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NOTAS SOBRE A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS EM CONTEXTO ESCOLAR Vieira, Cristina e Amado, João Introdução A mediação de conflitos é uma prática muito antiga, realizada entre pessoas, entre grupos e entre estados e nações. Nos últimos tempos tem sido objecto de um grande incre- mento e de muita atenção nos mais diversos domínios da actividade e das relações sociais. A escola, com todos os seus problemas de confronto e de conflitos praticamente inevitáveis não tem escapado, felizmente, a esta atenção. A investigação em torno de iniciativas que colocam no terreno equipas de mediação escolar, constituídas por mediadores adultos, sejam eles professores ou técnicos especializados (Silva e Machado, 2009; Caetano, 2009; Silva e Moreira, 2009), ou por alunos previamente preparados (Ferreira, 2009), tem vindo a divulgar-se e a sistematizar todo um conjunto de princípios e de boas práticas que em muito poderão ajudar a tornar estas iniciativas garantidamente mais eficazes e mais generalizadas. As relações entre o aluno, a família, a escola e a comunidade não podem neste contexto ficar esquecidas, devendo ser entendidas no quadro de um paradigma eco-sistémico, que permita gerir as dinâmicas internas às instituições e às próprias pessoas, de modo a promover-se o desenvolvimento dos educandos e a garantir-se uma sociedade mais justa e mais pacífica (Stoer e Silva, 2005). No enquadramento da temática deste capítulo, entende-se por conflito uma situação de diferença de critério, de interesses ou de posição pessoal que ocorre em qualquer contexto de interacção. Neste sentido, os conflitos em si mesmos não são fenómenos negativos; o que há a evitar é que eles progridam, porque mal resolvidos, no sentido da agressão e de outras manifestações de violência. Concorda-se, assim, que “para além das preocupações que qualquer escola tem com a prevenção da agressividade e da violência e das medidas de acção, desenvolvendo práticas no seu quotidiano que contribuam para a formação de cidadãos que partilhem os valores da democracia, da paz e da não-violência, torna-se igualmente relevante um inves- timento em medidas que visem a resolução de conflitos e que envolvam a escola na sua globalidade” (Amado e Freire, 2009, p. 154). 2 1. A mediação em contextos educativos A gestão de conflitos refere-se aos diferentes processos de resolução de situações conflituais na escola, tais como: a aplicação de sanções, a arbitragem, a conciliação, negociação e a mediação. Todas estas técnicas alternativas possuem objectivos e características próprias e “numas prevalece a decisão a partir da norma estabelecida (sanção e arbitragem), noutras (conciliação, mediação e negociação) prevalece a decisão a partir do diálogo entre partes, com ou sem a ajuda de um terceiro elemento alheio ao conflito” (Ferreira, 2009, p. 203). Neste módulo privilegiamos a mediação de conflitos. A mediação de conflitos consiste numa estratégia de resolução positiva de problemas que surgem entre partes em confronto, sendo estas convidadas, por um terceiro elemento, a apresentar as suas próprias soluções, a alcançar compromissos mutuamente satisfatórios e a sentirem-se responsáveis pelas suas acções. Considera-se que “o papel do mediador consiste em mobilizar todas as formas processuais para favorecer a comunicação entre as partes, a sua intercompreensão” (Silva e Machado, 2009, p. 4). Por outro lado, a chave da mediação “não está na eliminação do conflito mas sim na sua regulação, solução justa e não violenta. Trata-se de utilizar os meios adequados, enfatizando as estratégias de resolução pacífica e criativa do mesmo” (Morgado e Oliveira, 2009, p. 47). Por estas razões, considera-se de toda a pertinência a aplicação das estratégias de mediação à resolução de conflitos em contexto escolar, podendo obter-se, ainda, melhores resultados se o processo não for isolado e individualizado, mas se, pelo contrário, a comunidade escolar for toda ela envolvida. “Nas escolas a mediação deve ser utilizada em todos os âmbitos da vida escolar e com todos os sectores da comunidade educativa. O projecto de implementação da mediação escolar exige, para que seja compatível com a aprendizagem dos seus jovens, uma intervenção organizacional ao nível dos conflitos existentes na escola” (Morgado e Oliveira, 2009, p. 50). Torna-se, pois, fundamental, a existência de uma equipa multidisciplinar, que leve a cabo as diferentes etapas para a preparação e implementação dos projectos, de um modo perfeitamente integrado com a liderança da escola e em linha com o seu projecto educativo. Esta integração no projecto educativo da escola constitui uma premissa básica 3 de qualquer projecto de mediação, e implica uma política institucional de colaboração e de consenso na resolução positiva dos problemas da escola. Com efeito “de pouco servirá que as crianças e os jovens estudantes sejam sensibilizados e treinados para uma cultura de diálogo, de escuta e de pacificação das relações interpessoais, se o discurso de educadores e docentes for incoerente com esta postura” (Morgado e Oliveira, 2009, p. 50). Por outro lado, exige-se uma cultura de diálogo, em oposição à ditadura do silêncio com que frequentemente se envolve toda a problemática relacionada com os conflitos na escola, fazendo deles problemas meramente pessoais e insusceptíveis de tratamento e de ajuda organizacionais e eficazes. Reitera-se, por isso, a opinião de Jares (2006) de que é importante a existência de uma classe docente “que não pense somente numa perspectiva individual no âmbito das suas turmas, mas também numa perspectiva colectiva, que pense no conjunto da escola, que os seus problemas não sejam considerados como meramente particulares e que os problemas dos outros também sejam os seus problemas” (p. 93). Para que a mediação de conflitos funcione eficazmente é necessário que todas as partes implicadas fiquem satisfeitas com a maneira como o problema está a ser resolvido e sintam que: • O processo de resolução é justo, ou seja, as suas questões estão a ser ouvidas e compreendidas. • O acordo alcançado (ou a decisão tomada) é razoável e justo. • O processo de mediação fomenta o relacionamento entre as partes. • As partes são capazes de se relacionarem positivamente no futuro. • As partes sentem que vão ter o apoio institucional necessário para levarem por diante o seu acordo e decisões. Tudo isto faz pensar que a mediação em contextos educativos não se limita a uma questão de resolução pontual de conflitos; pelo contrário, podemos aceitar que ela acarreta benefícios individuais e interpessoais a curto e a longo prazo que se estendem para além da escola. Com efeito, “a mediação produz um efeito verdadeiramente capacitador nos indivíduos. E, ao apostar na valorização do conflito e na sua reapropriação pelos indivíduos, a mediação proporciona o aproveitamento deste como oportunidade de aprendizagem, crescimento e transformação” (Costa, Almeida e Melo, 2009, p. 166). 