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TEXTO 15 = SINTESE e COMENTARIOS do Texto 14

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DILEMAS E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS E HISTÓRICOS PARA O TRABALHADOR DOCENTE.
Prof. Dr. Dalton Alves
Pedagogia/UNIRIO
Departamento de Fundamentos da Educação
Disciplina: Educação e Trabalho
· TEMAS PRINCIPAIS TRATADOS:
· Direito, Trabalho, Dignidade Profissional;
· Desprofissionalização da função do magistério, comunitarismo, privatização do ensino e estagnação salarial;
· (Des)Reformas Educacionais;
· Habitat laboral ou meio ambiente de trabalho digno e mal-estar docente;
· Dignidade do trabalhador no trabalho: vida digna e condições mínimas do exercício da profissão;
· Valorização do trabalhador docente;
· Adoecimento no e pelo trabalho docente;
ADVERTÊNCIA =
Este texto é mais do que uma síntese, trata-se de um comentário geral do tema sobre os problemas que os profissionais da docência enfrentam no exercício do magistério, daí a extensão do texto. Não deve ser entendido como uma resenha ou algo assim, mas como resumos de ideias importantes e comentários a partir destas com a inserção de novas ideias correlatas ou derivadas destas. O que se tem em comum, é que este trabalho tem como base principal o texto de OLIVEIRA e PIRES (2014), mas procura traduzir também o que apresentam outros autores, dentre os quais eu me incluo. 
INTRODUÇÃO (Texto: OLIVEIRA e PIRES, 2014)
Origem da educação no Brasil.
· Vertente religiosa (Jesuítas, de 1570-1759) – Até a Reforma Pombalina e a expulsão dos Jesuítas.
· Vertente estatal (Leiga, 1759-1930). Quando o estado assume a instituição escolar dá-se origem à profissionalização docente, mas a participação de docentes religiosos, remanescentes dos jesuítas e de outras ordens religiosas católicas ou de religiões protestantes, ainda foi predominante até pelo menos 1930.
Constituição de 1934 – instituiu o princípio republicano da educação como direito de todos. Neste contexto, a partir de então, passa a ser considerado essencial o papel do professor para garantir um direito social de todos os cidadãos à educação/p.75.
Segundo autores:
Não restam dúvidas de que o principal patrimônio do Sistema Educacional Brasileiro é a capacidade docente, tanto intelectual, como também técnica ou profissional, para desenvolver projetos, pesquisas e oportunizar a todos os cidadãos o direito social à educação, previsto no artigo 6º. da Constituição Federal vigente (OLIVEIRA e PIRES, 2014, p.75).
Na sequência os autores justificam a abordagem do tema devido a relevância e a “essencialidade do trabalho dos professores” e, por isto, se coloca a necessidade de esclarecer “a origem das garantias ao trabalho docente, bem como da efetivação do princípio da valorização dos profissionais do ensino” (Idem).
A necessidade de valorização do trabalhador docente após 1930 coincide com o início da intensificação do processo de industrialização brasileira, a qual com Getúlio Vargas ganha força e passa a avançar a passos largos. Pode-se associar isto à Primeira Revolução Industrial europeia do Século XVIII, podendo considerar a década de 1930, de certa forma, o princípio da “revolução industrial” nacional. 
A Revolução Industrial europeia opera uma inversão no processo produtivo e se antes, na manufatura, o ser humano, a mão-de-obra humana, ocupava o centro do processo produtivo, pois, era o ser humano quem efetivamente produzia com suas próprias mãos e com auxílio de instrumentos os produtos destinados à venda e ao consumo humano. Com o surgimento das máquinas, estas passam a ocupar este lugar, deslocando os seres humanos (os trabalhadores) para a “periferia” do processo produtivo, transformando-os em um adendo das máquinas. Agora são as máquinas que produzem e a “mão-de-obra” humana passa a ter a função de “cuidar” do bom funcionamento das máquinas. O homem (o trabalhador) passa a ter a função acessória em relação às máquinas de ligar, desligar, limpar, consertar etc., e, portanto, a produção agora não é mais fruto das suas mãos, e sim, das máquinas. 
Segundo Saviani,
A Primeira Revolução Industrial colocou a máquina no centro do processo produtivo, transferindo, portanto, para as máquinas as atividades manuais, e com isto, liberando os trabalhadores das atividades manuais pesadas e também daquelas atividades que exigiam um grau de precisão que demandava uma grande concentração e habilidade manual. Isto, então, tendeu a ser transferido para as máquinas e com isto o trabalho humano passou a se desenvolver em articulação com as máquinas (SAVIANI, Vídeo, 4ª. parte: “A escola e a Primeira Revolução Industrial”).
