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Esta obra busca discutir o processo de trabalho em Serviço Social. Esse debate se baseia na questão social e nas dimensões que compõem o exercício profissional, refletindo os mais diversos cenários e contextos de atuação do assistente social e seus respectivos espaços sócio-ocupacionais. As demandas e os instrumentos da profissão são discutidos nesta obra, que ainda destaca a importância do trabalho do assistente social frente às respostas profissionais, defendendo a elaboração de projetos sociais e de pesquisa como uma das principais estratégias para superar as desigualdades sociais existentes. Código Logístico 59535 PROCESSO DE TRABALHO EM SERVIÇO SOCIAL I RAFAELA PEREIRA DA ROCHA RAFAELA PEREIRA DA ROCHA Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6672-8 9 7 8 8 5 3 8 7 6 6 7 2 8 Processo de trabalho em Serviço Social I Rafaela Pereira da Rocha IESDE BRASIL 2020 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2020 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: ultramansk/Rawpixel.com/Shutterstock CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ R576p Rocha, Rafaela Pereira da Processo de trabalho em serviço social I / Rafaela Pereira da Rocha. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE Brasil, 2020. 144 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6672-8 1. Trabalho - Aspectos sociais. 2. Serviço social. I. Título.. 20-64756 CDD: 306.36 CDU: 316:331 Rafaela Pereira da Rocha Mestranda em Educação e Novas Tecnologias pelo Centro Universitário Internacional (Uninter). Especialista em Política da Assistência Social. Graduada em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Professora de ensino superior, ministrando as disciplinas de Questão Social e o Serviço Social, Aprendizagem por Problematização, Práticas de Estágio e Estágio Supervisionado. Docente responsável pela tutoria de estágio do curso de Serviço Social nas modalidades presencial e EaD. Professora e pesquisadora na área de política da criança e do adolescente. Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 A história social do trabalho 9 1.1 Trabalho e emprego: o desvelar da realidade conceitual 10 1.2 O trabalho nos modos de produção 11 1.3 Modo de produção capitalista 18 1.4 O trabalho e a dimensão ontológica do ser social 24 2 O processo de trabalho e o Serviço Social 29 2.1 Produção e reprodução social do trabalho 30 2.2 O Serviço Social como especialização do trabalho 34 2.3 Processos de trabalho e a atuação do assistente social 43 3 O trabalho do assistente social 51 3.1 As especificidades do trabalho do assistente social 51 3.2 A questão social e as suas diversas manifestações 59 3.3 As dimensões da profissão de Serviço Social 62 3.4 As demandas e os instrumentos da profissão de Serviço Social 66 4 Os espaços sócio-ocupacionais do assistente social 78 4.1 O universo de trabalho do assistente social 78 4.2 O Serviço Social em diferentes contextos 87 4.3 As respostas profissionais e os desafios do assistente social 101 5 Projetos e pesquisa em Serviço Social 110 5.1 Formulação de projetos sociais 110 5.2 O assistente social pesquisador e docente 121 5.3 O Serviço Social na assessoria, consultoria e na prestação de serviços 128 Apêndice 133 Gabarito 140 Esta obra busca discutir o processo de trabalho em Serviço Social. Esse debate se baseia na questão social e nas dimensões que compõem o exercício profissional, refletindo os mais diversos cenários e contextos de atuação do assistente social e seus respectivos espaços sócio-ocupacionais. No primeiro capítulo, serão ampliadas as bases conceituais sobre o processo de trabalho, por meio da distinção entre as ideias de trabalho e emprego. Em seguida, será discutida a construção histórica e social do trabalho tendo como base um resgate da trajetória dos modos de produção. O capítulo inicial se completará com a visão sobre a dimensão ontológica do trabalho na constituição do ser social como categoria social fundante do homem e da sociedade. No segundo capítulo, serão abordados conceitos derivados da categoria do trabalho, começando pelo processo de trabalho, que é o conjunto organizado de componentes criados processualmente. A seguir, o Serviço Social será discutido como especialização, profissão inscrita na divisão sociotécnica do trabalho. O capítulo será complementado com as concepções sobre o processo de trabalho do assistente social enquanto atuação profissional pautada em princípios, atribuições e competências. No terceiro capítulo, a discussão gira em torno do trabalho do assistente social na contemporaneidade, focando o seu objeto de intervenção: a questão social. Em seguida, será feita a reflexão das três dimensões indissociáveis do exercício profissional: a teórico-metodológica, a ético-política e a técnico- operativa. Para entender o cotidiano do assistente social, é preciso entender as demandas da profissão e os instrumentos e instrumentais inerentes a ela. O quarto capítulo se propõe a debater o trabalho do assistente social em seus espaços sócio-ocupacionais. Assim, a profissão será abordada com base no mercado de trabalho e na atuação profissional nas esferas pública e privada. Na sequência, será realizada uma profunda argumentação da atuação do assistente social em diferentes contextos, para apresentar e reconhecer os múltiplos espaços sócio-ocupacionais na contemporaneidade. Ainda serão discutidos os desafios do assistente social e as inúmeras respostas profissionais perante a conjuntura social atual. No quinto capítulo, serão conduzidas reflexões sobre as possibilidades e os conhecimentos da profissão acerca da elaboração e formulação de APRESENTAÇÃO projetos sociais. Na sequência, será abordada a atuação do assistente social na docência e na pesquisa. Nesse universo, será observada a importância e o diferencial da proposição dos projetos de pesquisa. Na parte final do capítulo, será ampliado o conhecimento sobre assessoria e consultoria enquanto atribuições privativas do assistente social atuante como prestador de serviços. Enfim, esta obra denota as demandas e os instrumentos da profissão e destaca a importância do trabalho do assistente social frente às respostas profissionais, defendendo a elaboração de projetos sociais e de pesquisa como uma das principais estratégias para superar as desigualdades sociais existentes. Bons estudos! A história social do trabalho 9 1 A história social do trabalho A sociedade do capital se debruça a investigar a história social do trabalho, buscando-a nas origens do desenvolvimento do tra- balho humano em sociedade e se pautando em observar a cons- trução do ser social e das relações sociais. A história do trabalho emerge das lutas da humanidade pela sobrevivência e subsistência. Inicialmente, reporta-se à mera satisfação das necessidades bioló- gicas, mas o caminhar da humanidade demonstra que, estando as necessidades biológicas saciadas, outras necessidades foram sendo criadas, as quais norteiam o trabalho e sua história social. Neste capítulo, abordaremos a ampliação das bases concei- tuais sobre o processo de trabalho, tendo como ponto de partida a construção da história social do trabalho, com base em um resgate da trajetóriados modos de produção. Partiremos da Pré-História, nas comunidades tribais, perpassando o modo de produção es- cravista e feudal, na Idade Média, até atingirmos o capitalismo, na Idade Moderna. Para isso, devemos conhecer e compreender a história do trabalho e o seu processo evolutivo, podendo chegar a identificar, nos diferentes modos de produção da sociedade, o desenvolvimento do trabalho enquanto categoria. Para desenvolver a temática da história social do trabalho, precisamos compreender alguns pressupostos teóricos que nos permitem adentrar os fundamentos do processo de trabalho com maior clareza e coerência. Por isso, indicamos as diferenças entre trabalho e emprego, que, na linguagem coloquial, são empregados com o mesmo significado. Em um terceiro momento, vamos explorar a visão sobre a dimensão ontológica do trabalho na constituição do ser social. A sociedade que está por libertar-se dos grilhões do trabalho é uma sociedade de trabalhadores, que desconhece outras atividades em benefício das quais valeria a pena conquistar a liberdade. – Suzana Albornoz, 1994 10 Processo de trabalho em Serviço Social I Nesse cenário, apresentamos a categoria trabalho como cons- tituinte do ser social, bem como categoria social fundante do homem e da sociedade. 