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5 Amaral - Direito Escassez e escolha

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Prévia do material em texto

Gustavo Amaral
Procurador do Estado do RJ, advogado, mestre em 
Direito Público pela UERJ, membro do Instituto Brasileiro 
de Advocacia Pública ~ IBAP
DIREITO, ESCASSEZ 
& ESCOLHA
Em busca de critérios jurídicos 
para lidar com a escassez de 
recursos e as decisões trágicas
RENOVAR
ftlo d e Jan e iro • S ã o Paulo 
2001
Todos os direitos reservados à 
LIVRARIA E EDITORA RENOVAR LTDA.
MATRIZ: Rua da Assembléia, 10/2.421 - Centro - RJ 
CEP: 20011-000 - Tds.: (21) 531-2205 / 531-1618 / 531-3219 - Fax: (21) 531-2135 
LIVRARIA: Rua da Assembléia, 10 - loja E - Centro - RJ 
CEP: 20011-000- Tels.: (21) 531-1316 / 531-1338 - Fax: (21) 531-1873 
FILIAL RJ: Rua Antunes Maciel, 177 - São Cristóvão - RJ
CEP: 20940-010 - Tels.: (21) 589-1863 t 580-8596 ! 3860-6199 - Fox: (21) 5E9-I962 
FILIAL SÃO PAULO. Rua Santo Amaro, 257-A - Bela Vista - SP 
CEP: 01315-001 - Tels.: (11) 3104-9951 / 3104-5849
w w w .ed ito ras.co tn /renovarrenovar@ attg lobal.net 
SAC: 0800-221863
Conselho Ediiorial
Arnaldo Lopes Sílssekínd — Presidente 
Carlos Alberto Menezes Direito 
Caio TScito
Luiz Eniygdio F. da Rosa Jr.
Celso de Albuquerque Mello 
Ricardo Pereira Ura 
Ricardo Lobo Torres 
Vicente de Paulo Barfetto
Revisão Tipográfica 
José A. Ferreira 
Renato Carvalho
Capa 
julio Cesar Gomes
Editoração Eletrônica 
TopTextos Edições Gráficas Ltda.
JVs 0 7 8 0
■CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte 
Sindicato Nacional tios Editores ds Livros, RJ.
Amaral, Gustavo.
A485d Direito, escassez & escolha: em busca de critérios Jurídicos
para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas / 
Gustavo Amarai. — Rio de Janeiro; Renovar, 2001.
272p.; 21cm.
ISBN 85-71472-31-5 (broch.)
1. Direito. I. Título
CDD: 340
Proibida a reprodução (Lei 9.610/98) 
Impresso no Brasil 
Prinied in Srazil
http://www.editoras.cotn/renovarrenovar@attglobal.net
Biblioteca de teses
Os Cursos de Pós-G raduação têm se desen­
volvido no Brasil, e a p rodução de teses tem 
sido elevada e de alto nível.
A Editora Renovar p ro p õ e na p resen te Bi­
blio teca estim ular a divulgação de obras que 
con tribuam para o desenvolvim ento da ciência 
ju ríd ica brasileira, levando-as ao conhec im en­
to do grande público,
N o D ireito as novidades estão, de um m odo 
geral, nas teses e nas revistas especializadas.
Assim sendo, a E ditora R enovar abre a sua 
lin h a editorial para os ju ristas que estão no 
in ício de sua carre ira profissional com o m es­
tres e doutores. A B iblioteca tem esperança 
de que venha a constitu ir um estím ulo a estes
E mais um a prova de q u e acreditam os na 
qualidade das obras ju ríd icas brasileiras. A nos­
sa lin h a editorial é m arcada p o r um a rigorosa 
seleção realizada pelo C onselho Editorial, que 
reú n e em inentes juristas.
Editora Renovar
B i b l i o t e c a d e T e se s R e n o v a r
Posse da Segurança Jurídica à Q uestão Social
Marcelo Domanski
O Prejuízo na Fraude Contra Credores
Marcelo Roberto Ferro
A Pessoa Jurídica e os Direitos da Personalidade
Alexandre Ferreira de Assumpção Alves
Estado e O rdem Económtco-Social
Marco Auré lio Peri Guedes
O Projeto Poiítico de Pontes de Miranda
Dante Br az Limongi
O Direito do Consumidor na Era da Globalização
Sônia Maria Vieira de Mello
As Novas Tendências do Direito Extradicional
A rtur de Brito Gueiros Souza
Fundamentos para um a interpretação Constitucional do Princípio da Boa-Fé 
Teresa Negreiros
O M inistério Público Brasileiro
jíoão Francisco Sauwen Filho
A Criança e o Adolescente no O rdenam ento jurídico Brasileira
Maria de Fátima Carrada Firmo „
Propriedade e Domínio ~.r
Ricardo Aronne
O Princípio da Proporcionalidade e a Interpretação da Constituição
Paulo A rm in io Tavares Buechele
Condomínio de Fato
Danielle Machado Soares
A Liberdade de Imprensa e o Direito à Imagem
" Sidney Cesàr^Siíva Cuerra
Direito de inform ação e Liberdade de Expressão 
Luiz Gustavo Grandinetti C. cie Carvalho
A Saga do Zangão - Uma visão sobre a d ireito natural 
Viviane Nunes Araújo Lima
Mercosul e Personalidade Jurídica Internacional
Marcus Rectór Toledo Silva " ' '
Família sem Casamento
Carmem Lúcia. S. Ramos . - "J
A Disciplina juríd ica dos Espaços Marítimos na Convenção das Nações. Üniclãs 
sobre D ireito do Mar de 1982 e na jurisprudência Internacional 
/ete Jane Fiorati :
O Direito Econômico na Perspectiva da G lobalização 
César /Augusto Si/va da Silva
Os Limites da Reforma Constitucional 
Gustavo lust da Costa e 5i/va
H erm enêutica e Argumentação — Uma C ontribuição ao Estado do Direito
-rida Maria iacombe Camargo
O Referendo 
A dria r Sgarbi
Segurança Internacional e Direitos H um anos 
5/m0í?e Martins
Os Fundamentos e os Limites do Poder Regul. no Âmbito do M ercado Financeiro 
Smione Lahorghe
O Direito Cibernético
Alexandre F, Pimentel
Conflitos entre Tratados Internacionais e Leis Internas
Mar.'ânge/a Ariosi
Privatizações sob Ólica do Direito Privado 
Henrique E. C. Pedrosa
A tu teia de urgência no processo do trabalho: um a visão histórico-com parativa 
(Idéias para o caso brasileiro)
Eduardo Henrique von Adamovich
Jurisprudência Brasileira sobre Transporte Aéreo
José Gabriel Assis de Almeida
Superfície Compulsória — Instrum ento de Efetivação da Função 
Social da Propriedade
Marise Pessoa Cavalcanti
As famílias não-fundadas no casam ento e a condição fem inina 
Ana Carla Harmatiuk Matos
Invalidade processual: um estudo para o processo do trabalho
Aldacy Rachid Coutinho
A vida hum ana embrionária e sua proteção jurídica 
iussara Maria Lesl de Meirelles
O Princípio Constitucional da D ignidade da Pessoa Humana:
O Enfoque da D outrina Social d a Igreja
Cleber Francisco Alves
Conversão Substancial do Negócio jurídico 
■'oão Alberto Schützer Dei Nero
O Direito da Concorrência no D ireito Comunitário Europeu —
Uma contribuição ao Mercosul 
Dy/e Campello
Mercosul, U nião Européia e Constituição 
Mareio Monteiro Reis
D ireito Tributário e Globalização: Ensaio Crítico sobre Preços de Transferência 
Jurandi Borges P;‘nheiro
Transexualismo. O direito a uma nova identidade sexual 
Ana Paula Ar/ston Barion Peres
D ireitos Reais e Autonomia da Vontade 
(O Princípio da Tipicidade dos Direitos Reais)
André Pinto da Rocha Osorio Gond/nho
A Paternidade Presumida no D ireito Brasileiro e Com parado
Luís Paulo Cotrim Cuimarães
Os Novos Paradigmas da Família Contem porânea 
Cristina de O live i'a Zamberiam
O Mito da V erdade Real na Dogmática do Processo Penal 
franc/sco das Neves Baptista
O D ireito ao Desenvolvimento na Perspectiva da G lobalização: 
Paradoxos e Desafios 
•4na Paula Teixeira Delgado
C ooperação Jurídica Penal no Mercosul
5o/arige Mendes de Souza
Em Busca da Família do Novo Milênio 
Rosana ,4. G/rardí Faclun
Juizados Especiais Criminais 
Beatriz Abraão de G/ive/ra
O Princípio da impessoalidade
Lívia Maria Armentano Kcenigsiein Zago
Próximos iançam entos
O Princípio da Subsidiariedade no Direito Público C ontem porâneo
Síiv/a Faber Torres
A Boa-fé e a Violação Positiva do Contrato 
Jorge Cesa Ferreira da Silva
D ecadência e Prescrição no D ireito Tributário do Brasil
Francisco Al\>té dos Santos )r.
À minha mãe, exemplo de f i ­
bra e tenacidade.
A grade cim eatos:
Uma relação de agradecimentos ê algo complicado, pois são tantas 
as pessoas que acabam por colaborar, colegas de mestrado, colegas 
de procuradoria, amigos, que qualquer lista peca por deixar muitos 
de fora. Destaco, apenas, as pessoas de partiápação mais decisiva. 
Agradeço à Procuradora do Estado de Santa Catarina, Dr~ A na 
Cláudia Aliei Aguiar, um a das primeiras pessoas a despertar meu 
interesse pelas questões de tratamento de saúde e que vie forneceu 
vasto material sobre as demandas judiciais havidas naquele Estado. 
Tenho grande dívida para com a D r2 A na L úcia Câmara, 
Procuradora do Estado de São Paulo, amiga e colega de Instituto 
Brasileiro de Advocacia Pública, que forneceu vastíssimo material 
sobre as demandas havidas naquele Estado.Agradeço também à Dr- 
C arla Theóphilo Sabâia, que obteve a íntegra de decisões 
norte-americanas não disponíveis pela internet. Ao meu orientador, 
Professor Ricardo Lobo Torres, que sempre soube indicar as 
coordenadas do caminho a ser percorrido, meu agradecimento e 
m inha admiração. Por fim , a Silvia, apoio seguro nos momentos de 
desespéro que, parece, todo mestrando em fin a l de prezo de entrega 
da dissertação passa.
"Taking rights serioiisly nteans ta k- 
ing scarcity serioiisly."
(Stephen Holmes & Cass Sunstein)
“ Constitutional lawyers know little 
about their proper subject m atter — 
a complex o f political, social and eco- 
nomical phenomena. They know only 
cases. A n exclusive diet o f Supreme 
C ourt opinions is a recipe fo r intel- 
lectual malnutrition."
