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Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA PNEUMONIA O termo “pneumonia” pode ser definido sob dois pontos de vista diferentes: pelo enfoque histopatológico, pneumonia significa preenchimento do espaço alveolar por infiltrado necroinflamatório – os alvéolos encontram-se totalmente ocupados por leucócitos (geralmente neutrófilos) e exsudato purulento, contendo debris celulares, neutrófilos e bactéria. Neste aspecto, a pneumonia deve ser diferenciada da “pneumonite” ou “alveolite”, lesão caracterizada por um infiltrado inflamatório localizado principalmente (mas não exclusivamente) nos septos alveolares, que representam o interstício do órgão. O termo “pneumonia”, está se referindo à infecção aguda do pulmão. Usando este conceito, consideramos pneumonia todo e qualquer processo inflamatório agudo do parênquima pulmonar decorrente da infecção por algum micro-organismo (bactéria, vírus ou fungo). A pneumonia ocorre quando uma infecção do parênquima pulmonar causa sintomas respiratórios inferiores e quando se detecta um infiltrado pulmonar na radiografia de tórax. Elas são comumente classificadas como adquiridas na comunidade, associadas aos cuidados de saúde e nosocomiais. A pneumonia adquirida na comunidade (PAC) se refere à doença adquirida fora do ambiente hospitalar ou de unidades especiais de atenção à saúde ou, ainda, que se manifesta em até 48 h da admissão na unidade assistencial. As pneumonias associadas aos cuidados de saúde (PACS) ocorrem em pacientes que se encontram institucionalizados, que estiveram hospitalizados durante mais de 2 dias nos 90 dias precedentes, que têm contato frequente com instituições de saúde (p. ex. hemodiálise, tratamento de feridas, antibióticos intravenosos ou quimioterapia) ou que estão imunossuprimidos. A pneumonia nosocomial surge, pelo menos, 48 horas depois da admissão hospitalar ou desenvolve-se pouco tempo após a alta hospitalar. Essa categoria inclui tanto a pneumonia adquirida no hospital (PAH) que se trata da pneumonia adquirida ≥ 48 horas após a internação hospitalar, quanto a pneumonia associada a ventilação mecânica (PAVM) que se trata da pneumonia adquirida ≥ 48 horas após a intubação endotraqueal. EPIDEMIOLOGIA ▪ A pneumonia adquirida na comunidade (PAC) é causa comum de morbidade e mortalidade, com aproximadamente 20% dos episódios resultando em hospitalização. ▪ A incidência mundial de PAC é estimada em 8 a 15 casos por 1.000 indivíduos/ano. No Brasil, esses números chegariam a 2 milhões de casos ao ano. ▪ Segundo dados obtidos pelo DATASUS, as pneumonias (em geral) são a primeira causa de morte dentre as doenças respiratórias e a quinta causa de morte entre brasileiros adultos. Dessa forma, 5% de todas as mortes no Brasil são causadas por pneumonia. ▪ Dentre as pneumonias, a PAC persiste como a de maior impacto e é a terceira causa de mortalidade no meio médico. ▪ No Brasil, a PAC é a segunda causa de internação, respondendo por 736.432 internações em 2006, tendo sua maior proporção nos meses de inverno e acometendo principalmente os extremos de idade. ▪ A incidência de pneumonia é alta entre lactentes e crianças, diminui consideravelmente durante a infância, permanece relativamente incomum em adultos jovens, mas depois começa a aumentar após os 50 anos de idade e, em especial, após os 65 anos. ▪ A pneumonia bacteriana não é só mais prevalente entre os idosos como também é mais grave, com um risco de morte progressivamente crescente com o avançar da idade. ▪ No Brasil, cerca de 35 mil óbitos foram atribuídos a PAC em 2005. ▪ No Brasil, como em outros países, houve uma redução significativa das taxas de mortalidade por infecções do trato respiratório, apesar dessa redução ter sido menor nas últimas décadas. ▪ A maioria dos adultos de qualquer idade que desenvolve uma pneumonia bacteriana apresenta frequentemente uma ou mais condições predisponentes. A mais comum é a infecção respiratória viral prévia, que aumenta a adesão das bactérias às células epiteliais respiratórias e altera os mecanismos do clearance devido à interferência com a ação ciliar. FATORES DE RISCO ▪ Desnutrição: fragiliza o sistema imunológico; ▪ Consumo excessivo de álcool: diminui o reflexo da tosse e afeta a migração dos leucócitos; ▪ Tabagismo: aumenta as secreções pulmonares e altera a função ciliar; Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA ▪ Doença hepática ou renal: diminui a formação de anticorpos e a função dos leucócitos; ▪ Diabetes Mellitus: diminui a função e a mobilização dos leucócitos; ▪ Deficiência de imunoglobulinas de qualquer causa. ▪ Outros: várias comorbidades predispõem a infecções do trato respiratório, como insuficiência cardíaca congestiva, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), neoplasias malignas, fibrose cística/ bronquiectasias, obstrução traqueobrônquica e institucionalização. Acidente vascular cerebral, demência e convulsões também são associados com risco aumentado. ETIOLOGIA Diferentemente da pneumonia bacteriana, a pneumonia viral ou por Mycoplasma ocorre quando esses organismos são transmitidos a hospedeiros imunologicamente naïves, ou seja, imunologicamente “imaturos”. A presença ou ausência de uma imunidade prévia e a competência do sistema imunológico parecem ser os principais determinantes da ocorrência de infecção. PNEUMONIA ADQUIRIDA EM COMUNIDADE (PAC) O agente etiológico mais comum da pneumonia comunitária é o Streptococcus pneumoniae – o “pneumococo”, um diplococo Gram-positivo. Isso é verdadeiro para todas as faixas etárias, exceto recém-natos. Estima-se que o pneumococo seja responsável por 30-40% das pneumonias em adultos. No entanto, em uma grande proporção de casos (até 62%), nenhum patógeno é detectado, por conta da dificuldade de se obter amostras fidedignas e respostas em tempo hábil, o que torna a coleta de exames específicos uma prática não habitual. As causas de PAC mais comumente identificadas podem ser agrupadas em três categorias: PNEUMONIA TÍPICA ▪ Bactérias típicas . S. pneumoniae (causa bacteriana mais comum). . Haemophilus influenzae . Moraxella catarrhalis . Staphylococcus aureus . Estreptococos do grupo A . Bactérias gram-negativas aeróbicas (ex: Enterobacteriaceae como Klebsiella spp ou Escherichia coli) . Bactérias microaerofílicas e anaeróbios (associadas à aspiração). PNEUMONIA ATÍPICA ▪ Bactérias atípicas (“atípica” refere-se à resistência intrínseca desses organismos aos beta-lactâmicos e sua incapacidade de serem visualizadas na coloração de Gram ou cultivadas usando técnicas tradicionais): . Legionella spp . Mycoplasma pneumoniae . Chlamydia pneumoniae . Chlamydia psittaci . Coxiella burnetii ▪ Vírus respiratórios . Vírus influenza A e B . Rinovírus . Vírus parainfluenza . Adenovírus . Vírus sincicial respiratório . Metapneumovírus humano . Coronavírus (ex: Síndrome respiratória no Oriente Médio) . Bocavírus humanos A prevalência relativa desses patógenos varia com a geografia, taxas de vacinação contra pneumococos, fatores de risco do hospedeiro (ex: tabagismo), estação do ano e gravidade da pneumonia. Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA Certas exposições epidemiológicas também aumentam a probabilidade de infecção por um patógeno específico. Como exemplos, a exposição à água contaminada é um fator de risco para a infecção por Legionella; a exposição à aves aumenta a possibilidade de infecção por C. psittaci; viagens ou residência no sudoeste dos Estados Unidos deve levantar suspeitas de coccidioidomicose; e falta de higiene dental pode predispor à pneumonia causada pela flora oral ou anaeróbios. Em pacientes imunocomprometidos, o espectro de possíveis patógenos também se amplia, incluindo fungos e parasitas, bem como patógenos bacterianos e virais menos comuns. PNEUMONIA ADQUIRIDA NO HOSPITAL (PAH) A pneumonia hospitalar surge após 48 horasde internação hospitalar e pode ser precoce, quando ocorre até o 4º dia de internação, ou tardia, quando ocorre após 5 ou mais dias de internação. A PAH de início precoce é frequentemente ocasionada por microrganismos que são associados também à PAC, tais como S. pneumoniae, H. influenzae e anaeróbios. A PAH de início tardio é causada principalmente por Staphylococcus aureus resistentes à meticilina (MRSA); bacilos Gram-negativos entéricos; P. aeruginosa; não fermentadores, tais como Acinetobacter baumannii e S. maltophilia; e infecções polimicrobianas. Fatores que aumentam o risco de PAH incluem exposição à antibióticos, idade avançada, comorbidades graves, imunossupressão de base, colonização da orofaringe por microrganismos virulentos, condições que promovem a aspiração pulmonar ou inibem a tosse como, por exemplo, cirurgia toracoabdominal, intubação traqueal, inserção do tubo nasogástrico e posição supina, assim como, exposição à equipamentos respiratórios contaminados. Um estudo recente sugere que os microrganismos multirresistentes são mais frequentes na PAH de início precoce do que inicialmente se imaginava, e que os fatores de risco para a pneumonia de início precoce devem ser reavaliados. PNEUMONIA ASSOCIADA AOS CUIDADOS DE SAÚDE (PACS) Essas infecções possuem uma epidemiologia única mais semelhante àquela observada nas infecções adquiridas no hospital. S. aureus (tanto sensível à meticilina quanto resistente à meticilina) e P. aeruginosa são os microrganismos mais frequentemente associados. FISIOPATOLOGIA Na grande maioria dos casos, o micro-organismo causador da pneumonia atinge os alvéolos pulmonares através da microaspiração do material proveniente das vias aéreas superiores (orofaringe, nasofaringe). Ou seja, para infectar o pulmão, o agente primeiro precisa colonizar o epitélio faríngeo e depois ser aspirado para as vias aéreas inferiores. Menos comumente, o germe atinge os alvéolos por inalação de aerossol contaminado do ambiente (Legionella) ou por via hematogênica (S. aureus). Desse modo, os microrganismos causadores da pneumonia podem atingir os alvéolos pulmonares de duas formas: através da microaspiração do material proveniente das vias aéreas superiores e, menos comumente, através da inalação de aerossol contaminado do ambiente ou por via hematogênica. Os microrganismos infectantes podem atingir os alvéolos e desenvolver pneumonia devido à aspiração de pequenas quantidades de secreções nasofaríngeas ou de conteúdos da boca, em especial durante o sono. Algum grau de aspiração ocorre normalmente. Aspirações mais importantes, contudo, são mais frequentes em pessoas mais idosas, particularmente naquelas mais frágeis ou acamadas. A aspiração maciça ocorre, por exemplo, em pessoas que apresentam convulsões, que se engasgam enquanto vomitam ou em indivíduos cujo reflexo da tosse está marcadamente diminuído pelo álcool, drogas ou doenças neurológicas. Em tais pacientes, a síndrome clínica de pneumonia aspirativa inclui os efeitos dos microrganismos e do material aspirado, assim como do ácido gástrico. A pneumonia também pode ser causada por inalação direta de material em aerossóis para os pulmões. Esse processo é incomum para a maioria das pneumonias bacterianas, mas é característico do Mycobacterium tuberculosis e do Bacillus anthracis. Esse mecanismo também explica a infecção por alguns vírus, como o da influenza ou sincicial respiratório. As bactérias também podem atingir os pulmões através da corrente sanguínea, ser filtradas pelos mecanismos normais do clearance do hospedeiro, mas depois escapar e causar Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA pneumonia. A pneumonia por S. aureus é comumente causada por disseminação hematogênica, em especial se uma infecção endovascular como a endocardite estiver presente. A Escherichia coli e outros bacilos Gram-negativos podem, ainda, causar pneumonias através de disseminação hematogênica. Um conjunto de mecanismos de defesa do hospedeiro protege o trato respiratório inferior da entrada de organismos infecciosos, como a configuração das vias aéreas, a produção de imunoglobulina A secretora (IgA), a ação ciliar das células epiteliais, entre outros. Quando os organismos infecciosos atingem os alvéolos, as defesas inatas e específicas entram em ação. Se esses mecanismos de defesa falharem, as bactérias podem replicar-se nos alvéolos onde estimulam a produção local de citocinas e causam extravasamento capilar e acúmulo de plasma e células inflamatórias. Essa sequência inicia um círculo vicioso, no qual células inflamatórias adicionais são atraídas e a liberação subsequente de mais citocinas é estimulada. Na pneumonia bacteriana, a resposta inflamatória do hospedeiro é responsável pela maioria das manifestações da doença. Esse exsudado inflamatório progressivo, que é detectado na radiografia como uma pneumonia, causa um desequilíbrio da ventilação-perfusão, gerando hipoxemia. COLONIZAÇÃO DAS VIAS AÉREAS SUPERIORES O conceito de “colonização” é bem diferente do conceito de “infecção”. As bactérias que se multiplicam na superfície do epitélio das vias aéreas superiores não entram em contato com o meio interno do organismo e, portanto, não provocam resposta imunológica nem sequer lesão celular ou tecidual – os elementos fundamentais de uma infecção. Sendo assim, dizemos que esses micro-organismos são simplesmente colonizadores, componentes da flora local. As principais bactérias que compõem esta flora não são capazes de infectar indivíduos imunocompetentes, recebendo a denominação “saprófitas”. Os agentes que podem eventualmente causar infecção e doença no ser humano são denominados “patogênicos”. A colonização das vias aéreas superiores por bactérias patogênicas geralmente é transitória, durando semanas. As bactérias anaeróbias são