1.1 Trabalho e emprego: o desvelar da realidade conceitual Vídeo As palavras trabalho e emprego permeiam as relações sociais coti- dianas no contexto familiar e laborativo. Podemos enumerar várias si- tuações em que utilizamos ambos os termos para descrever o mesmo fenômeno. Muito embora o senso comum compreenda erroneamente trabalho e emprego como sinônimos, o desvelar conceitual de ambos nos orienta a diferentes significados, que revelam o sentido e o valor central intrínseco à ação teleológica dessa derivada. Trabalho e emprego não são palavras sinônimas, não são con- ceitos intercambiáveis, muito embora as atividades realizadas no emprego sejam atividades de trabalho e as atividades de traba- lho não necessariamente se realizem apenas no desempenho das funções próprias de um emprego. (LAZZARESCHI, 2007, p. 7, grifos do original) Portanto, percebemos que as atividades atribuídas ao emprego po- dem ser entendidas como trabalho, mas as atividades de trabalho não se resumem e nem se restringem às do emprego. A outra diferença interessante é que o trabalho é inerente à exis- tência do homem, ao passo que o emprego passa a existir com a emergência do capitalismo. Observe na Figura 1 que o emprego está incluso dentro do trabalho, mas as dimensões do trabalho vão muito além do emprego. Como indagam Marx e Engels (2007), a existência do ser huma- no é o marco inicial da história da humanidade, contudo o que o diferencia realmente não é o fato de ser um animal racional, mas o processo de produzir seus meios de vida. A continuidade da refle- xão sobre trabalho e emprego se realizará, portanto, pelo reconhe- cimento dessa diferença. Desse modo, o trabalho acaba sendo uma atividade restrita ao ser humano. laborativo: relativo à labuta, ao trabalho em todos os seus âmbitos; laboral, trabalhista. teleológica: diz respeito à teleologia, ciência que tem a finalidade (causas finais) como essencial na explicação das modificações que ocorrem na realidade. Glossário Figura 1 Relação entre trabalho e emprego Fonte: Elaborada pela autora. Trabalho Emprego A história social do trabalho 11 Ainda, segundo Marx (2006), o trabalho pode ser entendido como todo processo que tem como partícipes a natureza e o ser humano. Nessa perspectiva, o conceito de trabalho é correlacionado à ação do homem sobre a natureza, ao processo de modificação sobreposta a ela, que também o modifica. Isso conversa diretamente com o ideal marxista de que o homem produz as condições materiais e concretas da vida e, com isso, produz a história. Além disso, podemos qualificar o trabalho pela interpelação criado- ra e pela intencionalidade. Por meio de toda ação criativa do homem, consciente e com finalidade, a humanidade trabalha, satisfaz suas ne- cessidades e produz os bens sociais (ALBORNOZ, 1994). Como mencionado antes, o conceito de emprego se relaciona ao surgimento do capitalismo enquanto modo de produção. Compreende- mos por emprego o processo de mercantilização da força de trabalho. O homem despossuído da propriedade privada acaba por vender sua força de trabalho como mercadoria aos possuidores dos meios de pro- dução e propriedade privada, pactuados por um contrato social, que lhe atribui um valor (LESSA, 2016). Por isso, ao se tratar de uma relação contratual entre patrão e empregado, temos uma relação de compra da força de trabalho em troca de um salário. Esse processo coisifica o homem, que se torna mercadoria no capitalismo (LAZZARESCHI, 2007). Portanto, conseguimos apreender as diferenças conceituais entre trabalho e emprego, fenômenos distintos que, porém se entrelaçam no centro do capitalismo, a ponto de o emprego compreender ativi- dades do trabalho, mas o trabalho ser uma categoria social inerente à existência da humanidade. Poderíamos adaptar uma célebre frase para: existo, logo trabalho. 1.2 O trabalho nos modos de produção Vídeo Há uma intencionalidade em resgatar a história social do trabalho sob a perspectiva dos modos de produção, pois esses evidenciam a evolução conceitual da terminologia trabalho, elevando-a a um pata- mar estruturante e fundante do homem enquanto ser humano. Nesse viés itinerário, o trabalho assume papel de categoria na sociedade. Quando nos reportamos à história social do trabalho, nos referimos à história da classe trabalhadora. 12 Processo de trabalho em Serviço Social I As transformações que perpassam o trabalho são passadas de ge- ração em geração ao longo do processo histórico. As relações cultu- rais, políticas e econômicas mudam o trabalho e, da mesma forma, o trabalho transforma essas relações, pois ele se faz na história ao mesmo tempo em que faz a história, a qual constitui e é constituída pelo homem (LESSA, 2007). A história social do trabalho surge, originalmente, das necessidades humanas biológicas. Com base na produção de condições para viabili- zar sua sobrevivência e satisfazer suas necessidades, o homem começa a produzir ferramentas de pedras lascadas. Com o desenvolvimento da história do trabalho, passaram a ser satisfeitas outras necessidades. Hoje, trabalhamos com a robótica, inteligência artificial e nanotecnolo- gia e criamos necessidades de consumo mercantilizadas e ditadas pela indústria automobilística, da moda, da beleza, do entretenimento etc. Nessa conjuntura, entende-se que as novas relações sociais produzidas determinaram a condição do trabalho. Nesta seção, poderemos compreender os mais conhecidos mo- dos de produção que contribuíram para organização social do tra- balho, tendo um panorama geral dos modos de produção primitivo, escravista, feudal e capitalista. O modo de produção representa como uma sociedade produz, distribui e consome os bens produzi- dos e serviços. Ele compõe as forças produtivas de uma sociedade somadas às relações de produção estabelecidas. Percebe-se que o modo de produção está estritamente vinculado aos modelos, siste- mas e relações de fins econômicos, políticos e sociais que organizam e norteiam uma sociedade. Le re m y/ Ke ns hi De si gn /J ov an ov ic De ja n/ 3D V ec to r/ Sh ut te rs to ck Figura 2 Evolução dos modos de produção A transição de um modo de produção para outro tem como marco a descoberta de grandes invenções e tecnologias. Ela não é estática e pontual, mas sim evolutiva. A transição entre os modos de produção normal- mente é uma grande revolução; por exemplo, a Revolução Indus- trial, com a máquina a vapor e a emergência do capitalismo. Saiba mais A história social do trabalho 13 1.2.1 Modo de produção primitivo Quando estudamos a história social do homem, nos reportamos aos primórdios das sociedades tribais na Pré-História, observandoseu modo de produção tribal. Esse período divide-se em três, segundo alguns au- tores, sendo eles: Paleolítico, Neolítico e Idade do Metal. O primeiro período é marcado pela Idade da Pedra Lascada. O ho- mem lascava pedras fazendo lanças e facas para caçar e pescar, pois seu objetivo principal era a busca por comida. Sua principal caracterís- tica é a manipulação do fogo, que proporcionou ao ser humano a tão fundamental sobrevivência. Eles eram nômades e coletavam na natu- reza o que precisavam para subsistência (COLAO, 2006). Nossos ancestrais não eram muito semelhantes aos seres humanos atuais: andavam agachados, como os macacos, e eram mais peludos. Algumas diferenças entre eles e os animais é que começaram a fazer objetos para facilitar suas vidas e a se comunicar uns com os outros. O homem sempre se distinguiu pelo uso de objetos como ferra- mentas para a transformação da matéria-prima. Por sua própria natureza, ele parece feito para criar. Exemplo disto é sua mão, que é uma ferramenta, com o polegar disposto com relação aos outros dedos para apreender e agir. (CEFURIA, 2012, p. 10) Nesse primeiro período da Pré-História, percebemos o estabeleci- mento de relações de trabalho primitivas em busca de sanar as ne- cessidades vinculadas à sobrevivência, como alimentação. Podemos estabelecer como relação de trabalho a base tribal, em que o homem buscava no trabalho a subsistência da tribo. No segundo período, chamado de Neolítico ou Idade da Pedra Polida, o homem se fixa em um território e ali começa a plantar e criar animais. Esse período é marcado pela agricultura e pecuária nascente, e as tribos apresentam um novo desenvolvimento, pois abandonam o nomadismo e se tornam sedentários em terras boas e férteis. O homem não só produzia seus alimentos, mas desen- volvia relações comunais nas bases da cooperação. Ele também produzia instrumentos e artefatos para apoiar a tribo e defendê-la (VIDIGAL; GODIN, 2019; CEFURIA, 2012). O modo de produção tribal foi a primeira organização social e econômica da humanidade. Muitos não dão a devida impor- tância a esse modo, porém trata- -se do início do desenvolvimento do homem em sociedade. Atenção O filme A Guerra do Fogo apresenta de maneira ilustrativa o primeiro período do modo de produção tribal, com os hominídeos. Ao longo do filme, demonstra-se a evolução do homem, a organização tribal, a construção das ferramen- tas e a modificação da natureza, ou seja, todo o processo de trabalho comunal. Direção: Jean-Jacques Annaud. França/Canadá: CinePlayers, 1981. Livro 14 Processo de trabalho em Serviço Social I Existia uma divisão de trabalho baseada nas condições de cada membro da tribo, dependendo da faixa etária e do gênero. Aqui surge a divisão sexual do trabalho. A mulher, por conta da maternidade e dos cuidados com os filhos, se resignava às atividades domésticas, en- quanto o homem caçava. Porém, todos os membros tinham acesso aos produtos do trabalho da tribo. Por isso, destaca-se as bases comunais desses grupos (COLAO, 2006). A terceira parte da Pré-História dentro do modo de produção pri- mitivo é a Idade dos Metais, período marcado pelo desenvolvimento da produção agrícola, pelo arado de madeira e pela foice polida. Com o conhecimento do período anterior, o homem começou a derreter al- guns metais (cobre, estanho, bronze, ouro e por último ferro) e, com base nisso, forjar suas ferramentas com esses materiais. Ainda no fim desse período, as tribos se