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Indaial – 2020 Expansão Em CriminalidadE Prof.ª Ivone Fernandes Morcilo Lixa 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2020 Elaboração: Prof.ª Ivone Fernandes Morcilo Lixa Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: L788e Lixa, Ivone Fernandes Morcilo Expansão em criminalidade. / Ivone Fernandes Morcilo Lixa. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 212 p.; il. ISBN 978-65-5663-103-5 1. Criminalidade. – Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 341.59 III aprEsEntação No Brasil, a violência e o crime ocupam o centro de nosso dia a dia. Nos telediários, nas manchetes dos jornais, nas mídias sociais, nos debates políticos e acadêmicos, em todos os espaços se fala, se reflete, se vive e se convive com a expansão da criminalidade e todas as formas de violência. Assim, somos tomados pela permanente sensação de insegurança e vamos assistindo à desintegração dos tradicionais vínculos sociais, fragilizando a vida coletiva e com uma profunda descrença nas instituições. A criminalidade e a violência estão cada vez mais presentes, porém nem sempre visíveis. Além dos crimes praticados à luz do dia e nas ruas, também por trás dos muros das casas, no ambiente do trabalho e nos ambientes mais privados, pessoas são vítimas de toda forma de crime e, não raras vezes, o silêncio impede que se puna com rigor os algozes de mulheres, crianças e idosos. No Brasil, as mortes violentas são a causa primeira da perda de vida na faixa etária entre cinco a 45 anos. São mortes prematuras que poderiam ter sido evitadas e representam um ônus para o conjunto da sociedade e do país. Com o objetivo de melhor compreendermos o fenômeno da expansão da criminalidade, a fim de contribuir com sua formação profissional, apresentaremos o presente livro de estudos, com temas atualizados que lhe permitirão adquirir conhecimento eficiente, idealizados especialmente para você. Metodologicamente, o livro está dividido em três grandes unidades, subdividas em tópicos que lhe permitirão um estudo minucioso e sistemático sobre o tema do crime e sua expansão na realidade contemporânea. Na Unidade 1 serão estudados os conceitos fundamentais de crime e criminalização, de forma a permitir que você compreenda o crime como fenômeno complexo, definido juridicamente e tipificado pelo Direito Penal. Você perceberá que o crime, além de representar um sofrimento à vítima, é a violação de um bem protegido juridicamente e exige punição. Na Unidade 2, o tema central será a expansão do crime na contemporaneidade, de forma a compreender os impactos da globalização na expansão da criminalidade, particularmente com relação ao crime organizado, buscando identificar e problematizar as novas formas de manifestação do crime no Brasil e as formas institucionais de enfrentamento. IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Ao final, na Unidade 3, serão estudadas as diferentes formas de violência, com destaque para a violência estrutural, doméstica e midiática, com o objetivo de identificar e discutir as distintas faces da violência e crime no Brasil, desde uma análise crítica e problematizadora. Você terá ao final de cada tópico autoatividades que lhe permitirão avaliar e aprofundar melhor os estudos realizados. Não esqueça de também ler atentamente os textos selecionados ao final de cada unidade, bem como de visitar os sites especializados indicados. Bons estudos! Estaremos juntos nesta desafiadora jornada. V Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI VI VII Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer teu conhecimento, construímos, além do livro que está em tuas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela terás contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar teu crescimento. Acesse o QR Code, que te levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para teu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nessa caminhada! LEMBRETE VIII IX UNIDADE 1 – CRIME E CRIMINALIZAÇÃO: CONCEITOS FUNDAMENTAIS ......................1 TÓPICO 1 – A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE CRIME NA SOCIEDADE OCIDENTAL ........................................................................................................................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................3 2 BREVE ANÁLISE HISTÓRICA DO CONCEITO OCIDENTAL DE CRIME ............................3 2.1 CRIME E CASTIGO NAS SOCIEDADES ANTIGAS E MEDIEVAIS OCIDENTAIS ..............4 2.2 O LIBERALISMO E A REDEFINIÇÃO DA FUNÇÃO PUNITIVA ..........................................11 2.3 A IDEOLOGIA DA DEFESA SOCIAL ..........................................................................................16 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................20 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................21 TÓPICO 2 – O CONCEITO JURÍDICO DE CRIME .........................................................................23 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................23 2 CONCEITO JURÍDICO PENAL DE CRIME ...................................................................................23 3 A “CONDUTA” COMO ELEMENTO DO CRIME .......................................................................26 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................32 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................33TÓPICO 3 – SUJEITOS, OBJETO E TIPOS DE CRIME SEGUNDO O DIREITO PENAL ......35 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................35 2 SUJEITOS DA CONDUTA TÍPICA ..................................................................................................35 3 OBJETO DO CRIME ............................................................................................................................40 4 TIPOS DE CRIME SEGUNDO O DIREITO PENAL ....................................................................42 4.1 CRIMES COMUNS E CRIMES ESPECIAIS .................................................................................45 4.2 CRIMES DE DANO E DE PERIGO ..............................................................................................45 4.3 CRIMES MATERIAIS, CRIMES FORMAIS E CRIMES DE MERA CONDUTA ....................46 4.4 CRIMES INSTANTÂNEOS E PERMANENTES ........................................................................47 4.5 CRIME CONTINUADO .................................................................................................................48 4.5.1 Algumas outras classificações relevantes ............................................................................50 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................................55 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................62 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................63 UNIDADE 2 – A EXPANSÃO DO CRIME NA CONTEMPORANEIDADE ...............................65 TÓPICO 1 – GLOBALIZAÇÃO E EXPANSÃO DA CRIMINALIDADE .....................................67 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................67 2 CONCEITOS FUNDAMENTAIS .....................................................................................................67 2.1 CRIMES DE COLARINHO BRANCO .........................................................................................72 2.2 LAVAGEM DE DINHEIRO ...........................................................................................................77 2.3 TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS ..............................................................................82 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................88 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................89 sumário X TÓPICO 2 – CRIME ORGANIZADO E NOVA CRIMINALIDADE ............................................91 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................91 2 CONCEITO ...........................................................................................................................................91 3 CARACTERÍSTICAS DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS ...............................................104 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................109 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................110 TÓPICO 3 – O CRIME ORGANIZADO NO BRASIL ....................................................................113 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................113 2 O CRIME ORGANIZADO NO BRASIL: ORIGENS HISTÓRICAS ......................................113 3 AS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS BRASILEIRAS E A VISIBILIZAÇÃO DAS FRAGILIDADES POLÍTICAS E SOCIAIS CONTEMPORÂNEAS .........................................116 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................125 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................130 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................131 UNIDADE 3 – VIOLÊNCIA ESTRUTURAL, DOMÉSTICA, CULTURAL E MIDIÁTICA ....133 TÓPICO 1 – VIOLÊNCIA: SUAS FACES E IMPACTOS ...............................................................135 