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Doença Renal Crônica Marina Albuquerque Introdução O termo doença renal crônica (DRC) engloba um espectro de processos fisiopatológicos associados à função renal anormal e ao declínio progressivo da taxa de filtração glomerular (TFG). O risco de progressão da DRC está estritamente relacionado à TFG e à quantidade de albuminúria. A partir desses dois parâmetros, faz-se o estadiamento da DRC. O termo doença renal em estágio terminal (DRC estágio 5) representa um estágio da DRC em que o acúmulo de toxinas, líquidos e eletrólitos normalmente excretados pelos rins resulta em risco de vida, a menos que as toxinas sejam removidas por terapia de substituição renal, empregando diálise ou transplante. Fisiopatologia Há dois grupos de mecanismos lesivos: 1.Mecanismos iniciais específicos da etiologia subjacente (ex.: anormalidades anatômicas, deposição de imunocomplexos, glomerulo- nefrite, exposição a toxinas, etc) 2.Hiperfiltração e hipertrofia dos néfrons viáveis remanescentes, que são uma consequência comum da redução da massa renal a longo prazo, independente da etiologia subjacente, e que leva ao declínio adicional da função renal. Ao longo do tempo, a hiperfiltração e a hipertrofia levam à distorção da arquitetura dos glomérulos, função anormal dos podócitos e rompimento da barreira de filtração, levando à esclerose e à destruição dos néfrons remanescentes. O aumento da atividade intrarrenal do SRA contribui para para a hiperfiltração compensatória inicial e para as subsequentes hipertrofia e esclerose malaptativas, de forma que a redução da massa renal secundária a uma agressão isolada pode levar ao declínio progressivo da função renal ao longo de muitos anos. Fatores de risco Os fatores de risco incluem baixo peso ao nascer para a idade gestacional, obesidade infantil, hipertensão, diabetes melito, doença 1 autoimune, idade avançada, descendência africana, história familiar de doença renal, episódio prévio de doença renal aguda e existência de proteinúria, sedimento urinário anormal ou anormalidades estruturais do trato urinário. Além disso, um ou mais episódios de lesão renal aguda estão associados ao risco aumentado de DRC. Estadiamento Para fazer o estadiamento da DRC, é necessário estimar a TFG: O declínio médio anual normal da TFG com a idade, a partir do valor máximo (120 mL/min/1,73 m3) alcançado aos 30 anos, é de cerca de 1 mL/min/1,73 m3, atingindo um valor médio de 70 mL/min/1,73 m3 aos 70 anos de idade (há uma considerável variabilidade interindividual). A TFG média é menor nas mulheres em comparação com os homens. A quantificação da albuminúria também ajuda a monitorar a lesão dos néfrons e a resposta ao tratamento, principalmente nas doenças glomerulares crônicas. A coleta de urina de 24 h foi substituída pela medida da razão albumina/ creatinina urinária (RACU) em uma ou em várias amostras de primeira urina matinal, como medida indicativa de lesão glomerular. Assim, uma RACU > 17 mg de albumina/g de creatinina em homens e > 25 em mulheres serve de marcador para a detecção precoce da doença renal primária e da doença microvascular sistêmica. A presença de albuminúria é um marcador útil de presença de doença microvascular sistêmica e disfunção endotelial. A DRC em estágios 1 e 2 geralmente é assintomática, de modo que o reconhecimento da condição é mais frequentemente resultante de exames laboratoriais conduzidos em outros contextos clínicos que não o de suspeita de doença renal. Além disso, na ausência dos fatores de risco notados anteriormente, a triagem populacional não é recomendada. Na DRC de estágios 3 e 4, as complicações clínicas e laboratoriais se tornam mais proeminentes. Quase todos os sistemas do organismo são afetados, mas as complicações mais evidentes são anemia e a propensão à fadiga associada; perda do apetite com desnutrição progressiva; anormalidades do cálcio, fósforo e hormônios reguladores de minerais, como 1,25(OH)2D3 (calcitriol), paratormônio (PTH) e fator de crescimento de fibroblasto 23 (FGF-23); e anormalidades da homeostasia do sódio, do potássio, da água e do equilíbrio acidobásico. Muitos pacientes, principalmente os idosos, apresentam valores de TGFe compatíveis com DRC 2 ou 3. Contudo, a maioria desses pacientes não apresentará deterioração adicional da função renal. O médico da assistência primária deve reavaliar a função renal e, se estiver estabilizada e não houver proteinúria associada, o paciente geralmente pode ser acompanhado com repetição regular dos exames, sem necessidade de encaminhamento ao nefrologista. Entretanto, é preciso ter cuidado quanto à potencial exposição a nefrotóxicos ou intervenções que apresentem risco de lesão renal aguda (LRA), bem como eventual ajuste da dose da medicação, se necessário. Se exames repetidos mostrarem declínio da TFG, albuminúria ou hipertensão descontrolada, é recomendado o encaminhamento ao nefrologista. No estágio 5, as toxinas acumulam-se e o paciente costuma demonstrar alterações marcantes em suas atividades da vida diária, em seu bem-estar, em seu estado nutricional e na homeostase hidreletrolítica; por fim, evolui para a síndrome urêmica. 2 Etiologia e epidemiologia Nos Estados Unidos, no mínimo 6% da população adulta tem DRC em estágios 1 e 2. Outros 4,5% da população norte-americana têm DRC nos estágios 3 e 4. A Tabela 305-2 lista as cinco categorias mais frequentes de etiologias da DRC que, em conjunto, representam mais de 90% de todos os casos mundiais da doença. A contribuição relativa de cada categoria varia nas diferentes regiões geográficas. Na América do Norte e na Europa, a causa mais comum de DRC é nefropatia diabética, na maioria dos casos secundária ao diabetes melito tipo 2. Os pacientes com DRC recém-diagnosticada costumam apresentar hipertensão. Quando não há outras evidências de doença renal glomerular ou tubulointersticial primária, a DRC, em geral, é atribuída à hipertensão. Todavia, hoje se sabe que esses pacientes podem ser classificados em duas categorias. A primeira categoria inclui os pacientes com glomerulopatia primária subclínica, como glomerulosclerose focal segmentar ou global. A segunda categoria inclui os pacientes nos quais a hipertensão e a nefrosclerose progressivas representam o correspondente renal de uma doença vascular sistêmica, que muitas vezes inclui também patologias de pequenos e grandes vasos cardíacos e cerebrais. Essa última combinação é especialmente comum em idosos, nos quais a isquemia renal crônica como causa de DRC pode não ser diagnosticada de maneira adequada. A incidência crescente de DRC na população idosa é atribuída em parte à queda das taxas de mortalidade devido a complicações cardíacas e cerebrais da doença vascular aterosclerótica, permitindo que um segmento maior da população evolua para os estágios mais avançados da DRC. No entanto, é importante entender que a maioria dos pacientes com DRC nos estágios iniciais morre em razão das complicações cardiovasculares e cerebrovasculares, antes de progredir para os estágios mais avançados da DRC. Na verdade, até mesmo uma redução mínima da TFG ou a presença de albuminúria atualmente é reconhecida como importante fator de risco de doença cardiovascular. Fisiopatologia e bioquímica da uremia A síndrome urêmica envolve mais do que a insuficiência excretora renal. Inúmeras funções metabólicas e endócrinas desempenhadas normalmente pelos rins também são comprometidas, e isso causa anemia, desnutrição e anormalidades do metabolismo dos carboidratos, gorduras e proteínas. Além disso, os níveis plasmáticos de muitos hormônios (como PTH, FGF-23, insulina, glucagon, hormônios esteroides, como a vitamina D e os hormônios sexuais, e prolactina) alteram-se na DRC em razão da excreção reduzida, da menor degradação ou da regulação hormonal anormal. Por fim, a DRC está associada à inflamação sistêmica aumentada. Os níveis altos de proteína C-reativa são detectados simultaneamente com outros reagentes de fase aguda, enquanto as concentrações dos chamados reagentes negativos da faseaguda (p. ex., albumina e fetuína) diminuem. Desse modo, a inflamação associada à DRC é importante para a síndrome de desnutrição-inflama- ção-aterosclerose/calcificação, que contribui para a aceleração da doença vascular e a comorbidade associada à doença renal avançada. Em resumo, a fisiopatologia da síndrome urêmica pode ser dividida em três esferas de manifestações disfuncionais: (1) distúrbios secundários ao acúmulo das toxinas normalmente excretadas pelos rins; (2) anormalidades consequentes à perda das outras funções renais, como a homeostase hidreletrolítica e a regulação hormonal; e (3) inflamação sistêmica progressiva e suas consequências vasculares e nutricionais. 