transformaram em aldeias que pareciam pequenas cidades; contemplavam a divisão do trabalho, o comércio e o artesanato especializado, representando uma nova revolução: a Re- volução Urbana (VIDIGAL; GODIN, 2019). O modo de produção primitivo, sem dúvida nenhuma, poderia ser denominado como modo de produção comunal, pois expressa com mais veracidade o desenvolvimento do trabalho via cooperativismo tribal. Antes de abordar o modo de produção escravagista, cabe ressaltar que, concomitantemente, existiu o modo de produção asiático, que não é tão difundido no mundo ocidental. O modo de produção asiático surge nos primeiros estados da Ásia e parte da África, sendo sua base econômica a agricultura co- letiva. A grande questão era que os camponeses realizavam uma servidão comunitária à terra, isto é, toda comunidade tinha não só o direito de cultivar a terra, mas também a obrigação de o fazer (MARTINS, 2017). Todo camponês adquiria esse compromisso por pertencer à comunidade; juntos precisavam prestar contas e dona- tivos sobre o uso da terra. O interessante sobre esse modo de produção é que ele também é denominado de modo de produção tributário, por conta da organi- zação de tributos e impostos a que o homem era submetido. Nele a sociedade sofria com o forte poder de controle da elite dominante. Podemos lembrar como exemplos de sociedades que vivenciaram esse modo de produção na Antiguidade a: chinesa, hebraica, egíp- escravagista: que defende a escravidão; escravocrata; parti- dário do escravagismo, segundo o qual algumas pessoas devem ser privadas de sua liberdade, especialmente os negros. Glossário O modo de produção asiático não se desenvolveu em toda a sociedade. Por isso, há autores que não incluem esse modo de produção em suas discussões, principalmente quando tratam da história do ocidente. Atenção A história social do trabalho 15 cia, mesopotâmica e fenícia. Observe que a base delas era a co- brança de tributos. Mesmo que a sociedade tivesse um forte poder agrário, todo cultivo acontecia para o pagamento. Assim, a popula- ção empobrecia e era assolada por grandes crises para pagarem as tributações da época (CEFURIA, 2012). 1.2.2 Modo de produção escravista Considerando nossa fraqueza os senhores forjaram Suas leis, para no escravizarem. As leis não mais serão respeitadas. Considerando que não queremos mais ser escravos. Considerando que os senhores nos ameaçam Com fuzis e canhões Nós decidimos: de agora em diante Temeremos mais a miséria do que a morte Bertold Brecht – Resolução, 1949 O modo de produção escravista apresenta, em sua particularidade, a economia sendo movida e organizada sobre o trabalho escravo, o qual produz e se materializa em riquezas. Esse modo de produção é pactuado pelo uso do homem como propriedade privada, bem como sua força de trabalho, sem nenhuma remuneração. O escravizado era como propriedade do seu senhor (MARTINS, 2017). Nesse modelo, o homem escravizado era reduzido à condição de mercadoria, de objeto. Segundo Rossi (2005, p. 32), “pode-se dizer que os escravos valem pelo corpo que têm e pela capacidade de produção. A escravidão se torna a base da economia”. Dessa maneira, o modo de produção escravista é considerado o mais cruel de todos os modelos e sistemas de produção, por conta da violência para sua manutenção. As relações de produção eram de poder total do senhor sobre a sujeição do homem escravizado. Este não tinha nenhum direito, pois era considerado como propriedade do senhor; era comprado, vendido e usado igual a um boi ou qualquer outro bem. O escravo era mais um dos instrumentos de produção do senhor (LESSA; TONET, 2012). Na Antiguidade, já eram registradas situações de escravidão. No entanto, o escravismo torna-se um modo de produção no Império Ro- mano e no Estado grego, quando começa a movimentar e orientar a ascensão econômica de ambas as nações. Os escravos desse período eram os povos conquistados após as guerras, considerados como es- Vale ressaltar que há uma diferença entre escravos e escra- vizados. Escravo refere-se à na- tureza humana, ou seja, a ideia de que a pessoa em situação de escravidão está nessa condição por sua natureza. Escravizado remete a um adjetivo que descreve a submissão ao regime da escravidão; ninguém é escravo por vontade própria. No texto, usamos escravizado para enfatizar que o ser humano foi obrigado e subjugado à escravi- dão, portanto não é uma relação natural, e sim de imposição. Saiba mais16 Processo de trabalho em Serviço Social I pólio de guerra da nação vencedora. Ainda, poderiam ser considerados escravos as pessoas que não tivessem como honrar suas dívidas. Os escravizados serviam aos cidadãos e, se seus serviços não fossem úteis, eram mortos. Se pensarmos em uma pirâmide da sociedade escravista, teremos sempre o povo escravo na base, sendo que ele representava a maioria da população (CEFURIA, 2012). No Brasil, o modo de produção escravista durou aproximadamen- te três séculos, de 1530 a 1888. Foram trazidos milhares de africanos nos navios negreiros para trabalharem inicialmente nos engenhos de cana-de-açúcar. Os indígenas também foram escravizados, de 1540 até 1570; tratou-se de uma alternativa à mão de obra africana du- rante todo o período do Brasil Colônia e ocorreu principalmente no começo da colonização portuguesa, sendo posteriormente trocado pela escravidão dos negros, por pressão dos lucros do tráfico negrei- ro (PRADO JUNIOR, 1972). Observe as figuras a seguir. Elas reportam dois períodos do modo de produção escravista: a primeira expressa a escravidão greco-romana e a segunda retrata a escravidão no Brasil. Figura 3a Escravidão greco-romana Pa sc al R ad ig ue /W ik im ed ia C om m on s M ar c Fe rre z/ W ik im ed ia C om m on s Figura 3b Escravidão no Brasil No Brasil, a escravidão assume cunho étnico-racial, enquanto na Grécia e Roma, a escravidão estava vinculada à submissão de nações consideradas inferiores A escravidão deixou profundas marcas em toda a humanida- de, que até hoje são sentidas nas relações culturais, na discrimina- ção racial e nas desigualdades sociais. A transição do escravismo para o feudalismo se dá com o processo de arrendamento das O Brasil foi um dos últimos países a abolirem a escravidão, em 1888, ficando atrás somente de Zanzibar, em 1897; Etiópia, em 1942; Arábia Saudita, em 1962; e Mauritânia, em 2007 (MARTINS, 2015). Curiosidade arrendamento: contrato por meio do qual uma pessoa (dona de bens imóveis) assegura o uso de seus bens a outra, mediante contribuição fixa ou reajustável a um determinado prazo. Glossário https://pt.wikipedia.org/wiki/Brasil_Col%C3%B4nia https://pt.wikipedia.org/wiki/Escravid%C3%A3o_no_Brasil https://pt.wikipedia.org/wiki/Tr%C3%A1fico_negreiro https://pt.wikipedia.org/wiki/Tr%C3%A1fico_negreiro A história social do trabalho 17 terras para o trabalhador, pelo Estado ou pelo dono da terra. Esse arrendamento denominou-se feudos e foi o início das mudanças do modo de produção (LESSA; TONET, 2012). 1.2.3 Modo de produção feudal Com o término da escravidão, o modo de produção feudal emerge concomitante à Idade Média, como alternativa diante da escassez de mão de obra. Nele, o trabalho assume a forma de servidão e subser- viência à terra e ao senhor feudal. O homem recebe a terra por arren- damento, deve cultivá-la e torná-la produtiva, podendo ficar com parte da produção. Ele recebia a “proteção” do senhor feudal 1 A proteção realizada pelo senhor feudal era um processo de tutela, na tentativa de submeter o servo à total dependência de seu se- nhor. Por isso, o termo proteção é usado entre aspas, pois não se trata de uma proteção, mas sim uma forma de subjugar o servo. 1 , mas, ao mes- mo tempo, era refém dela. A liberdade das pessoas permanecia limita- da a longas jornadas de trabalho que duravam o dia todo. O feudalismo como modo de produção se caracteriza pelas disparidades e desigual- dades nas relações entre senhores feudais e servos (MARTINS, 2017). A Figura 4 nos leva a uma reflexão importante sobre a divisão do trabalho. No feudalismo, não existe segmentação por gênero, isso significa que, tanto homens quanto mulheres, e até crianças, trabalhavam na terra. Além disso, o servo não era denominado escravo, pois tinha uma liberdade sub- jugada, mas vivia situações de extrema exploração, análogas à escravidão. Segundo Cefuria (2012, p. 49), “por muitas vezes, os servos lutaram para dimi- nuir a exploração sobre eles. Conseguiam algumas vitórias, mas os senhores reuniam seus exércitos e voltavam a dominá-los novamente”. O feudalismo configurou-se como modo de organização social, política e econômica, funda- mentado nas relações desiguais entre trabalhador (servo) e dono da propriedade feudal (senhor do feudo), sendo o servo o lado mais fraco da relação. Nesse processo de modificações das relações de produção, a família era importante para o apoio ao trabalho nos campos, pois o número de pessoas e as forças de produção para cultivar se multiplica- vam, o que minimizava o peso do poder do senhor. Figura 4 Servos trabalhando nos feudos. Fonte: CAZELLES, R.; RATHOFER, J. Les Très Riches Heures du Duc de Berry. Tournai: La Renaissance du Livre, 2001, p. 34. 