(Richard Posner)
“O Brasil tem padrões de Primeiro 
M undo em todas as mazelas que 
atingem igualmente ricos e pobres, 
como ê o caso da poliomielite e da 
A ids; ou nos assuntos que benefi­
ciam apenas os ricos, como a q u a l i ­
dade industrial, os aeroportos. M á s 
mantém-se entre os piores do jn u n d o 
naquilo que pode ser lim itado aos po­
bres, como a desnutrição, a educa­
ção, 12 saúde. “
(Cristovam Buarque)
“Los indicadores sociales brasilenos 
m uestran que incluso con un n ivel in- 
negableniente alto de gasto social, 
que tenderia a aproximar a B rasil a 
los países más desarrollados (■■■■), se 
convive todavia con situaciones de 
pobreza inaceptables para los niveles 
de ingreso per capita ya alcanzados . "
(Estudo da CEPAL)
Sumário ■
In trodução..................................................... ....... ........ . 1
Capítulo 1 - Apresentação do Problem a.................... .....7
1. Da insinceridade normativa à efetividade.....................1
1.1 Limites da “interpretação engajada” ......................15
2: A constituição comprornissória, o descrédito do
“ Govèmo e o atívismo j u d i c i a l ....... . . ' . . " . . 18
3. Â questão da saúde ........................ ......22
A '. Os posicionamentos judiciais........... :............. ............26
5. Questões não enfrentadas nos julgados:
- micrõjustiça x m acrojustiça............................. ...... .......34
r6. A qufestão a ser respondida............................................40
Capítulo 2 - 0 conteúdo do “direito
L;Insuficiência da palavra “dkeito".v:;í /v ..:..v... . . ./~ ,^ 4 Í .
2.'Evòlução dos direitos fundarnéntáis’ [.V.. 
3v:Conteúdo dos Direitos F v m d ^ e n ^ ,ç .^ g ^ b í l i^ f ê r . ;r.
òs direitos negativos e os direitos p o s i t i v o s - . - .55
C apítulo 3 - Insuficiência das distinções. 
H á, de fa to , alguma distinção válida?...... 69
1. A Insuficiência das distinções........................................69
1.1 The Cost of Rights.................. ......... .........................71
2. Há, de fato, alguma distinção válida?,
O choque de direitos........... ....... ....... ..........................80
Capítulo 4 - N atureza, estrutura e colisão
dos direitos fundamentais.....,,..:.:.................................... 87
1. Direitos Humanos ou Direitos Fundamentais?
A questão term inológica..............................................87
2. A Natureza dos Direitos Fundamentais.......................91
3. A decomposição dos direitos
em pretensões ( I a parte} ....................... ..................... 100
4. Direitos sem deveres correlat o s .....103
4.1 A formação dos conceitos.........:.............. .....'.....110
5. A decomposição dos d i r e i t o s , . ' , V ; ,
em pretensões (2a parté) ........114
6. A colisão de direitos fundamentais na doutrina......’! 17
6.1 A visão de Robert Alexy .................... '...... 127
7. Conclusão....... ................ ...... ...... v.... 130
Capítulo 5 ~ Escassez, èscollias trágicas 
e direitos f u n d a m e n t a i s . ........133
1. Escassez e saúde...-........... ....... ................. ................. 133
2. A alocação,dè reciirsos“escassos> :̂ .̂»':'.”:.:C__ -.,..ü'*....l'4:7
3. Justiça d i s t r i b u t i v a . . ^ ^ . ^ , ^ . , ^ . - , , . ^ . . ^ . . 151
3.1 .Ã téoriadè-T olm ^w rs .ir.LT..L5X;,
3.2 Aposição de Robert N ozick........ ........................ 160
3:3 Síntese d o s ' p b ' n t ô s " â a m ã . . í . ‘J';.."163 .
3.4 As posições de Walzer, Elster e Sunstein.......... 165
4. Princípios de Justiça distributiva e alocação
de recursos................ ........................... .........................169
5. Escassez e Direitos Fundamentais............ ................ 172
6. Insuficiência dos critérios ............................................180
Capítulo 6 - Interpretação das pretensões positivas, 
solüção dos conflitos e o papel de intérprete ...........187
1. Interpretação das pretensões positivas: : '
o papel da p r é - c o m p r e e n s a o . . .............. .......187
1.1 A pré-compreensão qüàntò à dimensão
positiva dos direitos fundam entais................. ...198
2. A solução dos conflitos e o papel de intérprete.......200
2.1 Ò papel do Judiciário...................... .,.................... 208 .
3. Distinções entre a posição aqui defendida
e outros posicionamentos ............... ................... .2.1 L-
3.1 Uma possível crítica........ ................ ................ .....216
4. Exemplos do modelo de atuação judicial.................223
C onclusões................. ..................... ...... ......... i . . . 227
Notas de fim de te x to ........................... .................... .....229
índice remissivo........................... ........ .......................... .241
* Bibliografia.................................... ....................................247.-;
geira sobre a matéria, basicamente americana, já que o 
tema "racionam ento de recursos m édicos” tornou-se 
centro de atenções notadam ente a partir dos anos 70, 
onde o principal centro de transplantes de rins, situado, 
em Seattle, criou um comitê, com m em bros da comuni- - 
dade, que decidia os critérios de-.atendimento, desnu­
dando, para todos, a existência dê decisões de vida e de . 
m orte quanto a recursos escassos. :. _yv-;v; .
Com o avançar dos estudos, tivemos várias marchas 
e contramarchas, com a abordagem m udando radical­
m ente por mais de urna vez. Ao final, o trabalho de çérta 
forma retornou à idéia inicial, de tra ta r dos “direitos 
positivos”1 e não apenas o direito à saúde, mas com 
várias referências às questões relativas'à saúde, seja pela 
existência de decisões judiciais, sej apela literatura exis- . 
tente, seja tam bém pela dram aticidade. das situações 
envolvidas. ’ v. '--‘-y-" ' ■
No trabalho que se segue, procuramos prim eiram en­
te m ostrar a situação atual, onde ás’decisões judiciais 
tratam o direito à saúde comô absoluto e m contrastável. ■ 
Abordamos os fatos históricos e políticos que-geraram 
em alguns um a visão da‘ "Justiça2" como campeã da 
cidadania, juntam ente com ~o surgimento da doutrina da 
eficácia das normas constitucionais, umá novidade nuiii 
país que primava pela insinceridade normativa..- y j-y .
1. O motivo das aspas leitor compreenderá ao Íer~õ trabalHo*.,. 
especialmente òs capítulos í e :3 : •*••***•* -''-''-í1
2. : Para o leigo/ muitas vezes Judiciário" è Mibisténo-Públicò^Sb^ai •••* 
Justiça": ii __ .«.r., , ;,-i-.33r.ó;*v
2
Disso tra ta o capítulo 1, mostrando a situação pro­
blema a ser enfrentada.
No segundo capítulo abordamos a evolução da idéia 
de direito e a dificuldade terminológica daí gerada, ante 
a pluralidade de significados da palavrav d ire ito”.-Mos­
tram os tam bém a distinção entre “direitos positivos - è 
“direitos negativos”, base para vários dos posicionamèn:. 
tos existentes na m atéria. •
O terceiro capítulo mostra a insuficiência das distin­
ções. Não é por acaso .que o item L I desse capítulo 
chama-se "The Cost o f Rights”. G rande foi a influência, 
da obra homônima de S tephen Holm es e Cass Sunstein. 
Em fins de 1998 a linha de pensam ento que estávamos 
seguindoera a da distinção entre direitos positivos e 
direitos negativos. A notícia da publicação desse, livro, 
cujo lançam ento seria, em fevereiro de .1999 retardou ps 
trabalhos e, depois, obrigou a uma to tal reform ulação. 
Nada obstante,. ainda nos perm anecia nítido o conflito 
por recursos escassos, que não se amoldavam' aos. crité­
rios usualm ente fornecidos pela Ciência do D ireito.
. Para superar o paradoxo, adentram os no significado 
de “direito” (capítulo 2) e, ante a pluralidade de signifi­
cados, entendem os ser possível a decomposição dos- di­
reitos., éúi pretensões.. Assim, um m esm o direito pode 
dar origem a pretensões positivas e pretensões negativas- 
O direito de propriedade nos grandes centros , urbanos 
brasileiros, por exem plo, está mais ameaçado p e ía^ ü -,
* sêatíar dôíEstado, pela-sua inação.^ do^goé g ò r
em pretensões,e, da;colisãa entre, pretensões positivas,
m ostrando as peculiaridades desta form a de colisão 
frente as colisões que costumam ser apontadas pela dou­
trina.
O capítulo 5 aborda a escassez, os critérios de aloca­
ção de recursos escassos e os posicionamentos dá dou­
trina sobre .o atendim ento dos direitos fundamentais, 
estabelecendo algiimàs dais premissas empregadas para 
as propostas formuladas n o Lcapítulo seguinte. M ostra­
mos ali que a escassez longe de ser um a situação anor­
m al/é a regra é, em conseqüência, que as escolhas trági­
cas, escolhas'm uitas vezes de vida e de m orte sãó ihes- 
capáveis. ■ 7 - - ; :
O capítulo 6 é onde oferecemos nossa visão sobre o 
problem a que é título deste trabalho: o D ireito, a escas­
sez e as escolhas que se impõe serem feitas num cenário 
de menos recursos do que os necessários. Tratam os Has' 
peculiaridades quànto a interpretação da.s normas que 
dão ensejo a pretensões positivas, a quem com pete a 
tom ada d e ’decisões alócativas è ò papel dó Judiciário:y'i
O estudo se m ostrou cora um grau de complexidade 
m aior do que esperávamos. Para estabelecer um critério 
de solução específico para os conflitos pèlo emprego de 
recursos escassos, m ister seria justificar, prim eiram ente/ 
uma autonomia, um particuíarismo desses conflitos que 
não tornasse arbitrária a adoção de um critério distinto. 
O riginalm ente pensávamos na distinção entre direitos 
positivos è direitos negativos, mas essa distinção, após a 
leitura dè The C osi' of Rigkts tornou-se insustentável: 
Tivemos,7 e n tãò /q u e trabalhar com o conceito de. pre- 
, tehsãoy-maà?d é üm m ódoljue nãb encontram os ám páror
expresso em uma obra, consagrada ou não. Tivemos, 
então, que construir um conceito ao menos não explícito 
nas obras que pudemos consultar3. Essa particularidade4 
não perm itiu que o trabalho fosse direto ao ponto, m as 
antes passasse por outras questões e sobre elas se d e ti­
vesse.
Mas “a sorte estã lançada". Espero que a leitura seja 
de algum proveito para quem a ela se dispuser.
1; Na bibliografia constam apenas as citadas no t e x t o / J ^ / V
4." Além da deficiência do autor. ; 1
... -
......... w.. ■
" ‘ T-. _w'-- _y>' ' —
- ^ m m ú m Ê m á È S m
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í :■•: *■ •:*!•-■ - - • - • - ' - 
^ t£ . n,.-wr. v . . k
• - r- »
Capítulo 1
Apresentação do Problema
Sumário. 1. D a insinceridade norm ativa à efetividade. 1.1 
Lim ites da “interpretação engajada". 2. A constituição com- 
\promissória, o descrédito do Governo e o ativismo jud icia l.