3 Manifestações clínicas e laboratoriais A uremia causa distúrbios funcionais em quase todos os sistemas do organismo. A diálise crônica pode reduzir a incidência e a gravidade de muitos desses distúrbios, de forma que as manifestações integrais da uremia desapareceram amplamente do cenário de saúde moderno. Entretanto, mesmo o tratamento dialítico ideal não é totalmente efetivo como terapia renal substitutiva, porque alguns distúrbios resultantes da disfunção renal não respondem à diálise. Distúrbios de líquidos, eletrólitos e acidobásicos Homeostase do sódio e da água: Com a função renal normal, a excreção tubular de água e sódio filtrado corresponde à ingesta. Muitas formas de doença renal (p. ex., glomerulonefrite) rompem esse equilíbrio, de modo que a ingesta alimentar de sódio excede sua excreção urinária, resultando na retenção de sódio e consequente expansão do volume de líquido extracelular (VLEC). Isso pode contribuir para a hipertensão que, por si só, pode acelerar a lesão dos néfrons. Enquanto a ingesta de água não for maior que a capacidade de sua eliminação, a expansão do VLEC será isotônica e o paciente terá concentração plasmática de sódio normal. A hiponatremia é pouco comum em pacientes com DRC e, quando presente, costuma responder à restrição de água. O paciente com expansão do VLEC (edema periférico, às vezes com hipertensão pouco responsiva ao tratamento) deve ser orientado a fazer restrição de sal. Os diuréticos tiazídicos têm pouca utilidade nos estágios 3-5 da DRC, de modo que a administração dos diuréticos de alça (como furosemida, bumetanida ou torsemida) pode ser necessária. Na DRC, a resistência aos diuréticos de alça costuma impor o uso de doses mais altas que as administradas aos pacientes com TFG preservada. A combinação de diuréticos de alça com metolazona pode ser útil. Na DRC avançada, a resistência aos diuréticos diante de edema e hipertensão intratáveis pode ser um indício da necessidade de iniciar a diálise. Além dos distúrbios da excreção de sal e água, alguns pacientes com DRC podem, em vez disso, apresentar reduzida conservação renal de sódio e água por deterioração da resposta adaptativa. Quando há uma causa extrarrenal para a perda de líquidos (p. ex., perdas gastrintestinais [GIs]), esses pacientes podem ser suscetíveis à depleção do VLEC em razão da incapacidade de os rins insuficientes reterem quantidades adequadas de sódio filtrado. Além disso, a depleção do VLEC, seja em razão das perdas GI ou do tratamento diurético exagerado, pode comprometer ainda mais a função renal em consequência de subperfusão, ou por um estado “pré-renal”, resultando em lesão renal aguda sobreposta à DRC de base (acute-on-chronic). Nesse contexto, suspender ou ajustar a dose de diurético, ou até mesmo uma administração cautelosa de volume com solução salina, podem trazer o VLEC de volta ao normal e restaurar a função renal ao nível basal. Homeostase do potássio: Com a DRC, o declínio da TFG não é necessariamente acompanhado de uma redução correspondente na excreção urinária de potássio, a qual é mediada de modo predominante pela aldosterona nos segmentos distais dos néfrons. Nesses pacientes, outra defesa contra a retenção de potássio é o aumento da sua excreção pelo trato GI. Apesar dessas duas respostas homeostáticas, a hiperpotassemia pode ser precipitada em determinadas situações clínicas. Estas incluem aumento da ingesta alimentar de potássio, hemólise, hemorragia, transfusão de hemácias armazenadas e acidose metabólica. Ainda, é importante salientar que diversos fármacos podem inibir a excreção renal do potássio e causar hiperpotassemia. Os fármacos mais importantes nesse sentido são os inibidores do SRA e a espironolactona, bem como outros diuréticos poupadores de potássio, inclusive amilorida, eplerenona e triantereno. Os 4 benefícios proporcionados pelos inibidores de SRA em termos de melhora da progressão da DRC e suas complicações, em geral, favorecem seu uso cauteloso e sensato, com estreito monitoramento da concentração plasmática de potássio. Algumas causas de DRC podem estar associadas à desorganização mais precoce e grave dos mecanismos secretores de potássio no néfron distal, desproporcional ao declínio da TFG. Essas possíveis causas incluem os distúrbios associados ao hipoaldosteronismo hiporreninêmico (p. ex., diabetes) e as doenças renais que afetam preferencialmente o néfron distal (p. ex., uropatia obstrutiva e nefropatia falciforme). A hipopotassemia não é comum na DRC e, em geral, reflete as reduções extremas na ingesta alimentar de potássio, principalmente quando associadas ao tratamento diurético excessivo ou às perdas GI concomitantes. O uso de suplementos de potássio e de diuréticos poupadores de potássio pode ser arriscado em pacientes com função renal comprometida e precisa ser monitorado cautelosamente. Acidose metabólica: É um distúrbio comum na DRC avançada. A maioria dos pacientes ainda consegue acidificar a urina, mas produz menos amônia e, por essa razão, não é capaz de excretar a quantidade normal de prótons. Quando presente, a hiperpotassemia suprime ainda mais a produção de amônia. A combinação de hiperpotassemia com acidose metabólica hiperclorêmica é observada comumente, mesmo nos estágios iniciais de DRC (estágios 1-3), nos pacientes com nefropatia diabética ou nos indivíduos com doença predominantemente tubulointersti- cial ou uropatia obstrutiva. Com a deterioração da função renal, a excreção urinária diária líquida de ácidos, em geral, se limita a 30-40 mmol, e os ânions dos ácidos orgânicos retidos podem, então, causar acidose metabólica com anion gap. Desse modo, a acidose metabólica sem anion gap, por vezes observada nos estágios iniciais da DRC, pode ser complicada pela acidose metabólica com anion gap, à medida que a doença avança. Na maioria dos pacientes, a acidose metabólica é leve, o pH raramente é < 7,32 e tal acidose geralmente pode ser corrigida por suplementos orais de bicarbonato de sódio. Estudos realizados com animais e humanos sugeriram que mesmo graus mais modestos de acidose metabólica podem estar associados a catabolismo proteico. A suplementação alcalina pode atenuar o estado catabólico e, possivelmente, retardar a progressão da DRC; por esse motivo, tal medida é recomendada quando a concentração do bicarbonato sérico cai abaixo de 20-23 mmol/L. A sobrecarga concomitante de sódio requer controle cuidadoso do volume e a necessidade de diuréticos. Distúrbios do metabolismo de cálcio e fosfato As principais complicações dos distúrbios do metabolismo do cálcio e fosfato associados à DRC ocorrem no esqueleto e no leito vascular, ocasionalmente com envolvimento grave de tecidos moles. É provável que os distúrbios de turnover ósseo e as calcificações dos vasos sanguíneos e dos tecidos moles estejam inter-relacionados. Manifestações ósseas da DRC: Os principais distúrbios da doença óssea podem ser classificados em dois tipos: distúrbios associados a um alto turnover ósseo, com níveis elevados de PTH (como a osteíte fibrosa cística, a lesão clássica do hiperparatireoidismo secundário), osteoma- lácia decorrente da ação diminuída das formas ativas de vitamina D; e anormalidades atribuídas a um turnover ósseo reduzido, com níveis normais ou baixos de PTH (doença óssea adinâmica) ou, mais frequentemente, combinações dos anteriores.A fisiopatologia do hiperparatireoidismo secundário e da doença óssea consequente ao turnover elevado está relacionada com o 5 metabolismo mineral anormal em razão dos seguintes fatores: (1) a TFG declinante diminui a excreção de fosfato e, desse modo, causa retenção deste elemento; (2) o fosfato retido estimula o aumento da síntese tanto de FGF-23 por osteócitos quanto de PTH e estimula o crescimento das paratireoides; (3) os níveis baixos de cálcio ionizado, resultantes da supressão da síntese de calcitriol pelo FGF-23 e pelos rins insuficientes, assim como a retenção de fosfato, também estimulam a produção de PTH. Os níveis baixos de calcitriol contribuem para o hiperparatireoidismo, porque causam hipocalcemia e também por um efeito direto na transcrição dos genes do PTH. Essas alterações começam quando a TFG cai para menos de 60 mL/min. O FGF-23 faz parte de uma família de fosfatoninas que promovem a excreção renal do fosfato. Os níveis desse hormônio, que é secretado pelos osteócitos, aumentam ainda mais nos estágios iniciais da DRC, mesmo antes do aparecimento laboratorial da hiperfosfatemia. O FGF-23 pode manter os níveis séricos normais do fosfato ao menos por três mecanismos: (1) aumento da excreção renal de fosfato; (2) estimulação do PTH, que também aumenta a excreção renal de fosfato; e (3) supressão da síntese de 1,25(OH)2D3, que diminui a absorção do fósforo no trato GI. Curiosamente, os níveis altos do FGF-23 também são um dos fatores de risco independentes para hipertrofia do ventrículo esquerdo e mortalidade em pacientes com DRC, em diálise e transplantados renais. Além disso, os níveis altos desse hormônio podem indicar a necessidade de intervenção terapêutica (p. ex., restrição de fosfato) mesmo quando os níveis séricos de fosfato encontram-se na faixa normal. O hiperparatireoidismo estimula o