18 Processo de trabalho em Serviço Social I Com o passar dos anos, vários servos conseguiram se libertar dos senhores dos feudos e organizaram o trabalho urbano. Cada um assu- mia um tipo de trabalho, como padeiro, sapateiro etc. 1.3 Modo de produção capitalista Vídeo Considerando que para os senhores não é possível Nos pagarem um salário justo Tomaremos nós mesmos as fábricas Considerando que sem os senhores, tudo será melhor para nós. Considerando que os senhores nos ameaçam Com fuzis e canhões Nós decidimos: de agora em diante Temeremos mais a miséria que a morte. Bertold Brecht – Resolução, 1949 O modo de produção capitalista, dentre os que existiram, é o mais complexo 2 Por ser uma temática tão ampla, inserimos uma seção dedicada ao estudo apenas do modo de produção capitalista para dar conta da sua discussão. 2 , pois ele modificou as relações sociais e, por conseguinte, as relações de trabalho de maneira definitiva até hoje. Desde o definha- mento do feudalismo, o capitalismo foi se organizando e solidificando suas bases (que perduram até a contemporaneidade). Segundo Catani (1981), existem duas correntes que explicam o de- senvolvimento do capitalismo. A primeira justifica seu surgimento por fatores externos à economia, vinculados à separação da Igreja Católica e à disseminação do pensamento calvinista 3 O pensamento calvinista advém do religioso João Calvino, que atribui novas interpretações aos preceitos de Lutero, a partir da Reforma Protestante. 3 . A segunda corrente indi- ca o capitalismo como modo de produção de mercadorias, que emerge da Revolução Industrial 4 A Revolução Industrial vai muito além da ideia de grandes meca- nismos tecnológicos aplicados à produção na medida que: conso- lidou o capitalismo; ampliou de modo acelerado a produtividade do trabalho; originou novos comportamentos sociais; foi um novo modelo político e uma nova visão de mundo (VIDIGAL; GODIN, 2019). 4 com base na teoria social de Karl Marx. Em nossos estudos, vamos aprofundar a investigação pela segunda corrente. Para Marx (2006), o capitalismo contrasta com os outros mo- dos de produção. Isso acontece quando o próprio homem vende sua força de trabalho, ou seja, o coisifica. O capitalismo visa acumulação do capital por meio da produção de mercadorias, exploração da força de trabalho e acumulação da propriedade privada. Assim, a acumulação capitalista baseia suas relações de produção na desapropriação do lu- cro em detrimento da classe subalternizada (PAIXÃO, 2012). O modo de produção capitalista divide a sociedade em duas classes sociais antagônicas: a classe trabalhadora (operária/proletária) e a clas- se dos capitalistas (burguesia). A classe trabalhadora é dominada pela A história social do trabalho 19 classe burguesa, que atua sob a proteção do Estado. O trabalho huma- no no capitalismo também vira mercadoria, como praticamente todas as relações sociais produzidas e reproduzidas (LESSA, 2007). Segundo Antunes e Alves (2004, p. 336), “a classe trabalhadora hoje compreende a totalidade dos assalariados, homens e mulheres que vivem da venda da sua força de trabalho – a classe-que-vive-do-trabalho”.Os autores também chamam essa classe de despossuídos dos meios de produção. As relações sociais no capitalismo são desiguais, sendo a classe tra- balhadora despossuída dos meios de produção e a burguesia detento- ra da propriedade privada, dos meios de produção e do capital e, por isso, considerada a classe dominante. O grande impacto social do capi- talismo são as desigualdades emergentes da relação capital x trabalho. Essas relações desiguais e de exploração configuram as mazelas sociais, as quais chamamos de questão social. A garantia da manutenção das de- sigualdades sociais se perpetua na concentração de renda e má distri- buição das riquezas e bens socialmente produzidos (MEIRELLES, 2018). Segundo Catani (1981), a divisão social do trabalho, ou seja, a di- visão de múltiplas profissões, com especialização do trabalho, é uma condição prévia da sociedade capitalista. A mercantilização é outra característica base. Tudo pode ser comprado ou vendido e a troca é a condição para subsistência e para que esse processo ocorra na so- ciedade capitalista. Portanto, todos precisam de uma mercadoria para vender ou trocar pelo capital. Por não ser possuidora de mercadorias, a classe trabalhadora vende sua força de trabalho. Agora, desvelamos a questão de que o emprego, enquanto trabalho assalariado, é parte da categoria trabalho. Se debruçarmos nossa concentração sobre o modo de produção ca- pitalista, desde sua ascensão e consolidação, indaga-se que o capitalis- mo não se constituiu em uma unicidade, mas pode ser dividido em três etapas: pré-capitalismo, capitalismo industrial e capitalismo financeiro. Na primeira etapa, o modo de produção feudal ainda existia, mas as relações capitalistas começaram a se estabelecer. Essa etapa também é conhecida como capitalismo comercial ou mercantilista. A segunda fase é a do capitalismo industrial ou industrializado, em que a ascensão do capital por meio da industrialização modifica as relações sociais emer- gindo a concorrência de capital. Por fim, a terceira fase, o capitalismo financeiro ou monopolista, se faz presente até a contemporaneidade O filme Tempos Modernos retrata a Idade Moderna diante da emergência da Revolução Industrial. O personagem é empre- gado em uma fábrica onde as máquinas e as esteira de produção não param, apresentando as dificuldades e percalços ao tentar lidar com as dificuldades da vida moderna. Direção: Charlie Chaplin. EUA: Char- lie Chaplin Film Corporation,1936. Filme 20 Processo de trabalho em Serviço Social I (VIDIGAL; GODIN, 2019). Vejamos algumas características desses perío- dos no quadro a seguir. Quadro 1 Fases de desenvolvimento do capitalismo Capitalismo comercial Capitalismo industrial ou concorrencial Capitalismo financeiro Período Do século XVI ao XVIII. Nos séculos XVIII e XIX. Iniciou no século XIX, após a consolidação da indústria. Características É baseado nas trocas comer- ciais e no lucro, visando enri- quecimento. O trabalho tem ênfase nos centros urbanos. É marcado pela ascensão das relações comerciais, sur- gimento da moeda metálica e pelas relações protecionis- tas e alfandegárias. Surgiu com a emergência da Revolução Industrial. A indústria capitalista marca a mecanização e o sistema fabril em larga escala, acele- rado pela automação. Tam- bém é característica dessa fase o liberalismo econômi- co e a livre concorrência. Essa fase passa pelo pro- cesso de especulação fi- nanceira e ascensão dos grandes monopólios. Apre- senta produtos financeiros, como financiamento, crédi- to, venda de títulos, ações e imóveis, visando ao lucro acelerado. É marcada pela globalização e mundializa- ção do capital. Modelo de produção industrial Emergência da indústria e desenvolvimento do traba- lho manufatureiro. Fordismo e Taylorismo. Toyotismo. Fonte: Elaborada com base em Martins, 2017. Cabe ressaltar que o capitalismo evoluiu, não se estagnou, pois, a cada processo de crise no cenário político e econômico mundial, o sistema se reinventa, em uma reestruturação para a manutenção do status quo vigente. O Quadro 1 volta a atenção à vinculação do modelo de produção industrial, cuja compreensão é indispensável, pois cada modelo direciona e encaminha o processo de trabalho em âmbito na- cional e mundial. Quanto aos modelos de produção industrial, apresentamos aqui o fordismo, baseado nas diretrizes e filosofia de Henry Ford (1863–1947). Ele introduz a linha de produção, gerando a produção em larga escala. O impacto social sobre o trabalhador é o trabalho repetitivo e a expo- sição a longas jornadas de trabalho realizando a mesma atividade; o M .S ty le /S hu tte rs to ck status quo: manutenção de uma situação sem previsão de alteração. Glossário A história social do trabalho 21 operário que aperta o parafuso iria fazer a mesma coisa em toda sua jornada de trabalho, o que é chamado de trabalho especializado. Iniciamos, reiterando que entendemos o fordismo fundamen- talmente como a forma pela qual a indústria e o processo de trabalho consolidaram-se ao longo deste século, cujos elemen- tos constitutivos básicos eram dados pela produção em massa, através da linha de montagem e de produtos mais homogêneos; através do controle dos tempos e movimentos pelo cronômetro taylorista e da produção em série fordista; pela existência do tra- balho parcelar e pela fragmentação das funções; pela separação entre elaboração e execução no processo de trabalho; pela exis- tência de unidades fabris concentradas e verticalizadas e pela constituição/consolidação do operário-massa, do trabalhador coletivo fabril, entre outras dimensões. (ANTUNES, 2006, p. 24) A Figura 5 ilustra essa situação. Trata-se da célebre foto dos operá- rios da indústria automotiva apertando parafusos e encaixando peças, cada um fazendo uma atividade. O outro modelo é o taylorismo. Sua evolução implementa o mo- delo de produção fordista e, por isso, observa-se o sistema sen- do denominado de taylorismo-fordismo. Seguindo os princípios de Henry Ford, Frederick Taylor (1856–1915) implementou a esteira rolante, inseriu um controle de qualidade da produção e criou a subordinação à gerência, reduzindo a autonomia no trabalho. Nesse modelo, o trabalho é realizado segundo o rendimento de cada trabalhador, buscando otimizar o tempo. O toyotismo é o terceiro