3. A questão da saúde. 4 .\ Q s posicionamentos judiciais. 5. 
Questões não enfrentadas nos julgados: microjvsliça x ma- 
crojustiça. 6. A questão a ser respondida.
1. D a insinceridade norm ativa à efetividade
*. ............................... • ■ ■
. .Constituição de. 1988 foi o ponto culm inante de 
um longo processo de distensão, a transição de um regi­
me autoritário para a democracia^ Talvez mais que uma 
: m udança-de textoy teve>-sei’a afirmação:- do constitucio- 
nalismo. Com o b em destaca Rayrnündo Eaoro, sob a 
.égide da constituição anterior "a fòrça não'se qualificou
juridicamente para confessar seu status de pode?-”5, ou, 
nas palavras de Miguel Seabra Fagundes, “o poder não 
havia sido convertido em autoridade”6 A constituição 
não organizava o Estado nem lhe impunha limites rígi­
dos, pois sobre ela pairavaa força dos atos institucionais, 
em especial o de número 5, tristem ente célebre.
A ordem constitucional anterior falava em “regime 
representativo e democrático, baseado na pluralidade de 
partidos e na garantias dos direitos fundamentais do 
hom em "7, mas foi outorgada por junta militar composta 
pelos ministros das três armas, através do eufemismo da 
chamada "em enda” 1, onde, talvez por praticidade, lis­
taram-se os artigos que "salvo emendas de redação, con­
tinuam inalterados”8. Conviveu a Carta anterior com o 
famigerado AI 5 até o advento da Emenda n° 11, de 
1978, excluindo da apreciação judicial todos os atos 
praticados sob o seu amparo9, dentre os quais estavam, 
sabidamente, a censura, o seqüestro,, o cárcere oficioso 
e a tortura. Era a constituição que assegurava ao traba­
5. FAORO, Raymundo. Assembléia Constituinte: a legitimidade 
recuperada, 1981.
6. SEABRA FAGUNDES, Miguel. A Legitimidade do Poder Polí­
tico na Experiência Brasileira. Recife: Ordem dos Advogados, Seo 
ção de Pernambuco, 1982. A frase no original é "o poder converte-se, 
então, em autoridade, pois esta é exatamente o 'poder reconhecido 
como válido'", mas ao nosso ver estã subjacente no contexto o 
sentido adma posto.
7. Axt. 152, I, na redação da Emenda 1. Com. pequena mudança 
de redação, o texto passou a estar no art. 152, § 1°, I, com a Emenda
11. de 197S e no caput, com a Emenda 25, de 1985.
8. 4o considerando da Emenda n° 1 à Constituição de 1967.
9. Arts. 1S1 e 182 da CF/67 e art. 3o da Emenda 11, de 1978.
lhador a "proibição de distinção entre o trabalho m a­
nual, técnico ou intelectual ou entre os profissionais 
respectivos; colônias de férias e clínicas de repouso, re­
cuperação e convalescença, mantidas pela União, con­
forme dispuser a lei”10' 11, mas viu a concentração de 
renda atingir níveis nunca antes alcançados, sob o discur­
so oficial de primeiro fazer crescer o bolo para depois 
reparti-lo, enquanto que das colônias de férias e clínicas 
de repouso jamais se teve notícias.
Havia, então, uma insinceridade normativa, onde os 
enunciados constitucionais freqüentemente assumiam 
formas lapidares para serem, em seguida solapados ou 
esvaziados por outras regras ao passo que outras “nor­
mas”, como as duas citadas acima, evidentemente não 
eram “para valer”. Tínhamos uma constituição sem ânti­
ca, segundo a classificação de Karl Loewenstein12.
Somando-se a isso a existência de um verdadeiro 
poder fora e superior à constituição, enfeixado pelos 
mesmos que detinham o poder executivo, temos que 
antes da Ordem Jurídica de 1988 a proteção consti­
tucional do cidadão perante o Estado era frágil, dirigida 
mais ao varejo dos casos corriqueiros do que a questões 
sensíveis, assim entendidas quaisquer questões onde
í. X ■
10. Indsos XVII e XVIII do artigo 165.
11. Confira-se também o comentário irônico de Celso Antônio Ban­
deira de Mello, referido por BARROSO, Laís Roberto. O Direito 
Constitucional e a Efetividade de suas Normas. Rio de Janeiro; 
Renovar, p. 62.
12. BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional... op. cit., 
pp. 62-63.
9
houvesse algum interesse especial dos ocupantes do 
poder, fosse esse interesse qual fosse. A longa luta pela 
redemocratização, que culminou na convocação da 
Assembléia Nacional Constituinte em 198713, vinha, 
em contraposição a isso, demandando pela instalação 
de uma nova ordem que garantisse direitos da cidada­
nia, ainda que contra a vontade do Chefe do Executivo 
no caso concreto. Esse movimento dirigiu-senão ape­
nas para mudanças no texto, mas tam bém para m u­
dança nas mentalidades: o fim do medo de contrariar, 
a coragem de afirmar direitos, em especial contra a 
força bruta.
Nas palavras de Luís Roberto Barroso, “ao longo da 
história brasileira, sobretudo nos períodos ditatoriais, 
reservou-se ao direito constitucional um papel menor, 
marginal. Nele buscou-se, não o caminho, mas o desvio; 
não a verdade, mas o disfarce. A Constituição de 1988, 
com suas virtudes e imperfeições, teve o mérito de criar 
um ambiente propício à superação dessas patologias e à 
difusão de um sentimento constitucional, apto a inspirar 
uma atitude de acatamento e afeição em relação à Lei 
Maior"}*
Nesse mom ento de reafirmação do Direito Cons­
titucional, que não se esgotou com a promulgação da
13. Art. 1° da Emenda 26, de 1985, tendo as eleições ocorrido em 
novembro de 19SS.
14. BARROSO, Luís Roberto. "Dez anos da Constituição de 198S: 
(Foi bom para você também?)''. Debates, n° 20: A Constituição 
Democrática Brasileira è o Poder Judiciário. São Paulo: Fundação 
Konrad Adenauer, 1999, p. 47.
Carta de 1988, muito pelo contrário, surgiram novos 
constitucionalistas brasileiros, dentre os quais destaca­
mos Clèmerson Merlin Clève e Luís Roberto Barroso, 
que influenciados pelas lições de Jorge Miranda, José 
Afonso da Silva e José Joaquim Gomes Canotilho, 
pugnavam por uma constituição "para valer”, pelo 
reconhecimento de que todas as disposições constitu­
cionais são normas e, enquanto tais, revestem -se de 
algum grau de eficácia. Atenção especial foi devotada 
às normas que assegurassem ou pudessem assegurar15. 
direitos ao cidadão.
Como característica dessa nova vaga, tem os um 
constítucionalismc engajado, como se pode ver dos ex­
certos abaixa:
Cabe, por fim, destacar uma peculiaridade que 
envolve a Constituição. O legislador constitucional é 
invariavelmente mais progressista que o legislador 
ordinário. Daí que, em uma perspectiva de avanço 
social, devem-se esgotar todas as potencialidades in- 
terpretativas do Texto Constitucional', o que inclui a 
aplicação direta das normas constitucionais no máxi- 
nao'~âo possível, sem condicioná-las ao legislador in- 
fraconstitucional.
15. “Pudessem assegurar”, pois há sempre o problema de saber o 
qual é a norma jurídica a ser extraída do texto, dentro das signifi­
cações possíveis.
11
Essa tarefa exige boa dogmática constitucional e 
capacidade de trabalhar o direito positivo. Para fugir 
do discurso vazio, é necessário ir à norma, interpre- 
tã-la, dissecá-la e aplicá-la. Em m atéria constitucio­
nal, é fundamental que se diga, o apego ao texto 
positivado não importa em reduzir o direito à norma, 
mas, ao contrário, em elevá-lo à condição de norma, 
pois ele tem sido menos que isso (v . supra). O resga­
te da imperatividade do Texto Constitucional e sua 
interpretação à luz de boa dogmática jurídica, por 
óbvio que possa parecer, é uma instigante novidade 
neste país acostumado a m altra tar suas institu i­
ções.16
Náo basta o discurso-denúncia. Não basta o dis­
curso antropologicamente simpático ou amigo (ami­
go das classes populares, amigo dos pobres, amigo do 
humanismo, amigo das esquerdas etc.), como diz 
Canotilho. Mais do que isso, importa hoje, para o 
jurista participante, sujar as mãos com a lama im- 
pregnante da prática jurídica, oferecendo, no campo 
da dogmática, novas soluções, novas fórmulas, novas 
interpretações, novas construções conceituais. Este é 
o grande desafio, contemporâneo. Cabe invadir um 
espaço tomado pelas forças conservadoras, lutando 
ombro a ombro, no território onde elas imperam,
16. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação eAplicaçao da Consti­
tuição. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 260.
12
exatamente para, com a construção de uma nova 
dogmática, alijá-las de suas posições confortavel­
mente desfrutadas.17
Por isso a Constituição, atualmente, é o grande 
espaço, o grande locus, onde se opera a iuta jurídico- 
política. O processo constituinte é um processo que 
se desenvolve sem interrupção, inclusive após a p ro­
mulgação, pelo poder constituinte, de sua obra. A 
luta, que se travava no seio da Assembléia C onsti­
tuinte, transfere-se para o campo da prática consti­
tucional (aplicação e interpretação). Afirmar esta ou 
aquela interpretação de determinado dispositivo 
constitucional, defender seu potencial de execução 
imediata ou apontar a necessidade de integração le­
gislativa, constituem comportamentos dotados de 
claríssimos compromissos ideológicos que não po­
dem sofrer desmentido.
No Brasil contemporâneo, constitui missão do 
operador jurídico produzir a defesa da Constituição. 
A Constituição brasileira, tão vilipendiada, criticada 
e menosprezada, merece consideração. Sim, porque 
aí, nesse documento mal escrito e contraditório, o 
' jurista encontrará um reservatório impressionante de
17. CLEVE, Clèmerson Merlin. "A teoria Constitucional e o Direito 
Alternativo: para uma dogmática constitucional emancipatória", in 
Uma Vida Dedicada ao Direito: Homenagem a Carlos Henrique de 
Carvalho. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, pp. 37-38.
13
lopoi argumentativos justificadores de renovada óti­
ca jurídica e da defesa dos interesses que cumpre, 
para o direito alternativo, defender.18
Como se vê, assuntos antes não cogitados nas facul­
dades de direito, como tópica, ponderação de valores, 
passaram a.integrar a ordem do dia. Contudo, já se po­
deria antever problemas decorrentes do emprego de 
técnicas sofisticadas em um país pouco acostumado19 à 
práxis jurídica, ao menos no campo dos Direitos Funda­
mentais, passar diretam ente à tópica. Havia o risco de, 
sob o discurso tópico, abrigar-se o m ero subjetivismo20, 
pois, como já disse alguém, somos o país onde as pessoas 
costumam “achar” sem jamais te r procurado.