turnover ósseo e causa osteíte fibrosa cística. A histologia óssea mostra osteoide anormal, fibrose dos ossos e da medula óssea e, nos estágios avançados, formação de cistos ósseos, algumas vezes com elementos hemorrágicos, razão pela qual adquirem uma coloração castanha, daí o termo tumor marrom. As manifestações clínicas do hiperparatireoidismo grave consistem em dor e fragilidade ósseas, tumores marrons, síndromes compressivas e resistência à eritropoietina (EPO), em parte relacionada com a fibrose da medula óssea. Além disso, o PTH é considerado uma toxina urêmica intrínseca, e níveis altos estão associados à fraqueza muscular, fibrose do miocárdio e sintomas constitucionais inespecíficos. A prevalência da doença óssea adinâmica está aumentando, principalmente entre diabéticos e idosos. Essa doença caracteriza-se por volume e mineralização ósseos reduzidos e pode ser causada pela supressão excessiva da síntese do PTH, inflamação crônica ou ambas. A supressão do PTH pode ser causada pela utilização de preparações de vitamina D ou exposição excessiva ao cálcio na forma de quelantes de fosfato contendo cálcio ou soluções dialíticas ricas em cálcio. As complicações da doença óssea adinâmica incluem incidência aumentada de fraturas e dor óssea e uma associação com aumento de calcificações vasculares e cardíacas. Algumas vezes, o cálcio precipitará nos tecidos moles formando concreções grandes chamadas de “calcinose tumoral”. Pacientes com osteopatia adinâmica frequentemente experimentam os sintomas mais graves de dor musculo- esquelética, devido à incapacidade de reparação das microfraturas que ocorrem propriamente como parte da homeostase esquelética sadia com a atividade física regular. A osteomalácia é um processo distinto, consequente à diminuída produção e ação da 1,25(OH)2D3, levando ao osteoide não mineralizado. 6 Calcinose tumoral. Este paciente estava em hemodiálise há muitos anos e não aderia à restrição de fósforo na alimentação nem ao uso de quelantes de fosfato. Ele apresentava hiperfosfatemia grave crônica e desenvolveu uma massa expansiva dolorosa no braço, apresentando extensiva calcificação. Cálcio, fósforo e sistema cardiovascular: Há uma forte correlação entre hiper- fosfatemia e aumento da taxa de mortalidade cardiovascular entre os pacientes com DRC no estágio 5 e mesmo em estágios anteriores. A hiperfosfatemia e a hipercalcemia estão associadas ao aumento das calcificações vasculares, mas não está claro se a mortalidade excessiva é mediada por esse mecanismo. Estudos com tomografia computadorizada (TC) convencional e TC por feixe de elétrons mostram que os pacientes com DRC têm calcificações da camada média das artérias coronárias e também nas valvas cardíacas que parecem muito mais graves do que as observadas nos indivíduos sem doença renal. A magnitude da calcificação é proporcional à idade e à hiperfosfatemia, e também está associada a níveis baixos de PTH e ao turnover ósseo reduzido. Em pacientes com DRC, é possível que o cálcio ingerido possa não ser incorporado aos ossos com baixo turnover e, por essa razão, seja depositado em sítios extraósseos como o leito vascular e os tecidos moles. Nesse sentido, é interessante observar que também existe uma associação entre osteoporose e calcificações vasculares na população em geral. Por fim, a hiperfosfatemia pode provocar uma mudança na expressão genética nas células vasculares para um perfil semelhante ao dos osteoblastos, resultando em calcificações vasculares e até ossificação. Outras complicações do metabolismo mineral anormal: A calcifilaxia é uma condição devastadora observada quase exclusivamente em pacientes com DRC avançada. Essa condição é prenunciada por livedo reticular e evolui para placas de necrose isquêmica, sobretudo nas pernas, coxas, abdome e mamas. A patologia mostra indícios de obstrução vascular associada a uma extensa calcificação vascular e de tecidos moles. Aparentemente, a incidência desse distúrbio está aumentando. A princípio, a calcifilaxia foi atribuída a graves anormalidades no controle do cálcio e do fósforo em pacientes dialisados, em geral associadas ao hiperparatireoidismo avançado. Entretanto, mais recentemente, a calcifilaxia tem sido observada com frequência crescente na ausência de hiperparatireoidismo grave. Outras etiologias foram sugeridas, como o uso aumentado de cálcio oral como quelante de fosfato. A varfarina é comumente utilizada pelos pacientes em hemodiálise, para os quais a maioria dos anticoagulantes orais diretos são contraindicados, e nos quais um dos efeitos do tratamento com varfarina é reduzir a regeneração vitamina K-depen- dente da proteína de matriz GLA. Essa última proteína é importante para a prevenção da calcificação vascular. Assim, o tratamento com varfarina é considerado fator de risco para calcifilaxia e, se um paciente desenvolve tal síndrome, essa medicação deve ser suspensa e substituída por outro anticoagulante. 7 Anormalidades cardiovasculares A doença cardiovascular é a principal causa de morbidade e mortalidade entre os pacientes com DRC em qualquer estágio. O risco aumentado de doença cardiovascular entre os indivíduos com DRC, quando comparados com a população geral pareada por idade e sexo, varia de 10 a 200 vezes, dependendo do estágio da DRC. Por essa razão, a maioria desses pacientes falece durante algum evento cardiovascular antes de chegar ao estágio 5 da DRC. Cerca de 30-45% dos pacientes que chegam ao estágio 5 da DRC já têm complicações cardiovasculares avançadas. Assim, o foco dos cuidados aos pacientes com DRC em estágios mais iniciais deve ser a prevenção das complicações cardiovasculares. Doença vascular isquêmica: A prevalência mais alta das doenças vasculares entre os pacientes com DRC deve-se aos fatores de risco tradicionais (“clássicos”) e não tradicionais (associados à DRC). Entre os fatores de risco tradicionais estão hipertensão, hipervolemia, dislipidemia, hiperatividade simpática e hiper-homocisteinemia. Os fatores de risco associados à DRC incluem anemia, hiperfosfatemia, hiperparatireoidismo, aumento de FGF-23, apneia do sono e inflamação generalizada. O estado inflamatório parece acelerar a doençavascular obstrutiva, e os níveis baixos de fetuína podem predispor às calcificações vasculares mais rapidamente, principalmente na vigência de hiperfosfatemia. Outras anormalidades detectadas nos pacientes com DRC podem agravar a isquemia miocárdica, como hipertrofia ventricular esquerda e doença microvascular. Além disso, a hemodiálise com episódios de hipotensão e hipovolemia pode agravar a isquemia coronariana e “atordoar” repetidamente o miocárdio. Entretanto, curiosamente, o aumento mais expressivo da taxa de mortalidade cardiovascular dos pacientes em diálise não necessariamente tem relação direta com infartos agudos do miocárdio confirmados, mas sim com insuficiência cardíaca congestiva e morte súbita. Os níveis da troponina cardíaca frequente- mente estão aumentados nos pacientes com DRC, mesmo sem qualquer indício de isquemia aguda. Este aumento dificulta o diagnóstico do infarto agudo do miocárdio nessa população. Medidas seriadas podem ser necessárias, visto que a tendência dos níveis de troponina ao longo de algumas horas após a apresentação clínica pode ser mais informativa do que uma dosagem isolada. Curiosamente, os níveis consistentemente altos são um dos fatores prognósticos independentes para a ocorrência de eventos cardiovasculares adversos nessa população. Insuficiência cardíaca: A função cardíaca anormal resultante da isquemia miocárdica, da hipertrofia ventricular esquerda, da disfunção diastólica e da miocardiopatia franca, somada à retenção de sal e água, frequentemente causa insuficiência cardíaca ou edema pulmonar. A insuficiência cardíaca pode ser devida à disfunção sistólica, diastólica ou ambas. Um tipo de edema pulmonar de “baixa pressão” também pode ocorrer na DRC avançada e evidencia-se como dispneia e uma distribuição do edema alveolar em padrão de “asa de morcego” na radiografia de tórax. Essa anormalidade pode ocorrer mesmo na ausência de sobrecarga de VLEC e está associada à pressão de oclusão capilar pulmonar normal ou ligeiramente elevada. Esse processo foi atribuído ao aumento da permeabilidade das membranas 8 alveolocapilares em razão do estado urêmico e melhora com a diálise. Outros fatores de risco associados à DRC, como anemia e apneia do sono, podem contribuir para o risco de insuficiência cardíaca. Hipertensão e hipertrofia ventricular esquerda: A hipertensão é uma das complicações mais comuns da DRC. Em geral, a hipertensão começa nos estágios iniciais da DRC e está associada a desfechos adversos, inclusive ao desenvolvimento de hipertrofia ventricular e à deterioração mais rápida da função renal. A hipertrofia do ventrículo esquerdo e a miocardiopatia dilatada estão entre os fatores de risco mais importantes para morbidade e mortalidade cardiovasculares entre os pacientes com DRC e, aparentemente, estão