4 Noutros termos, a mediação de conflitos em contexto escolar assume-se, além do mais, como um processo educativo que “modela e ensina, de diferentes formas, culturalmente significativas, uma variedade de processos, de práticas e de competências que ajudam a prevenir, a administrar de forma construtiva e a resolver pacificamente o conflito individual, interpessoal e institucional” (Morgado e Oliveira, 2009, p. 43). Em síntese, podemos dizer que os objectivos gerais da mediação de conflitos são, na esteira de Jares (2002, p. 153): - “favorecer e estimular a comunicação entre as partes em conflito, o que costuma trazer consigo o controlo das interacções destrutivas; - levar a que ambas as partes compreendam o conflito de uma forma global e não apenas a partir da sua própria perspectiva; - ajudar a que ambas as partes analisem as causas do conflito, separandoos interesses dos sentimentos; - favorecer a conversão das diferenças em formas criativas de resolução do conflito; - reparar, sempre que isso seja viável, as possíveis feridas emocionais que possam existir entre as partes em conflito”. A mediação revela-se um processo muito mais educativo do que as outras técnicas alternativas de gestão de conflitos já referidas. De facto, por este processo, o “fundamento educativo que subjaz e justifica este modelo de actuação é o de que reconciliar-se com a vítima implica no agressor um alto custo mental e emocional que é mais dissuasório do que o castigo tradicional. Esta mesma situação permitirá que se origine uma mudança na conduta das pessoas implicadas, possibilitando por sua vez um efeito de dissuasão junto de terceiros» (Torrego Seijo e Galán González, 2008, p. 374). 1.1. A figura do mediador Já dissemos que a mediação implica a figura de um terceiro elemento, a figura do mediador, que é uma pessoa que ajuda as partes em confronto a dialogar, de forma a ser alcançado um acordo justo e satisfatório para os implicados. O mediador é, efectivamente, um facilitador da comunicação e um indutor de acordos que respeitem as especificidades individuais e não ponham em causas os objectivos educativos e as 5 normas da escola, sempre longe de exercer a função de juiz. As decisões devem ser tomadas e assumidas por ambas as partes em conflito. O mediador deve ser preparado (teórica, pessoal, ética e tecnicamente) e convenientemente suportado (pela tutela, instituição, etc.), para exercer as funções de mediação. De uma forma geral, um bom mediador é caracterizado pelos seguintes requisitos: • possuir excelente capacidade de comunicação verbal e não verbal; • ser um bom líder; • ser neutro e imparcial frente às partes em confronto, evitando a imposição de qualquer solução; • estar apto identificar os sentimentos do interlocutor; • saber usar a escuta activa; • ser capaz de formular questões que promovam a discussão dos pontos de vista das diferentes partes em litígio; • saber fazer reformulações positivas da informação ouvida; • manter o sigilo e a confidencialidade relativamente a todo o processo. 1.2. Quem podem ser os mediadores nos contextos educativos? As pessoas que exercem o papel de mediadores podem ser internos ou externos à escola, desde que tenham formação especializada no domínio. Os mediadores internos podem ser docentes ou outros profissionais, como psicólogos, técnicos superiores de educação, técnicos de serviço social, etc. Poderão igualmente ser alunos, devidamente enquadrados e com preparação específica para isso. Como diz Elsa Ferreira (2002, p. 146), responsável por um projecto de mediação entre pares, neste caso “os mediadores são alunos e alunas imparciais e neutrais que, após terem recebido preparação nesse sentido, são capazes de ajudar outros alunos e alunas, seus pares, a resolverem os problemas que os dividem, sem o recurso a soluções de violência verbal ou física”. Sem prejuízo do carácter voluntário das funções do mediador, é desejável que o grupo de alunos dos medidores em cada escola reflicta, tanto quanto possível, a diversidade que ela comporta, ao nível de aspectos como sexo, etnia, desempenho académico, comportamento social e proveniência cultural. 6 Os mediadores externos à escola podem ser membros de grupos minoritários (mediadores socioculturais), figuras destacadas da comunidade, como autarcas, dirigentes religiosos, autoridades locais, etc. Não ignoramos, no entanto, o debate existente sobre o perfil dos mediadores profissionais. Um estudo de Silva e Machado (2009), baseado em 216 respostas a um inquérito enviado a instituições e a responsáveis por projectos de mediação, revela uma grande variedade no que respeita às características pessoais e demográficas, à caracterização socioprofissional, ao percurso de formação, ao perfil e à trajectória profissionais. Em qualquer dos casos, quem exerce o papel de mediador, para além da formação específica que o torna conhecedor dos processos de mediação, deve reunir certas características que tornem essa pessoa aceite pela comunidade escolar. Os autores (e.g., Munné e Mac-Cragh, 2006; Jares, 2002) são unânimes na descrição dessas características, como: • Dinamismo e preocupação pelos outros: vontade e disponibilidade para ajudar os outros • Humildade e prudência: de modo a evitar que a sua opinião interfira no processo; • Imparcialidade, que lhe permita compreender as diversas visões sobre o conflito afirmadas pelas partes, sem tomar partido por qualquer delas; • Independência, o que coloca os objectivos educativos acima de qualquer interesse pessoal; • Paciência e capacidade de resistência, de forma a superar o stress e o cansaço que o processo de mediação pode provocar e a evitar precipitações durante todo o processo. Todas estas atitudes são fundamentais para que o processo seja válido, legitimado e eficaz. Note-se, no entanto, que pelo facto de os objectivos educativos presidirem à mediação escolar, nem sempre é fácil (nem, talvez, possível), ser-se imparcial e independente face à construção de determinados acordos e soluções entre as partes. Jares (2002, p. 156) coloca a questão nestes termos: “Em primeiro lugar, que deve fazer o mediador quando as partes chegam a um tipo de acordo claramente injusto para uma delas, e esta não está consciente da situação?”. Com efeito, aqui está um exemplo de uma situação em que a imparcialidade do mediador pode ser posta em 7 causa, acreditando-se que pelos pressupostos em que assenta o processo de mediação, já referidos anteriormente, a solução encontrada deverá ser justa e entendida como tal pelas partes envolvidas. Para que possa fazer uso regular da estratégia de mediação de conflitos, a escola deve dispor de um grupo de mediadores com estatutos diferentes (professores, alunos, pessoal não docente e encarregados de educação) e com formação interdisciplinar (psicólogo, técnico superior de educação, técnico de serviço social, etc.), que possam ser chamados a actuar em função da natureza dos problemas. Este grupo deve ser coordenado por uma pessoa com ligação à Direcção da escola. Na realidade, em cada escola, as práticas de mediação devem ser apoiadas pela Direcção, integrando o projecto educativo. 