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................135 2 CONCEITO E FORMAS DE MANIFESTAÇÃO DA VIOLÊNCIA ..........................................135 3 IMPACTOS DA VIOLÊNCIA E DO MEDO .................................................................................144 4 A EXPANSÃO DA VIOLÊNCIA E A SAÚDE DOS BRASILEIROS ........................................150 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................154 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................155 TÓPICO 2 – OS ESPAÇOS INSTITUCIONAIS E DOMÉSTICOS DE VIOLÊNCIA ..............157 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................157 2 A VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL NO BRASIL ..........................................................................157 3 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ..............................................................................................................164 4 VIOLÊNCIA CONTRA MULHER ..................................................................................................169 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................177 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................178 TÓPICO 3 – DESAFIOS E POSSIBILIDADES NO ENFRENTAMENTO DA EXPANSÃO DA VIOLÊNCIA .....................................................................................................................181 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................181 2 CULTURA DA VIOLÊNCIA ............................................................................................................181 3 MÍDIA E VIOLÊNCIA ......................................................................................................................187 4 CULTURA PACIFICADORA: BREVES CONTRIBUIÇÕES PARA SUPERAÇÃO DA CULTURA DA VIOLÊNCIA ............................................................................................................193 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................199 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................201 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................202 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................205 1 UNIDADE 1 CRIME E CRIMINALIZAÇÃO: CONCEITOS FUNDAMENTAIS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • compreender o crime como um fenômeno complexoe multifacetado, que é objeto de estudo de distintos campos do conhecimento e não pode ser reduzido e problematizado como mero comportamento individual e lo- cal, mas produto da soma de distintos fatores de natureza e origens diver- sas que, conjugados, resultam no atual cenário de expansão da violência; • analisar o processo histórico de construção do conceito ocidental de cri- me, de forma a identificar os fatores culturais, econômicos, sociais e po- líticos que foram, ao longo do tempo, convergindo para definir o que é delito e justificar juridicamente a punição; • diferenciar os sujeitos envolvidos no crime a fim de identificar o agente ativo, o que a norma penal define como possível autor da ação ou omissão típica, e o sujeito passivo, o ofendido ou vítima, titular do bem jurídico lesionado. O acadêmico deve, ainda, compreender que tal identificação é elemento essencial para a definição do tipo penal e a punição cominada; • identificar o objeto do crime enquanto valor, bem ou interesse protegido pela norma penal e utilizado para classificar o crime; • classificar os distintos tipos de crime segundo o direito penal, de forma a identificar os critérios utilizados para a classificação das infrações penais. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE CRIME NA SOCIEDADE OCIDENTAL TÓPICO 2 – O CONCEITO JURÍDICO DE CRIME TÓPICO 3 – OS TIPOS JURÍDICOS DE CRIME: BREVE ESTUDO Preparado para ampliar teus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverás melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE CRIME NA SOCIEDADE OCIDENTAL 1 INTRODUÇÃO Ao iniciarmos o estudo acerca do fenômeno do crime, a criminalização e o processo de expansão no Brasil, a primeira tarefa que se impõe é conceitual, ou seja, é necessário compreender “o que” é crime e como sua concepção foi construída na sociedade ocidental. É nessa tentativa que, neste Tópico 1, analisaremos o processo de construção do que atualmente chamamos de “crime”. “Crime” é um fenômeno que pode ser compreendido a partir de distintos campos do conhecimento. Por exemplo, a sociologia tenta explicar a criminalidade antes de definir o que vem a ser crime, problematizando e analisando os fatores que envolvem o processo de criminalização e os mecanismos institucionais de enfrentamento. Já para as distintas teorias psicanalíticas, indo além do simplismo de explicar o comportamento criminoso como ato individual, esclarece as razões pelas quais uma sociedade busca a punição de determinadas condutas tipificadas como crime. Para o Direito, crime é um conceito jurídico, formalmente definido pela lei, ou seja, é um fato típico, uma conduta – ação ou omissão – que se “molda” perfeitamente aos elementos previstos na lei penal. Portanto, embora a definição de crime não seja simples e tampouco unitária, neste tópico, após um breve estudo sobre a construção histórica do conceito de crime na tradição ocidental, destacaremos a concepção jurídica de crime por ser exatamente esta a que se destaca e predomina para a definição de políticas públicas de segurança. 2 BREVE ANÁLISE HISTÓRICA DO CONCEITO OCIDENTAL DE CRIME O crime e seus desdobramentos no cotidiano da sociedade brasileira, como adiante analisaremos, é um fenômeno sociopolítico complexo e multifacetado, ou seja, pode ser compreendido em diversos aspectos – sociopolítico, jurídico, moral, psicanalítico etc. – que não pode ser, portanto, reduzido a uma única forma de análise e definição. UNIDADE 1 | CRIME E CRIMINALIZAÇÃO: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 4 A “questão criminal”, como lembra o pensador e criminólogo argentino Eugênio Raúl Zaffaroni, não pode ser considerada apenas como um problema local ou nacional, mas integra uma autêntica “trama mundial”, e é nesta perspectiva que deve ser considerada. Tal perspectiva exige um grande esforço para impedir que não se tenha uma visão parcial e reducionista, porque, na verdade, estamos em uma fase da civilização humana difícil, em que se deve optar pela sobrevivência e coexistência humana e humanizadora, ou corremos o risco de perdermos nossa condição de humanidade (ZAFFARONI, 2013). Assim, ampliando um pouco nosso horizonte compreensivo, a fim de não cairmos na armadilha de definir crime como algo simples, mas um fenômeno definido e estudado nos distintos campos do conhecimento nas diversas etapas do pensamento, é que o resgate histórico ganha relevância, a fim de conhecermos como ao longo da história humana o conceito de crime e as formas de punição foram sendo elaboradas e reinventadas. Historicamente, o crime e a sua punição é um dilema que atravessa a trajetória humana ao longo do tempo e revela as grandes contradições e antagonismos sociais: ordem/desordem; justiça/injustiça; bem/mal etc. Várias são as compreensões acerca do que é crime: legal (comportamento punido pelo código penal); moral (quando o comportamento é ofensivo aos valores sociais); política (quando o poder instituído, através dos que dele se apropriam, viola direitos a fim de ser mantido) etc. Ao longo da história ocidental, em diferentes momentos e de diferentes formas encontramos formas de punir, sempre se pretendendo construir discursos legitimadores, ou seja, ideias e conceitos justificadores acerca da função e resultados da pena. Afinal, o problema da finalidade da pena acompanha a construção do próprio conceito de crime e para cada finalidade foram sendo elaboradas teorias, fundamentando e legitimando a função e a finalidade de intervenção do poder político no corpo e nos bens dos seres humanos considerados transgressores. 