modelo de or- ganização de produção. Trata-se de um sistema implantado pelo japonês Taiichi Ohno (1912–1990) que visa minimizar o estoque e produzir de acordo com a de- manda. Também, introduziu o princípio de controle dos cinco zeros: zero papéis, zero de atraso, zero defeitos, zero de estoque e zero pane (ANTUNES, 2006). No toyotismo, são inseridos outros processos de trabalho que exigem um trabalhador autônomo, poliva- lente, que dê conta de múltiplas áreas e especialidades e Hohum/Wikimedia Commons Figura 5 Linha de produção 22 Processo de trabalho em Serviço Social I assuma inúmeras tarefas em equipe, pois o modelo foi organizado com base horizontalizada. Para Antunes (2006, p. 23-24, grifos do original), a passagem do taylorismo-fordismo para o mode- lo toyotista inseriu novos proces- sos de trabalho, entendendo que: novos processos de trabalho emergem, onde o cronômetro e a produção em série e de massa são “substituídos” pela flexibilização da produção, pela “especialização flexí- vel”, por novos padrões de busca de produtividade, por novas formas de adequação da produção à lógica do mercado. En- saiam-se modalidades de desconcentração industrial, buscam- -se novos padrões de gestão da força de trabalho, dos quais os Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), a “gestão participati- va”, a busca da “qualidade total”, são expressões visíveis não só no mundo japonês, mas em vários países de capitalismo avan- çado e do Terceiro Mundo industrializado. O toyotismo penetra, mescla-se ou mesmo substitui o padrão fordista dominante, em várias partes do capitalismo globalizado. Decifrando osnovos processos de trabalho, percebemos que os seus desdobramentos implicam questões vinculadas ao direito do tra- balhador. Por exemplo, as flexibilizações nos contratos de trabalho, os acordos sindicais, as alternativas para não assinatura da carteira de tra- balho, a ampliação de atividades que possam ser terceirizadas dentro das empresas e, ainda, a possibilidade dessa empresa contratar ou- tro prestador de serviço para executar a sua atividade de terceirização (fenômeno da quarteirização). Todas essas flexibilizações modificam o processo de trabalho. Antunes (2006, p. 147) ainda fala sobre a grade crise que atinge o universo do trabalho como um todo e ressalta que ainda não temos a real noção de seu impacto: “sua intensidade e agudeza devem-se ao fato de que, simultaneamente, atingiu a materialidade e a subjetivida- de do ser-que-vive-do-trabalho”. Nessa conjuntura, percebe-se que o sistema capitalista apresenta a precarização do trabalho na organização social. O trabalho preca- Ka m iG am i/ Ak ar M as /S hu tte rs to ck Zero papéis Zero pane Zero de atraso Zero de estoque Zero defeitos Figura 6 Os cinco princípios de controle do toyotismo Fonte: Elaborada pela autora. A história social do trabalho 23 rizado advém da divisão técnica do trabalho e do desenvolvimento da indústria de máquinas, persistindo até hoje e instigando a pre- carização a assumir novas formas com as modalidades de trabalho terceirizado, quarteirizado, prestação de serviços autônomos etc. Ele fragiliza o trabalhador dentro do mercado de trabalho. Quando se trata de precarização e exploração do trabalho, sabe-se que essas relações se alimentam por conta do desemprego estrutural e da ne- cessidade de sobrevivência. É necessário criar estratégias sobre o real significado do trabalho e promover iniciativas que estimulem a consciência de classe, o que impulsionaria a consciência social da classe trabalhadora (MARX, 2006). Quando falamos sobre os impactos do capitalismo na sociedade de trabalho, poderíamos colocar, em primeiro lugar, as desigualdades so- ciais geradas, como exclusão social, pobreza e desemprego. No entan- to, existe outro forte determinante disseminado pelo capitalismo que assola as relações sociais, conhecido como alienação do trabalho. O homem passa a desdobrar relações sociais de exploração, a vida social é cada vez mais baseada na violência que possibilita que uma classe viva do trabalho e da miséria, portanto, da outra: em suma, os homens passam a produzir a sua própria desuma- nidade. A alienação nada mais é que isto: a desumanidade so- cialmente produzida pelos próprios homens. (LESSA, 1999, p. 9) A alienação aqui trata-se do efeito em que o trabalhador não tem acesso às riquezas e aos bens que ele produz, isto é, os bens são social- mente produzidos, mas o capital dele extraído é expropriado por uma pequena classe dominante. Outro ponto que contribui para alienação do trabalho é que o trabalhador é alheio ao processo de produção, ele não tem consciência sobre a atividade exercida como um todo, como atividade criativa (CATANI, 1981). Esse tópico nos reporta aos impactos gerados pelo sistema capita- lista na sociedade. Um dos grandes poderes do capital é o poder ideo- lógico. A cultura de consumo é tão disseminada que o objetivo de vida de mais da metade da classe trabalhadora é se tornar capitalista (do- nos do capital) sem considerar possibilidade de socialização das rique- zas existentes. A cultura de consumo, a qual todos estamos expostos, gera uma massa de trabalhadores insatisfeitos, entristecidos, frustra- dos, alienados e incapazes de se desvincular desse processo pelo status social, evidenciando, assim, a crescente desigualdade social entre as classes antagônicas (LAZZARESCHI, 2007). Existem inúmeras iniciativas e trabalhos realizados em prol da cidadania, dos direitos humanos e da conquista da equidade social. Dentre eles, podemos citar os principais: Economia Solidária; Economia de Comunhão; movimentos das Comunidades Eclesiais de Base (CEB); movimentos sociais, como o Movimento Sem Terra (MST); e Organizações da Sociedade Civil (OSC). Saiba mais 24 Processo de trabalho em Serviço Social I Após esse mergulho realizado nas bases dos fundamentos teóricos do sistema capitalista, podemos averiguar um conformismo social, que nos remete à estagnação. Por conta disso, cabe apresentarmos algumas iniciativas que buscam romper ou superar a severidade e as mazelas que são produzidas pelas relações sociais estabelecidas no capitalismo. A sociedade civil organizada tem, em sua participação social, um dos principais enfrentamentos às negligências e violações do capital. Pode- mos citar a participação nos fóruns sociais e a atuação junto aos conse- lhos de direitos e conselhos deliberativos das políticas públicas, que são as principais instâncias de luta por direitos. O importante é manter viva dentro de cada pessoa a ânsia pela mudança social e a sede por justiça social, como preconiza o projeto ético político do Serviço Social 5 De acordo com Avilla (2017, p. 3), “o projeto profissional do Serviço Social é vinculado ao projeto de transformação da sociedade, os projetos societários estão sempre presentes nos projetos coletivos. E ele deve transparecer em todas as atuações do assistente social, neste caso direcionado para a transformação da sociedade e em favor da classe trabalhadora”. 5 . 1.4 O trabalho e a dimensão ontológica do ser social Vídeo O estudo realizado até esta seção nos remete à trajetória histórica do trabalho, objetivando o resgate de sua função social. Considerando esse contexto, abordaremos a concepção do trabalho e a dimensão ontológica do ser social, na busca de apresentar as respostas ao pro- cesso de emancipação humana e as utopias em torno do trabalho en- quanto dimensão fundante da existência humana. Como fundamento teórico, recorremos às bases marxistas, mais precisamente à ontologia do ser social de György Lukács (1875–1971). O primeiro pressuposto que se leva em consideração é que o ser social modifica a natureza e, ao transformar a natureza, ele também se mo- difica. Esse é um processo cíclico, em que, ao produzir os meios de sua existência, o homem constrói a si mesmo e a história (LUKÁCS, 1978). Nessa perspectiva, o processo de humanização do homem compõe a construção de sua ontologia social, com base no processo de conhe- cimento e aprendizagem, e ele precisa perpassar impreterivelmente pelo autoconhecimento e consciência racional para exercer o controle sobre si mesmo. A particularidade da forma de ser do homem em seu processo exige um órgão que existe apenas no ser social: a consciência. O ser social, por mediação da sua consciência, pode avaliar cada situa- ontológica: diz respeito à ontologia, que estuda o ser em sua essência e natureza, procurando analisar o que existe no mundo, a natureza do ser e a realidade. Glossário A história social do trabalho 25 ção concreta, tendo como base o contraponto de todos os seus conhe- cimentos e experiências vivenciadas (LESSA, 2016). Por isso, aqui, apenas assinalaremos ser esse processo de acu- mulação a base ontológica do incessante acréscimo de novos conhecimentos, ao longo do tempo acerca da natureza e da sociedade. E que, através desse processo de acumulação, os homens podem se elevar a uma consciência do seu em-si, do que de fato são, o que possibilita algo inédito: um ser que se reconheça na sua própria história. Em outras palavras, um gê- nero que se reconhece enquanto gênero em processo de cons- trução. (LESSA, 2016, p. 16) Para continuarmos as reflexões acerca do trabalho e a dimensão ontológica do ser, precisamos levar em consideração também que o