, p. 570) 
descrita em seu artigo que diz: "a epistemologia psicanalítica de Freud apresenta o paradoxo, 
analisado por Paul Laurent Assoun, de sabotar a linguagem da ciência, ao mesmo tempo em 
que se vale dela." 
 Maciel e Rocha (2008) entendem que o pensamento psicanalítico foi fortemente 
marcado, em toda seu percurso, por uma espécie de confrontação diferente que os autores 
denominam de "Freud pesquisador (Forscher)" com "Freud pensador (Denker)." O primeiro 
determinado em fazer da psicanálise uma ciência da natureza e o último, elaborar uma 
metapsicologia fora dos moldes cientificistas, por meio de suas experiências clínicas. 
 Freud, mais que um bom leitor foi, de fato, um pesquisador... um homem de grandes 
leituras! Demonstrou fascínio especial pela leitura bíblica, especialmente, o Antigo 
Testamento, leitura que muitíssimo contribuiu para a descoberta e consolidação da 
démarche13 analítica. 
 Na opinião de Pfrimmer (1994), o fato de Freud ter sido leitor assíduo da Bíblia, torna-
se imperativo ao seu público um esforço adicional de reflexão quanto às fontes e dimensão de 
sua obra. Esse esforço permitirá uma leitura cruzada da obra de Freud com as Sagradas 
Escrituras, oferecendo um novo olhar para a teoria psicanalítica. 
 Pfrimmer (1994) traz um esclarecimento importante sobre a aventura da leitura bíblica 
e, também, da obra de Freud. Ambas, cujo itinerário apontam dificuldades semelhantes, são 
escritas baseadas no modo de pensar semita14. O autor esclarece: 
A linguagem semita emprega com abundância provérbios, parábolas, 
metáforas; ela é concreta, sensual, histórica. Já a nossa cultura nos impele à 
precisão, à abstração e à sistematização. Devido ao nosso modo de pensar 
orientado assim, temos dificuldade de ler um texto como o de Freud, e, com 
mais razão, a Sagrada Escritura, sem nossas grades de leitura, e sem 
satisfazer o nossa necessidade mais ou menos exigente de uma 
 
12 (CARTA DE FREUD AO PASTOR PFISTER DE 16/10/1927. In: FREUD & MENG, 1998, p. 146 apud 
 MACIEL; ROCHA, 2008, p. 736 - grifo nosso). 
13 Ação realizada com empenho e diligência; esforço, providência. - Dicionário Eletrônico Houaiss 3.0, 2009. 
14 Termo que designa um conjunto linguístico composto por vários povos. (GASPARETTO JUNIOR, Antonio. 
Disponível em: https://www.infoescola.com/historia/semita/) 
 12 
weltanschauung (visão de mundo). (PFRIMMER, 1994, p. 399 - grifo 
nosso). 
 
 Assim, tendo sido marcada a mentalidade de Freud pelo influência dos textos bíblicos, 
mais precisamente o Antigo Testamento, sua obra traz embutida igual estilo; o modo de 
pensar heterogêneo (próprio do semita). 
 
FREUD E SUA DUPLA CULTURA 
 
“Na realidade, a psicanálise constitui um método 
de pesquisa, um instrumento imparcial (...) Se a 
aplicação do método psicanalítico torna possível 
encontrar um novo argumento contra as 
verdades da religião, tant pis para a religião, 
mas os defensores destas, como o mesmo direito, 
poderão fazer uso da psicanálise para dar valor 
integral à significação emocional das doutrinas 
religiosas.”15 
 
 Rouanet (In: FRANÇA, 2003) contribui doravante a partir de seu estudo sobre as duas 
culturas da psicanálise. E o autor dá início ao seu texto registrando uma frase intrigante 
referindo-se a Freud: "[...] é quase supérfluo dizer que, apesar de rejeitar qualquer forma de 
religião, ele se orgulhou do seu judaísmo até o final de sua vida." (p. 19). E prossegue dizendo 
que, já velho, Freud afirmou integralmente sua condição de judeu, profissão de fé que já havia 
feito em Paris, na casa de Charcot ao dizer que ele: "não era nem francês nem alemão, e sim 
judeu." (p. 19). Reafirmou também que, em palestra em B'nai B'rith16, Freud disse que duas 
coisas ele devia à sua condição de judeu: "a ausência de preconceitos e a disposição de 
defender posições minoritárias." (p. 19). O autor também confirma que Freud foi um grande 
leitor do Antigo Testamento e que ele se identificava com dois personagens bíblicos, José 
(intérprete de sonhos) e Moisés (que deu ao seu povo uma nova lei). 
 Fuks (In: FRANÇA, 2003, p. 43) corrobora com o seguinte texto: "Freud levou acondição de exílio à sua potência máxima e criadora, desenvolvendo um modo inteiramente 
próprio e original de exercer sua judeidade, de maneira paralela e articulada com a invenção 
da psicanálise, a expressão maior de seu devir-judeu." 
 