relacionadas sobretudo (embora não apenas) com hipertensão prolongada e sobrecarga de VLEC. Além disso, a anemia e a criação de uma fístula arteriovenosa para hemodiálise podem aumentar o débito cardíaco e desencadear insuficiência cardíaca. A ausência de hipertensão pode significar uma função ventricular esquerda ruim. Na verdade, nos estudos epidemiológicos com pacientes em diálise, a pressão arterial baixa implica em prognóstico mais desfavorável que a pressão arterial elevada. Esse mecanismo explica em parte a “causalidade reversa” observada nos pacientes dialisados, nos quais a presença dos fatores de risco tradicionais (p. ex., hipertensão, hiperlipidemia e obesidade) parece conferir prognósticos mais favoráveis. É importante salientar que essas observações originaram-se de estudos transversais com pacientes nos estágios tardios da DRC e não devem ser interpretadas como desestímulo ao controle apropriado desses fatores de risco nessa população, principalmente quando a DRC encontra-se em seus estágios iniciais. Ao contrário do que se observa na população geral, é possível que nos estágios tardios da DRC a pressão arterial baixa, o índice de massa corporal reduzido e a hipolipidemia indiquem a existência de um estado avançado de desnutrição-inflamação, que está associado a um prognóstico desfavorável. A utilização dos fármacos que estimulam a eritropoiese pode aumentar a pressão arterial e gerar a necessidade de agentes anti-hipertensivos. A sobrecarga crônica de VLEC também contribui para a hipertensão, e a redução da pressão arterial geralmente pode ser observada após restrição da ingesta alimentar de sódio, uso de diuréticos e remoção de líquidos pela diálise. No entanto, em razão da ativação do SRA e de outros distúrbios no equilíbrio de vasoconstritores e vasodilatadores, alguns pacientes continuam hipertensos apesar do controle rigoroso do VLEC. Doenças pericárdicas A dor torácica com intensificação respiratória e acompanhada de atrito pericárdico é diagnóstica de pericardite. As anormalidades eletrocardiográficas clássicas incluem depressão do intervalo PR e elevação difusa do segmento ST. A pericardite pode estar acompanhada de derrame pericárdico, que pode ser detectado à ecocardiografia e raramente evolui para tamponamento. Contudo, o derrame pericárdico pode ser assintomático e a pericardite pode ser vista sem derrame significativo. A pericardite está associada à uremia avançada e, com a diálise iniciada no momento adequado, essa complicação já não é tão comum quanto no passado. Hoje, a pericardite é detectada mais nos pacientes mal dialisados que não seguem o tratamento prescrito, do que nos indivíduos que iniciam a diálise. Anormalidades hematológicas Anemia: A anemia normocítica e normocrômica começa a partir do estágio 3 da DRC e está presente em quase todos os pacientes do estágio 4. A causa primária é a produção insuficiente de EPO pelos rins afetados. 9 A anemia da DRC está associada a algumas consequências fisiopatológicas adversas, inclusive transporte e consumo de oxigênio reduzidos nos tecidos, aumento do débito cardíaco e dilatação e hipertrofia ventriculares. As manifestações clínicas incluem fadiga e diminuição da tolerância aos esforços, angina, insuficiência cardíaca, distúrbios da cognição e acuidade mental, bem como diminuição das defesas contra infecção. Além disso, a anemia pode desempenhar um importante papel na restrição do crescimento das crianças com DRC. Embora muitos estudos com pacientes portadores de DRC tenham mostrado que a anemia e a resistência aos agentes estimulantes da eritropoiese (AEE) estão associadas a um prognóstico mais desfavorável, ainda não é possível definir as contribuições da inflamação como causa de anemia e resistência aos AEE. Hemostasia anormal: Os pacientes nos estágios mais avançados da DRC podem ter prolongamentos do tempo de sangramento, atividade reduzida do fator III plaquetário, agregação e adesividade plaquetárias anormais, bem como consumo de protrombina comprometido. As manifestações clínicas incluem tendência aumentada aos sangramentos e às equimoses, sangramento prolongado das incisões cirúrgicas, menorragia e hemorragia digestiva. Curiosamente, os pacientes com DRC também são mais suscetíveis ao tromboembolismo, sobretudo se tiverem doença renal com proteinúria na faixa nefrótica. Essa última condição causa hipoalbuminemia e perda renal dos fatores anticoagulantes, o que pode gerar um estado de trombofilia. Anormalidades neuromusculares Entre as complicações bem conhecidas da DRC, estão as doenças do sistema nervoso central (SNC), as neuropatias periférica e autonômica, assim como as anormalidades da estrutura e função dos músculos. As manifestações clínicas sutis da doença neuromuscular urêmica geralmente se tornam evidentes no estágio 3 da DRC. As primeiras manifestações das complicações relativas ao SNC incluem distúrbios sutis da memória e da concentração, além de anormalidades do sono. A irritabilidade neuromuscular evidenciada por soluços, cãibras ou abalos musculares torna-se mais evidente nos estágios mais avançados. Na insuficiência renal avançada sem tratamento, os pacientes podem apresentar asterix, mioclonia, convulsões e coma. Em geral,a neuropatia periférica torna-se clinicamente evidente depois que o paciente chega ao estágio 4 da DRC, embora anormalidades eletrofisiológicas e histológicas apareçam nas fases mais precoces. Inicialmente, os nervos sensitivos são mais acometidos do que os motores, os membros inferiores mais do que os superiores e os segmentos distais dos membros mais do que os proximais. A “síndrome das pernas inquietas” caracteriza-se por sensações mal definidas de desconforto ocasionalmente incapacitante nas pernas e nos pés, o qual é aliviado pelos movimentos frequentes das pernas. Indícios de neuropatia periférica sem outra causa (p. ex., diabetes melito) são indicações para iniciar a terapia renal substitutiva. Algumas das complicações descritas antes regridem com a diálise, embora as anormalidades inespecíficas sutis possam persistir. Anormalidades gastrointestinais e nutricionais O hálito urêmico (odor de urina no ar exalado) é causado pela decomposição da ureia em amônia na saliva e geralmente está associado a um paladar metálico desagradável (disgeusia). Gastrite, doença 10 péptica e ulceração em mucosas em qualquer nível do trato GI ocorrem nos pacientes urêmicos e podem causar dor abdominal, náuseas e vômitos e hemorragia GI. Esses pacientes também são suscetíveis à constipação, que pode ser agravada pela administração dos suplementos de cálcio e ferro. A retenção de toxinas urêmicas também causa anorexia, náuseas e vômitos. A restrição proteica pode ajudar a atenuar as náuseas e os vômitos, mas também pode colocar o paciente sob risco de desnutrição e, se for possível, deve ser implementada em colaboração com um nutricionista habilitado e especializado em pacientes com DRC. A perda de peso e a desnutrição proteicocalórica secundária à baixa ingesta de proteínas e calorias é comum na DRC avançada e costuma indicar a necessidade de iniciar a terapia renal substitutiva. A acidose metabólica e a ativação de citocinas inflamatórias podem promover o catabolismo proteico. Entre os índices que são úteis na avaliação nutricional, estão a história da dieta, incluindo a alimentação diária e avaliação global subjetiva; o peso corporal sem edema; e a determinação do nitrogênio proteico urinário. Hoje, a absorciometria de raios X de dupla energia é amplamente utilizada para estimar a massa corporal magra em contraposição ao peso do conteúdo de líquidos. Distúrbios endócrino-metabólicos Na DRC, o metabolismo da glicose está comprometido. No entanto, a glicose sanguínea em jejum costuma estar normal ou ligeiramente elevada, e a intolerância leve à glicose não requer tratamento específico. Como os rins contribuem para a remoção da insulina da circulação, os níveis plasmáticos deste hormônio ficam ligeira ou moderadamente elevados na maioria dos pacientes urêmicos, tanto em jejum quanto no estado pós-prandial. Em vista dessa redução da degradação renal da insulina, os pacientes tratados com esse hormônio podem necessitar de reduções progressivas da dose, à medida que sua função renal deteriora. Muitos agentes hipoglicemiantes, incluindo as gliptinas, exigem redução de dose na insuficiência renal, enquanto outros (p. ex., metformina, sulfonilureias) estão contraindicados quando a TFG está abaixo de 50% do normal. Uma recente exceção é a classe dos fármacos inibidores do cotransportador de sódio-glicose no túbulo proximal, resultando em queda da glicose acompanhada de reduções marcantes no declínio da função renal e nos eventos cardiovasculares. A estabilização da TFG alcançada por muitos pacientes com essa intervenção terapêutica representa um importante efeito benéfico adicional desses fármacos. Seu efeito estabilizador prolongado sobre a TFG e a excreção urinária de albumina parece resultar da correção da hiperfiltração, inicialmente, no diabetes melito tipo 2, via reativação da alça de feedback tubuloglomerular. Isso representa uma feliz convergência da fisiopatologia da hiperfiltração glomerular no diabetes, com a descoberta farmacológica. Nas mulheres com DRC, os níveis de estrogênio são baixos e é comum observar anormalidades menstruais, infertilidade e incapacidade de levar as gestações a termo. Quando a TFG cai a cerca de 40 mL/min, a gestação está associada a índices elevados de abortamento espontâneo, com apenas cerca de 20% das gestantes dando à luz bebês vivos; além disso, a gravidez pode acelerar a progressão da própria doença renal. As mulheres com DRC que pretendem engravidar devem primeiramente consultar um nefrologista e um obstetra especializado em gestação de alto risco. Os homens com DRC têm concentrações plasmáticas baixas de testosterona e podem ter disfunção sexual e oligospermia. A maturação sexual pode ser retardada ou prejudicada nos adolescentes com DRC, mesmo que estejam sendo tratados com diálise. Muitas dessas anormalidades melhoram ou desaparecem com diálise intensiva ou transplante renal bem-sucedido. 