homem é um ser social e ativo na sociedade, ele movimenta inovações e avanços ao longo da história. Ele se autoconstrói no processo de mo- dificação da natureza, o que possibilita a projeção teleológica das ob- jetivações de sua vida material(BARROCO, 2001). A categoria central dessa autoconstrução e transformação da natureza é o trabalho. É por meio do trabalho, e somente por ele, que o ser humano constrói sua existência e realiza o avanço ontológico, que o diferencia dos outros animais e legitima a sua existência duradoura (LESSA, 2016). É no próprio trabalho que se instaura o ser social, no processo de rompimento com as atividades meramente naturais, criando a com- pleta organização de uma práxis que modifica a natureza e produz o que ainda não existia enquanto necessidade socialmente construída (BARROCO, 2001). Ainda resta uma lacuna para uma compreensão mais ampliada da dimensão da ontologia do ser social, fundamentada no trabalho como sua categoria central. A lacuna está subentendida na compreensão do homem como um ser social, coletivo, ou seja, a necessidade de socia- lização e as relações estabelecidas entre os pares satisfazem uma das necessidades originais de todo homem. Partindo desse pressuposto, o homem se organiza em agrupamentos e comunidades que, por sua sociabilidade, o impulsionam a trabalhar para sanar as necessidades sociais que a vida social produz. As relações sociais o lapidam e o con- duzem ao desenvolvimento do ser social com suas bases ontológicas. Lukács é o grande precur- sor da ontologia do ser social e, em suas obras, percebemos os reflexos norteadores sobre o assunto. O livro Para uma ontologia do Ser Social I é uma obra muito indicada para aprofundamento dessa temática. LUKÁCS, G. São Paulo: Boitempo, 2012. Leitura 26 Processo de trabalho em Serviço Social I Segundo Barroco (2001), as dimensões históricas e universais do trabalho produzem as interações humanas, que são colaborativas e traduzidas em cultura, símbolos e linguagem, perfazendo a construção da humanidade enquanto sociedade. Nessa trajetória, realizou-se a apreensão de diversos conceitos que contribuíram para compreensão da categoria trabalho, vislumbrando- -o como elemento fundante do homem como ser social, na perspectiva da dimensão ontológica pautada no trabalho. CONSIDERAÇÕES FINAIS De maneira geral, nesse capítulo, realizamos a reconstrução da histó- ria social do trabalho. Para isso, fizemos a opção teórico-metodológica de abordá-la pela perspectiva de observação e resgate dos modos de produ- ção, que produzem e reproduzem as relações sociais de trabalho. Inicialmente, fizemos a diferenciação dos conceitos trabalho e empre- go, sendo o primeiro correlacionado à ação criativa do homem sobre a natureza para satisfazer as suas necessidades sociais, enquanto o segun- do é entendido como uma atividade na qual o homem vende sua força de trabalho. Desse modo, o emprego emerge com o capitalismo. Na construção da história social do trabalho, apresentamos a sua evo- lução nos modos de produção. Primeiro, na Pré-História, com o modo de produção tribal. Depois, na Antiguidade, foi estabelecido um novo modo de produção, o escravista, que tem como base da economia o trabalho es- cravo. Na Idade Média, percebemos a emergência do modo de produção feudal, baseado na relação social entre senhor feudal e servo. Sob as cin- zas do feudalismo surge então o capitalismo, fundamentado em relações sociais desiguais. No último momento, reconstruímos o trabalho e a dimensão ontológi- ca do ser social. O ser social muda a natureza e, ao realizar essa mudança, ele também se modifica, em um ciclo contínuo. Nesse contexto, a cate- goria trabalho emerge como constituinte do ser social e categoria social central sob o fundamento do homem e da sociedade. A história social do trabalho 27 ATIVIDADES 1. Com base nos conceitos estudados, o que são os modos de produção? Qual é a sua relação com a história social do trabalho? 2. Quais são as diferenças das três fases de desenvolvimento do capitalismo? Quais são as consequências que o capitalismo apresenta para o trabalhador? 3. Qual é o aprendizado e quais são as contribuições que a ontologia do ser social apresenta para a categoria trabalho no processo de humanização do homem? REFERÊNCIAS ALBORNOZ, S. O que é trabalho. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994. (Coleção Primeiros Passos – v. 171). ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 2006. ANTUNES, R.; ALVES, G. 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Em todas as suas possibilidades é levar aos lugares às instituições, às entidades o respeito humano e a justiça social. – Zenilda Bruginski, 2012 Neste capítulo, abordaremos conceitos derivados da categoria trabalho, começando pelo processo de trabalho, sendo este o con- junto organizado de componentes criados processualmente. Ao apreendermos o que é esse processo, observaremos o desenca- dear de uma lacuna conceitual, preenchida pela apropriação do processo de produção e reprodução social, que direciona a forma como uma sociedade produz e como essa forma se reflete na so- ciedade, ou seja, como a reprodução social modifica e transforma as relações sociais. No momento seguinte, abordaremos o Serviço Social como especialização do trabalho, ou seja, como profissão inscrita na divisão sociotécnica do trabalho. Nessa perspectiva, vamos entender as particularidades que configuram a profissão como área de especialização social. Ainda, vamos aprofundar a reflexão sobre a constituição da profissão e os princípios fundamentais que norteiam o agir profissional. A última seção ampliará as concepções sobre o processo de trabalho do assistente social enquanto atuação profissional pautada em competências que envolvem o Serviço Social. 30 Processo de trabalho em Serviço Social I 2.1 Produção e reprodução social do trabalho Vídeo O processo de trabalho se configura como um resultado preexisten- te idealizado na imaginação do homem (trabalhador). A humanidade tem desenvolvido sua forma de construir moradias, produzir planta- ções, preparar alimentos etc. de modo exponencial ao longo do tempo. A capacidade de produzir por meio do trabalho humano, nas mais di- versas sociedades, foi vista estritamente pelo viés das relações sociais, que conduzem às mais diversas organizações societárias, com base no poder e nos mandos e desmandos das classes que se configuraram como dominantes (GRANEMANN, 2009). O processo de trabalho é composto por basicamente três ele- mentos: o objeto de trabalho; a ferramenta/instrumento de trabalho e o próprio trabalho. Compreendemos por objeto de trabalho a matéria que pretendemos aplicar ao trabalho, enquanto o instru- mento de trabalho são os meios de trabalho. E, por fim, o próprio trabalho é entendido como uma atividade criativa e planejada pelo homem. Observe as figuras a seguir que ilustram a composição des- ses três elementos. Figura 1 Tripé do processo de trabalho Objeto de trabalho Instrumento de trabalho O próprio trabalho R Cr ea tiv e/ Sh ut te rs to ck An na F ra jto va /S hu tte rst ock HappyPic tures/Shutterstock R Creative/Shutterstock Fonte: Elaborada pela autora. O processo de trabalho consiste na seguinte sequência: com base nas necessidades sociais, o homem começa a ação de planejar e ima- ginar; no momento seguinte, escolhe o objeto de sua ação e os meios Lembramos que trabalho é toda atividade humana pensada e planejada pelo ser humano para atingir uma finalidade. Atenção O processo de trabalho e o Serviço Social 31 (instrumentos) de que irá necessitar para realização de uma atividade; em seguida, ele se utiliza de sua força de trabalho para atingir um resul- tado; e, ao final, obtém um resultado que já existia na sua imaginação desde o início do processo (MARX, 2006). Um bom exemplo para entendermos o processo de trabalho na prática, em nosso cotidiano, é o ato de produzir um pão. O processo começa com o homem pensando na necessidade social de se alimen- tar. Então, planeja o que comer e imagina o pão, comida tradicional presente na mesa de quase todos os brasileiros. O homem se organiza e separa os ingredientes (objeto), utensílios necessários e receita (ins- trumentos). Em seguida, aplica seu próprio trabalho para misturar os ingredientes e sovar a massa, usando como instrumentos de trabalho o misturador, a forma, a bacia e o forno. Observando esse processo de produção, vemos a articulação dos três elementos que compõem o tripé do processo de trabalho. Observe o esquema a seguir, que de- monstra esse caminho processual: Necessidade social: Alimentar-se. Planejar e pensar: Pensar na receita, ingredientes, pesos e medidas. Instrumentos: Ferramentas usadas para fabricar o pão, como forma e forno. Trabalho humano: Misturar os ingredientes, sovar a massa, modelar e assar. Resultado do processo de trabalho: Pãozinho pronto. Fi re of he ar t/ Sh ut te rs to ck Va si lye va La ris a/S hutt erstock Va si lye va La ris a/S hutt erstock An yd ud l/S hutt erstock Ve ct or ma rt/ Shu ttersto ck pe ar t.r u/S hutt erstock Nota-se que o conceito processo de trabalho é muito presente em nosso cotidiano. Cabe ressaltar que ele é amplo e pode ser observa- do na história social do homem em todos os modos de produção, não sendo restrito ao trabalho no capitalismo – tanto que o processo de trabalho não traz implícita a categoria da mercantilização (central para as relações do sistema capitalista). Na perspectiva de compreensão totalitária do processo de traba- lho, percebe-se a emergência frequente de dois conceitos que derivam das relações sociais 1 Quando nos referimos às relações sociais no texto, estamos falando das múltiplas relações estabe- lecidas entre os seres humanos, e das interações vinculadas aos diversos grupos sociais, como família, escola, trabalho, clubes etc. O homem é um ser social, aprende e evolui nesse conjunto de interações e relações. 