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Revolução azul - Aquacultura

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A Revolução Azul na Aquacultura 
II Colóquio CICS.NOVA 
Anabela Rodrigues & Regina Salvador 
 
Resumo: 
O oceano é fonte da vida: permite-nos, antes demais, respirar. A maioria do oxigénio 
que inspiramos é produzido pelo fitoplâncton, um organismo vegetal existente nos 
oceanos. 
Face à explosão demográfica em curso – as previsões apontam para 10 mil milhões de 
pessoas em 2050 – aparecem novas formas de exploração dos recursos. Segundo a FAO 
o futuro regime alimentar “médio” irá depender cada vez mais dos produtos do mar. Já 
na atualidade, os oceanos são a maior fonte de proteína animal para o ser humano. 
Cerca de 50% deste consumo tem origem na aquacultura que, em 2012, ultrapassou a 
produção mundial de carne bovina. Também as algas (ricas em oligoelementos, 
vitaminas e minerais) são vistas, cada vez mais, como uma fonte de alimentação. 
Os recursos genéticos marinhos revelam as suas virtudes medicinais e são, cada vez 
mais, utilizados em medicamentos (analgésicos, fabricação de sangue humano artificial, 
radioterapia). O número de patentes associadas a genes marinhos cresce 12% ao ano, 
quando apenas 12% da totalidade das espécies marinhas é conhecida. 
O aquecimento global e o stress hídrico, existente em sua consequência em várias 
regiões do globo, vêm na dessalinização da água do mar a solução para os seus 
problemas. Segundo a OCDE, em 2050, 40% da população mundial estará sujeita a 
stress hídrico, i.e., 4 mil milhões de pessoas. O Magreb, os países do Golfo Pérsico e da 
Ásia Central têm disponibilidades hídricas inferiores a 1000 m
3
/pessoa. Ora, a 
Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que há stress hídrico abaixo dos 1700 
m
3
/pessoa. 
São ainda abordadas questões associadas à sustentabilidade dos recursos marinhos e 
marítimos, bem como as de direito de propriedade e Direitos Humanos, 
Palavras-Chave: Oceanos. Crescimento Azul. Direitos de propriedade. Direitos 
Humanos. 
 
A Revolução Azul na Aquacultura 
Anabela Rodrigues & Regina Salvador 
1. Introdução 
O oceano é a fonte da vida: permite-nos, antes demais, respirar. Com efeito, a maioria 
do oxigénio que inspiramos é produzido pelo fitoplâncton, um organismo vegetal 
existente nos oceanos. 
Face à explosão demográfica em curso – as previsões apontam para 10 mil milhões de 
pessoas em 2050 – aparecem novas formas de exploração dos recursos. Segundo a FAO 
o futuro regime alimentar “médio” irá depender cada vez mais dos produtos do mar. Já 
na atualidade, os oceanos são a maior fonte de proteína animal para o ser humano. 
Cerca de 50% deste consumo tem origem na aquacultura que, em 2012, ultrapassou a 
produção mundial de carne bovina. Igualmente as algas (ricas em oligoelementos, 
vitaminas e minerais) são vistas, cada vez mais, como uma fonte crescente de 
alimentação. 
 
O presente artigo visa descrever a situação atual da aquacultura e das pescas, a nível 
mundial, o seu impacto na nutrição, segurança alimentar e gestão sustentável de 
recursos, face aos desafios esperados para as próximas décadas. 
São apresentadas evidências de que, se bem gerida, a aquacultura promove a 
sustentabilidade dos recursos marinhos, marítimos e dos ecossistemas. 
Em primeiro lugar, é feita uma análise do contexto de oportunidades e desafios do setor. 
É fundamental uma análise balançada entre as oportunidades e os desafios que a 
aquacultura enfrenta, para poder perceber o contributo potencial da economia azul no 
conjunto do ‘Green Deal’. 
 