os principais colonizadores do epitélio faríngeo, presentes numa concentração dez vezes maior que a de aeróbios. São as mesmas bactérias encontradas na cavidade oral, especialmente, no sulco gengival, nas placas dentárias, nas criptas da língua e nas amígdalas. Pertencem aos seguintes gêneros: Peptostreptococcus, Bacteroides, Prevotella, Porphyro- monas e Fusobacterium. Excetuando-se o coco Gram- positivo Peptostreptococcus, as demais bactérias são bastonetes Gram-negativos anaeróbios. Como veremos, estas bactérias são importantes agentes etiológicos da “pneumonia bacteriana aspirativa”. Em termos de concentração bacteriana na faringe, depois dos anaeróbios vêm os Gram-positivos aeróbios – a maioria deles saprófita, como os do gênero Corynebacterim (ou difteroides) e os estreptococos do grupo viridans. O epitélio faríngeo dos indivíduos hígidos é revestido por uma camada de fibronectina – uma proteína que serve como receptor para a adesão dos aeróbios Gram-positivos. Eventualmente, “aparece” um agente patogênico, como o Streptococcus pneumoniae. Segundo pesquisas, o “pneumococo” é encontrado na nasofaringe de 5-10% dos adultos e de 20- 40% das crianças. Estima-se que até 60% das pessoas albergarão esta bactéria na nasofaringe em algum momento de suas vidas. Outro exemplo de bactéria patogênica – o Staphylococcus aureus – coloniza a porção anterior das narinas de 20-40% da população (os chamados “carreadores nasais” do estafilococo). A idade avançada e determinadas afecções debilitantes, como DPOC, diabetes mellitus e alcoolismo, podem modificar a flora colonizadora por reduzir a quantidade de fibronectina do epitélio, permitindo a exposição de receptores das células epiteliais para agentes Gram- negativos aeróbios. Assim, bactérias como Haemophilus influenzae, Moraxella catarrhalis e Klebsiella pneumoniae começam a sobressair e colonizar as vias aéreas superiores (e eventualmente as inferiores) destes pacientes. Você acabou de compreender por que este grupo de indivíduos tem propensão à infecção respiratória por Gram-negativos. Um outroexemplo é o das pneumopatias estruturais, como a fibrose cística e as bronquiectasias, que permitem a colonização das vias aéreas inferiores por S. aureus e P. aeruginosa. VIRULÊNCIA BACTERIANA VERSUS DEFESAS DO HOSPEDEIRO A ocorrência da pneumonia depende muito da competição entre a bactéria e as defesas do hospedeiro. Para ocorrer pneumonia uma ou mais das seguintes situações tem que estar presente: (1) contato do alvéolo com um agente de alta virulência; (2) contato do alvéolo com um grande inóculo de bactérias; (3) defeito nos mecanismos de defesa do hospedeiro. As defesas naturais do aparelho respiratório conseguem manter as vias aéreas infraglóticas estéreis, apesar de uma grande concentração de bactérias na faringe, cavidade oral e nasal. As partículas “infectantes” medindo mais de 2 micra geralmente são depositadas no muco do epitélio traqueobrônquico e então conduzidas pelo movimento ciliar das células epiteliais até a orofaringe, onde são deglutidas. O reflexo da tosse e outros reflexos epiglóticos podem eliminar abruptamente uma grande quantidade dessas partículas. A secreção de IgA específica é um Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA importante meio de defesa das vias aéreas superiores contra agentes infecciosos. Uma pequena quantidade desta imunoglobulina também pode ser encontrada nas vias aéreas inferiores. As partículas “infectantes” muito pequenas, com menos de 2 micra, conseguem atingir os bronquíolos terminais e os alvéolos, estruturas desprovidas de cílios. Entretanto, o surfactante alveolar é rico em substâncias de efeito antibacteriano, como IgG, IgM, complemento, fibronectina, lisozimas e proteínas ligadoras de ferro. Os anticorpos antibacterianos específicos agem de duas formas: (1) o IgM ativa o sistema complemento capaz de destruir a bactéria pelo seu poder lítico; (2) o IgG reveste a superfície bacteriana, permitindo o seu reconhecimento pelos fagócitos alveolares. No interior dos alvéolos encontram-se alguns macrófagos, responsáveis pelo primeiro ataque fagocítico às bactérias. Se a virulência do agente for alta, ele consegue se multiplicar mesmo na presença de macrófagos alveolares. Algumas bactérias podem se proteger do sistema humoral (anticorpos, complemento) pela liberação de exotoxinas e pela presença de uma cápsula polissacarídica, como no caso do “pneumococo”. A defesa contra este tipo de germe depende muito da presença de anticorpos específicos contra os antígenos capsulares (o que pode ser obtido com a vacina antipneumocócica polivalente). Quando os macrófagos não conseguem conter a proliferação bacteriana, passam a servir de mediadores da resposta inflamatória, liberando citoquinas, como o TNF-alfa, a IL-1 e fatores de quimiotaxia para neutrófilos, como o IL-8, o C5a e o leucotrieno B4. Estes fatores, chamados quemoquinas, também são liberados pelas células do endotélio e do epitélio alveolar. Os neutrófilos então são recrutados no local, desencadeando e perpetuando o processo inflamatório agudo. Existem várias condições que inibem um ou mais mecanismos de defesa contra os agentes da pneumonia comunitária. Algumas delas aumentam a chance de pneumonia por quase todos os germes, como é o caso da idade avançada, das doenças respiratórias e cardíacas. Outras estão mais relacionadas à pneumonia por agentes específicos. PADRÕES HISTOPATOLÓGICOS – PNEUMONIA LOBAR VERSUS BRONCOPNEUMONIA A primeira pneumonia descrita sob o ponto de vista clínico e histopatológico foi a pneumonia pneumocócica. O “pneumococo” ou Streptococcus pneumoniae é um coco Gram-positivo que, ao atingir os alvéolos, é capaz de desencadear uma reação inflamatória neutrofílica com grande rapidez e agressividade. A bactéria se multiplica nos espaços alveolares (que se comunicam entre si através dos poros de Kohn) e libera substâncias com efeito vasodilatador e alto poder quimiotáxico para neutrófilos. O processo pneumônico se instala e evolui em quatro fases sucessivas: (1) congestão; (2) “hepatização” vermelha; (3) “hepatização” cinzenta; (4) resolução ou organização. A ocupação total do espaço alveolar pelo exsudato neutrofílico pode ocorrer numa grande área do parênquima, ao que podemos chamar de consolidação (ou condensação) alveolar. Quando praticamente todo (ou quase todo) um lobo pulmonar é consolidado, surge o termo Pneumonia Lobar. Sabemos que cerca de 90-95% dos casos de pneumonia lobar comunitária têm o Streptococcus pneumoniae como patógeno. É importante ressaltar, entretanto, que a pneumonia lobar não é o tipo mais comum de pneumonia, mesmo no caso do “pneumococo”. O achado mais típico da pneumonia bacteriana é definido pelo termo Broncopneumonia, caracterizado pela presença de múltiplos focos coalescentes de consolidação alveolar, distribuindo-se na região