Cumpre destacar aqui a “redescoberta" do trabalho 
de José Afonso da Silva. Em obra pioneira, lançada antes 
do recrudescimento do movimento militar, sustentava 
ele que "todas as normas que integram uma constituição 
têm natureza jurídica, sendo de repelir a tese que susten­
ta o contrário” e que "todas as normas constitucionais 
são dotadas de eficácia jurídica e imediatam ente aplicá­
veis nos limites dessa eficácia"21. Contudo, o livro ficou
18. Idem., p. 40.
19. Se as constituições de 1891, 1934 e 146 foram nominais e as 
cartas de 1937, 1967 e 1969 foram semânticas (BARROSO. O 
Direito Constiturío}ial...cit., p.63), não havia costum e da aplicação 
dos direitos garantidos na constituição.
20. Como, aliás, detectado por CLEVE ( cf. "A Teoria Constitucio­
nal...”. rit., p. 47).
21. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitu­
cionais. São Paulo: Malheiros, 3998, p. 261, conclusões II e III.
14
esgotado por toda a década de 70, teve pequena reedi­
ção em 1982 e era uma raridade mesmo em bibliotecas 
e sebos22. Foi obra de grande importância, mas cujos 
efeitos sobre a formação de uma “cultura constitucio­
nal” deu-se mais por via reflexa, pela influência no tra ­
balho de outros juristas, notadamente Diís Roberto Bar­
roso e Clèmerson Merlin Clève.
1.1 L im ites da “interpretação engajada”
Os citados autores não desconheciam limites à efeti­
vidade das normas, inclusive porque escreveram para o 
operador do Direito e não apenas para o teórico afastado 
da realidade do cotidiano. Se o Direito é a ciência do 
dever-ser, parece intuitivo que o domínio de suas regras 
seja o poder-ser. Todavia, “o papel aceita tudo1,23 e a 
Constituição de 1988 mais que compromisso ria, analíti­
ca e dirigente, é casuística e prolixa24.
22. José Afonso da Silva é também autor de um dos manuais de 
direito constitucional mais vendidos (Curso de Direito Constitucio­
nal Positivo), mas nessa obra a efetividade não é tratada com des­
taque. íía .6a edição, de 1990, por exemplo, a entrada "efetividade" 
.■no índice alfabético-remissivo trata dos servidores públicos, ao passo 
que as entradas relativas a “eficácia" conduzem a textos que, soma­
dos, não totalizam umapágina e meia, ambos remetendo ao livro 
"Aplicabilidade das normas constitucionais”.
23. BARROSO, Luís Roberto. “Princípios Constitucionais Brasilei­
ros ou de como o Papel Aceita Tudo". Revista da Faculdade de 
Direito. Rio de Janeiro: UERJ, n° 1, vol. 1, 1993, pp. 206-242.
24. BARROSO. Dez anos da Constituição..., op. d t., pp. 26-27.
Contudo, esses limites não foram postos de maneira 
clara, tomando mais a feição de recomendações de bom 
senso do que método para, caso a caso, saber como 
proceder. Luís Roberto diz que “o D ireito tem limites 
que lhe são próprios e que por isso não pode, ou melhor, 
não deve noraiatizar o inalcançável”25, asseverando que 
dados preceitos já nascem condenados à ineficácia, ora 
em virtude da intrínseca deficiência do texto, ora da 
manifesta ausência de condições materiais para o seu 
cum prim ento, ora da impossibilidade de jurisdicização 
do bem ou interesse que pretendeu tu telar, apontando 
como irrealizável por excesso de ambição o artigo 368 
do Anteprojeto elaborado pela Comissão Afonso Armos, 
segundo o qual seria garantido a todos o direito, para si 
e para sua família, de moradia digna e adequada, que 
lhes preserve a segurança, a intim idade pessoal e fami­
liar, e irrealizável por se propor a disciplinar o imponde­
rável, como o artigo 232 do Projeto de Constituição 
aprovado pela Comissão de Sistematização da Assem­
bléia Nacional Constituinte, pelo qual a saúde seria di­
reito de todos. A crítica, quanto a este dispositivo, cen­
trava-se na formulação equivocada, que sugeriria como 
sujeito passivo a biologia e as forças da natureza humana, 
m as„em nota de rodapé, demonstra que outras consti­
tuições, em linguagem, mais adequada, prevêem o direi­
to à proteção da saúde ou à assistência médica26..
25. BARROSO. O Direito Constitucional..., op . cit., p. 47 — original
sem grifos. . -
<•- • *«...» s->Ç* s&gigÇLL'. ■ 
C lèm erson, após destacar que a ConstituiçãQãdè- 
1988 reclama um judiciário vinculado às diretivas e às 
diretrizes materiais da Constituição, um judiciário ati? 
vista, voltado para a plena rèalização dos comandos 
constitucionais e para compensar as desigualdades e o 
descuido da sociedade brasileira: para com a dignidade 
da pessoá humana,, diz que disso não resultaria o judiciá ­
rio “atuar como legislador, riem que deva se substituir à 
atividade do administrador, mas sim que a Constituição 
Federal exige um novo tipo de juiz, nâo apenas apegado 
aos esquemas da racionaliâadéformal e, pôr issò, 'muitas' 
vezes, simples guardião do status quo"27. ' '
Vê-se, portanto, que não houve ênfase na questão 
dos limites da aplicação do direito, restando esses mais 
como admoestações. Das lições de Luís Roberto Barroso 
se vê que o intérprete deve preservar a Constituição não 
procurando dar eficácia a normasTque pretendam o iií- 
factível ou evitar leituras que tornem o tèxto risível, a-, 
ta l como personagens‘de Monteiro lobato78, pretender 
reform ar a natureza. Comi" isso esvàzia-se a eficácia da 
norma, tout court, mas em um critério de • t udo ou 
nada”: ou a norma vale ou á nóríra não vaie. N ão 'sc 
encontra, embora sé possa intuir;um critério cie ctm tró- 
JLe davrazoabilidade da 'apíícaçãó-ao^caso concreto, nóta- 
damente do confronto entre áinicrojustiç^_do'cás^ó con-_ 
ereto com a macrojustiça dada pela possibilidade de
27. CLÈVE. “A Teoria Constitucional...”, op. d t., pp. 217-218.
2S. A Reforma da Natureza. São Paulo: Brasiliense, 1950:
17
aplicar a mesma regra jurídica construída para o caso 
concreto a todos os demais que se assemelham.
De igual sorte, Clèmerson Clève não procura traçar 
um a linha divisória entre o . que seriam direitos indivi­
duais, diretam ente sindicáveis, e o que seriam direitos a 
depender de políticas públicas/ de mediação legislativa 
e executiva, ou vigentes sob a reserva do possível.
2. A constituição compromissória, o descrédito do 
Governo e o ativismo judicial , ■ .
Esse novo constitucionalismo, como já dito,.veio a 
lume com uma constituição compromissória, muitas ve­
zes casuísta, características que as diversas emendas não 
diminuíram, ao contrário29, onde muitos "direitos” estão 
garantidos, fornecendo, assim, farto m aterial para os 
pleitos de “plena eficácia” è para o ativismo judicial.' Sob 
o argumento de uma tópica a priori e não doxaso con­
creto, os argumentos e comandos constitucionais ,que 
poderiam parecer empecilho, "cedem lugar” a valores 
supostamente mais elevados.
Somou-se a isso um dado sociológico que não pode 
ser desprezado. Houve, no final do período de distensão, 
o ressurgimento da sociedade civil. D espertado pelo 
movimento das Diretas Jâ, que culminou com a frustra­
29. Á emenda constitucional de revisão 1/94 e as em endas 10/96 e 
17/97, bem com o as de número 12/96 e 21/99 chegam a fixar 
alíquota de tributos. ■ ;
ção causada pela rejeição.da emenda D.ajit 
ra30, o civismo ressurgiu com a vitória de Tancredo N e­
ves no colégio eleitoral para, em seguida, desaguar em 
sua trágica m orte,-gerando comoção pública, nacional-' 
que talvez só tenha paralelo em dois ou três outros evéri-í, 
tos, se tanto. .. ■
Assume o poder José Sarney, que era homem ligado 
ao movimento militar, à ditadura, embora não?sua.face.' 
mais truculenta, e náo carregava em 'si o catalisador- da'£: 
anseios da sociedade, que estava com Tancredo. Passado' 
quase um ano, surge o Planò Cruzado que rccebe instan­
taneam ente apoio quase que 'unânim e da~'sóciedádé.'' 
Vêm as eleições para a Assembléia Nacional Constituin­
te, onde o partido governista elege a quase totalidade; 
dos governadores e a ampla maioria dos parlamentares, 
escorado no Plano Cruzado. O planò veio a ser drastica­
mente modificado nos dias seguintes ao pleito, gerando 
ampla sensação de logro. -
D urante o iongo processo constituinte, assumiu ar. de 
verdade' comum31 uma acintosa releitura Ha^oração^de 
São Francisco, “é dando que se recebe", entre..alguns 
parlamentares e o Executivo', coin mcòhtávéísMènüncíás' 
de trocas de favores, concessões de rádios é TVs em 
trot^. votos nesse ou naquele sentido, sempre tendo
30. A emenda constitucional que reimplantava as eleições diretas 
para Presidente da República.
31. Talvéz fo sse m e lh o r falai em 'opinião pública; mas há no-Brasil - 
uma grande dificuldade em distinguir o que seja opinião pública e
o que seja apenas opinião publicada.
■.iU 
•
por norte interesses pessoais e não nacionais. Enquanto 
isso, a inflação assumia níveis inimagináveis, direitos 
eram amesquinhados a cada novo plano econômico e o 
país tornava-se pela primeira vez em sua história fonte 
de emigração e não destino de imigração..
, Vem a primeira eleição d ireta para presidente e. é 
eleito Fernando Collor de Mello, que, com a retórica de 
combater as elites encasteladas,no.,podec3Z, .apresenta 
plano mirabolante que congela a maior parte da inoeda--3 
e consegue, de uma hora para outra, reduzir a um dígito 
a inflação, então em assombrosos 84% epj um único 
mês. O Plano fracassa, a inflação volta e os recursos- 
continuavam bloqueados, contratos foram violados e, 
mais adiante, a sociedade vê estarrecida um a briga fami­
liar trazer à tona atos de corrupção, enriquecimento 
ilícito e um rosário de infrações que pouco tem po antes 
nem mesmo os mais radicais teriam conseguido imagi­
nar. O povo vai às ruas, ironicamente convocado pelo 
próprio presidente, e dã iníçio a .uxn processo que desa- 
guaria no impedimento de Collor, ■ -
Dentro dessa evolução da história recente do país, a 
confiança nos poderes constituídos foi sendo erodida.
32. Era o "caçador de marajás”.
33. Em economia há quatro conceitos de inoeda, chamados de M l, 
M2, M3 e M4. M l é o dinheiro físico em circulação mais os 
depósitos a vista. M2 inclui os títulos do governo, M3 inclui os 
depósitos a prazo, como CDB’s, RDB's e M4 inclui todos os ativos 
financeiros que podem ser tomados líquidos (letras, depósitos a 
prazo), O Plano Collor bloqueou todos os ativos financeiros queexcediam o limite de 50 mil cruzeiros.