2. Tipos de problemas que podem ser alvo de mediação na escola Nem todos os tipos de conflitos podem ser objecto de mediação. Há situações que pela sua gravidade ou pelo estado avançado de conflitualidade a que chegaram (por exemplo, quando do conflito se passou a actos violentos), exigem o recurso a outras estratégias, como as punitivas (aplicação de sanções previstas nos normativos) ou as que visam o estabelecimento de contratos comportamentais (técnicas de modificação de comportamentos). Como alerta Jares (2006, p. 107), “ainda que correndo o risco de decepcionar, há que dizer com clareza e frontalidade que a mediação de conflitos não é um processo que se possa aplicar mimeticamente a cada situação conflitual e que nem sequer é garantia de êxito em todas as situações”. Contudo é possível elencar muitos conflitos entre estudantes, entre estudantes e professores e entre estes e outros agentes educativos, como os pais e as mães, os quais, ponderadas as circunstâncias de cada caso, poderão ser susceptíveis de mediação. Esta é, como dizem Torrego e Galán (2008, p. 372), a melhor estratégia para a resolução de conflitos “relacionados com a transgressão das normas de convivência, amizades que se deterioram, situações que desagradam ou pareçam injustas, maus tratos ou qualquer outro tipo de problemas entre membros da comunidade educativa”. Adaptamos a seguinte listagem, a partir de Cahir e colaboradores (2001), de situações conflituais e das diferentes expressões que elas, por vezes, podem assumir:8 • Conflitos entre estudantes: salientam-se sobretudo os que se relacionam com a convivência e que frequentemente se manifestam em formas de agressão, tais como: o Chamar nomes. o Gozar com ou fazer troça. o Comportamentos de ciúmes e inveja. o Manifestações de exclusão e de ostracismo (questões raciais, culturais, etc.). o Rumores e falsos testemunhos. o Violação do património (ex. pequenos furtos, vandalismo). o Lutas/Brigas/Disputas (dentro ou fora da sala de aula). • Conflitos entre professores: trata-se de conflitos ligados à gestão do currículo; à gestão e distribuição de recursos; às estratégias de ensino; aos estilos pessoais de comunicação; à avaliação de desempenho docente; à avaliação dos alunos, etc. • Conflitos entre encarregados de educação e escola: estes conflitos prendem-se a questões variadas, tais como, colocação dos alunos em determinadas turmas, respostas (incompreendidas ou problemáticas) às necessidades individuais de aprendizagem, “choques” de personalidade, exigências relativas aos “trabalhos de casa”, etc. • Conflitos entre professor(a) e estudante: em geral, estes conflitos têm a ver com o volume e as exigências de trabalho escolar, incumprimento das tarefas, assiduidade e pontualidade; comportamentos de indisciplina, incivilidade e violência. • Conflitos entre professor(a) e Direcção da escola: trata-se com regularidade de problemas relativos às condições de trabalho, à atribuição de responsabilidades, à avaliação de desempenho docente, etc. 9 3. Etapas básicas num processo de mediação O processo de mediação assenta num conjunto de etapas sequenciais bem definidas e que passamos a descrever, na linha do que pode encontrar-se em outros autores (e.g., Cahir et al., 2001; Jares, 2006; Ferreira, 2002 e 2009). • A. Fase prévia: Criação de um contexto o 1º Sensibilização da comunidade educativa Trata-se de um trabalho inicial com várias frentes e que pode envolver uma diversidade de estratégias, como, por exemplo, a realização de seminários dirigidos a directores e futuros coordenadores de um projecto colectivo numa ou em várias escolas, acções de formação para professores, pessoal não docente, alunos, encarregados de educação, etc. o 2º Selecção/Formação Esta etapa consiste num pequeno curso de formação para todos os interessados em vir a desempenhar a função de mediadores. Previamente há que planificar e implementar um processo de selecção destes voluntários. No caso da selecção de alunos mediadores, esta fase por revestir-se de alguma complexidade e é dependente do tipo de projecto que se queira concretizar. Há, ainda, que fazer uma planificação dos conteúdos da formação que, no entanto, deve preferencialmente incidir na análise dos conflitos e nas competências comunicacionais das pessoas dispostas a serem mediadoras. Sobre este aspecto voltaremos em tópico seguinte. o 3º Organização do espaço e criação de recursos materiais Nesta fase, trata-se, entre outras coisas, de reservar um espaço privado, onde a equipa de mediação possa preparar-se, arquivar processos, planificar e organizar recursos (cartazes, etc.) e de um segundo espaço (se possível) onde as partes envolvidas possam sentir-se à vontade, estar frente a frente e dispor de tempo suficiente, sem interrupções do exterior, para falarem entre si até encontrarem uma solução. 10 • B. Fase de aplicação: o processo de mediação Antes de se iniciar o processo de mediação deve haver um momento inicial de aproximação – apresentação mútua – das partes ao mediador (ou mediadores), que a ele recorrem de forma garantidamente livre e voluntária. Quanto ao processo em si, os autores (e.g., Ferreira, 2002, 2009; Manné & Mac-Grag, 2006, Jares, 2002, 2006, Vasconcelos-Sousa, 2002) dão conta de um número muito variado de etapas e de sequências mas, no geral, estão de acordo quanto ao facto de serem indispensáveis os seguintes aspectos: o Explicação do processo O mediador (ou mediadores) apresenta às partes o objectivo, o processo e as regras básicas da mediação, tanto no que diz respeito ao seu comportamento como ao das partes envolvidas: ausência de constrangimentos, evitamento de juízos avaliativos, boa-fé, disponibilidade para ouvir o outro, confidencialidade, etc. o Audição daquilo que aconteceu. Ambas as partes são estimuladas a contar, sem serem interrompidas, os incidentes ocorridos e descrever a natureza do conflito, sob o seu ponto de vista pessoal. É o início da escuta activa por parte do mediador. o Definição dos problemas e das preocupações associadas. O mediador resume os relatos das partes, identifica o problema e analisa a sua história e suas causas. Ao longo desta fase, as situações são clarificadas pelos mediados, em função das questões colocadas pelo mediador. É estabelecida uma “agenda” pelo mediador junto das partes em diálogo, com uma série de procedimentos de actuação para a resolução do conflito que as divide. Esta agenda pode incluir reuniões entre os mediadores, caso sejam vários, ou reuniões pontuais do mediador com cada uma das partes, a formulação de objectivos alternativos e o estabelecimento de etapas para os alcançar. o Centração no futuro, organização das questões a resolver e procura de soluções e de acordo. 