peribrônquica. Cada um desses focos ocupa o volume aproximado de um ácino ou lóbulo pulmonar. O próprio “pneumococo”, o Staphylococcus aureus, e as bactérias Gram-negativas costumam acometer o pulmão desta forma. Vale ressaltar que se a coalescência dos focos Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA broncopneumônicos atingir um grande volume, o infiltrado pode transformar-se em uma pneumonia lobar ou sublobar. PNEUMONIA “TÍPICA” VERSUS PNEUMONIA “ATÍPICA” Antes do advento dos antibióticos, na década de 40 do século XX, a pneumonia era uma doença muito grave e com frequência levava ao êxito letal. Os médicos podiam reconhecê-la facilmente, pois se tratava de uma síndrome clinicorradiológica de características bem marcantes: início hiperagudo de febre alta com calafrios; dor pleurítica; queda do estado geral; tosse com expectoração esverdeada e imagens de consolidação alveolar na radiografia de tórax. O estudo bacteriológico do escarro frequentemente revelava um agente bacteriano conhecido, geralmente o “pneumococo”. Com o surgimento das sulfonamidas, e posteriormente das penicilinas, grande parte dos pacientes com pneumonia obtinha uma excelente resposta ao tratamento e evoluía para cura completa. A doença aparentemente estava sendo “vencida”. Entretanto, existia um grupo de pacientes com quadro pulmonar infeccioso que não respondia a estes antibióticos. O escarro desses indivíduos não revelava nenhum agente bacteriano conhecido (que aparecesse na coloração pelo Gram ou na cultura para germes comuns). O quadro clinicorradiológico era diferente do que se esperava para uma pneumonia “típica”: o início era subagudo, a febre não era tão alta, os calafrios eram infrequentes, a tosse seca era o sintoma predominante e a radiografia de tórax mostrava um infiltrado intersticial ou broncopneumônico (em vez de grandes consolidações alveolares). Nesse momento, criou-se o termo “pneumonia atípica” para esta afecção, em contrapartida ao termo “pneumonia típica”, fazendo referência à pneumonia pneumocócica ou à pneumonia por outras bactérias identificáveis no Gram ou cultura. Inicialmente, a pneumonia “atípica” foi encarada como uma pneumonia branda, com curso arrastado, porém autolimitado e de ótimo prognóstico. Mais tarde, identificou-se o principal agente desta pneumonia – o Mycoplasma pneumoniae, que, na verdade, não era uma bactéria. A pneumonia por este agente ocorria em surtos epidêmicos, acometendo adultos jovens. Diversos outros patógenos foram descobertos como causadores de quadros pneumônicos semelhantes, como é o caso da Chlamydia pneumoniae, Chlamydia psittaci (psitacose) e a Coxiella burnetii (parente próxima das riquétsias). Passaram a ser os agentes da pneumonia “atípica”. Em 1976, foi descoberto um agente que veio para modificar toda a definição de “pneumonia atípica”. É a Legionella pneumophila, um pequeno bastonete Gram-negativo causador de uma pneumonia ainda mais grave e dramática do que a pneumocócica. O curso clínico é o de uma pneumonia “típica”. No entanto, trata-se de uma bactéria muito difícil de ser visualizada no Gramde escarro, além de não responder aos antibióticos betalactâmicos convencionalmente utilizados para o tratamento das pneumonias “típicas”. Por isso, foi colocada no mesmo grupo do Mycoplasma pneumoniae e Chlamydia pneumoniae, sendo também chamada de “germe atípico”. Antigamente, a maioria dos autores denominava pneumonia “atípica” qualquer pneumonia causada por um “germe atípico”, ou seja: Legionella pneumophila, ou Mycoplasma pneumoniae, ou Chlamydia pneumoniae, ou ainda qualquer outro agente que não seja uma bactéria identificável pelo Gram e que cresça em meios de cultura para germes comuns. Depois, um pouco mais recentemente, começaram a dizer que o que era típico ou atípico não era o germe, e sim a apresentação clínica. As PACs atípicas seriam caracterizadas por progressão mais lenta e predominância de sintomas sistêmicos sobre os respiratórios. A temperatura não seria tão alta, a tosse, pouco produtiva e com expectoração mucoide; haveria pouca dor pleurítica. A semiologia respiratória seria pobre. Uma vez com este quadro clínico atípico – pois é diferente da pneumonia mais típica de todas: a pneumocócica –, poderíamos suspeitar de germes atípicos (M. pneumoniae, C. pneumoniae, Legionella spp e vírus). Vários trabalhos recentes têm demonstrado que a apresentação clínica de uma PAC depende muito mais do estado imunológico de um paciente do que do agente etiológico. Vamos raciocinar juntos? Se um paciente com Aids e imunossupressão grave for infectado pelo pneumococo ele vai ter os achados típicos de uma PAC por pneumococo? Esse paciente vai ter febre com calafrios, dor pleurítica, tosse purulenta? Provavelmente não. E não precisamos ir tão longe. Um paciente idoso com pneumonia tem clínica igual a de um paciente jovem? Assim, as diretrizes de diferentes sociedades de pneumologia recomendam o abandono dessa classificação, utilizando apenas o termo “germes” ou “agentes atípicos” (M. pneumoniae, C. pneumoniae, Legionella spp). QUADRO CLÍNICO As apresentações clínicas dependem do agente etiológico e de fatores do hospedeiro, como idade, estado imune, exposição (geográfica, animal e sexual) e co-morbidades. Vários estudos têm confirmado que não é possível a identificação da etiologia baseada apenas nos achados clínicos, uma vez que qualquer agente microbiano pode apresentar qualquer manifestação clínica, já que o tipo de resposta do hospedeiro é o principal determinante dos sintomas e sinais. Esses mesmos estudos fornecem evidências para que não mais se utilize a denominação de Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA apresentação clínica de pneumonia típica ou atípica, na tentativa de presumir o agente etiológico. Mesmo assim, uma detalhada história de exposição, viagens, hábitos e história médica pregressa pode ser útil em sugerir agentes etiológicos específicos, garantindo, dessa forma, que esse germe também seja coberto pelo esquema antimicrobiano. APRESENTAÇÃO CLÍNICA A apresentação clínica da PAC varia amplamente, desde uma pneumonia leve, caracterizada por febre, tosse e falta de ar, até uma pneumonia grave, caracterizada por sepse e dificuldade respiratória. A gravidade dos sintomas está diretamente relacionada à intensidade da resposta imune local e sistêmica em cada paciente. QUADRO TÍPICO O quadro clínico típico clássico da PAC é representado pela pneumonia pneumocócica. A doença se apresenta de forma hiperaguda, entre 2 e 3 dias, tendo como história principal calafrios, tremores, febre alta (39-40ºC), dor torácica pleurítica e tosse produtiva com expectoração purulenta esverdeada. O exame físico normalmente evidencia prostração, taquipneia, taquicardia e hipertermia. Os achados do exame do aparelho respiratório podem variar de simples estertores até