Quem ocupa o cenário como campeão da tidadãnia-é o 
Poder Judiciário, não por sua cúpula, mas por suas bases, 
que paulatinamente fizeram tábula rasa do bloqueio..de 
recursos, dos expurgos das aplicações financeiras. Sòmoü- 
se tam bém a isso o ativismo do Ministério PúblicÒ, que na 
percepção comum é visto como ligado “à Justiçá"'.- '•
■ Esses fatores históricos e sociológicos causaram uma 
legitimação popular à intervenção do Judiciário êni* de­
cisões. da Administração e do Legislaüvo, bem comôcleVi 
a alguns de seus membros certa sensação de '“campeões 
da cidadania", isso tudo associado a um pré-conçeito de 
que as decisões governamentais, executivas òu legislati­
vas, não tinham a coisa pública e o bem comum e tão 
elevada conta quanto deveriam.- ■.;■■■: : -
N este sentido, o interessante estudo sociológico "O 
Corpo e a Alma da Magistratura Brasileira" ■ mostra que 
ao lado de um desencanto quanto ao Estado como dim en­
são crucial à vida moderna, fruto em parte c!o'desgaste 
sofrido nas duas décadas, de regiine, ãtitòritáricr;,. T“ 8 3 % 
dos juizes assinalaram que 'o Poder Judiciário, não ;.é• neu­
tro ’ e que ‘em suas decisões, o magistrado deverintérprê- 
tar a lei no sentido de aproximá-la dos processos» sociais 
substantivos e, assim, influir na mudança social'”35..Pfos-
seguerp-^os pesquisadores afirmando:. . . . ....'
.• ' . ..................... ..... '
v. • rr - ■ -;;i .
34. VIANNA, Luiz Werneck; CARVALHO, Maria Alice Rezende 
de; MELO, Manuel PaJácios Cunha; e BURGOS, Marcelo "Bau-1 
mann. Corpo e Alma da Magistratura Brasileira. Rio de Janeiro: 
Revan, 1997, p. 241.
35. Idem, pp. 258-259. - ' -
O cotejo desse posicionamento com os demais 
quesitos do questionário perm itiu apreender que o 
juiz brasileiro vivência, tam bém ele, uma transição, 
um a vez que, sem se desprender inteiram ente das 
grandes referências da sua formação doutrinária, ins­
tituídas no campo da civil law e do positivismo ju rí-1 
•r dico, tal-influência encontra-se relativizada.pelo fato 
.. de ele se entender como um. agente efetivo, do pro­
cesso de produção do Direito, instalando-se^de/aH 
gum modo, no campo político-cultural da common 
law}6. ■: ; - . ;•/ > .
Temos, portanto, uma sobrevalorização dos meios 
judiciais de controle e uma subvalorização dos meios não. 
judiciais, como a opinião pública, as manifestações po­
pulares e, principalmente, o voto. ^
3 .'A questão da saúde ; : . .
A questão do acesso a tratam entos médicos é proble­
ma no mundo inteiro. Mesmo nos Estados Unidos, país 
qúe gasta 13,6% de seu PIB em saúde, ou US$ 1 trilhão 
por ano, o maior gasto nesse setor, seja em term os abso­
lutos, seja em termos relativos, ò problem a é grave, com 
17% da população não possuindo nenhum tipo de segu- 
ro-saúde, só sendo atendidos em emergências, clínicas
- ‘ - -■ - .............
de caridade ou, obviamente, se pagarem37.‘M esm a para 
aqueles que têm cobertura do Medicaiâ23 asituação não 
é rósea. Embora haja tratam ento assegurado à grande 
maioria dos mais pobres, não se consegue debelar efi­
cientem ente a cárie infantil que em 80% dos casos ocor- ̂
re num subgrupo que corresponde a 25% do total de • ■ 
crianças de 5:a 17 anos, ocasionando üm total de 52 . • 
milhões-de horas de aula perdidas por ano39. Há dem an­
das júdiciais pugnando por tratam ento médico custeado ‘ ' ; 
pelo Estado, quando este não é dado satisfatoriamente, 
mas os tribunais fazem o exame caso a caso, ora p res ti­
giando os critérios de escolha40, ora invalidando-os po r­
que não razoáveis41.
No Brasil, embora não faltem endemias e epidemias 
que grassam milhares de vidas42, a. questão relativa ao
37. Folha d e São Pauio, 24 de maio de 1998, p, 3-3. Essas pessoas 
não são consideradas pobres para fins de enquadramento no M eãi- 
caid, mas não possuem um plano de saúde privado. ~
3B. Segiiro-saúde cujo custo é dividido entre os governos federal e 
estadual, destinado a famílias de baixa renda. Há um outro segu- 
ro-saúde público, o Medicare, destinado aos idosos que tenham 
contribuído por mais de 10 anos, deficientes físicos e doentes renais 
crônicos/.
39. T k e ^ e iu York Times on the web, edição de 26 de junho de 1999.
40. New York Court of Appeals, G oif w. New York-Dep’t òf Soc. 
Servs. (http://www.law.comell.edu/ny/ctap/I98_0025.htm].
41. N ew York Court of Appeals, Hernandezv. Barrios-Paoli. Decisão 
noticiada no New York Law Journal, edição de 22 de outubro de 
1999. ' : ■ ' • . -v :-
42. Segundo dados do Ministério da Saúde, uma em cada dez mortes 
no Brasil ocorre sem assistência médica. Em Estados como a Paraíba*
23
http://www.law.comell.edu/ny/ctap/I98_0025.htm
tratam ento de doenças veio a baila com a AIDS. Ainda 
hoje43, se consultadas as bases se jurisprudência dos tri­
bunais, encontraremos decisões relacionadas a AIDS,, a 
câncer, a algumas doenças raras e nenhuma relativa às 
chamadas doenças da miséria.
O surgimento da AIDS com características epidêm i­
cas colocou um número cada vez maior de pessoas jo­
vens com uma sentença de morte lenta e degradante, 
acompanhada de um estigma de reprovação social, já 
que no imaginário coletivo de início a doença era asso­
ciada à promiscuidade no uso de drogas injetáveis ou em 
condutas homossexuais. A doença vitimou pessoas de 
projeção no mundo artístico, inclusive fora do estereóti­
po, gerando certa comoção e movimentos de pressão não 
só pela prevenção, mas também para assegurar uma so- 
brevida digna aos doentes, Essa pressão, como dificil­
mente poderia deixar de ser, gerou demandas judiciais 
que se valeram da previsão constitucional inserida no já 
citado artigo 196.
Nesses casos, os magistrados viam-se na difícil situa­
ção de serem confrontados com a possibilidade de negar 
remédios indispensáveis à sobrevida nâo de "alguém", 
mas de uma pessoa com nome, sobrenome, identidade 
e inscrição no cadastro das pessoas físicas. Do outro 
lado, encontrava-se o Poder Público, com .recursos sabi­
damente mal empregados e, algumas vezes, defendido
o percentual chega a .lísusradores 49%. Fonte: Foihn de Sác Paul?. 
02/0S/SS, pp. 3.1 e 3.2, -
43. Dezembro de 1999.
em juízo com argumentos que soavam insignificantes 
ante uma vida humana determinada, como, por exem­
plo, tratar-se de matéria incluída na discricionariedade 
administrativa ou mesmo mais prosaicas, como depen­
der a aquisição do medicamento vital para a sobrevida 
do paciente do término de procedimento licitatório ain­
da em curso44.
O surgimento de liminares aqui ou ali empolgou os 
interessados, sejam doentes, sejam grupos de apoio, a ajui­
zar pleitos, que paulatinamente foram sendo deferidos e, 
no esteio, portadores de outras moléstias foram sendo 
atendidos. Evidentemente, é bastante difícil para qual­
quer pessoa dizer não em um caso sabendo que disso pode 
resultar a perda de uma vida. Isso pode ser captado nas 
palavras de um dos integrantes da Suprema Corte Ame­
ricana, Justice Stewart: “uma regra absoluta proibindo a 
censura prévia que se possa provar estatisticamente custar 
várias centenas de vidas toca aos magistrados diferente­
mente da decisão, em um caso específico, quanto a per- 
mitir uma publicação quando se sabe que uma centena de 
vidas serão perdidas como resultado”.45 -
44. TJES^.13 C. Civ., Rei. Des. Subst. Samuel Meira Brasil Júnior, 
,-MS 100980003394, j. 25.06.98.
45. Ho original: "An absoluta mie forbidding prior censorship which 
can be statistically shoum to cost marty kundreds of lives strikes us 
differsntly form a decísion in a specific cãse to allow publication 
when we know that a hunãred lives luill be lost as a result". New 
York Times Co. v, United States, 403 U. S. 713 (1971), apud 
ÇAIABRESI, Guido & BOBBITT, Philip. Tragic Choíces. New 
York: Norton, 1978, p. 40, trad. nossa.
25
4. Os posicionamentos judiciais
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ao julgar o 
Agravo de Instrum ento n° 97.000511-3, Rei. Des. Sér­
gio Paladino entendeu que o direito à saúde,garantido 
na Constituição, seria suficiente para ordenar ao Estado, 
liminarmente e sem mesmo sua oitiva, o custeio de tra­
tamento ainda experimental, nos Estados Unidos, de 
menor, vítima de dístrofia muscular progressiva de Du- 
chenne, ao custo de US $ 163,000.00, muito embora 
não houvesse comprovação da eficácia do tratamento 
para a doença, cuja origem é genética. Nesse julgado, 
que serviu de paradigma ao TJSC para vários outros 
casos relacionados a tratam ento médico, foi asseverado 
que "Ao julgador não é lícito, com efeito, negar tutela a 
esses direitos naturais de primeiríssima grandeza sob o 
argumento de proteger o Erário”46 como fundamento 
para repelir o argumento do Estado de Santa Catarina, 
agravante, de que a decisão que concedera a liminar
Outra referenda interessante que se encontra na mesma obra. 
demonstrando a diferença na tomada de decisões in geriere e b 
concreto, está na nota 2 da página 221, onde os autores citam um 
exemplo dado por Caries Fried (j4íi Anatomy ofVaiues. Cambridge, 
Mass.: Harvard Üniversity Press, 1970, p. 307), do caso de uma 
jnineradora que não se recusa em gastar uma vasta soma para 
resgatar uns poucos mineiros soterrados mas não se dispõe .i gastar 
uma soma proporcionalmente menor para salvar um vasto nún.sro 
de vidas através de melhores padrões de segurança.
46. O acórdão foi obtido pela internet (http://www.tj.sc.gov.br/) 
como arquivo de texto, não sendo possível citar a página no original.
26
http://www.tj.sc.gov.br/
violava os artigos 100 e 167, I, II e VI, da Constituição 
Federal47.