A questão dos professores, da docência e da escola ganha relevância neste contexto ao se colocar as máquinas no centro do processo produtivo, sendo as máquinas criadas a partir de conhecimentos científicos complexos e especializados, com base na física, química, engenharia, matemática etc., passou a demandar operadores também especializados e que dominassem minimamente tais conhecimentos científicos, uns mais outros menos, dependendo da função que cada um ocupa no processo produtivo. Assim, a necessidade de trabalhadores que tenham algum conhecimento científico e técnico irá aumentar gradativamente conforme avançava o desenvolvimento e a complexidade da produção industrial, que a formação espontânea, manual e intuitiva não dava mais conta de formar adequadamente para as novas funções requeridas pelo trabalho industrial. A atividade científica, que dará origem às máquinas, sendo ela própria uma atividade sistemática e sistematizada, não espontânea, irá requerer um estudo e aprendizado igualmente sistemáticos e sistematizados. Esta é uma das razões que colocará a necessidade do acesso à escola para todos, inclusive para os trabalhadores. 
Daí a afirmação de Saviani, segundo o qual, 
Essa revolução industrial que colocou a máquina no centro do processo produtivo, teve uma correspondente revolução educacional que colocou a escola no centro do processo educativo. A partir daí a tendência passou a ser a identificação de educação com escola, a tal ponto que hoje quando nós falamos em educação nós pensamos automaticamente em escola e vice-versa (Idem.).
A partir disto em toda a Europa ganhou força a ideia da expansão da escolarização para todos, transformando a Escola na modalidade principal de Educação de toda a sociedade. Ao colocar a escola no centro do processo educativo, coloca-se, também e, por conseguinte, os professores no centro da escola como os educadores por excelência. 
Porque é a partir do conceito de escola que a realidade educacional pode ser explicitada. O que quero dizer com isto, é que os professores, então, são os educadores por excelência da nossa época. E o habitat dessa atividade educacional são as escolas. E, portanto, o movimento dos professores, as condições de trabalho dos professores, os salários dos professores, estão diretamente ligados ao desenvolvimento ou não, à melhoria ou não, da educação da nossa época. (Idem) 
Por isto, pode-se entender porque o Estado brasileiro irá assumir e implementar a partir de 1930 a profissionalização do trabalho docente no país, vez que é também deste período o início ou a intensificação da industrialização nacional. E, assim como na Revolução Industrial europeia, coloca-se aqui do mesmo modo a necessidade da escolarização da mão-de-obra e, portanto, de profissionais da docência mais preparados para a função de escolarizá-la.
Segundo os autores Oliveira e Pires (2014), se apresenta neste contexto no Brasil, na década de 1930, o trabalhador docente como o principal patrimônio do sistema educacional brasileiro e enfatiza-se a capacidade docente tanto intelectual como técnica e profissional. Disto resultará todo um “ordenamento jurídico brasileiro” com o objetivo de “garantir a valorização profissional do trabalho docente” (p. 75).
Uma primeira questão que se faz presente a partir daí, para os autores, é sobre “quais as normas que existem de proteção ao trabalho docente no Brasil e quais as suas reais finalidades?”. Problema: Estas servem “meramente para normatizar e regulamentar a organização laboral, ou se de fato busca garantir umtrabalho digno aos profissionais da educação? ” (Idem).