Em segundo lugar, é feita uma análise da evolução dos setores aquícola e das pescas, 
em termos de crescimento da produção e do consumo humano, fontes de proteínas e 
nutrientes, distribuição mundial da produção e do emprego. 
A terceira parte avalia os impactos do setor em várias dimensões da vida humana e do 
meio ambiente, com foco na destruição de habitats, agravamento do stress hídrico, 
utilização de químicos, captura de espécies juvenis, bem como aspetos ligados aos 
direitos de propriedade e aos Direitos Humanos. 
2. Aquacultura: um Mar de Oportunidades 
 
De acordo com as Nações Unidas (United Nations, 2019), a população mundial deverá 
crescer 2 mil milhões de pessoas nos próximos 30 anos. Atualmente, o planeta conta 
com 7.7 mil milhões de habitantes. Estima-se que, em 2100, a população mundial possa 
atingir os 10.9 mil milhões. 
As últimas projeções da população das Nações Unidas (2019), apontam para que a 
população mundial continue a crescer, apesar de algum desaceleramento. Porém, os 
desafios que alguns países e regiões irão enfrentar serão particularmente difíceis: é o 
caso dos países da África Subsariana, Ásia Central e Meridional. 
 
Também o número de pessoas cronicamente subnutridas no mundo, cresceu de 777 
milhões (2015) para 815 milhões, em 2016, ou seja, um crescimento de quase 5%. 
Contudo, estes valores são inferiores aos registados no início do segundo milénio – 900 
milhões de pessoas, em 2000. 
A deterioração da segurança alimentar é acentuada pelas alterações climáticas, com 
cheias ou secas extremas, mas também por conflitos militares. Segundo a UNESCO 
(2019), a insegurança alimentar tem aumentado, em particular na África Subsariana, 
Sudeste Asiático e Ásia Ocidental. 
A pesca global - sobretudo a pesca industrial - tem explorado os recursos marinhos de 
forma insustentável, levando à redução dos stocks de peixe e ao limiar de proteção das 
espécies. São, pois, necessárias alternativas à sobrepesca e uma resposta comum tem 
sido a aquacultura, pela possibilidade de gestão dos stocks e reprodução das espécies em 
ambiente controlado (Greenpeace, 2008). 
 
Torna-se imprescindível assegurar um desenvolvimento sustentável (em termos 
económicos, sociais e ambientais) e repensar a contribuição que as pescas e a 
aquacultura podem dar para a segurança alimentar e o uso dos recursos naturais. 
 
Segundo a FAO (2018), cerca de uma em cada dez pessoas no mundo depende hoje das 
pescas e da aquacultura para a sua sobrevivência. Estima-se ainda que 20% da proteína 
animal consumida no mundo se baseie no peixe (Monteiro, 2019). 
 
Esta procura crescente está, como já referido, ligada ao ritmo de crescimento da 
população mundial, ao aumento dos rendimentos e da urbanização. Exige-se, pois, uma 
melhor utilização, conservação, menores desperdícios e canais de distribuição mais 
eficientes. 
A urbanização é um fator particularmente importante, um ‘Game-Changer’ no qual se 
revelam os desafios e oportunidades para a produção de peixe no mundo. Desde 2007 
que a população urbana representa mais de metade da população mundial. Em 2018, 
55% (4.2 mil milhões de seres humanos) da população residia em áreas urbanas, face a 
30% em 1950 (751 milhões). As Nações Unidas (2018) estimam que, em 2050, a 
população urbana ronde os 70% (6.7 mil milhões) do total. 
Embora a percentagem da população urbana da Ásia não seja a maior do mundo
1
, 
(ronda os 50%), estima-se que 90% do acréscimo mundial da população urbana, até 
2050, se verifique na Ásia e em África. Só três países - Índia, China e Nigéria - serão 
responsáveis por 35% do crescimento da população urbana no mundo, entre 2018 e 
2050. 
Em geral, a população urbana tem mais rendimento disponível para despender em 
proteína animal. Também as áreas urbanas, pela maior densidade populacional e de 
infraestruturas, têm capacidade de armazenamento e distribuição de proteína animal 
superiores aos meios rurais. Por exemplo, na América Latina e na Ásia, o peixe é, em 
grande parte, vendido nas grandes superfícies comerciais em detrimento dos mercados 
tradicionais. 
Existe hoje uma consciência global de que o peixe é uma fonte de proteína fundamental, 
tanto do ponto de vista nutricional (fornecendo os micronutrientes necessários) como 
um importante recurso para assegurar a segurança alimentar. 
 