a síndrome de consolidação pulmonar e/ou a síndrome de derrame pleural. A síndrome de consolidação pulmonar é caracterizada pela presença de som bronquial, aumento do frêmito toracovocal, submacicez e broncofonia. Já a síndrome do derrame pleural é identificada pela abolição do murmúrio vesicular e do frêmito toracovocal, submacicez e egofonia. QUADRO ATÍPICO O quadro clínico atípico de pneumonia se parece com uma virose respiratória prolongada. O principal agente é o Mycoplasma pneumoniae, incidindo geralmente numa faixa etária jovem, acima dos cinco anos e abaixo dos quarenta anos de idade. Ao contrário da pneumonia bacteriana “típica”, a instalação é subaguda (tempo de início médio dos sintomas = 10 dias), abrindo com sintomas gerais de uma “síndrome gripal”: dor de garganta; mal-estar; mialgia; cefaleia; tosse seca; febre entre 38- 39o C. A tosse costuma piorar após a primeira semana, passando a ser o principal sintoma; às vezes persiste por várias semanas. Costuma ser uma tosse seca, que atrapalha o sono do paciente, mas também pode mostrar-se produtiva. Neste caso, a expectoração geralmente é branca, mas em 30-50% dos casos é descrita como purulenta. SINAIS E SINTOMAS GERAIS De forma geral, os sinais e sintomas presentes na pneumonia estão listados abaixo: SINAIS E SINTOMAS PULMONARES Tosse (com ou sem produção de escarro); Dispneia; Dor no peito tipo pleurítica. Achados do exame físico incluem taquipneia, aumento do esforço respiratório e sons respiratórios adventícios, incluindo estertores e roncos. Frêmito toracovocal, egofonia e macicez à percussão também sugerem pneumonia. Esses sinais e sintomas resultam do acúmulo de leucócitos, fluidos e proteínas no espaço alveolar. A hipoxemia pode resultar do comprometimento subsequente das trocas gasosas alveolares. Na radiografia de tórax, o acúmulo de leucócitos e líquido dentro dos alvéolos aparece como opacidades pulmonares. SINAIS E SINTOMAS SISTÊMICOS A grande maioria dos pacientes com PAC apresenta febre. Outros sintomas sistêmicos, como calafrios, fadiga, mal- estar e anorexia também são comuns. Taquicardia, leucocitose neutrofílica com desvio para a esquerda ou leucopenia também são achados ocasionados pela resposta inflamatória sistêmica, sendo a leucopenia um sinal de mau prognóstico. Marcadores inflamatórios, como VHS, PCR e procalcitonina podem se elevar, embora este último seja altamente específico para infecções bacterianas. A bioquímica na maioria das vezes é normal, mas pode evidenciar hiponatremia em alguns casos. A pneumonia por Legionella pneumophila, por exemplo, costuma cursar com hiponatremia grave e elevação de enzimas hepáticas. A gasometria arterial tem como achados mais frequentes a hipoxemia e a alcalose respiratória. A PAC também é a principal causa de sepse; assim, a apresentação inicial pode ser caracterizada por hipotensão, estado mental alterado e outros sinais de disfunção orgânica, como disfunção renal, disfunção hepática e/ou trombocitopenia. Obs.: Embora certos sinais e sintomas como febre, tosse, taquicardia e estertores sejam comuns entre pacientes com PAC, esses achados são inespecíficos e são compartilhados entre muitos distúrbios respiratórios. Nenhum sintoma individual ou Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA constelação de sintomas é adequado para o diagnóstico sem imagens do tórax. Atenção Sinais e sintomas de pneumonia também podem ser sutis em pacientes com idade avançada e/ou sistema imunológico comprometido, e um maior grau de suspeita pode ser necessário para o diagnóstico. Como exemplo, pacientes mais velhos podem apresentar alterações no estado mental, sem apresentar febre ou leucocitose. Em pacientes imunocomprometidos, os infiltrados pulmonares podem não ser detectáveis nas radiografias de tórax, mas podem ser visualizados com tomografia computadorizada (TC) de tórax. Obs.: Todo paciente idoso debilitado, ou qualquer paciente com doença de base que evolui com redução do nível de consciência, piora do estado geral ou taquidispneia deve ter a pneumonia bacteriana como um dos seus diagnósticos diferencias, mesmo na ausênciade febre, tosse produtiva e leucocitose. . DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Várias doenças podem manifestar febre e opacidades radiográficas no tórax e mimetizar a PAC; tais doenças devem ser suspeitadas quando a resolução radiológica é raramente rápida ou quando há falta de resposta aos tratamentos iniciais ou subsequentes com antibióticos. Em pacientes com PAH e particularmente naqueles com PAV, os sinais e sintomas clássicos de pneumonia, incluindo novas alterações radiográficas, febre, leucocitose ou leucopenia e secreções purulentas, não são suficientemente sensíveis nem específicos para confirmar a presença de uma infecção pulmonar. Atelectasia, hemorragia pulmonar, SDRA e embolia pulmonar, entre outras, são condições que podem mimetizar a pneumonia. Em pacientes com suspeita de PAH ou PAV, a confirmação microbiológica de pneumonia é importante no intuito de evitar tratamentos desnecessários e resistência aumentada aos antibióticos. DIAGNÓSTICO O diagnóstico de pneumonia comunitária geralmente é feito pelo quadro clinicolaboratorial em conjunto com a radiografia de tórax nas incidências PA e perfil. O exame de escarro pode revelar dados que corroboram o diagnóstico e sugerem o agente etiológico. Exames invasivos e semi- invasivos (ex.: broncofibroscopia) não devem ser solicitados de rotina, mas podem ser necessários em casos selecionados. ANAMNESE E EXAME FÍSICO Os achados clínicos de PAC são inespecíficos. Alguns aumentam a probabilidade de a pneumonia estar presente, tais como: temperatura maior ou igual a 37,8°C, freqüência respiratória maior que 25 mpm, presença de expectoração purulenta, freqüência cardíaca maior que 100 bpm, estertores, diminuição dos sons respiratórios, mialgias e sudorese noturna. Entretanto, o encontro de um ou mais desses achados é insuficiente para se estabelecer o diagnóstico. Portanto, não existe sintoma ou sinal que isoladamente confirme ou afaste o diagnóstico de pneumonia. Uma regra simples sugerida pela British Thoracic Society é que, na ausência de alteração dos sinais vitais (temperatura, freqüências cardíaca e respiratória, pressão arterial), o diagnóstico de pneumonia é improvável. Alguns fatores clínicos independentes podem auxiliar na decisão de solicitar o exame de imagem ou não. Estudos têm demonstrado que somente 40% dos pacientes com sintomas respiratórios e sinais físicos de acometimento do trato respiratório inferior tem evidência radiológica de pneumonia. Sendo assim, o diagnóstico clínico de PAC é impreciso, sendo obrigatória a realização da radiografia de tórax. EXAMES LABORATORIAIS ▪ Quadro típico Os exames laboratoriais inespecíficos geralmente revelam uma leucocitose neutrofílica entre 15.000-35.000/mm3 , com desvio para esquerda. A ativação dos neutrófilos pode ser notada à hematoscopia pela presença de granulações grosseiras no citoplasma e/ou corpúsculos de Dohle. O hematócrito, os índices hematimétricos e as plaquetas costumam estar normais no início do quadro. A leucopenia pode ocorrer e é considerada um importante sinal de mau prognóstico. A bioquímica na maioria das vezes está normal, mas pode mostrar hiponatremia leve a moderada em alguns casos. A hiponatremia grave e a elevação das enzimas hepáticas são mais comuns na pneumonia por Legionella pneumophila. O aumento agudo das escórias renais sugere sepse grave ou nefrite intersticial pelo antibiótico utilizado. A gasometria arterial depende da gravidade e extensão da pneumonia, bem como da reserva cardiopulmonar prévia do paciente. Os achados mais frequentes são a hipoxemia e a alcalose respiratória. O encontro de hipoxemia grave (PaO2 < 60 mmHg), acidose metabólica ou respiratória são importantes sinais de mau prognóstico. O quadro clinicolaboratorial descrito acima é muito comum quando a pneumonia bacteriana comunitária acomete adultos de meia-idade previamente hígidos. Entretanto, sabemos que a pneumonia é uma patologia predominante nos idosos e nos pacientes que apresentam comorbidades (DPOC, insuficiência cardíaca, diabetes mellitus, alcoolismo, neoplasia, uremia, doença cerebrovascular etc.). ▪ Quadro atípico O laboratório só mostra leucocitose neutrofílica em 20% dos casos, o que difere da pneumonia bacteriana “típica”, na Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA qual a leucocitose com desvio para esquerda é a regra. O grande marco da síndrome da pneumonia “atípica” é a importante dissociação clinicorradiológica encontrada nesses pacientes. Enquanto o exame do aparelho respiratório é totalmente normal ou revela apenas discretos estertores crepitantes ou sibilos, a radiografia de tórax mostra um infiltrado pulmonar maior do que o esperado. O infiltrado pode ser do tipo broncopneumônico (típico das infecções por micoplasma ou clamídia) ou do tipo intersticial reticular ou reticulonodular (típico das viroses). EXAMES DE IMAGEM RADIOGRAFIA DE TÓRAX O diagnóstico de PAC geralmente requer a demonstração de um infiltrado na imagem do tórax em um paciente com uma síndrome clinicamente compatível, por exemplo, febre, dispneia, tosse e produção de escarro. A radiografia de tórax, em associação com a anamnese e o exame físico, faz parte da tríade propedêutica clássica para PAC, sendo recomendada sua realização de rotina, quando disponível, nas incidências posteroanterior (PA) e perfil. Além da contribuição ao diagnóstico, a radiografia de tórax permite ainda avaliar a extensão das lesões, detectar complicações e auxiliar no diagnóstico diferencial. Os achados radiográficos consistentes com o diagnóstico de PAC incluem: consolidações lobares, infiltrados intersticiais e/ou cavitações. Embora certas características radiográficas sugiram certas causas de pneumonia (por exemplo, consolidações lobares quase sempre são causadas por pneumococo, embora possam eventualmente surgir da evolução de uma pneumonia estafilocócica), a aparência radiográfica sozinha não pode diferenciar de maneira confiável as etiologias. ▪ Raio-X típico Resposta: um “infiltrado pulmonar”. Este infiltrado, no caso da pneumonia bacteriana, geralmente é do tipo alveolar broncopneumônico: múltiplas condensações lobulares coalescentes. A presença do “broncograma aéreo” caracteriza o infiltrado alveolar, pois os alvéolos em volta do brônquio estão preenchidos de exsudato, contrastando com o ar em seu interior. Algumas vezes, podemos ter uma grande área de consolidação alveolar, constituindo a pneumonia lobar ou sublobar. Obs.: Todo infiltrado pulmonar visto na radiografia de tórax significa pneumonia?Claro que não! Existe uma infinidade de doenças não infecciosas que podem se manifestar como infiltrado pulmonar na radiografia. Como exemplos, podemos citar o edema pulmonar da insuficiência cardíaca congestiva descompensada, a síndrome de Mendelson (pneumonite química aspirativa), o tromboembolismo pulmonar, a SDRA por causas não infecciosas, a pneumonia eosinofílica, a hipersensibilidade medicamentosa, a síndrome de Löeffler, a BOOP (ou COP), colagenose, vasculites, etc. Muitas vezes, estas entidades são confundidas com pneumonia na prática médica, e o diagnóstico diferencial exige uma análise abrangente do caso clínico e de outros exames complementares. ULTRASSONOGRAFIA DE TÓRAX A ultrassonografia de tórax (UST) apresenta maior sensibilidade e maior acurácia do que a radiografia de tórax na identificação de alterações parenquimatosas. Os principais achados ultrassonográficos na PAC são: consolidações, padrão intersticial focal, lesões subpleurais e anormalidades na linha pleural. Adicionalmente, a UST apresenta alto rendimento na detecção de complicações como o derrame pleural, além de permitir a visualização de loculações na cavidade. TOMOGRAFIA DE TÓRAX A tomografia de tórax é o método mais sensível na identificação de acometimento infeccioso do parênquima pulmonar, porém trata-se de um método de alto custo e alta exposição à radiação.Trata-se de um exame útil principalmente nos casos em que a acurácia da radiografia de tórax e da UST é baixa, como em pacientes obesos, imunossuprimidos e indivíduos com alterações radiológicas prévias. Além disso, a TC de tórax está indicada na suspeita de infecções fúngicas e para auxiliar na exclusão de outros diagnósticos em casos selecionados. Em função da alta exposição radiológica pela TC, alguns autores têm sugerido o uso da UST como teste auxiliar intermediário antes do uso da TC no diagnóstico em casos difíceis. Ressalta-se ainda a importância da TC de tórax para a avaliação de complicações da PAC, como abscesso de pulmão e derrame pleural loculado, além da investigação da falta de resposta clínica ao tratamento. Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA DIAGNÓSTICO ETIOLÓGICO Procurar ou não procurar o agente etiológico na PAC é uma dúvida que ainda paira na cabeça dos maiores especialistas no assunto. O tratamento inicial inapropriado pode aumentar a mortalidade e o risco de falência orgânica, o que seria minimizado com a pesquisa do agente etiológico na admissão. Por outro lado, o rendimento dos exames complementares não é muito bom. A recomendação atual é a procura do agente etiológico somente se houver motivo para acreditar que o resultado possa alterar o antibiótico que você selecionou empiricamente. Por exemplo: pneumonia sem critérios de gravidade, com apresentação típica, em adulto jovem, sem comorbidade = pneumococo (não há necessidade de lançar mão de propedêutica diagnóstica cara e invasiva para tentar confirmar um dado que já tem alta probabilidade pré- -teste). Assim, na PAC, em especial nos casos que serão tratados em regime ambulatorial, a escolha do antibiótico é empírica, com base nos agentes mais frequentemente identificados em estudos epidemiológicos, eventualmente com algum ajuste em função de fator de risco específico ou situação epidemiológica (influenza aviária, Legionella, tuberculose...). Segundo a ATS/IDSA, nos pacientes que serão internados, deve-se colher hemoculturas e escarro (Gram + cultura) se houver indicação. Pacientes com pneumonia grave deverão ser avaliados por hemocultura, cultura do escarro (aspirado endotraqueal se for intubado) e dosagens de antígenos urinários para Legionella pneumophila e Streptococcus pneumoniae. Em linhas gerais, os principais testes são: TESTE DO ANTÍGENO URINÁRIO PNEUMOCÓCICO VANTAGENS: rapidez, simplicidade, capacidade de detectar mesmo após início da antibioticoterapia. Sensibilidade de 50-80% e especificidade de mais de 90%. DESVANTAGENS: custo, ausência de antibiograma, falso- positivo em crianças com doença respiratória crônica colonizada pelo S. pneumoniae e em pacientes com episódio de PAC nos últimos três meses. Não há restrição em pacientes DPOC. TESTE DO ANTÍGENO URINÁRIO DA LEGIONELLA Sensibilidade de 70-90% e especificidade de 99%. Desde o primeiro dia de doença já se encontra positivo e permanece por semanas. TRATAMENTO TRATAMENTO AMBULATORIAL O tratamento antibiótico inicial é definido de forma empírica devido à impossibilidade de se obter resultados microbiológicos logo após o diagnóstico da PAC, o que permitiria escolher antibióticos dirigidos a agentes específicos. A escolha do antibiótico deve levar em consideração: 1) patógeno mais provável no local de aquisição da doença; 2) fatores de risco individuais; 3) presença de doenças associadas; e 4) fatores epidemiológicos, como viagens recentes, alergias e relação custo-eficácia. A proposta da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) na publicação “Recomendações para o manejo da pneumonia adquirida na comunidade” de 2018, é o uso de monoterapia com ẞ-lactâmico ou macrolídeos para os pacientes ambulatoriais, sem comorbidades, nenhum uso recente de antibióticos, sem fatores de risco para resistência e sem contraindicação ou história de alergia a essas drogas. Para esses casos, sugere-se evitar o uso das fluoroquinolonas devido ao recente alerta da agência norte-americana Food and Drug Administration sobre o potencial risco de efeitos colaterais graves. Essas drogas devem ser reservadas para pacientes com fatores de risco, doença mais grave ou quando não houver outra opção de tratamento, situações essas em que os benefícios superariam os potenciais riscos. Quanto aos macrolídeos, a azitromicina é mais efetiva in vitro contra a maioria das cepas de Haemophilus influenzae do que a claritromicina e, por isso, deveria ser preferida nos pacientes com DPOC. Os riscos de infecção por agentes patogênicos resistentes e de falência terapêutica são maiores quando há história de uso de um antibiótico nos três meses anteriores; quando os pacientes vêm de regiões onde a taxa local de resistência aos macrolídeos é superior a 25%, o que ocorre, por exemplo, nos EUA e em alguns outros países; e na presença de doenças associadas (DPOC, doença hepática ou renal, câncer, diabetes, insuficiência cardíaca congestiva, alcoolismo ou imunossupressão). Para esses casos específicos, recomenda-se para o tratamento ambulatorial da PAC associar macrolídeos a um ẞ-lactâmico ou realizar monoterapia com uma fluoroquinolona respiratória por pelo menos 5 dias. Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA TRATAMENTO DE PACIENTES INTERNADOS EM ENFERMARIAS A recomendação atual da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia é o emprego de ẞ-lactâmico associado a um macrolídeo ou fluoroquinolona respiratória isolada. Um ẞ-lactâmico isolado pode ser usado se houver exclusão confirmada de Legionella sp TRATAMENTO DE PACIENTES INTERNADOS EM UTI A terapia combinada deve ser recomendada por reduzir a mortalidade. A administração dos antibióticos deve ser a mais precoce possível e deve incluir preferencialmente um macrolídeo e um ẞ-lactâmico, ambos por via endovenosa. Excetuando-se cenários clínicos que indiquem alta probabilidade de germes específicos como agentes causadores, as sugestões para a antibioticoterapia inicial na PAC grave. DURAÇÃO DA ANTIBIOTICOTERAPIA A duração ideal da antibioticoterapia no tratamento da PAC não está ainda definitivamente estabelecida. A antibioticoterapia de curta duração parece ser a mais apropriada, uma vez que proporciona menor exposição do paciente à ação de antibióticos, reduz a ocorrência de efeitos adversos, diminui o desenvolvimento de resistência por parte dos microrganismos, melhora a adesão dos pacientes e pode minimizar o tempo de internação e os custos financeiros. No entanto, o tratamento curto deve ser tão eficaz quanto os tratamentos mais longos no que diz respeito às taxas de mortalidade, complicações e recorrência da doença. A duração do tratamento pode ser diferente conforme a gravidade da PAC. Recomenda-se que para a PAC de baixa gravidade e com tratamento ambulatorial, esse seja feito com monoterapia e por 5 dias. A PAC de moderada a alta gravidade deve ser tratada com os esquemas antibióticos discutidos abaixo, por períodos de 7 a 10 dias. O tratamento pode ser estendido até 14 dias a critério do médico assistente. TRATAMENTO ADJUVANTE O uso de corticoides na PAC grave mostrou-se tanto seguro como benéfico em diversos desfechos clínicos importantes. Entretanto, são necessários novos estudos que confirmem o impacto dessa terapia sobre a mortalidade relacionada à PAC, apesar das meta-análises sugerirem a redução dessa taxa, sobretudo no subgrupo com apresentação mais grave. PNEUMONIA ADQUIRIDA NO HOSPITAL E PNEUMONIA ASSOCIADA À VENTILAÇÃO A terapia empírica da PAV é necessariamente ampla, pois a variedade de patógenos potenciais é grande e a mortalidade é aumentada quando o patógeno responsável é resistente ao regime empírico inicial com antibióticos. Os regimes empíricos recomendados incluem agentes ẞ-lactâmicos de amplo espectro, geralmente em combinação com aminoglicosídeos e com cobertura para MRSA. O ẞ- lactâmico empíricodeve ser baseado nos padrões de sensibilidade aos antibióticos para patógenos Gram- - negativos comuns na instituição de relevância ou na unidade específica. Os antibióticos empíricos para a PAH são menos estudados. A PAH em pacientes não entubados é uma mistura de patógenos da PAC e patógenos encontrados na PAV, embora a frequência dos últimos seja provavelmente menor, principalmente em casos que se apresentem precocemente após a admissão. O risco mais acentuado de patógenos MDR em pacientes não entubados com PAH é a terapia antibiótica recente, e a monoterapia provavelmente é adequada para a maior parte dos pacientes sem exposição recente aos