Porém, ao nível das políticas de Estado da Educação a situação dos professores sofre profundas mudanças no sentido da precarização[footnoteRef:1] do trabalho docente, sobretudo, a partir da década de 1970 e, depois, durante e após a década de 1990, quando são adotados os princípios neoliberais[footnoteRef:2] como política oficial de Estado no Brasil. A partir daí será introduzido o trabalho precário com maior intensidade causando, consequentemente, uma reordenação nos sistemas educacionais, redefinindo o papel do estado em relação às políticas sociais, dentre elas a educação, introduzindo-se a lógica gerencial empresarial como a medida de eficiência e eficácia da escola. [1: Precarizar, precário ou precarização, tem o sentido de: escasso, insuficiente, pouca estabilidade, incerto. Em relação ao mercado de trabalho e aos trabalhadores, implica, especialmente a perda e/ou a não garantia efetiva dos direitos trabalhistas e previdenciários estabelecidos pela lei, resultando numa piora das condições, qualificações e direitos do trabalhador e da vida humana e social do trabalhador e da sua família. ] [2: O neoliberalismo é considerado a resposta encontrada para equacionar a crise econômica capitalista da década de 1970 e seguintes; foi indicado como um “remédio” necessário para “salvar” o sistema. Deste modo, sendo que neo significa novo, então, neoliberalismo significa um novo liberalismo, ou seja, o liberalismo hoje. A questão a ser posta é: há algo de novo no liberalismo atual? ”. O NEOLIBERALISMO nada possui de novo. É o LIBERALISMO CLÁSSICO em tempos atuais. Não há nada de novo porque o liberalismo não se define pela forma e sim pela lógica na qual se fundamenta. E essa lógica não mudou desde sua origem. Qual é a lógica do Liberalismo, então? Segundo o postulado clássico do liberalismo: É a lógica do mercado que deve gerenciar todos os setores da sociedade, inclusive a saúde e a educação etc.., portanto, o liberalismo atual tem sim algo de “novo”, e consiste na defesa intransigente de um retorno ao liberalismo clássico. (anterior à crise da Bolsa New York de 1929 e que foi a causa desta crise). Defendiam suas teses contra o Estado de Bem-Estar Social (keynesianismo), contra o poderio dos sindicatos e contra o aumento dos direitos trabalhistas conquistados nesse período, desde 1940. Em síntese, a tese central do Neoliberalismo é a defesa do “ESTADO MÍNIMO”, ou seja, a NÃO INTERVENÇÃO DO ESTADO na economia e nas relações ente patrões e empregados, os quais devem ser deixados livres para negociarem entre si as suas necessidades. Daí a atual reforma trabalhista que retirou vários direitos dos trabalhadores. Mostra como funciona esta lógica e as suas consequências, quando se retira, desta forma, o Estado da economia.
] 
Trata-se da mercadorização da educação e do trabalho docente, ou seja, considerar tudo como redutível à lógica de mercado, de compra e venda. Esta “nova organização laboral do ensino”, do trabalho docente, é marcada por forte “ideologia de mercado”, a qual compreende a função docente como uma mercadoria e não como um direito, conforme consta na Constituição brasileira de 1988. A consequência imediata se fez sentir na forma de uma crescente desvalorização do papel social do professor e na flexibilização do trabalho docente que trouxe o efeito da queda da qualidade do ensino e, logicamente, da aprendizagem. 
Curioso observar que isto ocorre num contexto em que a escola se generalizava para “todos” no Brasil, justamente aí cai a qualidade do ensino e da aprendizagem na escola pública. Quando o acesso ao saber elaborado, sistematizado, teórico e científico, é colocado acessível à grande massa, sobretudo aos trabalhadores, observa-se a piora na qualidade da escola pública de nível básico no país, antes considerada uma escola de excelência. 
· Neoliberalismo, Estado-Mínimo e a negação do Estado Democrático de Direito.
Considerando estas ideias os autores apresentam como objetivos do texto analisar algumas indagações sobre “se a nova organização laboral (neoliberal) tem contribuído para a desvalorização do papel social do professor, bem como de que maneira é compreendida a flexibilização do trabalho docente e quais os seus efeitos na atividade laboral e na qualidade do ensino” (p.76). Situam esta discussão no princípio do Estado Democrático de Direito, do qual o Estado brasileiro se diz signatário, e como tal deve primar pela “proteção da dignidade da pessoa humana”. No caso da educação e do trabalho docente, “este princípio basilar é estendido quando do ambiente de trabalho digno ao exercício pleno da profissão docente” (OLIVEIRA e PIRES, 2014, p. 76).
Formalmente o nosso corpo legislativo (leis) é repleto de elementos que indicam a defesa de tais princípios de valorização dos profissionais do ensino e de compromissos com uma qualidade educacional elevada. Porém, indagam os autores, “quais são as políticas públicas existentes e voltadas para a valorização do trabalho docente no Brasil? Serão elas eficientes no atual cenário brasileiro? ” (Idem). 
Tais discussões visam evidenciar “o grau de comprometimento do Poder Público para com a efetivação dessas normas, visto que foram elaboradas com fincas no princípio da dignidade da pessoa humana, quando da sua extensão ao meio ambiente de trabalho docente” (Idem).