Algumas grandes regiões do mundo têm um consumo de proteína animal proveniente 
do peixe superiora 20%. É o caso da Ásia Oriental e do Sudeste Asiático, África 
Subsariana, Caribe e de alguns países da Europa (Portugal, Noruega e Islândia). Em 
 
1 Percentagem da população urbana em 2018: América do Norte: 82%; América Latina e Caribe: 81%; 
Europa: 74%; e Oceânia: 68%. (United Nations, 2018). 
 
países como o Bangladesh, Camboja, Gâmbia, Gana, Indonésia, Serra Leoa ou o Sri 
Lanka, o consumo de proteína animal proveniente do peixe excede mesmo os 50% do 
total de proteína consumida (FAO, 2018). 
 
Segundo a FAO (2018), a produção mundial de peixe
2
 atingiu o pico de cerca de 171 
milhões de toneladas em 2016, com a aquacultura a representar 47% do total e 53% se 
se excluir os usos não alimentares (incluindo farinhas e óleo de peixe). Em 2011, a 
aquacultura representava 40% da produção mundial de peixe. 
Contudo, se incluirmos a produção de plantas aquáticas, a produção aquícola, em 2016, 
sobe para os 110.2 milhões de toneladas, ou seja, 80 milhões de toneladas de peixe 
(231.6 mil milhões US$) e 30.1 milhões de toneladas de plantas aquáticas (11.7 mil 
milhões US$), além de 37.9 mil toneladas de produtos não alimentares (214.6 milhões 
US$). 
A contribuição da aquacultura na produção mundial de peixe cresceu de forma 
exponencial, desde 1991, ano em que a sua quota não chegava aos 20%. Enquanto a 
captura de peixe selvagem tem oscilado entre os 80 e os 90 milhões de toneladas, entre 
1991 e 2016, a produção (em toneladas) da aquacultura tem vindo a crescer de forma 
continuada, de pouco mais de 2 milhões de toneladas (1991) para cerca de 80 milhões 
de toneladas (2016). 
Cerca de 64% do total de toneladas produzidas pela aquacultura a nível mundial são 
produzidas em água interiores (inland aquaculture) e apenas 36% é produzido em mar 
alto ou ao largo da costa. Em termos de espécies produzidas, quer em águas interiores, 
quer no mar, o pescado em geral representa 68% do total de toneladas capturado no 
mundo, os moluscos 21% e os crustáceos 10% (2016). 
Os moluscos são o principal tipo de peixe produzido pela aquacultura em mar (59%) 
enquanto em águas interiores é o pescado que se destaca (93%). 
 
A contribuição da aquacultura europeia para a produção de peixe mundial cresceu de 
7% (1991) para cerca de 18% (2016). Contudo, em 2016, em toneladas produzidas, a 
 
2 Salvo indicação em contrário, ao longo desta publicação, o termo "peixe" indica peixes, crustáceos, 
moluscos e outros animais aquáticos, mas exclui mamíferos aquáticos, répteis, algas e outras plantas 
aquáticas. 
 
 
 
 
Europa (2.9 milhões de toneladas) apenas ficou à frente de África (1.9 milhões de 
toneladas) e da Oceânia (210 mil toneladas). 
Cerca de 83% (2.4 milhões toneladas) da produção aquícola na Europa é feita em mar e 
ao largo da costa. Em termos per capita, o consumo de peixe cresceu de 9 kg, em 1961, 
para 20.2 kg em 2015, numa média de crescimento anual de 1.5%. 
O peixe e produtos piscícolas fornecem em média 34 calorias per capita por dia, embora 
a sua contribuição diária possa exceder as 130 calorias per capita, em países que 
dependem fortemente deste recurso para a sua alimentação, como o Japão, Islândia, 
Noruega ou República da Coreia. 
 