Todavia, em outro caso onde se discutia o dever, do 
Estado, agora de São Paulo, dar o mesmo tratam ento 
para pacientes menores de idade portadores da mesma 
doença, o Tribunal de Justiça local afastou a possibilida­
de da liminar, asseverando que “Não se há de permitir 
que um poder se imiscua em outro, invadindo esfera de 
sua atuação específica sob o pretexto da inafastabilidaâe 
do controle pirisdicional e o argumento do prevalecimen- 
to do bem maior da vida. O respectivo exercício não
47. O STF, em decisão de seu presidente, Min. Celso de Melo, 
negou pedido de suspensão dos efeitos da liminar por grave lesão à 
ordem e à economia pública, solicitada pelo Estado de Santa Cata­
rina, quanto a determinação de custear com o tratamento nos EUA 
da distrofia muscular progressiva de Duchenne (petição n° 1.246-1, 
DOU de 13.2.97).
O fundamento adotado nessa decisão, que "entre proteger a 
inviolabilidade do direito à saúde, que se qualifica como direito 
subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição 
da República (art. 5a, caput s art. 196), ou fazer prevalecer, contra 
essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário 
do Estado, entendo — uma vez configurado esse dilema — que 
razões de ordem êtico-jurídica impõem ao julgador uma só e possível 
opção: atjtiela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde 
'humana, notada mente daqueles que têm acesso, por força da legis­
lação local, ao programa de distribuição gratuita de medicamentos, 
instituído em favor de pessoas carentes”, foi empregado em decisões 
relativas ao íomecimento de medicamentos para a AIDS, em juris­
prudência que veio a se firmar posteriormente à conclusão deste 
trabalho. Confira-se, por todas, a decisão no Recurso Extraordinário 
n° 273.834, reL Min. Celso de Melo, publicada na Revista de Direito 
Administrativo n° 222, págs. 248-253.
27
mostra amplitude bastante para sujeitar ao Judiciário 
exame das programações, planejamentos e atividades 
próprias do Executivo, substituindo-o na política de esco­
lha de prioridades na área de saúde, atribuindo-lhe en­
cargos sem o conhecimento da existência de recursos para 
tanto suficientes. Em suma: juridicamente impossível ím- 
por-se sob pena de lesão ao princípio constitucional da 
independência e harmonia dos poderes obrigação de fa ­
zer, subordinada a critérios, tipicamente adm inistrati­
vos, de oportunidade e conveniência, tal como já se deci­
diu (...)”48 em um dos casos. Em outro, assentou que “O 
direito à saiide previsto nos dispositivos constitucionais 
citados pelo agravante"49, os arts. 196 e 227 da CF/88, 
apenas são garantidos pelo Estado, de forma indiscrimi­
nada, "quando se determina a vacinação em massa con­
tra certa doença, quando se isola uma determinada área 
onde apareceu uma certa epidemia, para evitar a süa 
propagação, quando se inspecionam alimentos e remédios 
que serão distribuídos à população, etc."50, mas que 
“quando um determinado mal atinge urna pessoa em 
particular, caracterizando-se, como no caso, num mal 
congênito a demandar tratamento médíco-hospitalar e 
até transplante de órgão, não mais se pode exigir do 
Estado de form a gratuitat o custeio da terapia, mas só
48. TJSP, 2a Câmara de Direito Público, Rei. Des. Alves Bevilacqua, 
Ag. Inst. n° 42.530.5/4,]. 11/11/1997.
49. TJSP, 9a Câmara de Direito Público, Rei. Des. Rui Cascaldi, 
Agr. Instr. 48.608-5/4, julgado em 11/02/1998, unânime, 2a página 
do voto do relator,
50. Idem, pp. 2 e 3.
28
dentro do sistema previdenciário"51. Nesse acórdão res­
tou afirmado que o direito a tratamento específico de 
doença em determinado paciente estã condicionado à 
filiação da pessoa a um dado sistema previdenciário e, 
ainda, a esse sistema "prever (discutir] o tratamento".52
Vê-se, nessas três decisões, três concepções absolu­
tamente díspares. Para o Tribunal de Santa Catarina, o 
direito à saúde é incontrastável e absoluto,, devendo o 
Estado acatã-lo em qualquer caso, sendo mesmo defeso 
ao Judiciário comparar esse direito com as possibilida­
des do Fisco. Já para decisão da 9a Câmara de D ireito 
Público do TJSP o direito à saúde limitar-se-ia à neces­
sidade de o Estado desenvolver políticas públicas de 
saúde53, enquanto que- o tratamento de doenças depen­
deria da filiação a um sistema de previdência e à cober­
tura dada por esse sistema. A decisão da 2a Câmara do 
mesmo tribunal, ao seu turno, entendeu que o direito à 
saúde era ditado por políticas públicas destinadas age- 
renciar recursos escassos, sendo juridicamente impossí­
vel ao Judiciário imiscuir-se na questão. Todas as deci­
sões foram tomadas perante a mesma situação: um m e­
nor vítima de doença congênita, de origem gènética, a 
distrofiá muscular progressiva de Duchenne.
51. íbidem, p. 3.
52. Íbidem.
53. O acórdão não toca na questão, mas, como formulado, parece 
entender não haver direito subjetivo correlato ao "direito à saúde”, 
já que as políticas públicas de saúde são dirigidas à generalidade da 
população.
Esse dissenso na exegese do que seja o “direito à 
saúde'1 provoca até mesmo situações insólitas e iníquas 
como a ocorrida no processo n° 351/99 na 14a Vara da 
Fazenda Pública de São Paulo, onde um menor ímpúbe- 
re, vítima da distrofia muscular progressiva de Duchen- 
ne obteve liminar para que o-Estado de São Paulo arcasse 
com R$ 174.500,00 equivalentes ao valor em dólares 
necessários ao tratamento, ao fundamento de que o di­
reito à vida preponderaria sobre qualquer outro, ao pas­
so que a sentença julgou improcedente sua demanda e 
revogou a antecipação de tutela, determinando a devo­
lução da quantia levantada, “sob as penas civis e crimi­
nais cabíveis", ao argumento de que o direito à saúde 
garantido pela Constituição deveria ser cumprido den­
tro dos limites das verbas alocadas à saúde, devendo o 
Governante, "segundo os critérios de conveniência e 
oportunidade, procurar atender aos interesses de toda a 
coletividade de maneira 'universal e igualitária’ para 
cumprir a norma constitucional. Assim, o benefício a um 
único cidadão, como no caso do autor, prejudica o res­
tante da coletividade de cidadãos, que vêem as verbas 
destinadas à saúde diminuírem sensivelmente, em detri­
mento de suas necessidades.”54 Seja qual for a concepção 
jurídica que se tenha, dar a um pai o dinheiro para o 
tratam ento do filho doente e depois exigir esse dinheiro 
de volta, com ou sem as “penas civis e criminaiscabí­
veis” soa como algo perverso.
Vale também mencionar outra decisão, essa de pri­
meira instância, que embora não trate de saúde engloba
54. Sentença proferida no processo.
30
o mesmo problema objeto deste trabalho. Na Repre­
sentação n° 13/99, formulada pelo Ministério Público 
do Estado de São Paulo perante o Departamento de 
Execuções da Infância e Juventude da Capital, o Juízo, 
"em análise perfunctória da questão”, constatou que o 
estado de fato vivido nas dependências da Fundação 
Estadual do Bem-Estar do Menor não vinha atendendo 
ao disposto nos artigos 94, 123, 124 e 125 do Estatuto 
da Criança e do Adolescente e, portanto, violando os 
direitos fundamentais dos internos, razão pela qual de­
terminou o afastamento provisório do presidente da 
fundação e de vários dirigentes e, no prazo máximo de 
30 dias, fosse providenciado outro local para recebimen­
to de jovens, fosse por aquisição, ampliação, locação, 
desocupação, bem como várias outras providências para 
adequar a realidade dos fatos àquela prevista nas leis, em 
prazos que variaram de 30 a 90 dias.
No Estado do Rio de Janeiro não consta haver prece­
dente quanto à distrofia muscular progressiva de Duchen- 
ne, mas há vários relativos a AIDS e um relativo a cân­
cer55. No julgam ento do Agravo de Instrum ento n° 
1081/97, a 4a Câmara Cível decidiu que embora o Estado 
tenha alegado “que o fornecimento se faz conforme possí­
vel, sendo notória a insuficiência de recursos”, de modo 
que “o Rendimento de casos isolados toma o programa 
inadministráuel", “o Estado, cuja administração ê difícil, 
tem recursos nem sempre bem empregados, notando-se 
que, nos últimos anos, houve desaparelhamento dos servi­
ços de saúde, proliferando os planos privados de seguro
55. Pesquisa atualizada em outubro de 1999.
saúde, que, no entanto, não aceitam segurar doenças como 
a dos agravados, ante o alastramento. Sabemos que as 
despesas são elevadas. M as é inegável que, quanto à lei, 
prevalece a Constituição (...). (...), mesmo porque, em ca­
sos semelhantes, o risco de vida suplanta considerações 
jurídicas s a norma da Lei Maior deve prevalecer sem ­
pre”56. Mais recentemente, a mesma Câmara, agora com 
composição diversa, assentou que "participando o Estado 
do Programa Nacional de DST/AIDS, decorre a conclusão 
de existirem verbas para a consecução do mesmo, e, mais 
adiante, do que, para tanto há necessariamente previsão 
orçamentária. O segundo ê o de que, ainda que assim não 
o fosse, todavia, há a necessidade de proclamar-se aqui a 
prioridade dos valores de vida e de saúde, constitucional 
e eticamente consagrados, sobre um princípio meramente 
de finalidade fiscal invocado pelo ente público, que deve 
àquele se submeter."'*1 A 6a Câmara, no julgamento da Ap. 
Civ. n° 7.109/98, seguindo o voto do relator, assentou que 
“a obrigação de o Estado fornecer os medicamentos, na 
hipótese vertente, emanada de texto constitucional, como 
sabido, não lhe sendo permitido exonerar-se desse compro­
misso de assistência social”, bem como ser “inescapável a 
obrigação de serem subministrados os medicamentos que 
se tomem necessários, providência marcadamente indis­
pensável e impositiva, diante das determinações da Lei
56. Rei. Des. Semy Glanz, unânime, j. 12/08/97, fís. 101 e 102 dos 
autos.
57. Rei. Des. Luiz Eduardo Rabello, unânime, j. 27/04/99, fl. 174 
dos autos.
32
M aior‘5S. A 7a Câmara, no julgamento da Ap. Civ. n° 
&.6S4/9S, assentou, logo na ementa, quanto ao direito ao 
recebimento dos medicamentos, que ‘'prescinde sua exe­
cução, pela natureza constitucional do direito outorgado, 
de previsão orçamentária, impondo-se aos Estados ajusta­
rem suas disponibilidades para ser cumprida. ”59 A mesma 
Câmara, com outra composição, assentou ao julgar a Ap. 