11 Nesta fase, as soluções que se adequam a ambas as partes em litígio são assumidas por elas próprias, que se responsabilizam pela sua aplicação, ao mesmo tempo que as intervenções do mediador nesse sentido devem ser mínimas. o Estabelecimento do acordo Chega-se a um acordo partilhado, que é confirmado por ambas as partes e que muitas vezes é escrito e assinado por todos. Poderá existir uma cláusula que preveja a possibilidade de se voltar à mediação e de se rever o acordo, se necessário. o Felicitação das partes pelo acordo alcançado. No sentido de se reforçar positivamente o acordo alcançado, as partes envolvidas devem ser felicitadas pela figura do mediador e, eventualmente, pelos órgãos directivos da escola. Juntamente com esta preocupação, deveria também ficar prevista a possibilidade de haver um acompanhamento temporário no sentido de ajudar as partes a cumprir o que ficou acordado. 6 - Princípios e ferramentas de actuação dos mediadores A actuação dos mediadores no contexto escolar exige o domínio de um conjunto de princípios e de ferramentas conceptuais, comunicacionais e procedimentais, difíceis de alcançar sem uma preparação prévia com alguma especialização. Ao longo do texto já fomos dando conta de alguns desses princípios que agora sistematizamos. A actuação dos mediadores deve: • Constituir-se como um processo educativo que faz da inevitável existência de conflitos uma oportunidade de formação para os valores do diálogo, do respeito e sensibilidade pelo outro e da colaboração. • Ser um processo voluntário, na medida em que a decisão de optar por um processo de mediação, e de se mater nele, deve partir das partes em conflito. Nesta ordem de ideias, não é correcto “enviar” alunos para o gabinete de mediação… mas sim, “aconselhar” a ir até lá. Note-se que o mediador também tem liberdade de deixar o processo, se considerar que as partes não estão empenhadas e com seriedade. 12 • Ser confidencial. A confidencialidade é um direito das partes, um dever do mediador e uma condição indispensável para que o processo se desenrole na sua plenitude, com verdade e sem receios de que aquilo que é dito em privado venha a ser divulgado no exterior. • Ser realizado em colaboração. Torna-se necessário o envolvimento genuíno das partes em litígio e do próprio mediador, já que o processo de mediação é, por definição, colaborativo. • Ser imparcial, neutro e independente. O mediador deve manter-se independente, tanto das partes como de qualquer outra instância. Desta forma, deve evitar as possíveis estratégias de seduçãoou cumplicidade de uma ou ambas as partes, mantendo quanto possível a sua identidade e evitando tomar partido. • Ser um processo em que o poder decisório recai sobre as partes em litígio. Com efeito, são as partes que vão construir e concretizar o acordo estabelecido, sendo tarefa do mediador orientar o processo de estabelecimento do acordo, clarificá- los para as partes e monitorizar o seu cumprimento. A este propósito, diz Elsa Ferreira (2009, p. 202) que a mediação consiste numa “das formas mais eficazes de resolver, de facto, os conflitos, uma vez que a responsabilidade pela construção das decisões mais adequadas cabe às partes envolvidas e vai, portanto, ao encontro das suas necessidades, interesses e valores. Neste processo não há vencedores nem vencidos, ambas as partes são vencedoras, porque ambos têm oportunidade de participar no processo e a solução encontrada não é imposta, mas acordada livremente”. No que respeita às ferramentas necessárias para levar o processo por diante, Costa e colegas (2009) expõem uma detalhada caracterização dessas ferramentas, subdividindo-a em 3 grandes categorias: • “Saber saber” – ferramentas conceptuais • “Saber fazer” – ferramentas comunicacionais e procedimentais • “Saber ser e estar” – ferramentas atitudinais 13 Este conjunto de categorias oferece também um excelente guião-base da formação dos mediadores, no que respeita a conceitos, procedimentos e atitudes. De facto, apesar da grande variedade de ofertas formativas, todas elas se centram neste três pontos. No que concerne às ferramentas conceptuais, merecem a primazia conceitos como: conflito, mediação (em contraste com outras estratégias de gestão de conflitos) e comunicação. As ferramentas comunicacionais e procedimentais, traduzem-se num conjunto de técnicas de que se destaca a análise de conflitos (protagonistas, percepções, interesses, emoções), e a escuta activa indispensável para o bom encaminhamento do processo (acompanhamento não verbal adequado, paráfrase, resumo, espelho das emoções, mensagem “eu”, etc.). Entre os especialistas é unânime o destaque dado à atitude de empatia, o que a coloca acima de todas as outras neste contexto. Como dizem Munné e Mac-Cragh (2006, p. 121), “talvez a melhor maneira de abordar um conflito seja a de identificar o próprio sofrimento, para se criar a disposição de sentir empatia pelo sofrimento do outro. Com a própria identificação e a mútua compreensão iniciam-se as verdadeiras negociações e constroem-se os consensos. A comunicação deve ajudar a chegar a esta empatia, evitando não reforçar a animosidade”, que é comum numa situação conflitual. 4. Especificidades da mediação realizada por pares A mediação realizada por pares, entre alunos, começou nos últimos anos a ser uma prática cada vez mais usada e, ao mesmo tempo, objecto de atenção com vantagens para sua sistematização e avaliação. Esta estratégia implica a formação e treino (com base em programas específicos: princípios da não violência, técnicas de resolução de conflitos, etc.) de equipas de líderes (também pode existir um sistema de rotação dentro da turma ou da escola), capazes de facilitar as interacções e de ajudar os outros a pôr fim a hostilidades, a resolver os seus conflitos e a chegar a um acordo aceitável pelas partes em litígio (Caetano & Freire, 2006; Torrejo Seijoo, 2000; Diaz & Liatard-Dulac, 1998, Johnson & 14 Johnson, 1999). Trata-se, por isso, de uma actuação com grande potencial educativo, que favorece a capacidade de escuta mútua e a cooperação, para além de constituir um novo espaço alternativo de comunicação e de terapia (Grave-Resendes et al., 2003; Freire, 2001; Bonafé-Schmitt, 1997). Como constatam Rosario Del Rey e Rosario Ortega (2001, p. 297), “os benefícios deste tipo de programas, como sucede com outros processos entre iguais, não atingem só os rapazes e raparigas objecto de ajuda, mas também os que ajudam e aos espectadores dos novos acontecimentos”. Mas, como é sabido, os benefícios estendem-se a toda a escola, criando um clima mais saudável e de cooperação (Johnson e Johnson, 2006). Tendo em conta o que já dissemos sobre a preparação dos mediadores em geral, no que respeita à preparação dos alunos, em especial, torna-se necessário, segundo diversos autores (Ferreira, 2009; Johnson e Johnson, 2006, Cangelosi, 1997) que os alunos aprendam a: • conhecer a natureza dos conflitos; • ser imparciais, neutrais, respeitadores e ouvintes empáticos • criar um bom clima para a sessão de mediação e estabelecer protocolos (tais como: chamar o outro pelo nome ou não interromper o outro); • escolher estratégias adequadas a cada caso e às respectivas partes; • recolher informação junto das