Segundo as projeções da FAO (2018), a produção mundial de peixe (captura e 
aquacultura, incluindo plantas aquáticas) continuará a crescer, podendo atingir um pico 
de 201 milhões de toneladas, em 2030. Tal representa uma taxa de crescimento de cerca 
de +18% face a 2016 (30 milhões de toneladas). 
 
Em grandes números, a produção aquícola total foi de 80 milhões toneladas em 2016, o 
que representa um acréscimo de 18.2 milhões toneladas, face a 2011. A produção de 
plantas aquáticas apresentou um valor de 30.2 milhões de toneladas, em 2016. 
As projeções da FAO (2018) apontam para que a maior taxa de crescimento de 
produção de peixe se irá verificar na aquacultura, sendo previsível que venha a crescer 
cerca de 38%, entre 2016 e 2030, podendo atingir as 109.4 milhões de toneladas em 
2030, face aos 80 milhões de 2016. 
 
Em 2016, a produção aquícola de peixe em terra (‘inland’) foi de 54.1 milhões de 
toneladas (17.1 milhões de toneladas de moluscos, 7.9 de crustáceos e 0.9 de outras 
espécies aquáticas). Desde 1991, que a China é a maior produtora mundial de peixe 
(‘inland’), tendo em todos os anos produzido sempre mais do que o resto do mundo. 
Outros grandes produtores que se destacam são a Índia, Indonésia, Vietnam, 
Bangladesh, Egipto e Noruega. 
Entre as espécies produzidas na aquacultura destacam-se o camarão, o salmão, os 
bivalves, a tilaria, a carpa e o peixe-gato. Estas espécies são, na sua maioria, 
responsáveis pela expansão da produção aquícola que se verificou nas últimas décadas, 
o que se reflete na taxa de consumo relativo per capita destes peixes. 
 
Desde 2010 que a principal espécie de pescado produzida em aquacultura é a carpa-
capim, representando 11% do total em 2016, seguida pela carpa prateada (10%), carpa-
comum (8%), carpa-cabeçuda (8%) e tilaria do Nilo (7%). Em conjunto, estas cinco 
espécies representam 44% do total produzido pela aquacultura no mundo. 
Em 2016, a China e a Indonésia foram os principais produtores de plantas aquáticas 
(que incluem algas e microalgas). 
O pescado per se, não pode ser visto apenas como um recurso natural, mas antes ser 
encarado como um recurso para a subsistência, pois além de alimento. fornece emprego 
e rendimento. 
Em 2016, 59.6 milhões de pessoas trabalhavam a tempo integral, parcial ou ocasional 
no setor das pescas e aquacultura (FAO, 2018). Destas, 19.3 milhões na aquacultura e 
40.3 milhões na pesca. 
 
 
3. Impactes Negativos da Aquacultura 
 
Entre os impactes negativos das pescas e aquacultura destacam-se a deterioração da 
qualidade de vida de algumas comunidades costeiras e a redução dos recursos marinhos, 
que ameaçam os ecossistemas e o habitat de inúmeras espécies. 
Em particular, são as pequenas comunidades piscatórias aquelas que são mais afetadas, 
pois enfrentam desafios como a falta de acesso a serviços, recursos limitados, 
desequilíbrios sociais e fraca participação nos processos de tomada de decisão. 
Também a expansão rápida da indústria aquícola e a intensificação da produção, em 
particular de espécies carnívoras, tem provocado sérios problemas ao ambiente e aos 
ecossistemas (Greenpeace, 2008). 
A aquacultura tem sido responsável pela destruição de importantes manguezais, como, 
por exemplo, ao largo das Filipinas, Vietnam, Tailândia, Bangladesh e Equador. Estes 
são ecossistemas costeiros que fazem a transição entre os biomas terrestres e marinhos, 
caraterizados por zonas húmidas, tipicamente tropicais e subtropicais, nas 
desembocaduras de rios, lagoas, baías ou enseadas. 
O fato de a aquacultura vulnerabilizar estes ecossistemas, provoca a exposição dos 
territórios a condições físicas adversas, como tempestades ou cheias, ameaçando as 
espécies marinhas e terrestres, bem como as próprias comunidades costeiras. 
Sem esquecer que os manguezais são um importante viveiro per si, que fornecem os 
nutrientes necessários a muitas espécies de peixe, de importante valor comercial, cuja 
destruição ameaça não só estas espécies e as suas fontes naturais de nutrientes, como 
prejudica a pesca tradicional e comercial. É o caso da produção de camarão no Equador 
que, ao longo dos anos, tem vindo a destruir milhares de hectares de manguezais, pela 
alteração da topografia do território, com a criação de lagoas artificiais. 
 