1 de trabalho e que, ao mesmo tempo, as cons- O desafio é um convite: olhe para seu cotidiano, lembre-se de uma ou mais atividades que faz e busque descrever essa(s) atividade(s) considerando as etapas do processo de trabalho. Desafio 32 Processo de trabalho em Serviço Social I tituem. Estamos falando dos processos de produção e reprodução so- cial. Quando nos reportamos ao processo de produção, nos referimos a como a sociedade produz e satisfaz as necessidades sociais por meio do trabalho humano. Por exemplo, se falarmos da sociedade capitalis- ta, vamos discutir a produção de mercadorias. O processo de produção compreende todas as relações que se envolvem e permeiam o desen- volvimento, a elaboração e a criação de produtos. Já ao falarmos de reprodução social, podemos considerar as ati- vidades e os atos que dão continuidade ao conjunto da vida social, ou seja, o processo contínuo de renovação da produção e da cultura de uma sociedade (CARVALHO; MARCELINO, 2019). O processo de produ- ção é a fase econômica, ligada à criação, enquanto a reprodução social é o reflexo de como a forma de produzir de uma sociedade norteia as relações sociais e a cultura de um povo. Quando articuladas, a produção e a reprodução social são faces da mesma moeda, que modificam e movimentam a história e as re- lações sociais. Afinal, o processo é resultado da trajetória histórica de desenvolvimento humano, construído por várias gerações, ou seja, é a experiência e os conhecimentos reunidos e disseminados de geração para geração por meio da cultura. Portanto, o processo de produção se configura ao mesmo tempo como um processo de reprodução. O processo de produção e reprodução social corresponde ao nível de desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção. Ele emerge da forma que o processo de trabalho humano evoluiu ao intervir na natureza e nos seus derivados. Por exemplo, desde a Pré-História, o homem usa a pedra e a madeira para construir ferramentas e instrumentos para satisfazer às suas necessidades. Mas hoje, devido à evolução historicamente construída pelo trabalho humano e o conhecimento acumulado, ele aplica técnicas e máquinas que beneficiam e aperfeiçoam o uso e o processo. O homem, aosuperar a satisfação de uma necessidade, cria outras e, com isso, novas formas de satisfazê-las. Assim, modifica as relações sociais de produção e reprodução de sua vida social. O processo de trabalho e o Serviço Social 33 Figura 2a Instrumentos de pedra e madeira da Pré-História St oc kS m ar tS ta rt/ Sh ut te rs to ck Figura 2b O homem trabalhando em pedras com máquinas e instrumentos na contemporaneidade. Ja ck ta m ro ng /S hu tte rs to ck Além disso, o processo de produção e reprodução social imprime não só o modo que uma sociedade produz, mas como ela reproduz so- cialmente o seu processo de produção nas relações sociais e culturais. Nesse sentido, podemos compreender que o processo de trabalho está implícito no conceito de trabalho como categoria fundante do homem. Afinal, a esfera do trabalho é conduzida pelo modo de produção de uma sociedade, e isso determina como essa sociedade produz e repro- duz suas relações sociais. Os quatro conceitos tratados até o momento desenvolveram uma interação e uma interdependência ao redor da categoria trabalho, o que explica a relevância de compreender essa complexidade relacio- nal, como podemos ver a seguir: Ab er t/ Sh ut te rs to ck Modo de produção Trabalho Produção e reprodução social Processo de trabalho Relações sociais 34 Processo de trabalho em Serviço Social I É nesse conjunto complexo de relações e interações conceituais que as mais diversas profissões e áreas de serviços do mundo do trabalho atuam como um conjunto de técnicas e formações especializadas a uma área do saber e de intervenção sobre um objeto específico. Podemos compreender que o homem produz e reproduz socialmente por meio do trabalho e que esse processo determina as relações sociais que formam e forjam uma sociedade, cultural, histórica, política, econômica e social- mente. Nesse contexto, o trabalho especializado como profissão emerge no modo de produção capitalista, e o Serviço Social surge. 2.2 O Serviço Social como especialização do trabalho Vídeo Nesta seção, vamos nos debruçar sobre o Serviço Social como tra- balho, entendendo a intervenção profissional do assistente social e buscando desvelar essa profissão e sua função na sociedade. O Ser- viço Social é uma profissão inscrita na divisão sociotécnica do traba- lho, o que garante autonomia ao especialista dessa área; e o uso e a criação de seu arsenal de conhecimentos e técnicas particularizam sua especialização enquanto trabalho. Segundo Iamamoto (2009, p. 10), o profissional de Serviço Social é possuidor “de uma força de trabalho dotada de capacitação específica: [são] capazes de criar um tipo de tra- balho concreto, distinto e particular”. O Serviço Social se configura como profissão da área de ciências so- ciais aplicadas, mas, nas últimas décadas, tem contribuído com as ciên- cias humanas e se alimentado delas também. Nessa compreensão, o Serviço Social produz conhecimento, mas não é uma ciência, aproprian- do-se de outras áreas do saber para produzir e reproduzir seu arcabouço teórico-metodológico. O objeto central do trabalho do assistente social é a questão social, especificamente as suas manifestações e expressões. Como especialização da divisão social do trabalho, o Serviço Social está vinculado à execução, à administração, à gestão e ao planejamento dos serviços sociais. Segundo a Lei n. 8.662, de 7 de junho de 1993, que re- gulamenta a profissão, o assistente social é um profissional liberal 2 A compreensão do significado desse termo é importante, pois erroneamente se entende que o profissional liberal é o profissional autônomo, aquele que não vende sua força de trabalho. Na verdade, o profissional liberal é aquele que goza de autonomia para escolher e eleger os meios, as técnicas e os instrumentos de trabalho para atingir um objetivo (CARVALHO; MARCELINO, 2019). 2 , que precisa da formação acadêmica em instituição de ensino superior e regis- tro em conselho profissional com jurisdição em cada estado. Ele tem atri- buições e competências privativas e próprias da especialização do Serviço Social, sempre guiado por seu código de ética profissional (BRASIL, 2012). O processo de trabalho e o Serviço Social 35 Precisamos lembrar que a emergência do Serviço Social é percebida como resposta às inúmeras refrações e manifestações da questão social. No entanto, essa área nasce vinculada a práticas religiosas caritativas e como estratégia de repressão e manutenção da ordem social, praticamente sendo um mecanismo para amenizar as revoltas da classe trabalhadora (MEIRELLES, 2018). Dessa forma, segundo Martinelli (2005), o Serviço Social surge com uma identidade atribuída por outras instituições. A profissão então se reinventa posteriormente para romper com essa identidade que não lhe é própria. É importante ressaltar que o capitalismo gera desigualdades sociais imponentes, que oprimem a classe trabalhadora. Nesse sentido, o enor- me abismo social implantado pelo sistema capitalista exige um profissio- nal especializado em intervir nessa realidade social, com vistas a fortalecer a classe trabalhadora e minimizar as disparidades na sociedade. O trabalho do assistente social como profissional liberal tem um importante significado social. Mesmo sendo um trabalho especializado de cunho interventivo e intelectual e não estando ligado diretamente ao processo de produção, a profissão tem um papel diferencial no processo de reprodução e acumulação do capital. Esse papel se torna singular com o advento e a construção das po- líticas sociais na sociedade contemporânea. Nesse sentido, o Serviço Social se configura como profissão ímpar para elaboração, formulação e execução das políticas sociais no Estado de direito. No processo de desenvolvimento profissional, ampliam-se os espaços de atuação do assistente social, que se estabelece no mercado de trabalho com uma profissão institucionalizada, sendo um trabalhador assalariado. Ora, o Serviço Social reproduz-se como trabalho especializado na sociedade por ser socialmente necessário: produz serviços que atendem às necessidades sociais, isto é, tem um valor de uso, uma utilidade social. Por outro lado, os assistentes sociais também participam, como trabalhadores assalariados, do processo de produção e/ou redistribuição da riqueza social. (IAMAMOTO, 2007, p. 24) Nessa linha de reflexão, percebemos a constituição da profissão com um valor de uso e de troca, sendo o primeiro a utilidade social da profissão e o segundo a reprodução social em