Civ. n° 762/98: '
Quanto à argiiida desconsideração da sentença 
apelada as normas dos artigos 167, II e 195, § 5o da 
C. Federal, na verdade, não está presente: os requisi­
tos de existência de fonte de custeio e de previsão 
orçamentária, de que fala a apelante, devem ser vis­
tos como antecipadamente preenchidos, pois parece 
clarò que, se no artigo 290, XVTII da Carta Estadual, 
ê imposto ao Estado a obrigação de fornecer às pes­
soas carentes os medicamentos essenciais à preserva­
ção de suas vidas, em se tratando, como se trata,'de 
previsão constitucional, parece evidente que o Estado 
deve ter planificado em seu orçamento os recursos 
necessários ao cumprimento de tal obrigação consti­
tucional, recursos esses que, de qualquer forma, esta­
rão ggmpre reforçados pelos repasses de contribuições 
dõ S.U.S., feitas pela União Federal.60
58. Rei. Des. Albano Mattos Corrêa, j. 27/04/99, fl. 236 dos autos.
59. Rei. Des. Luiz Roldão, unânime, j. 22/09/98, fl. 167 dos autos.
60. Rel.a Des.a Áurea Pimentel Pereira, unânime, j. 28/04/98, fl. 87 
dos autos.
Ainda no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de 
Janeiro, a 9a Câmara, no julgamento da Ap. Civ. n° 
2.83 5/98, assentou que “não comporta cabimento a de­
fesa do Apelante. Negar o dever de assumir tais encar­
gos, a pretexto de violação ao princípio do orçamento e 
da quebra da harmonia e independência de Poderes, é, 
na verdade, violar o princípio da razoabilidade e da 
legalidade"^. A mesma Câmara, com ligeira modifica­
ção em sua composição, assentou no julgamento da Ap. 
Civ. 7.269/98, não poderem o Estado e o Município 
recusarem o fornecimento dos medicamentos aos porta­
dores do vírus HIV, afastando a exigência orçamentária 
com o mesmo tex to acima transcrito, extraído da Ap. 
Civ. n° 6.684/98, julgada pela 7a Câmara Cível.
Vale destacar dos julgados acima o acórdão proferido 
pela 2a Câmara Cível no Duplo Grau de Jurisdição n° 
207/9762, onde os argumentos não destoam dos demais, 
mas sigulariza-se por ter sido a ação movida apenas con­
tra o Município de Cabo Frio.
5. Questões não enfrentadas nos julgados: 
microjustiça x macrojustiça
Os acórdãos acima que reconheceram haver direito 
subjetivo ao recebim ento de tratam ento médico afasta­
61. Rei. Des. Laerson Mauro, unânime, j. 15/09/98, fl. 119 dos 
autos.
52. Rei. Des. Sérgio Cavalieri Filho, unânime, j. 11/11/97.
34 -
ram qualquer consideração orçamentária. Ocorre que as 
demandas, inclusive por tratamento médico, são vora­
zes: elas devoram os recursos, parafraseando o filósofo 
Charles Fried63. Os recursos são intrinsecamente escas­
sos, ainda mais no que tange à medicina. Todas as esta­
tísticas existentes sobre gastos com saúde, em todos os 
países, mostram uma progressão quase que geométrica 
e isso não resulta de uma “batalha perdida”, m uito pelo 
contrário. É o êxito no combate à mortalidade infantil 
que traz mais pessoas para a idade adulta, onde sofrerão 
doenças cujo tratam ento é mais sofisticado e caro. O 
êxito em um tratam ento levará a que outro, mais tarde, 
se faça necessário.
Esse problema é bem nítido no Brasil, onde a desi­
gualdade social faz com que parte da sociedade já sofra 
doenças “modernas” ou "da riqueza”, assim as conside­
radas como típicas de países mais desenvolvidos, ao pas­
so que outra parcela ainda sofre com "doenças da m isé­
ria”, como febre amarela, cólera e malária64.
Em entrevista concedida ao jornal Folha de São Pau­
lo65, o infectologista David Uíp, professor da Faculdade 
de Medicina da USP e diretor de uma entidade de apoio 
a aidéticos, afirmou quanto ao atendimento universal
63. No original: “Needs are varacímis; they eat up resources1'. 
FRIED, Charles. Rigktanã Wrong, Cambridge, Mass, 1978, p. 122, 
apud WALZER, Michael. Spheres of Justice. Basic Books, 1983, p. 
67.
64. Folha de São Paulo, 24 de maio de 1998, p. 3.2 e 27 de maio 
de 1998, p. 3-8.
65. Edição de 29 de maio de 1998, p. 3-9.
35
proposto66 na Constituição: “Acho que isso é um engano 
de retórica: não há recursos para atender todos com dig­
nidade. Acho que o Estado tem de saber até onde pode 
chegar, e a sociedade vai ter de se virar para fazer o 
resto. O modelo já está pronto. (...). Se você tira do SUS 
os 41 milhões de pessoasque têm plano de saúde, o 
atendimento para quem fica vai melhorar."
Em artigo publicado no mesmG jornal, o Professor 
Cristovam Buarque escreveu;
Mas os dados mostraram tam bém que o Brasil 
tem um dos mais elevados índices de vacinação con­
tra a poliomielite em todo o mundo. Somos equiva­
lentes à Itália na vacinação, mas piores que Honduras 
na mortalidade infantil. Isso tem uma lógica,
A poliomielite não faz distinção de classes sociais. 
Democraticamente, seu vírus ataca crianças de todas 
as rendas, enquanto a mortalidade infantil se concen­
tra nas pobres.
O Brasil tem padrões de Primeiro Mundo em 
todas as mazelas que atingem igualmente ricos e po­
bres, como é o caso da poliomielite e da Aids; ou nos 
assuntos que beneficiam apenas os ricos, como a qua­
lidade industrial, os aeroportos. Mas mantém-se en- 
. tre os piores do mundo naquilo que pode ser liini
66. “Proposto” é a palavra que está na pergunta formulada. Embora 
a palavra seja tecnicamente imprópria em um texto jurídico, a 
mantemos porque, a rigor, toda a discussão no presente trabalho 
visa saber qual norma deve ser extraída da leitura do dispositivo 
constitucional.
36
tado aos pobres, como a desnutrição, a educação, a 
saúde.”67
Se os recursos são escassos, como são, é necessário 
que se façam decisões alocativas: quem atender? Quais 
os critérios de seleção? Prognósticos de cura? Fila de 
espera? Maximização de resultados (número de vidas 
salvas por cada mil reais gastos, p. ex.)? Quem consegue 
primeiro uma liminar68? Tratando-se de uma decisão, 
nos parece intuitiva a necessidade de motivação e con­
trole dos critérios de escolha,- uma prestação de contas 
à sociedade do porquê preferiu-se atender a uma situa­
ção e não à outra.
Imaginar que não haja escolhas trágicas, que não haja 
escassez, que o Estado possa sempre prover as necessi­
dades nos parece ou uma questão de fé, no sentido que 
lhe dá o escritor aos Hebreus: a certeza de coisas que se 
esperam, a convicção de fatos que se não vêem69, ou 
uma negação total aos direitos individuais. Se o Estado 
está obrigado a sempre ter recursos para prestar as u ti­
lidades que lhe são demandadas, ao menos no campo de 
saúde, então, por dever de coerência, há que se reconhe­
cer o direito de obter esses recursos. Mas seja no campo
fil. BUAtlQUE, Cristovam. “A lógica da vergonha". Falha de São 
Paulo, 22 de dezembro de 1999, p. 1-3.
6S. A Folha de São Paulo, nas edições de 21 e de 23 de dezembro 
de 1999 (pp. 3-1 e 3-7] noticiou o caso de um aposentado que era 
o 49° da fila para ser operado de câncer na bexiga, mas obteve 
liminar para ser operado de imediato. Com isso, obviamente os que 
estavam posicionados mais à frente na fila terão que aguardar mais.
60. Hb 11.1'
37
da receita pública, seja no campo da própria contenção 
de gastos, há direitos individuais, como as garantias tri­
butárias, a vedação ao confisco, o direito à percepção dos 
vencimentos e proventos. Indo um pouco além, se po­
deria dizer que a Constituição não faz distinção entre 
doenças e, assim, os que necessitam de transplante têm 
o direito de obter o tratam ento eficaz, o transplante. 
Mas como o Estado poderá obter os meios sem ser, 
novamente, da sociedade através da retirada de órgãos 
daqueles que estão com m orte cerebral diagnosticada?
Vê-se, portanto, ser dificilmente defensável um direi­
to “absoluto” à saúde, ou melhor, ao tratamento médico 
adequado, ao menos sem que se fundamente o critério de 
opção na colisão desse “direito” com normas constitucio­
nais como a isonomia, a impessoalidade e a motivação, 
que demandam a adoção dé critérios claros e sindicáveis 
na alocação de recursos escassos, ainda que a sindicabili- 
dade seja pelo voto; a garantia à propriedade, seja através 
das regras tributárias, seja através da vedação ao confisco; 
ou o direito à intimidade e a liberdade de crença, que 
podem levar a uma recusa em ser doador de órgãos.
Não se trata, por óbvio, de uma deficiência dos jul­
gados, mas de uma característica das decispes judiciais. 
O judiciário está aparelhado para decidir casos concre­
tos, lides específicas que lhe são postas. Trata ele, por­
tanto, da microjtistiça, da justiça do caso concreto. O 
Judiciário, usualmente, só transcende dò caso concreto 
em questões processuais, relacionadas à celeridade pro­
cessual e ao acesso à Justiça. Nesses casos, com freqüên­
cia — e acerto — renuncia a vim- procedimento ideal­
mente justo, onde as partes possam praticar a ampla
defesa com a produção de todas as provas que se façam 
necessárias, em prol de um procedimento célere, com 
rígidas regras de preclusão e limites à defesa, notada- 
rnente quanto a recursos. O dilema talvez possa ser re ­
sumido da seguinte maneira: sentença tardia é injusta 
independentemente de seu conteúdo material. A se as­
segurar a mais ampla possibilidade de argumentação e 
de produção de provas, em todos os processos, a solução 
final tardaria bem mais que o suportável, tornando-a 
intrinsecamente injusta, como já colocado. Um procedi­
mento célere, com limitações à argumentação, à produ­
ção de provas70 e à possibilidade de recursos gerará um 
percentual de decisões incorretas, indetermináveis a 
priori, mas entre entregar na grande maioria dos casos 
sentenças injustas porque tardias71 e assumir o risco de 
um grau de imperfeição no exercício jurisdicional, opta- 
se pela segunda possibilidade72.
À justiça do caso concreto deve ser sempre aquela 
que possa ser assegurada a todos que estão ou possam vir 
a estar em situação similar, sob pena de quebrar-se a 
isonomia73. Esta é a tensão entre micro e macrojustiça.
70. Como exigir que os documentos venham com a inicial ou com 
a contestação.
71. £,.aihcla com o risco de serem tardias e errôneas.
72. Confira-se a decisSo da Suprema Corte Americana- no caso 
Matthews v. Eldridge, 424 U.S. 319 (1974), especialmente a parte 
transcrita em nota no item 1.1 do capítulo 3.