11 Anormalidades dermatológicas As anormalidades cutâneas são prevalentes com a DRC progressiva. O prurido é muito comum e uma das queixas mais incômodas associadas à uremia. Na DRC avançada, mesmo em diálise, os pacientes podem se tornar mais pigmentados e isso parece refletir a deposição de metabólitos pigmentados retidos (ou urocromos). Embora algumas dessas anormalidades cutâneas melhorem com a diálise, o prurido geralmente é persistente. As primeiras intervenções terapêuticas são excluir a hipótese de outros distúrbios cutâneos não relacionados, como escabiose, e tratar a hiperfosfatemia, que pode causar prurido. Os agentes umectantes locais, glicocorticoides tópicos leves, anti-histamínicos orais e radiação ultravioleta mostraram-se benéficos nesses casos. Nos pacientes com DRC, um distúrbio cutâneo singular é a dermopatia fibrosante nefrogênica, que consiste em enduração subcutânea progressiva, sobretudo nos braços e nas pernas. Essa condição ocorre muito raramente nos pacientes com DRC expostos ao gadolínio, contraste usado na ressonância magnética. As recomendações atuais são de que os pacientes com DRC do estágio 3 (TFG entre 30 e 59 mL/min) devem minimizar a exposição ao gadolínio, enquanto os pacientes com doença nos estágios 4 a 5 (TFG < 30 mL/min) devem evitar o uso do gadolínio, a menos que haja alguma indicação clínica importante. Contudo, nenhum paciente deve deixar de fazer um exame de imagem considerado fundamental ao manejo e, nesses casos, a remoção rápida do gadolínio por hemodiálise (mesmo nos pacientes que ainda não a fazem) logo após o exame pode atenuar essa complicação. Avaliação e manejo de pacientes com DRC Abordagem inicial Anamnese e exame físico: Os sinais e sintomas francos de doença renal são frequentemente sutis ou estão ausentes, até que o paciente atinja estados mais avançados da DRC. Por essa razão, o diagnóstico da doença renal costuma surpreender os pacientes e pode gerar ceticismo e negação. Os elementos específicos da história clínica que sugerem doença renal incluem relatos de hipertensão (que pode causar DRC ou, mais comumente, ser uma consequência da doença), diabetes melito, anormalidades do exame de urina e distúrbios gestacionais como pré-eclâmpsia ou abortamento precoce. É necessário obter uma história farmacológica detalhada. Os fármacos a serem considerados incluem anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), inibidores da cicloxigenase-2 (COX-2), antimicrobianos, quimioterápicos, antir- retrovirais, inibidores da bomba de prótons, laxantes contendo fosfato e lítio. Durante a avaliação da síndrome urêmica, as perguntas sobre apetite, perda de peso, náuseas, soluços, edema periférico, cãibras musculares, prurido e pernas inquietas são particularmente úteis. A história familiar detalhada de doença renal aliada à avaliação das manifestações referidas em outros sistemas do organismo, como o auditivo, o visual e o tegumentar, podem levar ao diagnóstico de uma forma hereditária de DRC (p. ex., doença de Alport ou Fabry, cistinose) ou exposição ambiental coletiva a agentes nefrotóxicos (p. ex., metais pesados, ácido aristolóquico).Deve-se notar que casos agrupados de DRC, algumas vezes de diferentes etiologias, podem ser observados em certas famílias. O exame físico deve concentrar-se na pressão arterial e nas lesões dos órgãos-alvo secundárias à hipertensão. Portanto, é necessário realizar exames fundoscópico e precordial. O exame do fundo de olho é importante no paciente diabético para detectar evidências de retinopatia diabética, que está associada à nefropatia. Outras manifestações de DRC ao exame físico dos pacientes são edema e polineuropatia sensitiva. A detecção de asterix ou atrito pericárdico que não possa ser atribuído a 12 outras causas geralmente indica a existência de síndrome urêmica. Investigação laboratorial: Os exames laboratoriais devem enfatizar a busca por indícios de um processo patológico desencadeante ou agravante subjacente, bem como a avaliação do grau de disfunção renal e suas consequências. A eletroforese das proteínas séricas e urinárias à procura de mieloma múltiplo deve ser realizada em todos os pacientes com mais de 35 anos e DRC inexplicável, principalmente se houver anemia associada e níveis séricos altos ou inapropriadamente normais de cálcio em presença de disfunção renal. Nos pacientes com glomerulonefrite, as doenças autoimunes (p. ex., lúpus) e as etiologias infecciosas (p. ex., hepatites B e C e infecção por HIV) subjacentes devem ser investigadas. Determinações seriadas da função renal devem ser realizadas para avaliar a velocidade de deterioração renal e confirmar que a doença é, de fato, crônica, em vez de aguda ou subaguda que seriam, portanto, potencialmente reversíveis. As concentrações séricas do cálcio, do fósforo, da vitamina D e do PTH devem ser determinadas para avaliar doença óssea metabólica. A concentração de hemoglobina e os níveis de ferro, B12 e folato também devem ser dosados. A coleta da urina por 24 horas pode ser útil, tendo em vista que a excreção proteica > 300 mg pode ser uma indicação para tratamento com inibidores da ECA ou BRAs. Exames de imagem: A ultrassonografia do aparelho urinário é o exame de imagem mais útil porque permite verificar a presença dos dois rins, determinar se são simétricos, obter uma estimativa das dimensões renais e excluir a existência de massas renais e evidências de obstrução. Como é necessário algum tempo para que os rins diminuam de tamanho em razão da doença crônica, a detecção de rins pequenos bilateralmente reforça o diagnóstico de DRC estabelecida. Se as dimensões dos rins forem normais, é possível que a doença renal seja aguda ou subaguda. As exceções a essa regra são nefropatia diabética (na qual as dimensões renais estão aumentadas no início, antes que haja DRC), amiloidose e nefropatia associada ao HIV (nas quais as dimensões dos rins podem ser normais apesar da DRC). A doença renal policística com algum grau de insuficiência renal quase sempre se evidencia por rins aumentados com múltiplos cistos. A assimetria > 1 cm na medida do diâmetro longitudinal dos rins sugere uma anomalia do desenvolvimento unilateral ou um processo patológico ou doença renovascular com insuficiência arterial acometendo mais um rim que o outro. O diagnóstico da doença renovascular pode ser estabelecido por diferentes técnicas, inclusive eco-Doppler, exames de medicina nuclear ou TC e RM. Se houver suspeita de nefropatia por refluxo (infecções urinárias recidivantes na infância, rins com dimensões assimétricas e cicatrizes nos polos renais), pode-se indicar uma uretrocistografia miccional. Entretanto, na maioria dos casos, no momento em que o paciente apresenta DRC, o refluxo já terá resolvido e, ainda que esteja presente, sua correção não melhora a função renal. Os exames radiográficos contrastados não são particularmente úteis à investigação da DRC. Sempre que possível, a administração intravenosa ou intra-arterial de contraste deve ser evitada nos pacientes com DRC, especialmente com nefropatia diabética, tendo em vista o risco de provocar lesão renal aguda induzida pelos contrastes radiográficos. Quando esses exames são inevitáveis, as medidas profiláticas apropriadas devem incluir evitar hipovolemia durante a exposição ao contraste, minimizar o volume de contraste injetado e escolher contrastes radiográficos com menor potencial nefrotóxico. Outras medidas parecem atenuar o agravamento da disfunção renal induzido pelo contraste, incluindo a administração cuidadosa de soluções contendo bicarbonato de sódio e N-acetilcisteína. Biópsia renal: Nos pacientes com rins pequenos bilateralmente, a biópsia renal não é recomendável porque (1) é tecnicamente 13 difícil e tem maior tendência a provocar sangramento e outras consequências