partes, de modo a perceber o que as divide, o que sentem e o que querem • focar o diálogo em interesses comuns às partes; • estabelecer opções e planos para a resolução dos conflitos com vantagens para ambas as partes; • avaliar opções e escolher soluções; • formalizar e redigir o acordo e encerrar a sessão. Os programas de mediação entre pares podem ser constituídos por um conjunto diversificado de estratégias passíveis de aplicação em diferentes situações e contextos. A literatura refere estratégias como os grupos de amizade que ajudam alunos e alunas isoladas e sem amigos, de modo a dar-se uma integração no grupo, até aos programas de 15 formação de peacemakers, conselheiros e outros, que implicam uma formação mais detalhada (Johnson e Johnson, 2006; Del Rey e Ortega, 2001) Também a extensão que deve assumir um programa de formação para mediadores de conflitos numa escola é uma questão relevante. Johnson e Johnson (1995) conceberam um programa de formação de mediadores de pares (em espiral, para 12 anos) para o conjunto da população de uma escola, o qual designaram por Teaching Students to Be Peacemakers Program; em cada ano de escolaridade, os estudantes aprendiam procedimentos cada vez mais sofisticados de negociação e mediação de conflitos. Os resultados obtidos com este programa, em escolas urbanas e suburbanas, foram muito positivos. Segundo Johnson e Johnson (1995, p. 67): “antes da formação, na maior parte dos conflitos diários, os estudantes usavam estratégias destrutivas, que tendiam a provocar a escalada do conflito, apresentavam a maior parte dos conflitos ao professor e não sabiam como negociar. Depois da formação, os estudantes conseguiam socorrer-se de procedimentos de negociação e de mediação para gerir situações de conflito e não os transferiam para as situações de aula e outras situações escolares, nem para as situações de recreio, de refeitório ou para casa. Mais ainda, eles mantinham o conhecimento e competências apreendidas sobre o assunto ao longo do ano de observação. (…) Depois da formação, continuam os autores, os estudantes geralmente gerem os seus conflitos sem envolvimento dos adultos. A frequência com que os professores geriam conflitos entre alunos desceu 80% e o número de conflitos participados ao director foram reduzidos em 95%. Tão drástica redução de participação de conflitos aos adultos mudou o programa de disciplina da escola, da arbitragem de conflitos para a manutenção e apoio ao processo de mediação de pares” (Johnson e Johnson, 1995, apud Amado e Freire, 2009, p. 155). 5. Estruturas de apoio ao aluno e à família Hoje cada vez mais se reconhece e compreende que a qualidade da vida na escola – o bem-estar, a auto-estima, o aproveitamento escolar, as relações entre os seus membros, a aprendizagem da cidadania, etc. – está intimamente relacionada com a participação da comunidade e das famílias na vida escolar (Downer e Myers, 2010; Davis, 1994) e, portanto, com a inter-relação saudável entre estes sistemas. Por outro 16 lado, reconhece-se também, que essa relação é crucial no desenvolvimento das criançase dos jovens em idade escolar (Clarke et al., 2010). Nesta alínea avançamos com algumas notas apenas no sentido de reforçar a importância das iniciativas de ligação da escola à família e, também, para destacar o papel complementar e de apoio de algumas instituições da sociedade civil ao projecto educativo da escola. A) As iniciativas de ligação da escola à família e ao meio As iniciativas de ligação das escolas à família e ao meio podem partir de uma ou outra das entidades implicadas: das famílias e das organizações que as representam (por exemplo, as associações de pais e mães) ou das próprias escolas. As famílias, em especial, são convidadas a participar na vida da escola, de muitos modos: Na estimulação e encorajamento dos seus filhos relativamente à vida e às exigências da escola (promovendo crenças, expectativas e atitudes positivas relativamente à escola, aprovando e aplaudindo sucessos, aconselhando e acompanhando nas actividades, criando ambientes de estudo em casa, etc. etc.) No diálogo com os professores, em especial como os directores de turma No apoio em actividades várias a decorrer na escola No acompanhamento e supervisão dos “trabalhos de casa” Na ideação e na execução do projecto educativo da escola Etc. Sabe-se que quanto maior é o grau de participação (e, portanto, de envolvimento nas decisões) das famílias e da comunidade, mais o projecto educativo tem condições para assentar em valores como o respeito pelos outros, a solidariedade, a amizade, a responsabilidade de todos na preservação e desenvolvimento do que é colectivo, etc. As reformas educativas, a nível nacional e internacional, têm vindo, no entanto, a criar condições, pelo menos em termos de legislação, para que esta participação se efective de forma pessoal ou a partir da acção das associações de pais e mães (regulamentadas por sucessiva legislação) e de outros organismos do contexto social e cultural. Um dos princípios orientadores da sua acção é mesmo a “inserção da escola no desenvolvimento conjunto de projectos educativos e culturais em resposta às solicitações do meio” (Decreto-Lei nº 43/89, de 3 de Fevereiro, al. f), reconhecendo-se 17 que a organização da administração educativa tem de assentar em vários princípios, de entre os quais “na valorização dos diversos intervenientes no processo educativo, designadamente professores, pais, estudantes, pessoal não docente e representantes do poder local. Trata-se de favorecer decisivamente a dimensão local das políticas educativas e a partilha de responsabilidades” (preâmbulo do Decreto-Lei nº 115-A/98, 4 de Maio). Apesar de um enquadramento legislativo favorável, as diligências das escolas, com carácter colectivo e organizado, no sentido de expandirem a sua influência para a comunidade, não são frequentes, bem como o não são as de sentido inverso. De facto, parece que subsistem ainda alguns obstáculos de outra ordem a uma tal participação, como o faz ver a investigação realizada neste domínio: resistência dos professores e da gestão das escolas, resistências dos próprios encarregados de educação, falta de hábitos e de modelos nesse sentido, o peso de uma tradição adversa à colaboração efectiva, entre outros aspectos (Downer e Myers, 2010; Silva, 2003; Villas-Boas, 2001). Dir-se-á mesmo que a grande diferença entre escolas não se pode reduzir à perspectiva tecnocrática da qualidade das interacções entre professores e alunos e do estilo de gestão, mas se deve alargar à dimensão social, cultural e política. De facto, há escolas que ultrapassam, elas próprias, os seus muros e intervêm activamente no contexto local, ou em contextos mais alargados, e outras que se isolam e fecham sobre si mesmas (Proudford e Baker, 1995). As iniciativas dirigidas para o meio em que as escolas se inserem e, sobretudo, para as famílias, consubstanciam-se em manifestações diversas (actividades culturais, desenvolvimento de recursos vários, aconselhamento parental, escola de pais, etc.) e comportam objectivos múltiplos e variados. No entanto, não são fáceis, por diversos motivos, a começar pelo facto de exigirem uma equipa multidisciplinar, constituída por professores, psicólogos, técnicos de serviço social, técnicos superiores de educação, educadores sociais, e outros – profissionais estes que nem sempre estão disponíveis nas escolas ou agrupamentos. Por outro lado, trata-se de iniciativas que exigem tempo, recursos materiais e uma grande disponibilidade social e mental por parte das pessoas nelas empenhadas. 