2.1 CRIME E CASTIGO NAS SOCIEDADES ANTIGAS E MEDIEVAIS OCIDENTAIS Reconstruindo a tradição ocidental, um marco na definição de crime e punição é o Código de Hamurabi. Conjunto de leis da antiga Mesopotâmia, datado, aproximadamente, do século XVIII a.C., atualmente no Museu do Louvre. Previa dispositivos para punir delitos praticados desde o homem comum até os altos funcionários públicos. Embora sendo claro que a punição variava de acordo com a condição social tanto do autor como da vítima. TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE CRIME NA SOCIEDADE OCIDENTAL 5 FIGURA 1 – CÓDIGO DE HAMURABI – MUSEU DO LOUVRE FONTE: <https://www.todoestudo.com.br/wp-content/uploads/2018/06/c%C3%B3digo-de- hamurabi.png>. Acesso em: 18 mar. 2020. Contendo cerca de 282 (duzentos e oitenta e dois) dispositivos legais que privilegiavam o conhecido “princípio da Lei de Talião” (do latim lex talionis, que significa “tal qual”), é considerado um importante documento histórico e uma das primeiras legislações escritas, ao lado de outros documentos, como o Código de Ur-Nammu, datado no ano de 2050 a.C., com escrita em língua Suméria e conhecido como Código de Lipit-Ishtar de Isin. Lançando um olhar atento ao Código de Hamurabi não é difícil perceber que, apesar de buscar estabelecer um limite para as vinganças privadas, as penas são muito severas e de natureza retributiva: pagava-se o mal com o mal e com “a mesma moeda”. Entre os antigos gregos, Platão (428/427 a 348/347 a.C.), em sua obra “A República”, afirma que “o ouro do homem sempre foi motivo de seus males”, demonstrando, assim, sua convicção de que fatores socioeconômicos são causas de crimes, porque “onde há gente pobre haverá patifes e vilões” (PLATÃO, 2000, p. 135). Já Aristóteles (384-322 a.C.), buscando a causa dos delitos, em sua obra “A Política”, advertia que “a miséria engendra rebelião e delito” (ARISTÓTELES, 2017, p. 248) e que delitos graves são cometidos para se possuir o supérfluo. Preocupou-se também com o caráter dos delinquentes, analisando, além da reincidência, fatores atenuantes que deveriam ser levados em conta em um julgamento.Em Roma, no ano de 452 a.C., foi promulgada a Lex Duodecimum Tabularum (Lei das XII Tábuas), a qual tinha como objetivo retirar a incerteza do direito por meio de códigos devido à arbitrariedade dos magistrados patrícios contra a plebe. Foi a primeira forma de codificação do direito romano, cuja elaboração teve como base os costumes existentes. UNIDADE 1 | CRIME E CRIMINALIZAÇÃO: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 6 A Lei das XII Tábuas, embora abarcando distintas áreas do direito, privilegia o que atualmente chamamos de área penal, contendo penas cruéis. A Tábua de número VIII é direcionada ao delito. Aplicava-se pena de morte: à difamação, contra o cidadão púbere que prejudica à noite as colheitas, incendiário lúcido e deliberado, para ladrão noturno, para ladrão diurno que se defendesse com arma, escravo apanhado em flagrante de roubo, contra falso testemunho, homicídio, contra feitiçaria ou envenenamento e para levantadores de motins noturnos. FIGURA 2 – FRAGMENTO DAS XII TÁBUAS FONTE: <http://3.bp.blogspot.com/-mvdCywO_tIU/VgPXEc4AS-I/AAAAAAABAYE/9vu1TyaU6qc/ s1600/12-tabuas-250x250.jpg>. Acesso em: 18 mar. 2020. Ainda, os romanos aplicavam a “Lei de Talião”, lógica punitiva comum entre os antigos, em casos de lesão corporal e pena pecuniária para reparação por injúria, reparação pelo prejuízo causado injusta, mas acidentalmente e prejuízo causado por animal. FIGURA 3 – A CRUEL PENA DE CRUCIFICAÇÃO FONTE: <https://truttafario.files.wordpress.com/2013/07/crucificar-3.jpg>. Acesso em: 18 mar. 2020. TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE CRIME NA SOCIEDADE OCIDENTAL 7 A pena de crucificação praticada pelos romanos e aplicada para os não romanos, acredita-se ter sua origem na Pérsia e levada ao mundo ocidental por Alexandre (330 a.C.). É considerada a pena romana cruel por excelência e aplicada como forma de demonstração do poder imperial de Roma. A figura anterior reproduz a maior crucificação da história. Em meio a uma Roma destroçada por crise política e social, no ano de 71 a.C. foram crucificadas, em um só dia, 6 mil pessoas que haviam se rebelado em uma das maiores guerras civis da história, conhecida como a Terceira Guerra Servil. Narram os documentos da época que o cheiro de corpos em decomposição era tal que a estrada principal que levava a Roma tornou-se intransitável! Como você já deve ter percebido, a criminalização e a penalização, desde os primórdios da humanidade, estão intimamente relacionadas à manutenção e ao exercício do poder, sendo os rebeldes e “indesejáveis” comumente exterminados em nome da justiça. É particularmente interessante as considerações de Zaffaroni (2013) acerca da relação entre o fim do império romano e o aumento das contradições sociais que se manifestou com a impressionante e violenta verticalização do poder, ou seja, quando o poder político era centralizado pelo imperador, exercido “desde cima” sem consulta ao Senado ou qualquer instituição representativa. Quando Roma passou da república ao império seu poder punitivo se fez muito mais forte e cruel. No entanto, Roma caiu praticamente sem que ninguém a empurrasse; seus imperadores eram generais que brincavam de golpe de Estado, passavam o tempo intrigando ou neutralizando as intrigas, e em seus momentos de ócio se divertiam com amantes e escravos núbios. Os costumes se relaxaram, dizem os moralistas, porém, Roma não caiu por causa das amantes ou dos escravos, mas sim porque a estrutura vertical que proporciona o poder colonizador, imperial, logo se solidificou até imobilizar a sociedade, as classes tornaram-se castas, o sistema perde flexibilidade para adaptar- se às novas circunstâncias, torna-se vulnerável aos novos inimigos. Chegaram os bárbaros com suas sociedades horizontais que ocuparam os territórios quase caminhando, e o poder punitivo desapareceu quase por completo (ZAFFARONI, 2013, p. 21). O exercício do poder centralizador e, portanto, vertical romano, exercido através da violência, parecia ter desaparecido com a formação dos reinos bárbaros até os séculos XII e XIII, quando os novos donos do poder decidem retomar as práticas de confisco de bens e vai se delineando o sistema inquisitorial medieval, que lançará as bases do pensamento punitivo moderno. O surgimento da Inquisição na Idade Média é uma espécie de retomada de práticas judiciárias romanas imperiais, quando a verdade processual passa a ser obtida pela interrogação, inquisitivo, superando o antigo modelo dos ordálios. UNIDADE 1 | CRIME E CRIMINALIZAÇÃO: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 8 “Ordálios” eram as chamadas “provas de Deus”, praticados pelos povos bárbaros. Era um tipo de “prova judiciária” para determinar a culpa ou inocência de um culpado através da submissão a situações, como caminhar sobre brasas, enfiar a mão em óleo fervente etc., cujo resultado era interpretado como resposta ou juízo divino. Paulatinamente, com o avanço do poder da Igreja, o uso dos ordálios foi caindo em desuso, até que o Papa Inocêncio III, no IV Concílio de Latrão, em 1215, proíbe que o clero cooperasse em julgamentos por “fogo ou água”, substituindo-os pela confissão ou compurgação (misto de juramento e testemunho). NOTA As necessidades políticas de estabelecer um controle simultâneo sobre a criminalidade comum e a heresia (misto de grave crime político e religioso) encontra no mecanismo inquisitorial um excelente sistema para reprimir qualquer resistência e oposição ao “saber oficial”. O conhecimento construído pelos canonistas, especialistas em Direito Canônico, resultante da revitalização do Corpus Iuris Civilis (Código de Justiniano) no século XII pela Universidade de Bolonha, permite ao clero formular mudanças no procedimento processual fundadas em uma teocracia radical, ou seja, uma forma de governo de fundamento religioso, que centrava no Poder Papal todo o poder político. Assim, vai se consolidando uma nova classe de profissionais do direito e ao mesmo tempo também se disseminou uma forma de solucionar conflitos, uma prática processual, cuja marca era a racionalidade e a técnica. Além de ter introduzido o processo escrito – autos –, que passou a exigir de um corpo de escrivães auxiliares a escrita processual, o processo passa a exigir termos e fórmulas específicas e, assim, a lógica de técnica vai assumindo relevância. Com o trabalho dos canonistas, o processo torna-se um procedimento técnico que deve ser transcrito. Nesta etapa da história, ao se identificar delito como pecado, ser consolidada uma rede de burocratas e edificado um eficiente sistema de repressão, criam-se os instrumentos necessários para o “combate à heresia” (crime grave, considerado de lesa-majeste) e punição de seu agente: o herege, um instrumento do demônio. Santo Agostinho, mil anos antes da Inquisição, escreve “A Cidade de Deus” (De Civitate Dei) no século V, e já afirmava que havia “dois mundos” em permanente combate: o de Deus e o de Satã, dedicando-se Satã e seus agentes (anjos caídos) a tentar a Deus. Portanto, para os humanos não havia alternativa, ou se estava ao lado de Deus ou do Demônio. TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE CRIME NA SOCIEDADE OCIDENTAL 9 Desde tal concepção e com os instrumentos de ação criados, a Igreja, aliada a Reis interessados em consolidar seu poder, coloca em funcionamento uma autêntica “máquina” de poder dedicada ao “combate do mal”. Nessa época, foi inventada a Teoria do Pacto Satânico: Satã não podia atuar sozinho, necessitava da cumplicidade de humanos (não me perguntem o porquê, porque não sei). Para isso havia humanos que celebravam um pacto com o inimigo, com Satã. Era um contrato de compra e venda proibido, mas que por sua natureza só podia ser celebrado por humanos inferiores, que eram as mulheres. Por quê? Por razões genéticas, biológicas: tinham um defeito de fábrica por provir de uma costela curva do peito do homem, o que contrastava com a retidão deste (não sei tampouco onde o homem éreto, mas prossigamos). Por isso, elas têm menos inteligência e, por conseguinte, menos fé [...]