O que se percebe, enfim, é que ao nível das políticas de Estado a situação dos trabalhadores sofre profundas mudanças no sentido da precarização do trabalho, sobretudo, a partir da década de 1970 e, principalmente, durante e após a década de 1990, quando são adotados os princípios do “estado-mínimo”, neoliberais, como política oficial de Estado no Brasil, já mencionado. O que precisa ser evidenciado é que esta precarização do trabalho resulta do fato de a adoção das políticas neoliberais do estado-mínimo estarem em franca contradição com o princípio basilar do Estado Democrático de Direito. 
Em relação à determinação constitucional de o Estado zelar e garantir a “valorização do trabalho docente”, ao se assumir como política pública de Estado os princípios neoliberais do estado-mínimo, opera-se a “demissão” do Estado em relação às suas obrigações de garantir e promover a eficácia das normas de valorização do trabalho humano, as quais ficam seriamente comprometidas. Essas leis e normas tendem a se tornarem “letra morta”, inócuas, pois, o princípio basilar do Estado Democrático de Direito, ao qual o Brasil se diz signatário, implica num alto grau de comprometimento do Poder Público para a efetivação das normas existentes, visto que foram elaboradas com fincas no princípio da dignidade da pessoa humana. Numa situação em que se adotam os princípios neoliberais do estado-mínimo como norteadores das políticas públicas de Estado não se pode mais contar com este comprometimento do Poder Público para a efetivação dessas normas. 
É neste aspecto que a adoção dos princípios do estado-mínimo, neoliberal, entra em contradição com os princípios de um Estado Democrático de Direito. Dado que o segundo se caracteriza pela “criação e a garantia de direitos” e o primeiro pela “eliminação de direitos”. A política do estado-mínimo prega a “não intervenção do Estado” na gerência da economia, devendo reduzir ao máximo a criação de leis que limitem e controlem a livre iniciativa do capital, flexibilizando a aplicação das leis existentes e aquelas a serem criadas. 
Em síntese, pode-se concluir, a partir disto, que sob a lógica do princípio do estado-mínimo é impossível sustentar uma sociedade “democrática” e de “direitos”. Isto porque a adoção de um destes torna impossível a sustentação do outro. São mutuamente excludentes. As políticas públicas assentadas nos princípios de um Estado Democrático de Direito são incompatíveis com a adoção do estado-mínimo neoliberal, pois, ao contrário do apregoado por este, aquele exige um Estado forte e presente no cuidado para a efetivação das normas que ele mesmo cria, “elaboradas com fincas no princípio da dignidadeda pessoa humana”. Estas últimas ideias não estão no texto, são ideias nossas comentadas a partir do texto. Mais adiante os autores retomam esta discussão com o acréscimo de outros elementos.
Os autores encerram a Introdução comentando que ao final pretende-se despertar para a necessidade da “elaboração de propostas em contributo a um processo de valorização do professor”, mesmo sabendo que deverão ser implementadas a longo prazo e que dependerão do grau de “comprometimento do Poder Público contra a precarização laboral docente” (Idem).
1. NORMAS DE PROTEÇÃO AO TRABALHADOR DOCENTE.
“(...) eis que apesar da sua grande responsabilidade pedagógica e social, os educadores não são tratados de forma digna na sociedade brasileira”.
(OLIVEIRA e PIRES, 2014, p.77).
Nesta parte os autores tratam mais diretamente do problema do princípio da valorização do trabalho digno e da dignidade no ambiente laboral e de como isto afeta a vida e a atividade profissional dos docentes, inclusive provocando sérios problemas de saúde, quando não se respeita este princípio.