18 Independentemente destas dificuldades os projectos existem e avançam, como se pode confirmar numa rápida pesquisa na internet. Assim, é possível encontrar escolas (certamente com um clima favorável ao estabelecimento das relações com as família e à prevenção dos problemas) com projectos que visam, através de uma intervenção estruturada, alcançar uma melhor integração sócio-escolar e familiar das crianças e dos jovens, muito em especial dos que manifestam comportamentos problemáticos. A organização de escolas de pais é, frequentemente, uma das estratégias desses programas, cujo objectivo é desenvolver um conjunto de competências parentais, como autoridade assertiva, competências de comunicação, supervisão eficaz, etc. (Hoover- Dempsey et al., 2010). Inserem-se, ainda, neste tipo de iniciativas, as acções de sensibilização para problemas que forçosamente se vão repercutir no comportamento das crianças, como os da violência familiar e de género (violência doméstica, violência no namoro, etc.), a violência nos média, a educação para a vida em família, etc. (Nações Unidas, 2003; Moffitt & Caspi, 2002). É dada, também, especial atenção às famílias de risco (sobretudo marcadas pela pobreza, e pelos conflitos internos), habitualmente alheias a qualquer tipo de participação na e com a escola, e às quais, em muitos casos, se tem tornado necessária a deslocação de uma equipa variável na sua composição, conforme a especificidade do caso. As primeiras abordagens têm como objectivo diagnosticar a situação social da família e os estilos parentais de autoridade (em geral, autoritários ou absolutamente permissivos), de relacionamento (muitas vezes caracterizado pela falta de afecto) e de supervisão (quase sempre inexistente). Os contactos e as actividades subsequentes poderão visar o melhoramento da qualidade de vida destas famílias, de um ponto de vista material e pessoal, na certeza de que essa qualidade é fundamental para o bem- estar subjectivo da criança e do jovem. Importante é, também, fomentar o desenvolvimento de atitudes e expectativas favoráveis à escolarização das crianças e jovens, levando os respectivos encarregados de educação a ter comportamentos consistentes com o valor da escola para o sucesso na vida das gerações mais novas. A presença nas escolas de um número cada vez maior de alunos oriundos das mais diversas culturas acarreta uma enorme variedade de problemas e de possíveis conflitos, traduzindo dificuldades de comunicação e compreensão (mesmo linguísticas), e diferenças de valores, de expectativas e de hábitos. Este é um outro domínio a exigir e 19 a estimular a realização de projectos de intervenção junto das (e com as) famílias de origem, sendo também um importante domínio a explorar na formação dos docentes. A problemática da criação de escolas (e das salas de aula) inclusivas passa, necessariamente, por uma reflexão profunda em torno desta e de outras temáticas e pela formação especializada de quem tem responsabilidades educativas. Estes projectos exigem, como já o dissemos, uma escola de clima social aberto e valorizador das relações com as famílias dos alunos, presente logo nas relações quotidianas entre professores e alunos no contexto da sala de aula e na gestão curricular. Consistentes com essa abertura têm de ser, também, as condições criadas(recursos humanos, físicos e temporais), para que tais projectos possam desenvolver-se e atingir eficazmente os seus objectivos. Fazem parte desta cultura aberta, positiva e colaborativa um conjunto de pressupostos e de princípios partilhados entre a escola e a família, e indispensáveis para a criação de relações saudáveis (Clarke et al., 2010), tais como: • Confiança mútua entre as famílias e a escola. Esta confiança gera-se numa interacção que se mantém ao longo do tempo, baseada no respeito, na competência, na disponibilidade para ajudar e na consistência entre as palavras e as obras. • Partilha do mesmo desejo de sucesso educativo e bem-estar para as crianças e jovens; • Partilha de responsabilidades; • Preocupação comum pela continuidade e pela congruência de valores e mensagens ao longo das diferentes fases do desenvolvimento da criança e do jovem. • Sensibilidade para acolher e compreender as diferenças, sejam elas culturais, sociais, religiosas ou outras. • Preocupação pelo bom desempenho dos respectivos papéis específicos de cada uma das instituições; • Reconhecimento de igualdade de poderes e de direitos, ainda que cada um em áreas complementares. 20 Para além da necessária construção de uma relação saudável entre a família e a escola (Clarke et al., 2010), baseada na comunicação efectiva, na confiança e no respeito mútuo, sabemos que haverá inevitavelmente motivos para pequenos ou grandes conflitos (Henriot-Van Zanten, 1988, Bonafé-Schmitt, 1997). A atitude frequente face aos conflitos é a de evitamento: evita-se o contacto, evita-se a partilha de preocupações e opiniões, etc., com os consequentes prejuízos para os educandos. Pior do que isso só os afrontamentos agressivos, que também são uma realidade, ainda que verdadeiramente indesejável. Este é, pois, também um campo, onde a aquisição generalizada das competências de resolução (análise dos problemas, negociação, etc.) e de mediação de conflitos, bem como a actuação de uma equipa especializada neste domínio podem ser fundamentais, para que se estabeleçam canais de intercompreensão na relação escola- família-comunidade enriquecedores, desafiantes e potenciadores do contacto. B) Entidades de apoio à escola, ao aluno e à família As escolas ganham na sua dinâmica e na sua segurança (a todos os níveis e sob os diferentes aspectos) com a cooperação de entidades externas, da sociedade civil. Esta abertura da escola ao meio assenta numa visão eco-sistémica do processo educativo, que deverá efectuar-se, como já o fizemos ver, numa interacção entre sistemas abertos como o aluno, a família, a escola, e a comunidade envolvente. Nesta interacção, todos poderão aprender, todos poderão crescer e todos poderão ganhar. Com efeito, desde há muito que “a hegemonia da forma escolar e o monopólio educativo da escola têm vindo a ser postos em causa no domínio dos princípios (concepção de educação permanente), mas também no domínio das práticas. Ainda que de modo nem sempre finalizado e consciente, a acção dos actores e das organizações locais tende, em muitos casos a instituir dinâmicas de ‘de facto’ de territorialização educativa” (Canário, 1996, p. 