. Foi assim que a Inquisição se dedicou a controlar as mulheres desobedientes e levou à combustão milhares delas, como bruxas, por toda a Europa (ZAFFARONI, 2013, p. 28-29). FIGURA 4 – PRÁTICA DE TORTURA: UMA FORMA LEGAL DE PRODUÇÃO DE PROVAS FONTE: <http://3.bp.blogspot.com/_98Lp2dvqd9U/TBZwSyGHIPI/AAAAAAAABFI/Y-jRdWiuGlg/ s640/0036+-+SANTA+INQUISI%C3%87%C3%83O.jpg>. Acesso em: 18 mar. 2020. Tortura medieval da água (Figura 4): consistia em deitar a vítima numa maca, totalmente amarrada, seu carrasco lhe obrigava a abrir a boca, e colocando um funil até a garganta, ia enchendo de água, provocando a sensação de afogamento, a quantidade de água variava de 1 até 4 litros. Essa pena era aplicada mais para as mulheres. Os canonistas, como você deve ter percebido, criam maneiras de aceitabilidade das provas: probabilidade, relevância e materialidade, descartando as provas supérfluas (que já estavam provadas no processo), as impertinentes (que não interessavam), obscuras (que não poderiam ser usadas com segurança), as inacreditáveis ou antinaturais (absurdas e impossíveis de serem aceitas). UNIDADE 1 | CRIME E CRIMINALIZAÇÃO: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 10 Portanto, o sistema de provas vai assentar-se sobre o que passou a se chamar de “prova legal”, uma vez que sua apreciação dependia de regras previamente estabelecidas, como o famoso “código processual”, o Manual dos Inquisitores, criado por Nicolau Eymerich. Este Directorium Inquisitorum, de 1376, é uma espécie de modelo fundacional do direito processual penal moderno, que visava perseguir e punir todo aquele que representasse uma ameaça ao poder papal, o herege. Para auxiliar os demonólogos em sua “divina missão”, em 1484 é publicado o Malleus Maleficarum ou Martelo das Bruxas, de autoria de dois inquisitores peculiares: Heinrich Krämer e Jakob Sprenger. Segundo Zaffaroni (2013), Heinrich era considerado um sujeito problemático, o próprio bispo acabou por suspendê-lo de suas funções porque além de estar exterminando quase todas as mulheres, dizia-se que ganhava muito dinheiro com a venda de indulgências, falsificando a recomendação do funesto Manual pela Universidade de Colônia, com a finalidade de conferir-lhe “validade acadêmica”. Já Sprenger era um conhecido e exagerado beato. Com certeza, ambos formaram uma “dupla perfeita” de sujeitos problemáticos sob o ponto de vista ético e moral para dar forma a seus delírios insanos em um livro! Como delírios, ao longo da história, são pretextos para encobrir crimes! Na época, se um padre aparecesse nu dentro de um celeiro, contará que Satã o levou a um banquete e, como não quis jurar-lhe fidelidade, o lançou ali; se um homem santo é encontrado debaixo da cama de uma mulher, será porque Satã se apoderou de seu corpo para se esconder. [...] Os inimigos são inferiores. [...] Como não podiam eliminar todas as mulheres, contentam-se em queimar somente as desobedientes (ZAFFARONI, 2013, p. 37). Os Inquisitores se consideravam superiores e infalíveis. Não admitiam seus erros. Por esta razão, afirmavam que nunca houve erros, mesmo quando mentiam ou deixavam de cumprir acordos com os hereges para obter confissões, porque se autoconsideravam imunes e “protegidos” por Deus. De certa forma, os inquisitores acreditavam que possuíam uma missão salvadora e que o método utilizado para torturar e enganar era “abençoado” e, portanto, infalível, até porque, graças a seus métodos, a “confissão brotava” dos lábios dos supliciados. TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE CRIME NA SOCIEDADE OCIDENTAL 11 FIGURA 5 – O MARTELO DAS FETICEIRAS FONTE: <http://www.dhnet.org.br/dados/livros/memoria/mundo/feiticeira/malleus2.jpg>. Acesso em: 18 mar. 2020. Em síntese, a Inquisição foi e, até certo ponto, continua sendo uma mentalidade que permanece viva. Consistiu em um movimento político-religioso que em nome do combate ao demônio promoveu a perseguição indiscriminada e intolerante à diversidade, seja de crença ou opiniões, alimentada pela intolerância. Sem dúvida, foi uma estrutura de poder mantida pelo terror que não desapareceu e foi repetida, como prática, por inúmeros regimes políticos totalitários modernos. Pode-se afirmar que a Idade Média, como mentalidade, não acabou! Os “transgressores” permanecerão na história e serão perseguidos por aqueles que os consideram “inconvenientes”. 2.2 O LIBERALISMO E A REDEFINIÇÃO DA FUNÇÃO PUNITIVA Por volta dos séculos XVII e XVIII as fogueiras da Inquisição foram parando de arder e os princípios humanistas e racionalistas do moderno liberalismo ganharam relevância. Para os juspenalistas e filósofos que iam emergindo, o Estado Liberal que ia se delineando representava uma contraposição ao Estado Absolutista e começava a ser considerado como único ente legítimo a deter o monopólio do direito de punir. UNIDADE 1 | CRIME E CRIMINALIZAÇÃO: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 12 Estado Absolutista ou Monárquico é o modelo político construído entre os séculos XVI e XVII, quando os senhores feudais perdem força política e econômica e os benefícios concedidos à nobreza passam a crescer e o poder centraliza-se de maneira ilimitada nas mãos dos monarcas, destacando-se como exemplo Portugal, França, Itália e Inglaterra. Com as chamadas Revoluções Burguesas, como a Revolução Gloriosa (1688-1689) na Inglaterra e a Revolução Francesa (1789), os Estados absolutos dos monarcas dão lugar aos Estados Liberais, definidos como modelos políticos com tripartição de poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário – nos quais a intervenção estatal é mínima. Parte-se do pressuposto ideológico de que todo homem nasce livre e igual e a liberdade em todos os níveis deve ser assegurada pelo distanciamento da “máquina” política do Estado. Os Estados Liberais possuem a limitação de poder pelas Constituições, que também servem para garantir direitos dos cidadãos contra o arbítrio do Estado. IMPORTANT E Em tal perspectiva, o livre-arbítrio é considerado um verdadeiro dogma e o criminoso, indivíduo que dotado de vontade livre e consciente (capacidade de optar, de escolher entre o bem e o mal; entre o certo e o errado) escolhe delinquir. Assim, a ação criminosa é considerada como imoral, já que o indivíduo, podendo escolher, elege infringir a lei do Estado. Na esteira desse pensamento, portanto, o crime é entendido como ato de vontade e a pena um mal justo que se contrapõe a um mal injusto de caráter essencialmente retributivo. Baratta (2002, p. 31) assim sintetiza o pensamento da Escola Liberal: Como comportamento, o delito surgia da livre vontade do indivíduo, não de causas patológicas, e por isso, do ponto de vista da liberdade e da responsabilidade moral pelas próprias ações, o delinquente não era diferente, segundo a Escola clássica, do indivíduo moral. Em consequência, o direito penal e a pena eram considerados pela Escola clássica não tanto como meio para intervir sobre o sujeito delinquente, modificando-o, mas sobretudo como instrumento legal para defender a sociedade do crime, criando, onde fosse necessário, um dissuasivo, ou seja, uma contramotivação em face do crime. Os limites da cominação e da aplicação da sanção penal, assim como as modalidades de exercício de poder punitivo do Estado, eram assinalados pela necessidade ou utilidade da pena e pelo princípio da legalidade. O principal expoente da luta contra o absolutismo é Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria (1738-1794), que em 1764, ao publicar Dei Delitti e Delle Pene (Dos Delitos e Das Penas), redefine o sistema punitivo dominante. TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE CRIME NA SOCIEDADE OCIDENTAL 13 FIGURA 6 – CESARE BECCARIA FONTE: <http://criminologytoday.com/images/beccaria.jpg>. Acesso em: 18 mar. 2020. O impacto do manifesto de Beccaria se deve pela capacidade de expressar as convicções do pensamento iluminista, constituindoum marco do pensamento liberal, que encontra no contrato social o novo fundamento e legitimidade para o direito de punir. É sob tal perspectiva que Beccaria (2005, p. 41, grifos nossos) justifica a origem das penas: As leis são condições sob as quais homens independentes e isolados se uniram em sociedade, cansados de viver em contínuo estado de guerra e de gozar de uma liberdade inútil pela incerteza de sua conservação. Parte desta liberdade foi por eles sacrificada para poderem gozar o restante com segurança e tranquilidade. A soma dessas porções de liberdade sacrificada ao bem comum forma a soberania de uma nação e o soberano é o seu legítimo depositário e administrador. Mas não bastava constituir esse depósito, havia que defendê-lo das usurpações privadas de cada homem particular, o qual sempre tenta não apenas retirar do depósito a porção que lhe cabe, mas também apoderar-se daquela dos outros. Faziam-se necessários motivos sensíveis suficientes para dissuadir o espírito despótico de cada homem de novamente mergulhar as leis da sociedade no antigo caos. Esses motivos sensíveis são as penas estabelecidas contra os infratores da lei. Incomodado por um ambiente de generalização de castigos constrangedores, torturas e violência indiscriminada, Beccaria é um porta-voz da defesa da condição humana clamando por leis claras, justas e precisas. UNIDADE 1 | CRIME E CRIMINALIZAÇÃO: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 14 Invocando a razão e o sentimento de humanidade, denuncia a arbitrariedade dos julgamentos secretos, das penas infamantes e da atrocidade dos suplícios. Defende o direito de punir a partir de sua utilidade social, declarando inútil a pena de morte, sobretudo, postulando o princípio de proporcionalidade das penas com relação