Outro dos problemas associados à aquacultura é que, muitas vezes, dependem de peixe 
e moluscos juvenis, capturados em ambientes selvagens, para abastecerem as estações 
de produção aquícola. Por exemplo, embora na maior parte do mundo o camarão já seja 
criado em “postlarvae” ou incubadoras artificiais,há estações de produção de camarão 
que ainda se baseiam na captura de espécies juvenis selvagens e, por isso, muitos stocks 
estão sobre-explorados (Greenpeace, 2008). 
Para além da captura selvagem e da sobre-exploração de espécies como o camarão, 
outras espécies marinhas podem vir a ser postas em causa. Nas Honduras, a captura 
anual de 3.3 mil milhões de camarões juvenis resultam numa destruição de entre 15 a 20 
mil milhões de outras espécies (Greenpeace, 2008). No Bangladesh, cada camarão tigre 
capturado representa a destruição de 12 a 551 larvas de camarão de outras espécies, 5 a 
152 larvas de peixes pequenos e entre 26 a 1636 espécies de macroplâncton (Fonte: 
idem). 
 
Uma prática comum em aquacultura é o uso de químicos que são adicionados aos locais 
de produção, de maneira a controlar vírus, bactérias e fungos, entre outras patologias. 
Para além destes agentes patogéneos contaminarem os solos e outros ambientes 
marinhos, o seu uso pode causar problemas de saúde pública, uma vez que o consumo 
corrente de proteínas com químicos leva, em geral, a uma resistência aos antibióticos 
por parte de determinadas bactérias. Foi o caso do Vietname e das Filipinas, onde o 
camarão adquiriu resistência aos antibióticos 
Segundo o Panorama da Aquicultura (2015), os centros produtores aquícolas são 
enormes reservatórios de agentes patogéneos, constituindo a fonte infeciosa mais 
relevante na cadeia produtiva. Acrescente-se que, para conter a disseminação de 
doenças, devem ser elaboradas estratégicas sanitárias que promovam a contenção e 
transmissão de doenças. Estas estratégias incidem sobretudo nas espécies matrizes e 
 
 
reprodutoras, o que implica a utilização de fármacos específicos para diagnosticar, 
prevenir e tratar agentes patogéneos. 
 
Os fármacos para controlo de doenças e o uso de químicos devem ser aplicados em 
meios de produção aquícola específicos, como tanques isolantes, neomembranas ou 
vinitanques. No entanto, quando aplicados, por exemplo, em viveiros escavados com 
fundo de terra, existe uma rápida absorção destes produtos, contaminando os solos e os 
lençóis freáticos. 
Em caso de viveiros contaminados com agentes patogéneos, é necessário recorrer a 
estratégias all-in-all-out, que constituem um dos maiores desafios dos centros de 
produção aquícolas tradicionais, pois implicam a total limpeza e desinfeção de 
estruturas, tanques e viveiros. 
 