meio à subsistên- cia para quem usufrui de seu trabalho. Para Iamamoto (2009), o • O fogo representa o conhecimento. • A balança equilibrada significa a justiça social. Quando a balança pende para algum lado, significa a desigualdade social. Dessa forma, o assistente social utiliza a chama de seu conhecimen- to para mediar e manter a equidade e justiça social (DICIONÁRIO DE SÍMBOLOS, 2020). Curiosidade No livro O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional, a autora retrata as mudanças ocorridas na sociedade a partir da década de 1980. Ela entende o capitalismo como causador da globalização e da internacionalização do capital, que marcam avanços e retrocessos para a classe trabalhadora. Iamamoto tece reflexões sobre o processo de trabalho do assistente social, centrais para a categoria até a atualidade. IAMAMOTO, M. V. 22. ed. São Paulo: Cortez, 2018. Livro 36 Processo de trabalho em Serviço Social I assistente social encontra espaço fértil para seu desenvolvimento no setor público, pois o Estado assume responsabilidade central nas políticas sociais. No entanto, seu trabalho tem uma evolução exponencial no que tange ao setor privado, em empresas com ou sem fins lucrativos. Cabe esclarecer algumas confusões históricas vinculadas à de- nominação do profissional com formação em Serviço Social. O es- tudante que se forma nesse curso, torna-se bacharel em ServiçoSocial. Quando se inscreve no conselho profissional que regula e fiscaliza a profissão (o Conselho Regional de Serviço Social – CRESS), passa a ser denominado assistente social, tornando-se um profis- sional habilitado para atuar e intervir nas diversas manifestações da questão social. A confusão se dá ao ponto que as pessoas pensam e disseminam que o assistente social e a assistência social são a mesma coisa, ou ain- da acreditam que esse é um profissional que faz assistencialismo, que prática caridade. Isso tudo é um grande equívoco, afinal, não é preciso estudar quatro anos para fazer assistencialismo. A assistência social é uma política pública, que compõe o tripé da seguridade social, junto com a saúde e a previdência social: Assistência social Previdência socialSaúde Seguridade Social As articulações das três políticas públicas formam um grande “guar- da-chuva” que denominamos proteção social. Dentro do Estado de di- reito, são as políticas sociais que visam proteger e garantir o bem-estar social à classe trabalhadora e/ou excluída do direito ao emprego (um dos direitos sociais). A assistência social é uma política não contributiva que visa assegurar os mínimos sociais à população e é integrada por um conjunto de ações, serviços, programas, projetos e benefícios sociais voltados aos usuários em situação de vulnerabilidade social, fragilidade e/ou risco pessoal/ O conselho profissional do Serviço Social é conhecido como Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), e cada estado tem um conselho regional, que fiscaliza e responde à jurisdição de seu estado, denominado Conselho Regional de Serviço Social (CRESS). Saiba mais O processo de trabalho e o Serviço Social 37 social. O assistente social atua na política pública de assistência social, mas não é o único. Temos inúmeros profissionais trabalhando nessa política, como psicólogos, sociólogos, pedagogos, advogados, médicos, terapeutas ocupacionais e educadores sociais e administrativos. O assistencialismo é oposto à política de assistência social. Trata- -se de toda forma de caridade tutelada, ou seja, uma prática pela práti- ca, sem vistas à autonomia, ao empoderamento ou à emancipação do indivíduo, uma ação meramente pontual, que serve apenas para “apa- gar incêndio” ou “secar gelo”, como os ditos populares pregam. Desse modo, uma das principais características do assistencialismo é que ele gera dependentes. A figura a seguir exemplifica as diferenças das no- menclaturas atribuídas à profissão: Figura 3 Diferença entre assistente social, assistência social e assistencialismo Profissional de Serviço Social Política pública de seguridade social Ações pontuais de ajuda e caridade. R Cr ea tiv e/ Sh ut te rs to ck Assistente social Assistência social Assistencialismo Ic on ic B es tia ry/ Sh utt ers toc k SVIATLANA SHEINA/Shutterstock happymay/Shutterstock Fonte: Elaborada pela autora. Além desses equívocos, existem outros ranços que a história so- cial da profissão nos interpela como paradigmas a serem superados. Por conta das heranças advindas da gênese da profissão, o assis- tente social carrega alguns rótulos apregoados no ideário do senso comum, os quais soam como estigmas para a profissão. Eles nos im- pulsionam a reafirmar as bases legítimas da profissão nos espaços sócio-ocupacionais de trabalho. O assistencialismo ficou intrin- secamente disseminado com o aliciamento político das pessoas mais vulnerabilizadas na busca por favorecimento de votos. Esse ato gerava “afilhados”; as pessoas eram tuteladas e entendiam que deviam favor ao político aliciador por muitos anos, o que gerava um ciclo de dependência. Saiba mais 38 Processo de trabalho em Serviço Social I Iremos trabalhar, então, os sete principais estigmas que, na con- temporaneidade, denominamos mitos. Para isso, no Quadro 1 há o es- clarecimento da origem de cada um dos estigmas, seu marco histórico e o desvelar das verdades que envolvem o assistente social. Vejamos: Quadro 1 Mitos e verdades sobre o assistente social Rótulo/Mito Origem histórica Verdade Assistentes sociais são mulhe- res (imagem da moça “boazi- nha”). Esse rótulo está ligado às primeiras profissionais, que eram filhas de fa- mílias abastadas ligadas à Igreja Ca- tólica e que foram até chamadas de damas da caridade. O profissional de Serviço Social não tem um gênero específico. Hoje, a pro- fissão abrange pessoas de todos os gê- neros, mas é composta em sua maior parte por mulheres. O trabalho do assistente social é a prática da ajuda ou carida- de. O Serviço Social nasce vinculado à ação social da Igreja Católica e, por isso, há esse mito. O exercício profissional do Serviço So- cial rompeu com as práticas caritativas. A partir da década de 1970, após o Congresso da Virada, a profissão assu- me um viés crítico, com base na teoria social. O assistente social trabalha so- mente com os pobres. A profissão nasceu para atender as pessoas em situação de pobreza, o exército industrial de reserva na Re- volução Industrial. Também tem uma forte ligação com a Lei dos Pobres, o que fortaleceu esse estigma. Esse profissional trabalha com a população empobrecida também, mas ele intervém nas mais variadas expressões da questão social. Um bom exemplo são os assistentes sociais que trabalham em diversas empresas. O assistente social é fiscal do governo e está voltado ao con- trole das famílias empobreci- das. No processo de desenvolvimento do Serviço Social, por vezes, a profissão do assistente foi usada para fazer a manutenção da ordem social vigen- te, silenciando a classe trabalhadora. Foram denominados como de Serviço Social casos de polícia e abordagens higienistas conservadoras. De acordo com o artigo 6º do Código de ética do/a assistente social, “é ve- dado ao/à assistente social: exercer sua autoridade de maneira a limitar ou cercear o direito do/a usuário/a de par- ticipar e decidir livremente sobre seus interesses” (BRASIL, 2012). O trabalho do assistente social é voluntário, exercido de manei- ra gratuita. Esse rótulo está associado dire- tamente à atividade caritativa, de cunho religioso e não profissional, que era realizada nos primórdios da profissão. O assistente social é um profissional que trabalha de maneira remunerada, na esfera estatal ou privada, nas mais diversas áreas. O Serviço Social não é profissão, e até as Igrejas e os políticos o fazem. Antes da profissionalização, o Serviço Social era exercido em práticas filan- trópicas da Igreja. O uso do termo Serviço Social é privati- vo, pertence única e exclusivamente a uma profissão regulamentada, e o pro- fissional se denomina assistente social. O que os políticos e a Igreja fazem é assistencialismo. Va nR ee el / Sh ut te rs to ck AV Ic on / Sh ut te rs to ck Va nR ee el / Sh ut te rs to ck (Continua) O processo de trabalho e o Serviço Social 39 Rótulo/Mito Origem histórica Verdade O Serviço Social é inferior como profissão e subalternizado às outras profissões, por seu obje- to de intervenção. Na divisão sociotécnica do trabalho, há profissões mais tradicionais que a do Serviço Social. A medicina e a advocacia, por exemplo, são profissões supervalorizadas, sendo designados os profissionais de doutores, mesmo não tendo o título stricto sensu de doutorado. O assistente social é um profissional liberal, que precisa ter formação aca- dêmica de bacharel em Serviço Social e registro no CRESS. Trata-se de uma profissão regulamentada no Brasil des- de 1957, e, com a Lei n. 8.682/1993, a primeira regulamentação foi revogada e novos termos passaram a valer. Fonte: Elaborado pela autora com base em Ato..., 2012. Va nR ee el / Sh ut te rs to ck AV Ic on / Sh ut te rs to ck Va nR ee el / Sh ut te rs to ck Agora, tendo rompido os equívocos atribuídos historicamente ao as- sistente social, podemos aprofundar nossa reflexão nas bases da com- preensão do trabalho desse
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