aos delitos. É famosa sua frase: “Para que uma pena seja justa, deve ter apenas o grau de rigor para desviar os homens do crime” (BECCARIA, 2005, p. 27). Pena infamante: é o nome que se dá a penas que causam desonra, vergonha, constrangimento ou aviltamento ao apenado, acreditando-se que provoque uma desaprovação social capaz de impedir que o sujeito volte a delinquir. São exemplos de penas infamantes: raspar o cabelo, marcar o rosto com ferro ou ser obrigado a usar “cone” na cabeça como chapéu etc. Leia mais em: https://oimpacto.com.br/2016/10/13/uma-pena-infamante/. IMPORTANT E Do conjunto de ideias da obra de Beccaria (2005), podem-se destacar como conceitos principais: • Apenas as leis (elaboradas pelo legislador) podem fixar as penas aplicadas aos delitos. • A lei deve ser abstrata e genérica e que a um terceiro órgão, o Poder Judiciário, cabe a análise da perfeita adequação do fato à norma. • Absoluta impossibilidade de que a lei seja interpretada. • Combate a pena de morte por três razões: ilegitimidade, inutilidade e desnecessidade. • A pena poderia unicamente atingir direitos renunciáveis, os direitos que o indivíduo pode dispor como o direito de propriedade, dentre os quais não faz parte o direito à vida. Hipóteses excepcionais, para Beccaria (2005), em que a pena de morte é aceitável: a) Quando o condenado, mesmo punido, privado de sua liberdade, permanece com ações e/ou práticas que sejam ameaças ao poder constituído, tornando necessária a execução. b) Quando se predomina a anarquia, em detrimento das leis, e a morte seja o único freio a inibir a prática dos delitos. Finalmente, o grande princípio de Beccaria (2005): a proporção entre os crimes e as penas, que pode ser resumida nos seguintes postulados: TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE CRIME NA SOCIEDADE OCIDENTAL 15 • A defesa de que a pena não passe da pessoa do condenado. • A desaprovação da pena de confisco, ou seja, punir com a retirada dos bens patrimoniais, porque atinge inocentes, como os familiares do condenado, levando-os à prática de novos delitos. • Nenhuma lei que não tenha força suficiente para vigorar, tornando-se insubsistente, deverá ser promulgada, devendo-se evitar as leis inúteis. • O freio que inibe a criminalidade não é a crueldade da pena, mas a certeza de sua aplicação. • Com relação à tortura, sustenta que o sofrimento imposto não é o caminho para a busca da verdade, mas apenas se comprova a resistência física do atormentado; porque a tortura é o meio seguro para absolver os delinquentes de constituição resistente e condenar os inocentes fracos e debilitados. • O alto valor atribuído à confissão deve-se à confusão abusiva com preceito religioso, consistente na confissão dos pecados. Entretanto, não apenas Beccaria adota as ideias iluministas. Na Itália, Gian Domenico Romagnosi (1761-1835), ao publicar Genesi del diritto penale (1791) e Filosofia del diritto (1825), concebe o Direito Penal (leis sociais) como conjunto de leis naturais conhecidas pelo homem através da razão e anterior às convenções humanas. O princípio essencial do direito natural, para Romagnosi (1956), é a conservação da espécie humana e a obtenção da máxima utilidade, do qual derivam três relações ético-jurídicas fundamentais: o direito e o dever de cada um de conservar a própria existência, o dever recíproco dos homens de não atentar contra sua própria existência e o direito de cada um de não ser ofendido por outro. De forma semelhante a Beccaria, entende que o fim da pena é a defesa social, já que funcionaria como um contraestímulo com relação ao impulso do criminoso para impedir os crimes. Essa convicção é afirmada nas famosas palavras de Romagnosi (1956): se depois do primeiro delito existisse uma certeza moral de que não ocorreria nenhum outro, a sociedade não teria direito algum de punir um delinquente. Na Inglaterra, Jeremias Bentham (1748-1832) considerava que a pena se justificava por sua utilidade: impedir que o réu cometa novos crimes, emendá-lo, intimidá-lo, protegendo, assim, a coletividade. Já na Alemanha, Anselmo Von Feuerbach (1775-1833) opinava que o fim do Estado é a convivência dos homens conforme as leis jurídicas. A pena, segundo ele, coagiria física e psicologicamente para punir e evitar o crime. Para saber o que é Iluminismo, sugerimos a leitura de um breve texto, disponível em: https://www.infoescola.com/historia/iluminismo/. DICAS UNIDADE 1 | CRIME E CRIMINALIZAÇÃO: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 16 Em síntese, o pensamento punitivo liberal dos séculos XVIII e XIX resulta em absoluta separação entre a esfera jurídica e a esfera moral, compreendendo- se, a partir desta perspectiva, a função da pena como de defesa social, ou seja, punir é o meio de eliminar o perigo social que poderia advir da impunidade, sendo a ressocialização um resultado desejável, porém acessório. 2.3 A IDEOLOGIA DA DEFESA SOCIAL Em que pese as distinções, as diferentes teorias sobre crime compreendem que as causas do delito são relacionadas ao criminoso, delegando a tarefa de definir o crime para o direito, tendo como pressuposto de que cabe ao Estado, através do direito, a função de defender a sociedade do “outro”, do “deformado”, daquele que escolhe delinquir. Desde tal ótica, acaba por se criar a lógica de que o Estado, através do Direito Penal com seu conjunto de normas que definem pena e determinam penas, detém o poder político legítimo de reprimir o criminoso, que é um risco para a vida em sociedade. É esta, em síntese, a ideologia da defesa social, e constitui um dos fundamentos legitimadores da ação punitiva do Estado através do direito penal, para o qual é conferido um papel técnico dogmático justificador e racionalizador do controle social. Ideologia é um conceito modificado historicamente em distintos períodos. Entretanto, o maior enfoque é dado ao seu significado, que se relaciona com o processo pelo qual as ideias da classe dominante se tornam universais, legitimando, assim, a dominação e a exploração dos detentores do poder econômico e político. Em síntese, é clara a percepção de que as ideologias são “fabricadas” no intuito de difundir os ideais dominantes e torná-los gerais.Ideologia pode ser definida como um conjunto de representações e de normas que fixam e prescrevem de antemão o que se deve e como se deve pensar, agir e sentir. Com o objetivo de impor os interesses particulares dos grupos dominantes, esse conjunto de ideias produz uma universalidade imaginária. A eficácia da ideologia depende, justamente, da sua capacidade de produzir um imaginário coletivo, cujo interior dos indivíduos possam localizar-se, identificar-se e, pelo autorreconhecimento assim obtido, legitimar involuntariamente a divisão social. FONTE: CHAUÍ, M. O que é ideologia. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 2008. NOTA TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE CRIME NA SOCIEDADE OCIDENTAL 17 A ideologia da defesa social – ou de justificativa final do sistema punitivo –, nasceu contemporaneamente à revolução burguesa, no século XIX, que teve na criação dos modernos códigos penais seu elemento principal, razão pela qual as leis penais passam a ser a base referencial da definição e controle do crime. Sinteticamente, o conteúdo da ideologia da defesa social pode ser resumido nos seguintes princípios: Princípio de Legitimidade: o Estado como expressão social, é legítimo para reprimir a criminalidade através de instituições oficiais de controle (legislação penal, polícia, magistratura, instituição penitenciária) como enfrentamento aos sujeitos responsáveis pelo crime (o criminoso). Princípio do bem e do mal: o delito é um dano social e o criminoso é um elemento negativo para a correta funcionalidade do sistema social. Portanto, o crime é um desvio (um mal) da sociedade (um bem). Princípio de Culpabilidade: o delito é a expressão de uma atitude interior reprovável, porque é contrária aos valores e às normas sociais recepcionadas e sancionadas pelo legislador. Princípio da Finalidade ou da Prevenção: a pena possui como finalidade prevenir o crime e não somente caráter retributivo. Sua função é servir como contramotivação ao comportamento delitivo que também ressocializa. Princípio da Igualdade: o crime é uma violação à lei e como tal é um comportamento adotado por uma minoria desviada. A pena é igual para todos e a reação penal se aplica de modo igual a todos os autores dos delitos. Princípio do Interesse Social e do Delito Natural: o núcleo central dos delitos definidos nos códigos penais representa uma ofensa aos interesses fundamentais, às condições essenciais para a vida em sociedade. Os interesses protegidos pelo direito penal são interesses gerais e comuns a todos os cidadãos (BARATTA, 2002, p. 42). A ideologia de defesa social encontra na ciência e dogmática penal moderna, a expressão de seus princípios ideais. Segundo Baratta (2002), mais que um elemento técnico legislativo ou dogmático, o conceito de defesa social possui uma função justificadora daqueles. É um conceito que foi produzido historicamente e absorvido pelo discurso jurídico moderno. Dogmática penal é o complexo de normas jurídico-penais vigentes em um Estado, assim chamada porque a norma atua como dogma, isto é, imperativo indeclinável e, como tal, o respectivo preceito precisa ser acatado. O mesmo que Direito Penal positivo. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/291097/dogmatica-penal. NOTA UNIDADE 1 | CRIME E CRIMINALIZAÇÃO: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 18 O discurso da defesa social fascinou os penalistas e a sociedade moderna. Eram encantadoras as ideias sobre o crime em fins do século XIX e deveriam ser absorvidas pela ciência penal. Tal empreendimento intelectual foi levado a cabo pelo penalista alemão Franz Von Liszt (1851-1919), que compreendia a ciência do direito penal como composta por três partes: • a dogmática – estritamente jurídica, teria a função de proteger o cidadão contra o arbítrio do Estado (uma autêntica “Magna Carta” do delinquente); • a científica ou criminológica – caberia o estudo das causas do delito e efeitos da pena sob os fundamentos das ciências naturais; • a político-cultural – estabeleceria as linhas de ação do sistema punitivo. Liszt desenvolve um programa – conhecido como “Programa de Marburgo” – em 1882, que define as bases do que viria a ser o Direito Penal Moderno. Embora havendo resistência por parte dos penalistas da época, vinculados ao positivismo jurídico, que defendiam o fortalecimento da lei escrita, identificando-se assim o justo com o lícito, as ideias de Liszt tiveram grande repercussão no direito penal ocidental em geral. Portanto, os fundamentos do direito de punir, restritos ao Estado e dirigidos contra o que científica e legalmente é definido como “perigoso” (modelos de periculosidade individual e social), são elaborados sob a matriz do estrito legalismo criminológico e jurídico, permitindo compreender o funcionamento e a legitimidade do sistema punitivo moderno. O direito de punir é restrito política e tecnicamente ao Estado, que também assume a tarefa de garantir condições através de ações e intervenções públicas para que os cidadãos não cometam crimes. “Positivismo jurídico” é a doutrina ou concepção política e jurídica segundo a qual não existe outro direito senão o direito positivo, que é o direito posto pelo Estado através das normas jurídicas. FONTE: BOBBIO, N. O positivismo jurídico: lições de filosofia de direito. Tradução de Márcio Pugliesi. São Paulo: Ícone, 1999, p. 26. NOTA Neste sentido, portanto, o discurso dominante é o de que a sanção estatal (através do sistema punitivo, que inclui direito penal, dogmática penal, sistema penitenciário e política criminal) é justificável e legítima porque é “bondosa” ao promover não apenas a coação aos não desviados, mas os meios para que o criminoso (desviado social) não volte a delinquir e seja integrado no meio social. TÓPICO 1 | A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE CRIME NA SOCIEDADE OCIDENTAL 19 FIGURA 7 – O MONOPÓLIO DO CONTROLE DA VIOLÊNCIA PELO ESTADO FONTE: <http://ratinhonoticias.com.br/wp-content/uploads/2019/09/Opera%C3%A7%C3%A3o. jpeg>. Acesso em: 18 mar. 2020. Segundo Pavarini e Giamberardino (2011), em seus operadores, uma absolutização dos interesses e valores dos órgãos punitivos, através da certeza de que eles são detentores do direito, vai sendo desenvolvida e sustentada nas instituições em que os cidadãos devem se submeter, predominando os valores e interesses do Príncipe (interesse público ou de Estado) sobre os dos súditos (cidadãos). 20 Neste tópico, você aprendeu que: • “Crime” é um fenômeno complexo que não pode ser compreendido a partir de uma única definição, uma vez que se trata de um conceito político, jurídico e social elaborado ao longo da história do pensamento ocidental. • Ao longo da história, crime foi associado a distintas causas, de acordo com as relações de poder e avanço técnico científico da sociedade humana, passando de violação à vontade dos deuses a pecado até a Idade Média. Na Modernidade, com uma lógica racional e técnica, crime passa a ser definido de maneira dominante pelo Direito Penal, que tem no Estado o centro privilegiado de produção e aplicação da norma penal. • A ideologia da defesa social, como um conjunto de ideias e conceitos dominantes, segundo o qual o criminoso é um ser perigoso e que atenta contra a ordem social, é um dos justificadores da predominância do conceito jurídico de crime, compreendendo-o como conduta que viola a lei posta pelo Estado. RESUMO DO TÓPICO 1 21 1 Embora o crime seja um fenômeno que comporta análise e conceituação desde os distintos campos do conhecimento, o certo é que ao longo da história ocidental foram elaboradas diversas formas de punir comportamentos entendidos como violadores das leis morais, religiosas ou políticas. Um marco histórico é o Código de Hamurabi, datado do século XVIII a.C. aproximadamente. Acerca da importância jurídica do referido Código, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Sua importância é porque foi a primeira lei escrita da humanidade quese tem notícia. b) ( ) Apesar do rigor das penas, buscou estabelecer um limite para a vingança privada. c) ( ) Faz parte da Bíblia Sagrada e é parte do decálogo de Moisés. d) ( ) Foi o primeiro conjunto de leis romanas escritas. 2 Os romanos antigos acabaram por edificar um imenso império que se alastrava por todo o mundo antigo conhecido. Na busca de garantir o mínimo de certeza nas relações humanas no século V a.C., começam a ser elaboradas as primeiras leis escritas. Embora o direito romano tenha sido mais sofisticado no campo das relações privadas, no que atualmente chamamos de Direito Civil, havia penas impostas às condutas consideradas criminosas. Acerca do tipo de pena de morte mais cruel e usada pelos romanos, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Era aplicada a pena de crucificação para os criminosos não romanos. b) ( ) A pena de morte para os romanos de origem era a crucificação e para os não romanos o enforcamento. c) ( ) A pena de morte não era usada pelos romanos e sim pelos estrangeiros que viviam sob o domínio de Roma. d) ( ) Para os romanos havia preocupação com a aplicação de penas para crimes cometidos por cidadãos de Roma e não por estrangeiros. 3 Na Idade Média, com a consolidação do poder da Igreja, forma-se uma categoria de intelectuais e estudiosos do Direito chamados de canonistas. Essa categoria de juristas reformulou o procedimento processual, ganhando relevância as novas formas de investigar, processar e julgar crimes, principalmente os de heresia, considerados extremamente graves. A essa forma processual, difundida na fase medieval pelos Tribunais Canônicos, foi dado o nome de: a) ( ) Notarial. b) ( ) Judicial. c) ( ) Inquisitorial. d) ( ) Sacrificial. AUTOATIVIDADE 22 4 Apesar do grande poder da Igreja, a partir do século XVII as fogueiras da Santa Inquisição foram parando de arder. Nesta etapa, inaugura-se paulatinamente uma nova forma de pensar acerca do crime e da punição. É a etapa do liberalismo. Sobre as características da concepção de crime para o pensamento liberal, analise as sentenças a seguir: I. Para o pensamento liberal, o crime é uma livre escolha do indivíduo, que opta pela violação da lei do Estado. II. Sendo o crime uma escolha livre e consciente de um indivíduo, a pena é um mal que se impõe retributivamente a um outro mal. III. Delinquir não é uma escolha individual, mas uma consequência do poder do Estado. IV. Para o pensamento liberal, o crime não é uma conduta imoral e sim uma escolha livre e consciente. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As sentenças I, III e IV estão corretas. b) ( ) As sentenças I e II estão corretas. c) ( ) As sentenças II e III estão corretas. d) ( ) As sentenças III e IV estão corretas. 23 TÓPICO 2 O CONCEITO JURÍDICO DE CRIME UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO A questão criminal é bastante complexa, uma vez que são múltiplos os fatores subjacentes ao processo de criminalização. Portanto, não é possível um conceito absoluto e imutável de crime. São inúmeras as determinantes do crime de criminalização, podendo, portanto, o fenômeno ser analisado pelos distintos campos do conhecimento. No Direito Penal, as políticas públicas de segurança e ações voltadas para o controle e enfrentamento da criminalidade possuem como ponto de partida o conceito jurídico penal de crime. O Direito Penal, através de um conjunto de normas, estabelece que uma conduta é delituosa ou não e se, por via de consequência, cabe a aplicação de uma pena. Sem dúvida, o crescimento da violência na sociedade brasileira contemporânea tem exigido uma melhor resposta a esse dramático fenômeno e, para tanto, um dos pontos mais importantes é a compreensão do conceito jurídico penal de crime e seus elementos caracterizadores. 