Tal como a destruição dos manguezais os torna mais suscetíveis à intrusão de água 
salgada, também a sua destruição para criação artificial de lagoas e superfícies de 
produção pode levar ao esgotamento das reservas de água potável. 
Estima-se que quatro em cada cinco empregos no mundo dependem de água fresca. É 
em particular o caso da agricultura, da silvicultura, pesca, aquacultura interior, 
mineração e extração de recursos, geração de energia e indústrias transformadoras 
(UNESCO, 2019). 
 
A produção intensiva de camarão em lagoas requer uma grande quantidade de água 
fresca para que o camarão tenha condições para crescer num nível de salinização ótimo. 
Tal implica que a água seja bombeada amiúde, utilizando os recursos hídricos locais 
(superficiais ou subterrâneos), desviando assim elevadas quantidades de água, alterando 
perfis hídricos, ou mesmo, levando ao seu esgotamento. 
 
Se as reservas hídricas de água fresca forem exploradas de forma excessiva, a água 
salgada irá avançar, provocando a salinização e a modificação da qualidade dos 
recursos, acabando por inviabilizar o seu consumo pelo Homem. 
É assim que no Sri Lanka, 74% da população costeira, nas áreas de produção aquícola 
de camarão, não possuem água potável, enquanto muitos terrenos agrícolas adquiriram 
um elevado teor de salinidade. Segundo o Panorama da Aquicultura (2015), para a 
produção aquícola é fundamental ter acesso a fontes de abastecimento de água limpa, 
 
que permitam a visualização dos peixes e a sua reprodução, com uma rápida capacidade 
de renovação dos stocks de água, o que requer bombeamento de água fresca. 
 
A aquacultura é um dos setores que mais depende de recursos hídricos, sobretudo de 
água fresca, no caso da aquacultura interior. No entanto, o acesso a estes recursos está, 
muitas vezes, relacionado com questões de direitos de propriedade e posse de terras, 
particularmente em áreas rurais. 
Na Indonésia, o desenvolvimento da aquacultura de camarão foi acompanhado pelo 
confisco policial de terras, sem planos de indeminizações justos ou mesmo inexistentes. 
Também no Equador, apenas 2% das penhoras de terra foram realizadas com base legal, 
havendo dezenas de milhares de hectares de terras ancestrais confiscadas com apoio 
militar e recurso à força física. 
A Greenpeace (2008) relata casos semelhantes em Sumatra, Maluku, Papua e Sulawesi. 
 
Para a UNESCO (2019), “land tenure security is closely linked to poverty reduction”, 
sendo fundamental proteger os direitos de propriedade e de acesso à terra das 
populações e regiões mais desfavorecidas, sobretudo onde a pobreza extrema é maior. 
Segundo a FAO (2018), a ‘Abordagem com Base nos Direitos Humanos’ (HRBA – 
Human Rights-Based Approach) é um principio fundamental do Sistema das Nações 
Unidas para promover a sustentabilidade, o bem-estar, a qualidade de vida e o 
desenvolvimento humano, com foco na proteção dos Direitos Humanos. 
 
No caso das pescas e da aquacultura, a ONU visa garantir o direito à alimentação de 
subsistência e o desenvolvimento socioeconómico ‘justo’ das comunidades piscatórias e 
da população afetada por aquelas atividades económicas. 
A ‘Abordagem com Base nos Direitos Humanos’ permite criar uma base para a 
persecução destes objetivos, através do princípio de que ninguém deve ser deixado para 
trás, aplicando os princípios da não discriminação, transparência e responsabilização 
nos processos decisórios sobre comunidades piscatórias. Identifica as principais causas 
da pobreza, como a discriminação (a vários níveis), a marginalização, exploração, 
violência e abuso de poder. 
Contudo, o direito formal à terra é fraco ou inexistente e muitas comunidades acabam 
por perder o acesso direto à costa, devido ao desenvolvimento de centros de produção 
aquícola. As populações são obrigadas a migrar, originando-se movimentos 
 
involuntários de comunidades inteiras, na maioria das vezes sem compensação 
financeira ou alternativa de terrenos disponíveis para se realojarem e desenvolverem as 
atividades económicas necessárias à sua subsistência. 
 