desfavoráveis; (2) costuma haver tanta fibrose que a doença primária não pode ser definida; e (3) a janela de oportunidade para promover um tratamento para a doença específica já passou. Outras contraindicações à biópsia renal são hipertensão descontrolada, infecção urinária em atividade, diátese hemorrágica (inclusive sob tratamento anticoagulante) e obesidade grave. A biópsia percutânea orientada pela ultrassonografia é a abordagem preferível, mas a técnica cirúrgica ou laparoscópica pode ser considerada, especialmente nos pacientes com rim único, nos quais a visualização direta e o controle do sangramento são cruciais. Em pacientes com DRC para os quais a biópsia renal é indicada (p. ex., suspeita de processo concomitante ou superposto em atividade, como nefrite intersticial, ou nos casos de perda acelerada da TFG), o tempo de sangramento precisa ser determinado e, se estiver aumentado, deve-se administrar desmopressina imediatamente antes do procedimento. Um ciclo breve de hemodiálise (sem heparina) também pode ser considerado antes da biópsia renal para normalizar o tempo de sangramento. Estabelecimento do diagnóstico e etiologia da DRC A etapa diagnóstica inicial mais importante é diferenciar entre DRC recém-diagnosticada e lesão renal aguda ou subaguda, tendo em vista que essas duas últimas condições podem responder ao tratamento específico. Nesse sentido, as dosagens prévias da concentração sérica de creatinina são particularmente úteis. Valores normais nos últimos meses ou até anos sugerem que a extensão atual da disfunção renal possa ser mais aguda e, como consequência, potencialmente reversível. Por outro lado, elevações da creatinina sérica no passado indicam que a doença renal representa um processo crônico. Mesmo que haja evidências de cronicidade, existe a possibilidade de um processo agudo superposto (p. ex., depleção do VLEC, infecção ou obstrução urinária ou exposição a uma nefrotoxina) agravando a condição crônica do paciente. Se a história sugerir várias manifestações sistêmicas de início recente (p. ex., febre, poliartrite e erupção cutânea), deve-se supor que a disfunção renal é parte de um processo agudo sistêmico. Embora a biópsia renal geralmente possa ser realizada nos estágios iniciais (1-3) da DRC, este procedimento nem sempre é indicado. Por exemplo, nos pacientes com história de diabetes tipo 1 há 15 a 20 anos e retinopatia, proteinúria na faixa nefrótica e ausência de hematúria, o diagnóstico de nefropatia diabética é muito provável e a biópsia, em geral, é desnecessária. Contudo, se houver alguma outra anormalidade que não for típica da nefropatia diabética (p. ex., hematúria, cilindros leucocitários ou ausência de retinopatia diabética), pode haver alguma outra doença e a biópsia deverá ser considerada. Sem o diagnóstico clínico, a biópsia renal pode ser o único recurso para determinar a etiologia da DRC em estágio inicial. Contudo, como já foi salientado, quando a DRC está avançada e os rins são pequenos e retraídos, há pouca utilidade e risco significativo em tentar chegar a um diagnóstico específico. Os testes genéticos estão cada vez mais presentes no repertório de exames diagnósticos, pois os padrões de lesão e as anormalidades morfológicas renais geralmente refletem sobreposição de mecanismos causais, cujas origens podem algumas vezes ser atribuídas a uma predisposiçãoou causa genética. Tratamento de distúrbios associados Distúrbios de líquidos, eletrólitos e acidobásicos A restrição da ingesta alimentar de sal e a utilização dos diuréticos de alça, algumas vezes em combinação com metolazona, podem ser necessários para manter a 14 euvolemia. A restrição hídrica está indicada apenas quando há hiponatremia. A hiperpotassemia costuma responder à restrição de potássio na dieta, ao uso de diuréticos caliuréticos e à evitação de suplementos de potássio (incluindo fontes ocultas, como substitutos de sal na dieta), bem como à diminuição da dose ou à evitação de medicamentos retentores de potássio (especialmente os inibidores da enzima conversora de angiotensina [IECA] ou bloqueadores do receptor de angiotensina [BRAs]). Os diuréticos caliuréticos estimulam a excreção urinária do potássio, enquanto as resinas de captação do potássio (p. ex., resonium cálcico, poliestireno de sódio ou patirômero) podem promover a perda de potássio pelo trato GI, podendo reduzir a incidência de hiperpotassemia. A hiperpotassemia intratável é uma indicação (embora rara) para considerar a instituição da diálise nos pacientes com DRC. A acidose tubular renal e a subsequente acidose metabólica com anion gap da DRC progressiva respondem à suplementação alcalina, em geral com bicarbonato de sódio. Essa reposição deve ser considerada quando a concentração sérica do bicarbonato cai a menos de 20-23 mmol/L para evitar o estado de catabolismo proteico observado mesmo com graus leves de acidose metabólica e para retardar a progressão da DRC. Distúrbios do metabolismo de cálcio e fosfato O tratamento ideal para o hiperparatire- oidismo secundário e a osteíte fibrosa é a prevenção. Quando as glândulas parati- reoides estão muito aumentadas, é difícil controlar a doença. A concentração plasmática de fosfato dos pacientes com DRC deve ser cuidadosamente observada. Ainda, esses pacientes devem ser orientados a ingerir uma dieta pobre em fosfato, bem como a utilizar agentes quelantes de fosfato apropriados. Esses fármacos devem ser ingeridos junto com as refeições e formam complexos com o fosfato da dieta para limitar sua absorção GI. O acetato de cálcio e o carbonato de cálcio são exemplos de fármacos quelantes de fosfato. Um efeito colateral importante dos quelantes de fosfato à base de cálcio é o acúmulo de cálcio e a hipercalcemia, principalmente em pacientes com doença óssea com baixo turnover. O sevelamer e o lantano são polímeros que não contêm cálcio e também atuam como quelantes de fosfato; ambos não predispõem os pacientes com DRC à hipercalcemia e podem reduzir a deposição de cálcio no leito vascular. O calcitriol produz efeito supressor direto na secreção do PTH e também suprime indiretamente a secreção desse hormônio ao elevar a concentração do cálcio ionizado. Contudo, o tratamento com calcitriol pode causar hipercalcemia e/ou hiperfosfatemia secundárias ao aumento da absorção GI desses minerais. Existem alguns análogos do calcitriol disponíveis (p. ex., paricalcitol) que suprimem a secreção do PTH com menos hipercalcemia concomitante. O reconhecimento do papel do receptor sensor de cálcio extracelular levou ao desenvolvimento de agentes calcimiméticos que ampliam a sensibilidade das células paratireoides ao efeito supressor do cálcio. Essa classe de fármacos, que inclui o cinacalcete, causa reduções dose-dependentes no PTH e diminui as concentrações plasmáticas de cálcio em alguns pacientes. As diretrizes atuais da National Kidney Foundation Kidney Disease Outcomes Quality Initiative recomendam níveis-alvo de PTH entre 150 e 300 pg/mL, reconhecendo que as concentrações muito baixas desse hormônio estão associadas à doença óssea adinâmica e a possíveis consequências de fraturas e calcificação ectópica. Anormalidades cardiovasculares Manejo da hipertensão arterial: O principal objetivo da terapia da hipertensão na DRC é evitar as complicações extrarrenais da 15 pressão arterial elevada, como doença cardiovascular e acidente vascular cerebral (AVC). Embora um claro benefício genera- lizado na redução da progressão da DRC ainda não tenha sido comprovado, o benefício para a saúde cardíaca e cerebrovascular é evidente. Em todos os pacientes com DRC, a pressão arterial deve ser mantida nos níveis recomendados pelas diretrizes dos painéis nacionais. Nos pacientes com DRC e diabetes ou proteinúria > 1 g/24 horas, a pressão arterial deve ser reduzida a < 130/80 mmHg, se isso for possível sem causar efeitos colaterais impeditivos. A restrição de sal deve ser a primeira medida terapêutica. Quando apenas a estabilização do volume não é suficiente, a escolha de um agente anti-hipertensivo deve ser semelhante à recomendada para a população em geral. Os inibidores da ECA e os BRAs parecem retardar o declínio da função renal de um modo que vai além da redução da pressão arterial sistêmica, envolvendo a correção da hiperfiltração e da hipertensão intraglomerulares. Algumas vezes, os inibidores da ECA e os BRAs podem precipitar um episódio de lesão renal aguda, especialmente quando usados em combinação em pacientes com doença renovascular isquêmica. Uma discreta redução da TFG (< 30% do basal) pode implicar uma diminuição salutar na hiperfiltração e hipertensão intraglomerular; e, caso a estabilidade se mantenha com o passar do tempo, essa redução poderá ser tolerada com monitoramento contínuo. O declínio progressivo na TFG deve levar à imediata descontinuação desses agentes. O uso dos inibidores da ECA e dos BRAs também pode ser complicado pelo desenvolvimento de hiperpotassemia. Muitas vezes, o uso