15 (FREUD, 1927/1987, p. 45 apud ALETTI, 2004, p. 01) 
16 Associação judaica da qual Freud era membro. Entrou em: 23/09/1897. (PFRIMMER, 1994, p. 187). 
 13 
 Rouanet (In: FRANÇA, 2003) entende que Freud era um homem de duas culturas. E, 
no seu ponto de vista, não havia necessidade dessa dualidade ser conflitiva. E exemplifica 
dizendo que muitos judeus, contemporâneos de Freud, não viam no judaísmo uma 
singularidade que os separava do mundo e sim, uma via de acesso à cultura universal. 
Contudo, não foi assim com Freud, sua coexistência não foi pacífica, pelo contrário, numa 
relação tensa, as duas culturas coabitaram dentro dele. De acordo com os escritos de Rouanet 
(In: FRANÇA, 2003), ao mesmo tempo que Freud queria permanecer judeu, ele não queria. E 
de igual forma, no que diz respeito a ser admitido pela civilização gentílica, também queria e 
não queria. Esse movimento se repete na vida de Freud, marcando uma ambivalência que está 
diretamente ligada à relação com seu pai. O autor pontua esse fato com a seguinte declaração: 
"Freud ama seu pai, e por essa via aceita a herança judaica que recebera dele, e não o ama, 
exprimindo através desse sentimento hostil seu desejo de distanciar-se de uma origem racial 
que o condenava à pobreza e à humilhação." (p. 21). 
 Esse movimento (querer e não querer) também aparece na criação da psicanálise. 
Rouanet (In: FRANÇA, 2003) pontua que assim como Freud "queria e não queria ser..." a 
instituição da psicanálise também passa por esse processo quando Freud incorpora a cultura 
judaica e, ao mesmo tempo, a nega; incorpora a cultura ocidental e, ao mesmo tempo, a nega. 
Ou seja, está marcado aqui, a mimese da ambivalência individual de Freud. 
 Rouanet (In: FRANÇA, 2003) vai ainda concluir que nesse movimento de confronto e 
exclusão das duas culturas, a psicanálise se instituiu como produto de um conflito ao passo 
em que elas se complementam e se opõem. 
 Maciel e Rocha (2008) dizem, em artigo17 publicado na revista Psicologia, Ciência e 
Profissão, que o pensamento freudiano sobre religião sofreu durante muito tempo, na história 
da psicanálise, uma espécie de vulgarização. Entretanto, a possibilidade de novas leituras são 
indicativos também encontrados na obra de Freud, bem como a possibilidade de novas 
construções teóricas na temática religião. 
 Os autores trazem uma citação de Lacan para exemplificar essa questão: 
O pensamento de Freud é o mais perpetuamente aberto à revisão. É um erro 
reduzi-lo a palavras gastas. Nele, cada noção possui vida própria. É o que se 
chama precisamente de dialética... o que está em questão é a subjetividade 
do sujeito nos seus desejos, na sua relação com seu meio, com os outros, 
com a própria vida (2008, p. 744). 
 
 
17 FREUD E A RELIGIÃO: Possibilidades de novas leituras e construções teóricas. 
 14 
 Dinamismo é uma marca na psicanálise, pois sua prática implica na permanente 
construção dialética; ou seja, uma teoria que está aberta a ressignificações e reformulações. A 
psicanálise defende que o objeto da pesquisa é inesgotável. 
 Para Maciel e Rocha (2008) nesse tema Freud não foi um teórico de verdades 
dogmáticas, e sim um pensador aberto para refletir e reeditar suas teorias, deixando sempre 
possibilidades de novas leituras. Dessa forma, lançam o convite para um possível diálogo 
onde novas perspectivas serão possíveis aos textos em que Freud aborda a religião. 
 E seu grande amigo Oskar Pfister (1928), com magnanimidade, conforme citado por 
Maciel e Rocha (2008, p. 735) pontua: "Freud é positivista e podemos agradecer a Deus por 
isso. Sem a sua dedicação concentrada no empírico ele não se teria transformado num 
desbravador." 
 Os últimos momentos e despedida de Freud ocorreram no seio de sua família em uma 
cerimônia fúnebre18 com poucas pessoas e familiares, conforme o desejo de seu coração. 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
"Tudo que não é eterno é eternamente inútil" 19 
 