2 CONCEITO JURÍDICO PENAL DE CRIME Para o pensamento moderno, com a consolidação do Estado, o conceito de crime é estabelecido pelo Direito Penal e este passa a ser a concepção dominante para a definição de crime. FIGURA 8 – “THEMIS”: A DEUSA GREGA SÍMBOLO DA JUSTIÇA FONTE: <https://veja.abril.com.br/brasil/moradores-do-norte-e-nordeste-tem-pior-acesso-a- justica/>. Acesso em: 18 mar. 2020. UNIDADE 1 | CRIME E CRIMINALIZAÇÃO: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 24 “Crime” é um fenômeno que pode ser conceituado por distintas concepções e categorias; no âmbito do estudo do Direito Penal, é um conceito jurídico, uma vez que crime, criminalidade e criminalização são questões complexas. • Conceito material de crime: é a categoria ou conceito que define crime considerando a relevância da conduta, a fim de identificar e caracterizar ou não a importância sociojurídica do comportamento, isto é, com a intenção de classificá-lo como criminoso. É o que poderíamos chamar de “reprovação” social por ferir um bem protegido pelo direito. Define-se crime como “toda ação ou omissão consciente e voluntária, que, estando previamente definida em lei, cria um risco juridicamente proibido e relevante a bens jurídicos considerados fundamentais para a paz e convívio social” (LENZA, 2012, p. 265). Em outras palavras, trata-se de uma conduta antijurídica, contrária ao justo, que lesa um bem juridicamente protegido. • Conceito formal de crime: define crime considerando as consequências jurídicas previstas em lei. É o indicador técnico que permite identificar o ilícito penal dentro do ordenamento jurídico. Exemplificando: compare os seguintes dispositivos legais: • Art. 389 do Código Civil: não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. • Art. 129 do Código Penal: ofender a integridade corporal ou saúde de outrem. Pena: detenção, de três meses a um ano. Observe que no Art. 389 do Código Civil – inadimplemento contratual – não há a previsão de sanção de pena. Portanto, o inadimplemento contratual não pode ser considerado crime, porque não é uma conduta definida em lei como crime, embora sendo relevante juridicamente no campo civil e não criminal. Já o Art. 129 do CP – lesão corporal – prevê sanção para a conduta, portanto, é uma conduta definida em lei como crime, porque além de lesar um bem jurídico relevante – integridade física – é definida em lei como conduta criminosa. Desta forma, tem-se que crime é um fato típico. Fato típico é a conduta humana que se “molda” perfeitamente aos elementos previstos na lei penal. Portanto, a característica de um crime é ser um fato típico. Ação ou omissão descrita na lei penal. A tipicidade é o trabalho do jurista que analisa a conduta em suas múltiplas faces, de modo a verificar a relação fiel, perfeita e absoluta entre a conduta e o tipo penal existente. Esse raciocínio é o que se chama “relação de tipicidade”. TÓPICO 2 | O CONCEITO JURÍDICO DE CRIME 25 • Conceito analítico: preocupa-se em identificar, ordenar e sistematizar os elementos e a estrutura do crime, de forma a permitir a aplicação técnica e racional do Direito Penal. Portanto, o conceito analítico permite qualificar uma conduta humana como crime, considerando se a ação ou omissão é típica, antijurídica e culpável. Partindo do conceito analítico, chega-se a uma das máximas do Direito Penal: crime é uma ação ou omissão humana, típica antijurídica e culpável. Observe, então, que os conceitos se complementam. O crime considerado tão somente como ação ou omissão (conduta) proibida por lei, sob a qual incide uma sanção (conceito formal) é insuficiente, uma vez que restaria em aberto o elemento valorativo. O conceito material que define crime como ação ou omissão que contraria valores ou interesses do grupo social e exige sua proibição com ameaça de punição vem a complementar o conceito formal. Entretanto, o conceito sistemático do delito é aquele que divide a conduta em seus elementos buscando identificar se possuem, em conjunto, características essenciais do crime, é o quepossibilita ao jurista concluir de forma inequívoca acerca da tipicidade da conduta. Através dos conceitos formal, material e analítico, pode-se identificar os elementos essenciais de uma conduta criminosa respondendo às seguintes indagações diante do fato: 1. A conduta é humana? 2. A conduta identifica-se de maneira inequívoca com algum tipo penal? 3. A conduta é antijurídica ou possui alguma justificação admitida pelo Direito Penal (como legítima defesa ou qualquer outra excludente de culpabilidade)? 4. O autor, pessoa que cometeu o crime, possui plena capacidade de entender o que fez ou está fazendo? Tem capacidade de se autodeterminar? É imputável? Caso todas as respostas sejam afirmativas, ou seja, se o fato é típico, a conduta é antijurídica e o autor culpável estará diante de um crime. Síntese: • Crime é um fato típico: comportamento humano que se molda perfeitamente e sem dúvida aos elementos do modelo previsto na lei penal. Portanto, a primeira característica do crime é ser um fato típico, des crito, como tal, numa lei penal. Um acontecimento da vida que corresponde exatamente a um modelo de fato contido em uma norma penal incriminadora, ou seja, se há nexo de causalidade. • Antijurídico: conduta que fere o valor social protegido juridicamente. A antijuridicidade é a relação de contrariedade entre o fato típico praticado e o ordenamento jurídico. UNIDADE 1 | CRIME E CRIMINALIZAÇÃO: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 26 • Nem todo fato típico é antijurídico. Ex. “matar alguém” (Art. 121 CP) é fato típico. Entretanto, não será antijurídico se o agente praticar a conduta em estado de necessidade, em legítima defesa etc. Portanto, não há, nessas hipóteses, crime. • A legítima defesa ocorre quando seu autor pratica um fato típico, previsto em lei como crime, para repelir a injusta agressão de outrem a um bem jurídico seu ou de terceiros. Tal agressão deve ser proveniente de ato humano, caso contrário, poderá se caracterizar como estado de necessidade e, assim como no estado de necessidade, a legítima defesa também pressupõe uma agressão atual ou iminente (prestes a ocorrer). • Culpável: a culpabilidade é a relação entre a vontade do agente e a vontade da norma. Não é característica, aspecto ou elemento do crime, e sim condição para se impor a pena pela reprovabilidade da conduta. • Para que se possa afirmar que determinado acontecimento da vida é um crime, deve debruçar-se sobre o fato e suas circunstâncias, analisando-o, decompô- lo em suas faces mais simples, para verificar, com certeza absoluta, se entre o fato e o tipo existe relação de adequação exata, fiel, perfeita, completa, total e absoluta. Se é justificável ou não, sob o ponto de vista jurídico e, finalmente, se é culpável. 3 A “CONDUTA” COMO ELEMENTO DO CRIME A conduta – ação ou omissão – é um elemento essencial sob o aspecto objetivo do delito. São excluídos do âmbito da conduta os movimentos chamados de “reflexos”, uma vez que estão fora do domínio da vontade do sujeito. São movimentos que independem do impulso psíquico – do “querer”, da “vontade” –, a exemplo de quem, por sofrer uma convulsão, danifica coisa alheia, este não pratica crime. Portanto, a conduta criminalmente relevante é a que possui o elemento volitivo. Também devem ser excluídas as condutas ou movimentos executados sob coação exterior, irresistível e absoluta. A ação ou omissão praticada sob coação irresistível e absoluta não é conduta penalmente relevante. FIGURA 9 – “AÇÃO”: O AGIR NO SENTIDO DE PRODUZIR A LESÃO A UM BEM JURÍDICO FONTE: <http://twixar.me/bjmm>. Acesso em: 18 mar. 2020. TÓPICO 2 | O CONCEITO JURÍDICO DE CRIME 27 Quem pratica ação ou omissão através de coação a qual não pôde resistir não pratica conduta típica. O ato não é seu, mas do coator. Ao contrário, a coação moral não ilide a conduta porque, embora com a vontade viciada, há a conduta. IMPORTANT E FIGURA 10 – COAÇÃO FONTE: <http://twixar.me/gjmm>. Acesso em: 18 mar. 2020. Segundo as concepções penais contemporâneas, os elementos que devem compor a conduta são: • Exteriorização do pensamento: através de um movimento corpóreo ou abstenção indevida de um movimento. Isso significa que o direito penal não pune o pensamento ou mera cogitação por mais imoral, reprovável, que seja. Cogitationis poenam nemo patitur – ninguém pode sofrer pena pelo pensamento. • Consciência: apenas entram na esfera da ilicitude penal os atos conscientes. Se a conduta é praticada sem a consciência do que se faz, o ato não é ilícito. • Voluntariedade: a conduta deve refletir um ato voluntário, isto é, produto de uma vontade consciente. Como já visto, os atos “reflexos” ou coação moral irresistível são penalmente irrelevantes. Teoria finalista da Ação é uma teoria de Direito Penal que considera o crime como atividade humana. O principal nome e considerado criador é o alemão Hans Welzel, que a elaborou na década de 1930. NOTA UNIDADE 1 | CRIME E CRIMINALIZAÇÃO: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 28 Deve-se entender como “conduta” o comportamento consubstanciado no verbo núcleo do tipo penal. Exemplo: “matar” (Art. 121 CP), “sequestrar” (Art. 148 CP) etc. Conforme o núcleo do tipo penal, a conduta pode ser composta por um só ato ou de vários (esses são os chamados atos plurissibsistentes). “Matar” é uma conduta que pode ser exercida por uma única conduta – um disparo de arma de fogo, por exemplo – ou por várias, como inúmeros golpes com instrumento contundente na cabeça da vítima até produzir traumatismo fatal. Há crimes que só podem ser praticados por meio de um único ato, por exemplo, a injúria verbal (Art. 140 CP). Esses são os crimes unissubsistentes ou monossubsistentes, que são os crimes que não admitem a forma tentada. As formas de condutas são duas: ação e omissão. Ação é a conduta positiva e se manifesta através de um movimento corpóreo facere. A maioria dos tipos penais descreve condutas positivas. São as chamadas condutas comissivas, por