concomitante de uma combinação de diuréticos caliuréticos (p. ex., furosemida com metolazona) ou de um ligante de trato GI redutor de potássio (como um patirômero) pode melhorar não só a excreção de potássio como também o controle da pressão arterial. Os diuréticos poupadores de potássio devem ser utilizados com cautela ou evitados em definitivo na maioria dos pacientes. O recente movimento para diminuir ainda mais as metas de pressão arterial na população geral talvez não sejam aplicáveis aos pacientes com DRC, que frequentemente não dispõem de autorregulação para manter a TFG, em face da baixa pressão de perfusão. Se um paciente apresenta declínio repentino da função renal com a intensificação da terapia anti-hipertensiva, torna-se necessário considerar a redução da terapia. Doenças pericárdicas A pericardite urêmica é uma indicação absoluta para a instituição urgente de diálise ou intensificação da prescrição dialítica dos pacientes que já se encontram em tratamento. Em vista da propensão à hemorragia no líquido pericárdico, a hemodiálise deve ser realizada sem heparina. A drenagem pericárdica deve ser considerada para os pacientes com derrames pericárdicos recidivantes, principalmente quando há sinais ecocardiográficos de tamponamento iminente. As causas não urêmicas de pericardite e derrame incluem infecções virais, neoplasias malignas, tuberculose e doenças autoimunes. Isso também pode ocorrer após infarto agudo do miocárdio e como complicação do tratamento com o fármaco anti-hipertensivo minoxidil. Anormalidades hematológicas Anemia: A disponibilidade de AEE (agentes estimulantes da eritropoiese) humanos recombinantes representou um dos avanços mais significativos na assistência aos pacientes renais, desde a introdução da diálise e do transplante renal. O uso rotineiro desses hormônios recombinantes evita a necessidade de realizar transfusões sanguíneas periódicas nos pacientes com DRC e anemia grave; isso reduz significativamente as incidências de infecções associadas às transfusões e da sobrecarga de ferro. Nos pacientes em diálise, as transfusões sanguíneas frequentes também 16 resultam no desenvolvimento de aloanticorpos, que podem sensibilizá-los aos antígenos dos rins doados e tornar o transplante renal mais difícil. Reservas adequadas de ferro na medula óssea devem estar disponíveis antes do início do tratamento com AEE. Em geral, a suplementação de ferro é essencialpara assegurar uma resposta adequada aos AEE nos pacientes com DRC, tendo em vista que a demanda de ferro pela medula costuma ser maior que a quantidade imediatamente disponível para a eritropoiese (avaliada pela saturação percentual de transferrina), assim como as reservas de ferro (avaliadas pela ferritina sérica). Para os pacientes com DRC que ainda não se encontram em diálise ou para aqueles tratados com diálise peritoneal, deve-se tentar a suplementação com ferro oral. Se houver intolerância ou má absorção GI, o paciente talvez tenha que receber ferro por infusão IV. Para pacientes em hemodiálise, o ferro IV pode ser administrado durante a diálise, tendo em mente que a terapia com ferro pode aumentar a suscetibilidade a infecções bacterianas e que os efeitos adversos do ferro sérico livre ainda estão sendo investigados. Além do ferro, deve-se assegurar o fornecimento adequado de outros substratos e cofatores essenciais à formação das hemácias, como vitamina B12 e folato. A anemia refratária às doses recomendadas de AEE, apesar das reservas adequadas de ferro, pode ser causada por alguma combinação dos seguintes fatores: inflamação aguda ou crônica, diálise inadequada, hiperparatireoidismo grave, perda sanguínea ou hemólise crônica, infecção crônica ou neoplasia maligna. A utilização de AEE na DRC pode estar associada ao aumento do risco de AVC nos pacientes com diabetes tipo 2, ao aumento da incidência de episódios tromboembólicos e, possivelmente, à evolução mais rápida do declínio renal. Por essa razão, qualquer efeito benéfico em termos de melhoria dos sintomas da anemia deve ser contraposto ao risco cardiovascular potencial do tratamento. Embora sejam necessários estudos adicionais, não restam dúvidas de que a normalização completa da concentração de hemoglobina não traz qualquer benefício adicional aos pacientes com DRC. A prática atual é ter como alvo uma concentração de hemoglobina na faixa de 10,0 a 11,5 g/dL. Hemostasia anormal: O tempo de sangramento anormal e a coagulopatia observados em pacientes com insuficiência renal podem ser revertidos temporariamente com desmopressina (DDAVP), criopre- cipitado, estrogênios conjugados intrave- nosos, transfusões sanguíneas e tratamento com AEE. Em geral, a diálise adequada corrige o tempo de sangramento prolongado. Em vista da coexistência de distúrbios hemorrágicos e da propensão à trombose exclusiva aos pacientes com DRC, as decisões quanto à anticoagulação, que têm perfil de risco-benefício favorável na população geral, podem não ser aplicáveis aos pacientes com DRC avançada. Alguns anticoagulantes como a heparina de baixo peso molecular (fracionada) talvez tenham que ser evitados ou ter suas doses ajustadas nesses pacientes, com monitoração da atividade do fator Xa quando possível. Em geral, nos pacientes hospitalizados que necessitem de uma alternativa à varfarina como anticoagulante, costuma ser mais seguro utilizar a heparina não fracionada convencional titulada com base no tempo de tromboplastina parcial. Todas as novas classes de anticoagulantes orais são, em parte, eliminadas pelos rins e devem ser evitadas ou passar por ajuste da dose quando há redução da TFG. Tratamento da DRC Em geral, a ocasião ideal para iniciar o tratamento, específico e inespecífico, é muito antes que haja declínio detectável da TFG e certamente antes que a DRC esteja estabelecida. Em todos os pacientes, é útil medir sequencialmente a TFG e representar os resultados em um gráfico que expresse a 17 velocidade de declínio. Qualquer aceleração na velocidade de declínio deve levar a uma busca de algum processo agudo ou subagudo sobreposto, o qual pode ser reversível. Isso inclui depleção do VLEC, hipertensão descontrolada, infecção do trato urinário, uropatia obstrutiva de início recente, exposição a fármacos nefrotóxicos (como AINEs ou contraste radiográfico) e reativação ou agravamento da doença de base (p. ex., lúpus ou vasculite). Redução da progressão da DRC Redução da hipertensão intraglomerular e da proteinúria: As pressões de filtração intraglomerular elevadas e a hipertrofia dos glomérulos desenvolvem-se em resposta à perda quantitativa dos néfrons. Essa resposta é mal-adaptativa, porque estimula o declínio persistente da função renal, mesmo que o processo desencadeante tenha sido tratado ou tenha regredido espontaneamente. O controle da hipertensão glomerular é importante para retardar a progressão da DRC. Além disso, a pressão arterial elevada agrava a proteinúria, porque aumenta o fluxo através dos capilares glomerulares. Por outro lado, o efeito nefroprotetor dos agentes anti-hipertensivos é avaliado pela redução subsequente da proteinúria. Desse modo, quanto mais efetivo for determinado tratamento na redução da excreção proteica, maior o impacto subsequente na proteção contra o declínio da TFG. Essa observação constitui a base das diretrizes terapêuticas que estabelecem o nível de 130/80 mmHg como meta de pressão arterial para pacientes com DRC proteinúrica. Os IECAs e BRAs são efetivos para retardar a progressão da insuficiência renal em pacientes que estão nos estágios avançados da DRC, seja diabética ou não diabética. Essa efetividade se deve, em grande parte, aos efeitos desses agentes sobre a vasodilatação eferente e o subsequente declínio da hipertensão glomerular. Quando não há resposta antiproteinúrica com a utilização isolada de um desses fármacos, pode-se tentar o tratamento combinado com inibidores de ECA e BRAs. Essa combinação está associada à redução mais expressiva da proteinúria, quando comparada com o uso isolado de um desses fármacos. Embora a redução da proteinúria seja um indicador substituto de melhora do desfecho renal, a combinação poderia ser vantajosa. No entanto, há uma incidência maior de lesão renal aguda e complicações cardíacas com esse tratamento combinado utilizando IECAs e BRAs. Assim, ao pesar essas informações, a terapia combinada com inibidor de ECA e BRA deve ser evitada. O aumento progressivo da concentração sérica de creatinina com o uso desses fármacos pode sugerir a existência de doença renovascular nas artérias de pequeno ou grande calibre. O desenvolvimento desses efeitos colaterais pode exigir a utilização de agentes anti-hipertensivos de segunda linha, em vez dos inibidores da ECA ou dos BRAs. Entre os bloqueadores dos canais de cálcio, o diltiazem e o verapamil produzem efeitos antiproteinúricos e nefroprotetores mais eficazes, quando comparados às di-hidropiridinas. Duas situações clínicas podem ser observadas: em uma, a progressão da DRC está fortemente associada à hipertensão arterial sistêmica e intraglomerular, bem como à proteinúria (p. ex., nefropatia diabética, doenças glomerulares) e os inibidores da ECA e os BRAs devem ser a primeira opção; em outra, a proteinúria é leve ou indetectável nos estágios iniciais (p. ex., doença renal policística do adulto e outras doenças tubulointersticiais) e a contribuição da hipertensão intraglomerular é menos proeminente; neste último grupo, os outros agentes anti-hipertensivos podem ser úteis para controlar a hipertensão arterial sistêmica. 