 
A FAO (2018) defende que para proteger as populações afetadas por estes setores é 
necessário: 
 Que se reconheça o contexto de diversidade social e cultural de cada 
comunidade, bem como o cariz legal e social do direito de propriedade; 
 Que se estabeleçam metodologias e processos para o reconhecimento legal do 
direito de propriedade, que sejam justos, transparentes, inclusos e que apelem à 
participação comunitária; 
 Fortalecer a vontade política e a capacidade de organização civil para garantir 
uma coordenação intersectorial que fortaleça as pequenas comunidades 
piscatórias, ouvidas as suas necessidades, interesses e preocupações; 
 Fomentar a aplicação do ‘Princípio da Abordagem com Base nos Direitos 
Humanos’ às comunidades envolvidas nas pescas e na aquacultura, através do 
estudo de casos que suportem e promovam esta abordagem. 
 
4. Conclusões 
 
A aquacultura apresenta argumentos muito fortes do ponto de vista da oferta de 
nutrientes e segurança alimentar. Num contexto de aumento populacional, urbanização 
crescente, consumidores mais exigentes, maior rendimento disponível, alterações 
climáticas e escassez de recursos (incluindo os marinhos), a aquacultura apresenta-se 
como uma alternativa viável do ponto de vista económico e da sustentabilidade 
ambiental. Ao longo das últimas décadas, tem assegurado o consumo global de peixe e 
contribuído para o consumo de maisproteína animal. 
Os padrões de maior consumo de peixe têm vindo a aumentar a pressão sobre os 
recursos piscícolas e a sua sobre-exploração, sendo a aquacultura a resposta mais 
eficiente para o combate à pesca desenfreada e para uma melhor gestão de stocks. 
A globalização e o desenvolvimento das tecnologias de comunicação e transporte, têm 
permitido à produção acompanhar o ritmo do consumo de peixe. É possível, hoje, 
chegar com o peixe mais rápido e mais longe, a locais com recursos escassos ou 
inexistentes e a áreas longe da costa. 
Porém, se a aquacultura não for regulada e acompanhada pode trazer prejuízos onerosos 
ao ambiente, populações e ecossistemas costeiros. A aquisição de terras deve ser legal, 
com avaliação das caraterísticas dos territórios e dos impactos ambientais, bem como 
com a proteção de habitats e ecossistemas sensíveis, salvaguarda das populações e 
combate às alterações climáticas. As comunidades mais pequenas e isoladas são as mais 
afetadas pela aquacultura, pelo que o Direito Internacional deve ser exercido em casos 
de violação dos Direitos Humanos. 
Enquanto setor da economia azul, a aquacultura fornece respostas ao combate às 
alterações climáticas. É neste sentido, que o investimento na aquacultura pode 
contribuir para reduzir o desperdício alimentar, otimizar o uso e ocupação dos solos, 
promover o trabalho digno e fornecer energia limpa. 
Também aqui, as pequenas comunidades piscatórias têm um papel muito importante, 
pois são responsáveis pela maioria da captura de peixe no mundo. Devem, pois, ser 
disponibilizados meios para que estas comunidades possam desenvolver o seu potencial 
no que se refere à aquacultura, assegurar o fornecimento de nutrientes, garantir a 
segurança alimentar e a proteção dos solos, reduzir a poluição atmosférica e a gestão 
dos stocks. Só assim, este setor da economia azul poderá contribuir eficazmente para o 
‘Green Deal’. 
 
 
Referências: 
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Context of Food Security and Poverty Eradication. Rome: Food and Agriculture 
Organization of the United Nations (FAO). 
FAO. (2018). The State of World Fisheries and Aquaculture 2018 - Meeting the sustainable 
development goals. Rome: Food and Agriculture Organization of the United Nations 
(FAO) . 
Green Peace International. (2008). Challenging the Aquaculture Industry on Sustainability. 
Amsterdam: Green Peace International. 
Monteiro, P. (2019). AQUACULTURA: Contexto, Oportunidades e Desafios. Jean Monnet 
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