serem proibitivas. É o caso, por exemplo, do homicídio (CP, Art. 121), furto (CP, Art. 155), roubo (CP, Art. 157), apropriação indébita (CP, Art. 168), estelionato (CP, Art. 171), estupro (CP, Art. 213), ato obsceno (CP, Art. 233) etc. Omissão é a conduta negativa, a que consiste na abstenção de um movimento (non facere). Nos crimes omissivos há na norma penal um mandamento imperativo. FIGURA 11 – OMISSÃO: DEIXAR DE FAZER ALGO DE FORMA A CONTRIBUIR PARA A LESÃO OU OFENSA A UM BEM JURÍDICO FONTE: <https://thumbs.jusbr.com/filters:format(webp)/imgs.jusbr.com/publications/artigos/ images/omissao-direito-pena-concursos-png.png>. Acesso em: 18 mar. 2020. Observe a “charge” anterior. Ela faz alusão à prática de crime de omissão! No caso há a caracterização de uma conduta típica, que é a omissão de socorro, crime previsto no Art. 135 do CP: Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único. A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte. TÓPICO 2 | O CONCEITO JURÍDICO DE CRIME 29 Você entendeu a diferença entre ação e omissão? • Ação: é um fazer proativo. É atuar, agir, conforme previsto na lei, constituindo um fato típico. Ex.: matar, furtar, roubar, ludibriar etc. • Omissão: é o oposto, uma não atuação. É deixar de fazer o que o agente poderia ou deveria fazer. Para o Direito Penal, omissão é deixar de fazer o que a lei determina. Ex.: omissão de socorro. Há normas de condutas comissivas e omissivas: as condutas comissivas são as que não atendem a preceitos proibitivos (a norma mandava não fazer e o agente fez), as condutas omissivas não atendem mandamentos imperativos (a norma mandava agir e o agente se omitiu). IMPORTANT E a.Da Conduta Omissiva – omissão penalmente relevante A conduta humana não se limita apenas ao exercício de uma atividade final positiva (o fazer), mas também na sua omissão. A omissão é uma forma independente de conduta humana, regida pela vontade dirigida a um fim. A norma jurídica sempre protege determinado bem jurídico e quando impõe a realização de uma conduta positiva, a omissão dessa imposição legal produz lesão à norma e ao bem jurídico protegido, configurando-se, assim, uma conduta omissiva. As formas de condutas omissivas são: • Crimes omissivos próprios: quando existe o dever jurídico de agir. Nesses casos, há ausência de um segundo elemento da omissão, que é a norma impondo o que deveria ser feito. Havendo a inexistência do quod debeatur – quem deve –, aquele que tem a obrigação, a omissão perde relevância causal e o omitente – aquele que pratica a omissão – apenas praticará crime se houver tipo incriminador descrevendo a omissão como infração formal ou de mera conduta. Ex.: o Art. 269 do CP: “deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória. Pena: detenção, de 6 meses a dois anos, e multa”. Em resumo, os crimes omissivos próprios são os que exigem uma atividade do agente, no sentido de salvaguardar um bem jurídico e, sendo desconsiderado por omissão, produz o ajuste da conduta omissiva à situação tipificada. São também chamados de crimes de mera conduta, porque o tipo penal sequer faz referência ao resultado naturalístico. Basta tão somente que o sujeito tenha se omitido indevidamente, independentemente de qualquer modificação da realidade exterior. UNIDADE 1 | CRIME E CRIMINALIZAÇÃO: CONCEITOS FUNDAMENTAIS 30 • Crimes omissivos impróprios: são também denominados comissivos por omissão. São os que o agente tinha o dever jurídico de agir, ou seja, não fez o que deveria ter feito. Nesse caso, há uma norma penal que prevê o que o omitente deveria fazer e, por essa razão, a omissão tem relevância causal. Como consequência, o omitente não responde só pela omissão como simples conduta, mas pelo resultado produzido, exceto se a ele não lhe puder ser imputado dolo ou culpa. Exemplo: Art. 135 do CP: Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. • Crime omissivo por comissão: embora parte da doutrina não reconheça esse tipo de crime, deve-se mencioná-lo. Nesse tipo de crime há uma ação provocadora da omissão. Exemplo: o professor em sala de aula impede que um aluno, que está passando mal, seja socorrido. Se ele morrer, o professor responderá pela morte por crime omissivo por comissão. • Participação por omissão: ocorre quando o omitente, tendo o dever jurídico de evitar o resultado, concorre para ele ao quedar-se inerte. Nesse caso, responderá como partícipe. Quando não existe o dever de agir não se fala em participação por omissão, mas em conivência (crime silenti) ou participação negativa, hipótese em que o omitente não responde pelo resultado, mas por sua mera omissão (CP, Art. 135). Síntese: a maior parte dos doutrinadores considera como requisitos da omissão, analisar se o omitente tinha poder, nas circunstâncias, para executar a ação exigida, considerando os seguintes requisitos: • Conhecimento da situação típica, ou seja, sabe que está previsto em lei que deve agir no sentido de evitar o dano ou lesão ao bem jurídico. • Consciência, por parte do omitente, de seu poder de ação para a execução da ação omitida; ou seja, sabe que pode evitar o resultado danoso. • Possibilidade real, física, de levar a efeito a ação exigida, ou seja, pode agir, pelas condições existentes, de evitar o mal. Se o obrigado não estiver em condições de na situação levar a efeito essa tarefa, poderá servir-se de um terceiro, também obrigado, ou não, a cumpri-la. Na presença de tais circunstâncias, verifica-se, então que o omitente tinha a real possibilidade de agir, ou seja, poder para executar a ação exigida, e não o fez, caracterizando-se, assim, a conduta omissiva. IMPORTANT E TÓPICO 2 | O CONCEITO JURÍDICO DE CRIME 31 b. Crimes de conduta mista São crimes de conduta mista aqueles em que o tipo penal descreve uma conduta inicialmente positiva, mas a consumação se dá com uma omissão posterior. Por exemplo: Art. 169 CP: “Apropriar-se alguém de coisa alheia vinda ao seu poder por erro, caso fortuito ou força da natureza. Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa”. Observe que inicialmente a conduta é positiva, a coisa veio a seu poder por erro, porém, o agente apropria-se como sua. Portanto, a consumação deu-se por sua omissão em não entregar a coisa a quem de direito pertencia. FIGURA 12 – TIPOS DE CRIME FONTE: <https://static.significados.com.br/foto/mind-map.png>. Acesso em: 18 mar. 2020. Veja que na figura são destacados os tipos de crime (omissivos, comissivos e omissivos impróprios); elementos (culpabilidade, tipicidade e ilicitude) e tipicidade (o que deve conter obrigatoriamente um fato típico: conduta, resultado, nexo de causalidade e tipicidade). 32 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • Crime é para o direito uma conduta típica (prevista na lei); antijurídica (contrária ao justo) e culpável (o agente deve ter a intenção consciente voltada para o fim desejado de lesar um bem protegido juridicamente). • A conduta do agente, que pode ser ação (fazer) ou omissão (deixar de fazer), é um elemento relevante para a caracterização de um crime, constituindo o elemento objetivo do delito. • Apenas se considera conduta delituosa a que é consciente e intencionalmente voltada para a realização ou contribuição para que ocorra um fato típico. Assim, as ações praticadas sob coação exterior irresistível e absoluta, ou seja, que impedem qualquer resistência do agente, não são consideradas condutas típicas. 33 1 Para o Direito Penal, crime é materialmente uma ação ou omissão consciente e voluntária prevista em lei como proibida, que fere ou viola bens jurídicos relevantes. É uma conduta definida por lei como crime, sendo, portanto, tipificada. Sobre o conceito de fato típico, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Fato típico é um fato ou evento da vida humana que produz efeitos no coletivo social. b) ( ) Fato típico é uma conduta humana descrita em lei como crime. c) ( ) Fato típico é a pena imposta aos crimes contra a vida. d) ( ) Fato típico ocorre quando um juiz condena um criminoso por violar a lei. 2 Uma conduta é considerada delituosa quando reúne os seguintes elementos nucleares: tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade. Se diz que a conduta é antijurídica quando fere ou viola um valor ou um bem protegido juridicamente. Acerca da antijuridicidade, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Nem todo fato típico é antijurídico. b) ( ) Necessariamente, todo fato típico deve ser antijurídico. c) ( ) O conceito jurídico de fato típico e antijuridicidade são sinônimos. d) ( ) A antijuridicidade não depende da conduta criminosa e sim da intenção do agente. 3 A conduta do agente é um elemento relevante para a tipificação de um crime. Obrigatoriamente, a conduta que tem importância penal é a que possui o elemento volitivo, ou seja, a vontade do agente de ferir um bem jurídico. Sobre a conduta como elemento do crime, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As ações ou movimentos praticados pelo agente que independem da vontade não são consideradas condutas típicas. b) ( ) A ação praticada, mesmo sob coação moral ou física irresistível, que viola bem jurídico, é considerada crime. c) ( ) As omissões não são consideradas condutas típicas porque é um “não fazer” e, por não fazer, ninguém pode ser condenado. d) ( ) As omissões apenas são consideradas