18 Redução da progressão da nefropatia diabética A nefropatia diabética constitui a principal causa de doença renal crônica (DRC), DRET e DRC exigindo terapia renal substitutiva. A triagem para albuminúria deve começar 5 anos após o início do DM tipo 1, assim como ao ser feito o diagnóstico de DM tipo 2. A terapia ideal para nefropatia diabética consiste em prevenção por meio de controle da glicemia. As intervenções efetivas para reduzir a velocidade da progressão da albuminúria incluem: (1) melhora do controle glicêmico, (2) controle estrito da pressão arterial e (3) administração de um inibidor da ECA ou BRA. A dislipidemia também deve ser tratada. Durante a fase mais avançada de declínio da função renal, as necessidades de insulina podem cair, visto que o rim é um local de degradação da insulina. À medida que a TFG diminui com a nefropatia progressiva, o uso e a dose dos agentes que reduzema glicose devem ser reavaliados. Alguns desses medicamentos (sulfonilureias e metformina) estão contraindicados na insuficiência renal avançada. Muitos indivíduos com DM tipo 1 ou 2 desenvolvem hipertensão. Numerosos estudos do DM tanto tipo 1 quanto tipo 2 demonstram a eficácia do controle rígido da pressão arterial no sentido de reduzir a excreção de albumina e de tornar mais lento o declínio da função renal. A pressão arterial deve ser mantida em < 140/90 mmHg nos indivíduos com diabetes e, possivelmente, em < 130/80 naqueles com risco aumentado de DCV e progressão para a DRC. Alguns agonistas do receptor do peptídeo-1 relacionado com o glucagon (GLP-1) e inibidores do cotransportador de sódio-glicose 2 melhoram o controle glicêmico e reduzem a progressão da nefropatia diabética em indivíduos com DM tipo 2 e DCV estabelecida. Deve-se considerar uma consulta com nefrologista quando a albuminúria aparece e novamente quando a TFG estimada é de < 30 mL/minuto por 1,743 m2. As complicações da aterosclerose constituem a principal causa de morte em indivíduos diabéticos com nefropatia, e a hiperlipidemia deve ser tratada de modo agressivo. Deve-se efetuar um encaminhamento do paciente para avaliação de transplante quando a TFG aproxima-se de 20 mL/min por 1.743 m2. O transplante renal preventivo (antes da diálise) proveniente de doador vivo pode ser a terapia preferida. O transplante renal pode ser realizado isoladamente ou como transplante de pâncreas-rim combinado, que oferece a promessa de normoglicemia e liberdade tanto da insulina quanto da diálise. Em comparação com o que ocorre nos indivíduos que não são diabéticos, a hemodiálise nos pacientes com DM está associada a complicações mais frequentes, tais como hipotensão (decorrente de neuropatia autonômica ou da perda da taquicardia reflexa), um acesso vascular mais difícil e uma progressão acelerada da retinopatia. 19 Tratamento de outras complicações da DRC: ajuste na dose da medicação Embora a dose de ataque da maioria dos fármacos não seja afetada pela DRC, porque a eliminação renal não entra nos seus cálculos, as doses de manutenção de muitos fármacos precisam ser ajustadas. Para os fármacos cujas doses são excretadas por vias não renais (p. ex., eliminação hepática) em mais de 70%, os ajustes de dose podem ser dispensados. Alguns fármacos que devem ser evitados incluem metformina, meperidina e hipoglicemiantes orais eliminados por via renal. Os AINEs devem ser evitados em vista do risco de agravar ainda mais a deterioração renal. Muitos antibióticos, anti-hipertensivos e antiarrítmicos podem exigir reduções da dose ou alteração dos intervalos entre as doses. Os contrastes radiológicos e o gadolínio devem ser evitados ou utilizados de acordo com diretrizes estritas, conforme a necessidade médica. Terapia renal substitutiva Em alguns casos, o alívio transitório dos sinais e dos sintomas da uremia iminente, como anorexia, náuseas, vômitos, fraqueza e prurido, pode ser conseguido com a restrição da ingesta proteica. Entretanto, essa intervenção acarreta risco significativo de desnutrição e, desse modo, devem ser planejadas medidas terapêuticas de longo prazo. A diálise de manutenção e o transplante renal prolongaram a vida de centenas de milhares de pacientes com DRC em todo o mundo. Indicações inequívocas para a instituição da terapia renal substitutiva em pacientes com DRC: são pericardite urêmica, encefalopatia, cãibras musculares intratáveis, anorexia e náuseas não atribuíveis a causas reversíveis (p. ex., doença ulcerosa péptica), indícios de desnutrição e distúrbios hidroeletrolíticos (principalmente hiperpotassemia ou sobrecarga de VLEC) refratários a outras medidas. Recomendações para o momento ideal do início da terapia renal substitutiva: Em vista da variabilidade individual da gravidade dos sintomas urêmicos e da função renal, não é recomendável atribuir um valor arbitrário de ureia ou creatinina para começar a diálise. Além disso, os pacientes podem ficar acostumados à uremia crônica e negar seus sintomas, embora logo descubram que se sentem melhor com a diálise e percebam retrospectivamente como se sentiam mal antes de iniciar o tratamento. Estudos prévios sugeriram que o início da diálise antes do aparecimento de sinais e sintomas graves de uremia estava associado ao prolongamento da sobrevida. Isso originou o conceito de “início saudável” e é compatível com a filosofia de que é melhor manter o paciente sempre se sentindo bem, em vez de deixar que adoeça em razão da uremia para, então, tentar melhorar suas condições de saúde com diálise ou transplante. Embora estudos recentes não tenham confirmado uma correlação entre diálise precoce e aumento da sobrevida dos pacientes, essa abordagem pode ter méritos para alguns indivíduos. Na prática, a preparação antecipada pode ajudar a evitar problemas com o próprio processo de diálise (p. ex., uma fístula que não funciona adequadamente para a hemodiálise ou um cateter peritoneal mal funcionante) e, desse modo, impedir a morbidade associada à necessidade de criar um acesso temporário para a hemodiálise com seus riscos inerentes de sepse, sangramento, trombose e associação com aumento da mortalidade. Orientação ao paciente: A preparação social, psicológica e física da transição para a terapia renal substitutiva, bem como a escolha da modalidade inicial ideal, são mais eficazes quando se adota uma abordagem gradativa implementada por uma equipe multiprofissional. Além das medidas conservadoras descritas nas seções 20 precedentes, é importante preparar os pacientes com um programa educativo intensivo que explique a probabilidade e a ocasião de iniciação da terapia renal substitutiva, bem como as diversas modalidades disponíveis e a opção de cuidado conservador sem diálise. Quanto mais conscientes os pacientes estiverem sobre a hemodiálise (tanto hospitalar quanto domiciliar), a diálise peritoneal e o transplante renal, mais fáceis e apropriadas serão suas decisões. Os pacientes incluídos em programas educativos têm mais chances de escolher o tratamento dialítico domiciliar. Essa abordagem traz benefícios sociais porque o tratamento domiciliar é menos oneroso e está associado à melhora da qualidade de vida. Os programas educativos devem ser iniciados até o estágio 4 da DRC, de modo que o paciente tenha tempo e função cognitiva suficientes para aprender conceitos importantes, fazer escolhas conscientes e adotar as medidas preparatórias para a terapia renal substitutiva. Explorar o suporte social também é importante. A instrução precoce dos familiares para escolher e preparar um cuidador para a diálise domiciliar ou um doador biológico ou emocionalmente apto ao transplante renal deve ocorrer antes do aparecimento da insuficiência renal sintomática. O transplante renal oferece as melhores chances de reabilitação completa, pois a diálise substitui apenas uma pequena parte da função de filtração renal e não repõe qualquer outra função renal, inclusive os efeitos endócrinos e anti-inflamatórios. Em geral, o transplante de rim ocorre após um período em diálise, embora o transplante preemptivo (em geral, de um doador vivo) possa ser realizado quando não restam dúvidas de que a insuficiência renal é irreversível. Referência: Jameson, J. L. Medicina Interna de Harrison - 2 Volumes. Grupo A, 2019. 9788580556346. Disponível em: https://integra daminhabiblioteca.com.br/#/books/978858055 6346/. Acesso em: 20 Sep 2021 21
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