73. De certa forma, a idéia de a capacidade de assegurar o bem 
jurídico a todos justificar restrição na fruição desse bem encontra-se 
desenvolvida em RA.WLS, John. Uma Teoria da Justiça. Lisboa: 
Presença, 1993, cap. IV, embora tratando da liberdade.
39
A despeito disso, temos um textq constitucional que 
diz ser a saúde direito de todos e dever do Estado e 
também alude a várias obrigações positivas do Estado. 
Cum pre dizer que direito são esses. Este o propósito do 
trabalho. Manteremos constante referência à questão da 
saúde, mas como se verá, a resposta não abrange apenas 
o artigo 196 da Constituição, a saúde ou a seguridade 
social, abrange uma outra categoria jurídica que compõe 
esses direitos, as pretensões a prestações positivas.
6. A questão a ser respondida
Capítulo 2
O conteúdo do “direito”
Sumário. 1. Insuficiência da palavra "direito". 2. Evolução 
dos direitos fundamentais. 3. Conteúdo dos Direitos Funda­
mentais e exigibilidade: os direitos negativos e os direitos 
positivos.
1, Insuficiência dia palavra “direito”
Antes que se possa realmente discutir sobre a 
eficácia e abrangência de um "direito” no? parece ser 
imprescindível discutir a essência, o ser desse “direito”. 
.Pafavi^so tem-se a Ciência do Direito. Não se tem 
dúvidas que o Direito é uma ciência cujo instrumento 
e objeto de trabalho, simultaneamente, é, dentre 
outros, a palavra. Pode-se talvez dizer que da mesma 
forma que não será fácil fazer os estudos da Física 
Mecânica sem instrumentos aferidos, não é fácil fazer 
a Ciência do Direito sem alguma precisão vocabular.
4]
Contudo, talvez uma das palavras mais polissêmicas 
em Direito seja, exatamente, “direito”. Contando ape­
nas os significados do emprego da palavra no substan­
tivo e, ainda assim, que guardem pertinência com a 
Jurisprudência — outra palavra polissêmica, encontra­
mos no Dicionário Aurélio dez acepções. Não se trata 
de um particularismo do português. Em inglês a palavra 
law tem pelo menos dezenove sentidos74, e a palavra 
right, enquanto substantivo, tem ao menos dez signi­ficações75 de alguma forma aplicáveis a idéia de “di­
re ito ” que aqui se está a falar.
A imprecisão das palavras no mundo jurídico jã foi 
notada por diversos juristas. Kelsen, em sua Teoria Pura, 
assevera que o entendimento da essência do direito sub­
jetivo é dificultado pelo fato de com esta palavra serem 
designadas várias situações m uito diferentes uma das 
outras75. Alf Ross chega a “concluir que seria deseable 
que las exposiciones doctrinarias dei derecho vigente eli­
m inar an el concepto de deber. En lugar de operar com 
este término inadecuado convendría más atenerse shn- 
plemente a la conexión jurídico-funcional entre los he- 
chos condicionantes y las reacciones condicionadas,”, 
mas reconhece que "seria muy difícil, sin embargo, Ue- 
var a cabo esa idea. El mundo de los conceptos tradicio-
74. Webster’s New Universal Unabridged Dictionary, Nova York, 
1996.
75. Idem, significados 19 a 28.
76. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins 
Fontes, 1991, p. 139.
42
nales, y la dificuhad de romper conpuntos de vista ideo­
lógicos, se oponen a ella."1'
Ross defende uma terminologia melhorada78, tom an­
do por base o sistema elaborado por Hohfeld.
H ohfeld, em sua obra, demonstra a imprecisão dos 
term os jurídicos, exemplificando que a palavra “pro­
priedade” as vezes é empregada para indicar o objeto 
físico com o qual se relacionam vários direitos, privi­
légios, etc., enquanto outras vezes é usada para denotar 
o interesse jurídico ou conjunto de relações jurídicas- 
que correspondem a tal objeto físico79. O mesmo se 
dá com inúmeras outras palavras e expressões, como 
contrato, obrigação, poder. Para ele, “buena parte de 
la dificuhad, en lo que atane a la terminologia jurídica, 
se origina sn el hecho de que muchas de nuestras 
palabras solo eran aplicables originariamente a cosas 
físicas, de moâo que su uso en conexión con relaciones 
jurídicas es, hablando estrictamente, figurativo o fic ­
tício” ,80
Mais adiante, afirma o mesmo autor, com total pro­
priedade:
-77. ROSS, Alf. Sobre el Derecho y la lusticia. Trad. Genaro R. 
Carrió. Buenos Aires: EUDEBA, 1994, p. 154.
78. Id e m , p p . 155 a 162.
79. HOHFELD, Wçsley N. Conceptos Jurídicos Funãamentales. 
Trad. Genaro R. Carrió. México: Distribuciones Fontamara, 1995, 
pp. 32/33.
80. Id e m , p . 36
43
Uno de los obstáculos mayores a la compreensíón 
clara, enuncíçiçión aguda y solución verdadera de los 
problemas jurídicos, surge com frecuencia de la supo- 
sición expresa o tácita de que todas las relaciones 
.. jurídicas puedem ser.reducidas a 'derechos'. [subjeti- 
vos) y 'deberes', y de, que estas últimas categorias son, 
por lo tanto, adecuadaspara analizar los intereses 
.. jurídicos más complicados, , tales como trusts, opcio- 
. nes de compra, escrows, intereses 'futuros'.; intereses 
de personas colectivas, etcétera. Aun cuando la difi- 
cultad se vinculara exclusivamente çom lo inadecua- 
do y ambiguo de la terminologia,' la seriedad de 
aquélla justificaria, empero, que se la considere m e-' 
recedora de um claro reconocimiento y de esfuerzos 
persistentes para mejorar las cosas; porque en cual- 
quier problema razonado cuidadosamente, ya sea um 
problema jurídico como de outro tipo, las palabras 
‘camaleón ’ constituyen um peligrú tanto para el pen­
sam iento claro como para Ia expressión lúcida. En los 
hechos, empero, la mencionada falta de adecuación 
"y la ambigüedaa de términos infòrtunadamente re- 
flejan, com demasiada frecuencia, la correspondien- 
te pobreza de los conceptos jurídicos vigentes y la 
confusión que impera respecto dè ellos.81
A doutrina jurídica tradicional distingue entre direi­
tos objetivos e direitos subjetivos, mas quando sé está a 
falar de direitos perante o Estado, a distinção é no míni-
81. Pp. 45 a 47.
44
mo insuficiente*- A Constituição ;estabei ecgi-divergQS: 
princípios e positiva valores jurídicos que investem os 
particulares em “direitos”. Contudo, os princípios e va­
lores não geram diretamente direitosi pois ante o grau 
elevado de abstração, -perrriite m avãríoS gr(0&:de çoficfè^ . 
tização, consoante • òs condicionalisinos fáticos e jürídu 
cos1’82 e sujeitos .a ponderações. Os princípios e valores 
não sevprestam a aplicações subsuntivas, saívo após prò.~ 
cessHrâé^ensificfção pelo ápliçadoi. Cornd/ ejitão^falar 
em direito objetivo e direitos subjetivo? ; :.y
Parece evidente que a situação jurídica do indivíduo 
decorrente da garantia constitucional do contraditório e 
ampla defesa não é a mesma decorrente da! legalidade 
tributária. A garantia do contraditório e" ampla defesa 
necessita mediação legislativa ao menos para fixar os 
prazos e não impede a concessão, de liminares sem .a- 
oitiva da parte, ao passo que a legalidade tributária 6. 
bastante em si. Nada obstante, diz-se m esm ^em ten tos-' 
técnicos, que há o “direito" ao contraditória.e.à .ampla 
defesa e o "direito” de não ser tributado sem lei.
"Direito” é, pois, uma das "palavras-camaleão” que 
constituem um perigo tanto ao pensamento claro como 
para a expressão lúcida a que se .-refere Hohfeld.33 A 
simples.«firmaçãa categórica que algo é um '‘direito", 
desvencilhada de outras informações, não transmite in­
formações suficientes. * — • ." ‘
82. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito' Constitucional. Coimhra:' 
Almedina, 1991, p. 173, 4
83. HOHFELD, Op. dt., p. 46. ' "■ 1 1 - -
- - — - =-rri^S 
---
. - - ' V.
Hohfeld, para livrar-se da ambigüidade, desenvolveu 
quadro esquemático em que "direito” é decomposto em 
quatro pares de opostos jurídicos e quatro pares de cor- 
relatos jurídicos84. Alf Ross sugere uma “terminologia 
melhorada", partindo das linhas gerais do sistema de 
Hohfeld, com as expressões “dever,, liberdade, faculda­
de e não faculdade" formando .quatro pares de correia-, 
tivos e quatro pares de. opostos,: quanto às normas de-, 
conduta, o mesmo se dando, cóm as .expressões “sujei-' 
ção, imunidade, competência e incompetência”, quanto 
às normas de competência82.
Já Carlos Santiago Nino, com base na tipologia de 
Hohfeld, Kelsen e outros, decompõe os direitos em di­
reitos-liberdade, que só implicam a ausência de uma 
proibição e não podem, por si mesmos, prover nenhum 
tipo de proteção; direitos autorizações, "que songenera- 
dos por normas permisivas pero que su estatus como 
pertenecientes a una categoria autônoma, o corno reduc- 
tibles a alguna de las otrasy dependede câmo sean conce-- 
bidas esas normas perm isivasdireitos-privilégiòj qüê 
são correlativos de obrigações ativas ou passivas de ou­
tras pessoas, sejam pertencentes ã certas classes especí­
ficas ou a uma classe universal;' direitos-ação, que iri-
84. Os opostos jurídicos são direito subjetivo x não-direito, privilégio 
x dever, potestade x incompetência e imunidade x sujeição. Os 
correktos jurídicos são direito subjetivo « dever, privilégio s 
nãõ-direito, potestade <=> sujeição e imunidade incompetência 
(op. cit., p. 47). : ... ■ -
85. ROSS. Op. cit., p. 155.
46
cluem a possibilidade: de-acionar perante alguniiórgão 
para fazer cumprir as obrigações correlativas; direitos- 
competência, que englobam a capacidade de em itir nor­
mas para alterar a relação jurídica de oütràs pèssbàs; é / --- 
finalmente, direitos-imunidade, que são corrélâtívos/à : - 
falta de competência de outros para alterar a situação . 
jurídica de seu titu lar.86 ;... . .
. No campo dos direitos-fundamentais; cumpre notar 
què Peces-Barba começa a tratar dos "problemas genera- 
les” com um capítulo cledicado à "aproximacíóri lingüís­
tica”, onde se preocupa em definir o significado de vá­
rias palavras empregadas para. tratar dos direitos funda­
mentais87, enquanto que Peres Luno inicia uma de suas 
obras sobre direitos humanos com capítulo dedicado à 
“Delimitaciõn conceptual de los derechos ' humanos”̂ . 
Vale também mencionar Norberto Bobbio} qúe apos 
destacar haver vários significados para otefrnb “direito '’, 
diz que por prudência sempre empregou a palavra “exi? 
gências"

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