 No início da pesquisa, ao percorrer os indícios de uma possível e renegada trajetória 
religiosa que Freud teria trilhado em sua vida, tornou-se desconfortável supor que um teórico 
desse calibre e com tamanho conhecimento dos textos bíblicos, não teria conseguido render 
'seu coração' completamente ao Deus, autor da Bíblia, que ele tanto apreciava. 
 A pesquisa apontava a possibilidade de Freud ter-se mantido no caminho do meio 
entre ciência e religião travando uma intrigante e insistente batalha por muitos anos. Há um 
texto bíblico, escrito pela Apóstolo Paulo, cuja escrita era apreciada por Freud, que diz: "[...] a 
letra (ciência) mata, mas o espírito (religião/Deus) vivifica"20. Nesse texto o Apóstolo Paulo 
pretendia transmitir que o conhecimento (ciência) é da ordem do terreno (efêmero) e o 
conhecimento que provém do espírito (religião/Deus) é da ordem do eterno, do divino. São 
instâncias distintas, porém com níveis de hierarquias também distintas. Provavelmente, pela 
 
18 Freud foi cremado na manhã de 26 de setembro de 1939, ao noroeste de Londres, em Golders Green. 
19 C. S. Lewis, [s./d.]. 
20 Bíblia Sagrada. II Coríntios, capítulo 3, versículo 6. 
 15 
força da expressão dessa mensagem, Freud tenha, por tantas vezes, retomado ao tema em 
pauta. 
 Contudo, no desenvolver da pesquisa, percebe-se que Freud foi extremamente 
habilidoso e cuidadoso para conduzir sua fé e integridade física num contexto cultural hostil 
onde os judeus eram completamente discriminados. Por isso, também, o discurso freudiano 
oscilava entre o científico (onde prevalecia a forma categórica e dogmática) e o analítico 
(onde tinha a primazia a compreensão21 psicanalítica do fenômeno religioso). Dessa forma, 
Freud mantinha cuidadosamente esse movimento para assegurar sua estabilidade na sociedade 
científico-cultural de sua época. 
 Contudo, do ponto de vista religioso, escapou a Freud o confiar completamente em 
Deus e por isso, sua trajetória foi um tanto conturbada oscilando entre os dois extremos. 
Faltou-lhe mergulhar no amor a que tanto buscou. Compreensível, no entanto, se considerado, 
apenas, o contexto sócio-político-cultural de sua época, mas não suficiente, para aquele que, 
de fato, se rende aos cuidados do Eterno Deus descrito nos textos bíblicos. 
 A pesquisa deixa a impressão de que o autor da teoria psicanalítica não foi beneficiado 
por um resultado eficaz. Freud, que tão bem conhecia os prejuízos causados na vida adulta 
proveniente de um acontecimento na infância, deixa escapar um necessário confronto com seu 
pai (que ele amava e odiava) perdendo assim a oportunidade de expressar, em vida, a palavra 
que possivelmente lhe traria a cura. Nesse contexto, é fatídico o câncer que o acometeu ter 
sido justamente na boca, onde a expressão foi por ele próprio retida. O seu conhecimento 
médico não pode impedir seu sofrimento (aspecto biológico), nem sua teoria psicanalítica 
(aspecto psicológico) socorrê-lo. "Psicanálise é, em essência, uma cura pelo amor”22 e, "Ó 
Senhor dos exércitos, feliz o homem que em ti confia.”23 Escapou-lhe ambas as instâncias... 
Assim como é a figura do pai (vista por Freud; ou seja, alguém de quem se deve ter medo e, 
ao mesmo tempo, a quem se deve amar), assim foi, inevitavelmente, seu sentimento por Deus 
ao longo de sua trajetória. Razão pela qual, Freud oscilava entre os dois pólos (Ciência e 
Religião). 
 Entretanto, no finalzinho de sua vida, felizmente, esse homem reconhece sua pequenez 
diante de um Criador maior e a Ele, rende completamente seu coração ao que sempre ouviu eresistiu escutar: "O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão de passar."24 
 
21 Segundo Freud, herdeira do complexo de Édipo e do desamparo humano. Ateísmo tipicamente científico. 
22 S. Freud , [s.d.]. 
23 Salmo dos filhos de Corá - nº 84, verso 5 - Bíblia Sagrada. 
24 Bíblia Sagrada. Evangelho de Mateus - Capítulo 24, versículo 35. 
 16 
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