7). São muito diversos os tipos de entidades que do exterior podem colaborar com a escola, bem como as áreas e os modos em essa colaboração pode verificar-se. Restringimo-nos aqui a um tipo de colaboração que vai no sentido do apoio a prestar no domínio das problemáticas comportamentais e da segurança nas escolas. No sítio da Internet do Ministério da Educação (http://www.min-edu.pt/np3/4869.html) pode encontrar-se uma lista destas instituições, destacando-se: 21 - Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural - Associação para a Promoção da Segurança Infantil - Cruz Vermelha Portuguesa - Instituto da Droga e da Toxicodependência - Instituto de Apoio à Criança - Instituto Português da Juventude - Comissões de Protecção de Crianças e Jovens - Rede Aga Khan para o Desenvolvimento - Prevenção Rodoviária Portuguesa - Associações de Bombeiros Mas, muitas outras instituições seriam de invocar, não esquecendo, entre elas o papel das autarquias e dos centros de saúde locais. No que respeita às autarquias (através dos seus Pelouros da Educação e de outros organismos internos), cabe-lhes promover (e muitas o têm feito), no âmbito da parceria muldimensional tanto com os agrupamentos de escolas, como com as escolas em particular, programas (encontros, debates, pesquisas, etc.) que visem o melhor conhecimento da problemática da violência nas escolas e questões afins e colaborar com medidas que, directa ou indirectamente, contribuam para a prevenção destes fenómenos. É importante a sua intervenção, negociada com a direcção das escolas e em linha com os respectivos projectos educativos, no campo das actividades de complemento curricular, na dignificação dos espaços escolares, no policiamento e segurança dos estabelecimentos de ensino, e em todas as medidas que visem a integração da escola com a comunidade. Reconhecendo- se que a escola (e as turmas de alunos) não funciona à margem da vida e da estrutura social, há que salientar a louvável acção educativa das autarquias: a. ao criarem e dinamizarem estruturas culturais (Bibliotecas, Teatros, etc.) e desportivas na comunidade; b. ao suportarem organismos de apoio às vítimas, às crianças e idosos; c. ao levarem por diante todo o tipo de iniciativas de apoio sócio-educativo às famílias e às escolas; 22 d. ao actuarem no sentido de melhorarem as condições de vida da população em geral. Por sua vez, a relação com os Centros de Saúde pode fundamentar-se numa visão sistémica da saúde, considerando como suas componentes não só a saúde física mas, também, o bem-estar psicológico e a qualidade de vida das pessoas. As escolas já não podem ser vistas apenas como lugares de aprendizagens curriculares; elas devem ser consideradas também – como aliás é preconizado no Programa Nacional de Intervenção Integrada, do Plano Nacional de Saúde para 2004-2010 – como espaços para a promoção da saúde mental e social, enquanto ajudam na formação da identidade, nas relações interpessoais e noutras competências. Tem-se verificado, aliás, uma forte associação entre as actividades promotoras de saúde e bem-estar nas escolas – redução da agressividade e depressão, aprendizagem social e emocional, resiliência, etc. – e os resultados educativos e académicos (Weare, 2010; Palma, 2010). De entre as instituições da sociedade civil que estão disponíveis para trabalhar em parceria com a escola destacaremos aqui apenas duas, pela sua importância e pelo seu dinamismo: a Comissão Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) e o Instituto de apoio à criança (IAC). - As Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) Segundo o sítio da Internet da Procuradoria Geral da República, as CPCJ são “instituições oficiais não judiciárias com autonomia funcional que visam promover os direitos da criança e do jovem e prevenir ou pôr termo a situações susceptíveis de afectar a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento integral. Exercem as suas atribuições em conformidade com a lei e deliberam com imparcialidade e independência, contando com a colaboração das autoridades administrativas e policiais, bem como das pessoas singulares e colectivas que para tal sejam solicitadas» (http://www.pgr.pt/portugues/grupo_soltas/faq/menores.htm). Elas funcionam nos termos da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro (alterada pela Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto, e regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 332-B/2000, de 30 de Dezembro). Compete à Comissão Nacional de Crianças e Jovens em Risco (CNPCJR) acompanhar, apoiar e avaliar o desempenho das CPCJ. Estas exercem as suas funções 23 no âmbito dos municípios, e são constituídas por uma comissão alargada (incluindorepresentantes de diversas instituições concelhias) e por uma comissão restrita (formada por uma pequena equipa interdisciplinar), a quem compete agir (informar, apreciar) e intervir (instruir processos, decidir e acompanhar medidas) de imediato e fundamentadamente sobre as situações que ponham em risco as crianças e os jovens. Segundo o portal da CNPCJR, a sua acção deve pautar-se por princípios como: - o interesse superior da criança; - a privacidade do processo; - a intervenção precoce, mínima, proporcional e actual; - a responsabilidade parental e prevalência da família; - a obrigatoriedade da informação à criança ou jovem, aos pais, ou a representante legal; - a audição obrigatória e participação da criança, do jovem, bem como dos pais; - a subsidariedade, pelo que a intervenção primeira e inicial deve ser informal – por exemplo, no âmbito da intervenção quotidiana dos professores e da escola em geral – e só depois, pelas comissões de protecção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais (http://www.cnpcjr.pt/left.asp?02.01). Na base destes princípios, as Comissões de Protecção podem aplicar as seguintes medidas de promoção e protecção: • “Apoio junto dos pais; • Apoio junto de outro familiar; • Confiança a pessoa idónea; • Apoio para a autonomia de vida; • Acolhimento familiar • Acolhimento em instituição” No que diz respeito à problemática central de todo este curso, ou seja, a violência na escola e a mediação de conflitos, o recurso à intervenção das CPCJ revela-se indispensável quando a escola não consegue, por ela própria, prevenir e resolver as situações graves e persistentes. Como diz Dias no portal da CNPCJR (www.cnpcjr.pt / Divulgar/Estudos), “será, então, a altura de fazer intervir o sistema tutelar de protecção 14, que de acordo com 24 o princípio da subsidiariedade, deverá ser efectuado sucessivamente pelas entidades com competência em matéria de infância e juventude, pelas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) e só, em última instância, pelos tribunais”. Trata-se de uma intervenção que deverá sempre ter por base os princípios acima referidos. Se os actos, no entanto, configurarem um crime (como, por exemplo, ofensas à integridade física, ameaças, difamações ou injúrias) e a idade do seu autor se situar entre os 12 e os 16 anos, nos termos da Lei n.