antibióticos. Ticarcilina-clavulanato e piperacilina-tazobactam são os ẞ- lactâmicos/ inibidores de ẞ1-lactamase preferidos para o tratamento de pneumonia nosocomial. Levofloxacina (IV ou VO), Gatifloxacina (IV ou VO), Moxifloxacina (IV ou VO) ou Gemifloxacina (VO) são preferidas para Streptococcus pneumoniae. A ciprofloxacina apresenta a melhor atividade in vitro contra Pseudomonas aeruginosa. Obs.: A pneumonia nasocomial grave, necessitando de cuidado em UTI, é caracterizada por progressão radiográfica, doença multilobar ou cavitação. Todos os outros casos de pneumonia nosocomial são considerados como formas brandas a moderadas. Critérios de alto risco incluem idade superior a 65 anos, pancreatite, doença pulmonar obstrutiva crônica, disfunção do sistema nervoso central (acidente vascular encefálico, overdose de drogas, coma, estado epiléptico), insuficiência cardíaca congestiva, desnutrição, diabetes melito, intubação traqueal, insuficiência renal, cirurgia toracoabdominal complicada e alcoolismo. PNEUMONIA ASSOCIADA AOS CUIDADOS DE SAÚDE A abordagem ideal para a cobertura empírica da PACS permanece controversa em virtude das variações nos sistemas de cuidado em saúde e nas definições. Os pacientes PACS negativos na cultura apresentam prognósticos equivalentes ou melhores quando tratados com antibióticos para PAC quando comparados com o tratamento de amplo espectro, mas são difíceis de identificar na admissão. Se iniciada com a terapia de amplo espectro, parece segura a diminuição para a terapia de PAC após os resultados da cultura serem negativos. Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA COMPLICAÇÕES O derrame pleural e a empiema são complicações potenciais e podem causar falha da resposta terapêutica esperada. O derrame pleural pode ocorrer em até 40% dos casos de PAC, mas a maioria é de pequeno tamanho. O abscesso pulmonar é outra potencial complicação supurativa, especialmente após aspiração ou na presença de uma doença pulmonar, como neoplasia. Os pacientes podem desenvolver insuficiência respiratória com ou sem choque séptico, inclusive com critérios para SARA e morte subseqüente. Doença pulmonar preexistente, diabete, alcoolismo e idade avançada são fatores de risco de insuficiência respiratória e necessidade de suporte ventilatório. DERRAME PLEURAL Derrame pleural é definido como acúmulo de líquido no espaço pleural. Normalmente, esse espaço está preenchido por uma fina camada de líquido que permite a facilitação dos movimentos dos pulmões. Porém, algumas situações podem levar a um desbalanço entre a produção e absorção de líquido, causando o derrame pleural. EPIDEMIOLOGIA Estima-se que ocorram por volta de 1.500.000 de casos de derrame pleural nos EUA por ano. No Brasil, estudos indicam que 20% a 30% dos pacientes internados por Pneumonia Adquirida na Comunidade (PAC) cursam com derrame pleural parapneumônico. Além disso, o derrame pleural neoplásico é uma complicação frequente em pacientes oncológicos. FISIOPATOLOGIA Como citado anteriormente, o líquido pleural se acumula quando ocorre um desbalanço na sua produção e absorção. Normalmente, o aumento da pressão hidrostática faz com que o líquido saia de dentro do vaso para o espaço pleural. Já a pressão coloidosmótica faz com que o líquido volte para dentro do vaso. Na prática, essas duas forças se anulam na pleura visceral, porém, na pleura parietal há saída de líquido para o espaço pleural, gerando aproximadamente 20ml em situação fisiológica. QUADRO CLÍNICO O quadro clínico do paciente geralmente consiste em dor pleurítica, dispneia e tosse. EXAME FÍSICO Ao exame físico, a inspeção pode nos mostrar abaulamentos, desvio contralateral do mediastino e alargamento dos espaços intercostais. À palpação percebe-se uma redução do frêmito torácico-vocal. Há macicez à percussão e o murmúrio vesicular se encontra reduzido à ausculta. Pode haver sopro pleurítico. DIAGNÓSTICO O diagnóstico é baseado em exames de imagem, a fim de caracterizar a extensão do derrame pleural, e também na determinação da causa que pode ser feita através da toracocentese. Na radiografia de tórax, é possível observar uma opacidade do hemitórax acometido e o sinal do menisco. Pode-se utilizar também ultrassom (point-of-care) na avaliação de suspeita de derrame pleural e como guia da toracocentese. A tomografia computadorizada é uma técnica que fornece mais dados e por isso pode ser útil em alguns casos. Para a determinação da causa do derrame pleural, é fundamental verificar se trata-se de um exsudato ou transudato. Para isso, é necessário fazer uma toracocentese diagnóstica e correlacionar os achados com os Critérios de Light. Os Critérios de Light são os seguintes: Relação entre as proteínas no líquido pleural/soro > 0,5. Relação entre LDH no líquido pleural/soro > 0,6. LDH no líquido pleural mais de dois terços do limite superior normal do soro. Atenção: se um ou mais desses critérios forem preenchidos, o Derrame Pleural é caracterizado como exsudativo. TRATAMENTO DO DERRAME PLEURAL O tratamento vai depender da causa base e a retirada de líquido alivia os sintomas do paciente. A drenagem deverá ser feita em casos de Hemotórax e Derrame Pleural Parapneumônico complicado. OUTRAS COMPLICAÇÕES Pneumonia necrosante (cavitações < 2cm) ou abscessos (cavitações > 2 cm com nível hidroaéreo) Bronquiectasias Maria Eduarda de Souza – DOR TORÁCICA Sepse Choque séptico Pneumotórax Atelectasia por rolha de secreção PROFILAXIA Imunização com vacinas para Influenza A/B e antipneumocócica polivalente 23 diminuem o número de infecções causadas por esses agentes. Populações suscetíveis, como idosos (mais que 65 anos), ou com co- morbidades como diabete, imunossupressão, anemia falciforme ou asplenia devem ser rotineiramente imunizados com vacina para Influenza e pneumococo. Pacientes não- vacinados com fatores de risco para doença pneumocócica e Influenza devem ser vacinados durante a hospitalização, se possível. Não há contra-indicação para tais vacinas logo após um episódio de pneumonia. PROGNÓSTICO Pacientes que são corretamente tratados em nível ambulatorial têm baixa mortalidade. Em um estudo a mortalidade nas classes I e II foi, respectivamente, 0,1 e 0,6%.16 Na coorte de validação do escore CURB-65, pacientes que apresentavam um ou nenhum ponto, portanto tratados ambulatorialmente, tinham mortalidade de 1,5%. No estudo com o CRB-65, pacientes sem nenhum fator adverso tinham mortalidade de 0,9%.17 Os óbitos por PAC em geral são relacionados a co-morbidades do paciente ou a complicações da PAC. FONTES Goldman-Cecil Medicina, volume 2 Diretrizes brasileiras para pneumonia adquirida na comunidade em adultos imunocompetentes. Murray & Nadel Tratado de Medicina Respiratória. Recomendações para o manejo da pneumonia adquirida na comunidade 2018
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