º 166/99, de 14/9 (Lei Tutelar Educativa), os tribunais podem tomar medidas que vão desde uma simples admoestação até ao internamento em centro educativo. Na linha do autor atrás citado, concorda-se que numa situação de bullying, «as medidas de reparação ao ofendido (mormente, um pedido de desculpas), a imposição de regras de conduta ou o acompanhamento educativo serão as que, à partida, mais virtualidades apresentam, de acordo com os critérios legais de escolha atrás mencionados». Para além disso, o prioritário é que as escolas interiorizem a necessidade de prevenir, através de uma atenção e de uma acção projectada e coordenada no seu interior, todas as situações de violência, nas suas mais diversas expressões e direcções. Esta acção de prevenção primária exercida nas escolas só poderá ganhar com a sua abertura à colaboração de outras instituições da sociedade. As sinergias, construídas no conhecimento mútuo, na troca de saberes e de experiências, no diálogo e confiança mútuas, serão, por certo, o instrumento fundamental para a construção de ambientes escolares onde as crianças e os jovens, além do mais, aprendam a respeitar e sejam respeitados na totalidade dos seus direitos (estando, em simultâneo, conscientes das suas responsabilidades), tornando-se garantes, hoje e no futuro, de um mundo melhor. - O Instituto de Apoio à Criança e os Gabinetes de Apoio ao Aluno e à Família O Instituto de Apoio à Criança (IAC), tal como se diz na nota de abertura do seu sítio na Internet (http://iacrianca.pai.pt), é uma instituição privada da solidariedade social que tem, por objectivo principal, contribuir para o desenvolvimento integral da criança como total sujeito de direitos, quer seja nas áreas da saúde, da educação, da segurança social quer nos seus tempos livres. Desde a sua criação, a 14 de Março de 1983, esta entidade é formada por um grupo de pessoas de diferentes áreas profissionais, como médicos, magistrados, 25 professores, psicólogos, juristas, sociólogos, técnicos de serviço social, educadores, entre outros. Presentemente, para além da Sede em Lisboa, possui Núcleos Regionais em Coimbra e nos Açores. De entre os seus objectivos destacam-se os seguintes: • Contribuir para o desenvolvimento integral da criança, na defesa e promoção dos seus direitos. • Cooperar com entidades públicas e particulares na definição de uma política nacional de prevenção e protecção à criança. • Promover estudos e trabalhos de divulgação relativos à criança enquanto sujeito de direitos. Na sequência deste capítulo far-se-á apenas uma breve referência a uma das iniciativas do IAC que mais se prende com o tema em que nos temos vindo a centrar, a mediação de conflitos, e que consiste na organização e implementação de Gabinetes de Apoio ao Aluno e à Família (GAAF), no âmbito do projecto SOS Criança. Estes gabinetes têm vindo a surgir nas escolas, apoiados pelo IAC, procurando da resposta a um crescente número de sinalizações de alunos com comportamentos de risco nas escolas, numa relação possível com problemáticas diversas – abandono escolar, insucesso e violência –, bem como para dar resposta aos inúmeros pedidos de ajuda e auxílio por parte das escolas, no sentido da criação de estruturas que pudessem obviar a estes problemas e colaborar na ligação com as famílias. Os Gabinetes de Apoio ao Aluno e à Família, num trabalho de parceria e articulação com os diferentes serviços (por ex. Serviço de Psicologia), entidades existentes nas escolas (em especial com a Direcção) e parceiros da comunidade (autarquias, centros de saúde, PSP, GNR, etc.), procuram, através de um contacto individual, directo e informal com os alunos e com as famílias: • “contribuir para o crescimento harmonioso e global da criança, promovendo um ambiente mais humanizado e facilitador da integração social. • constituir-se como um observatório da vida na escola, detectando as problemáticas que afectam alunos, famílias e comunidade escolar, propondo-se reflectir sobre as mesmas de modo a planear a intervenção mais adequada”. (http://www.iacrianca.pt/pt/mediacao-escolar): Em síntese, a sua preocupação é restabelecer um relacionamento de proximidade e de confiança entre partes em conflito no contexto escolar. Mais especificamente no 26 que concerne à prevenção de problemáticas da indisciplina e da violência na escola, a acção dos GAFF procura atingir diferentes vertentes do tema, tendo em conta as possibilidades e especificidades das escolas. A sua acção pode estender-se a: • “Aplicação de Programas de Competências Pessoais e Sociais. • Promoção e desenvolvimento de actividades lúdico-pedagógicas na escola. • Promoção e desenvolvimento de actividades extra-curriculares. • Sessões de sensibilização e esclarecimento sobre diversas temáticas. • Recepção e integração dos alunos provenientes do Jardim-de-Infância, do 1ºciclo do ensino básico e de outras instituições de ensino. • Promoção do papel representativo do aluno como agente de gestão da escola • Integração e orientação de estagiários e voluntários no Projecto G.A.A.F”. (http://www.fersap.pt/documentos/Projecto_GAAF.pdf) Conclusão A mediação de conflitos consiste numa estratégia de resolução positiva de situações conflituosas que podem ocorrer em diversos contextos e implicar diferentes intervenientes. Quer os mediadores sejam crianças ou jovens, quer sejam pessoas adultas, sabe-se que o desenvolvimento de competências de mediação costuma ter implicações importantesem todas as partes envolvidas, na forma como passam a lidar com situações problemáticas. Com efeito, ao optar-se por esta medida não sancionatória de resolução de problemas, reconhece-se ao conflito um papel construtivo na melhoria das relações interpessoais de quem está em litígio. Sabe-se, de facto, que a mediação de conflitos promove a assunção de responsabilidades nas pessoas em confronto, estimula a sua capacidade de diálogo e de cooperação e promove a exibição de qualidades pessoais, como a honestidade, a humildade, a imparcialidade, a independência e a paciência. Reconhecendo-se que estas competências são essenciais para o exercício pleno da cidadania em todas as idades e que a sua promoção tende, inclusive, a diminuir a probabilidade de ocorrência de situações conflituosas no futuro, porque as pessoas aprendem a ser pacificadoras, afigura-se de toda a pertinência a aplicação de programas 27 de mediação em contexto escolar. Neste âmbito, todas as partes ganham, se docentes e discentes forem envolvidos e se a escola, fazendo uso dos recursos potencialmente valiosos da comunidade onde está inserida, for capaz de estabelecer parcerias, de chamar as famílias a envolver-se na vida diária da instituição e de formar os seus próprios mediadores, a quem a comunidade escolar reconheça legitimidade para intervir em situações problemáticas. Bibliografia AMADO, J. & FREIRE, I. (2009). A(s) Indisciplina(s) na Escola – Compreender para Prevenir. Coimbra: Almedina. BONAFE-SCHMITT, J (1997). 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