Isto é explicitado pelos autores como pode-se ver na epígrafe que abre este item e noutra parte onde comentam acerca das consequências sobre a saúde dos profissionais da educação, em especial dos professores, que resulta, principalmente, da precarização do trabalho docente, dizem:
O cenário educacional brasileiro impregnado pela desvalorização social do trabalho dos profissionais do saber retrata professores com sérios problemas de saúde, tais como, a síndrome de burnout[footnoteRef:3] (sic), depressão, síndrome do pânico, dentre outras diversas doenças emocionais e decorrentes do exercício da função docente, intensificado pela precariedade no ambiente de trabalho, salários incompatíveis com a complexidade do magistério, (CONSQUÊNCIA) resultando na própria precariedade do sistema de ensino e na falta de eficácia das leis de proteção ao trabalhador docente. (OLIVEIRA e PIRES, 2014, p.77, grifos nossos). [3: “A síndrome de burnout, conforme Nunes e Teixeira, pode ser definida como “um conjunto de respostas às situações estressantes próprias do trabalho, cuja especificidade reside na necessidade de interação e cuidado constante com outras pessoas, no exercício das atividades profissionais”. Estas respostas podem ser psicossomáticas, tais como fadiga crônica, dor de cabeça constante, alterações do sono, perda do peso, dores musculares, alterações gastrointestinais, comportamentais (incapacidade de relaxar, superficialidade no contato com as pessoas, condutas violentas), alterações emocionais (distanciamento afetivo, tédio, impaciência, frustação, dificuldade de concentração, sentimentos depressivos. (FACCI, Marilda Gonçalves Dias. Valorização ou esvaziamento do professor?: um estudo crítico comparativo da teoria do professor reflexivo, do construtivismo e da psicologia vigotskiana. Campinas, SP: Autores Associados, 2004. p. 31”. (OLIVEIRA e PIRES, 2014, nota-de-rodapé: 01, p. 77).
] 
A adequada formação teórica e didática dos professores e a sua atuação profissional com dignidade precisam ser garantidas efetivamente pela sociedade e por seus representantes legais, gestores, governo etc., dado que o trabalho docente constitui “elemento fundamental para atingir os objetivos visados pela educação, uma vez que é o professor que, em sua prática, operacionaliza as grandes linhas propostas pelas reformas educacionais”/(Idem). Todavia, isto não tem sido respeitado no Brasil tal como se poderia e deveria. Ainda está por se fazer “essa vinculação da essencialidade da função docente entre a escola e a sociedade” (VIEIRA apud OLIVEIRA e PIRES, 2014, p.78).
É questão central para os autores o fato de o Brasil, na Constituição de 1988, instituir o Estado Democrático de Direito como o PRINCÍPIO da organização e funcionamento da “República Federativa do Brasil” e destacam como um dos seus principais fundamentos: a dignidade da pessoa humana (Título I, Art. 1º., inciso III).
O Estado Democrático de Direito é fundado e regido por leis propostas, discutidas e escolhidas pela totalidade dos membros de uma comunidade ou sociedade (democracia direta) ou por representantes dessa coletividade escolhidos ou eleitos para este fim (democracia representativa). Uma vez decididas quais leis irão vigorar, todos os seus membros deverão se orientar por tais normas no seu agir nesta sociedade.
O Estado de Direito é também conhecido como de Direito Positivo, que se diferencia do Direito Natural. O Direito Natural era baseado na hereditariedade ou direito de sangue, direito consanguíneo. Só teria direito ao trono ou à propriedade da família os filhos legítimos do Rei ou do proprietário, baseia-se em lei inscrita (natural, própria das coisas, imutável), como aquela lei do período Medieval que determinava o lugar social que cada um deveria ocupar na sociedade de acordo com o seu nascimento: “nasceu nobre morre nobre, nasce servo morre servo”). O Direito Positivo, diferentemente, é baseado em lei escrita, portanto, baseia-se em contrato, assim, alguém não sendo filho pode herdar a terra do proprietário se possuir o contrato assinado passando a propriedade da terra e dos bens para ele etc., bem como, permite certa mobilidade social, pois o lugar de cada um não é mais determinado pelo seu lugar de nascimento, e sim, pelo lugar que cada um ocupa no processo produtivo, se como operário ou patrão, por exemplo. Mesmo assim, alguém tendo nascido operário poderá vir a se tornar patrão e vice-versa, dependendo das condições objetivas e subjetivas de cada um em sua vida, se aquele vir a acumular fortuna e ao outro se por qualquer razão perder a fortuna acumulada. 
O Estado Democrático de Direito, implica, portanto, na criação, efetivação e manutenção de direitos. Os autores, no entanto, mostram que não basta uma sociedade instituir o Estado Democrático de Direito como Princípio, simplesmente, para que este se realize automaticamente. Para que os direitos definidos em lei possam se efetivar e serem respeitados precisam da “atuação do legislador infraconstitucional para que se torne plenamente eficaz”, se não, são de eficácia limitada, portanto, inócuas. “Em uma democracia, deve-se primar pela segurança dos direitos fundamentais, bem como zelar pelos direitos que constituem o Princípio da Dignidade Humana, talvez o pilar mais sólido de um Estado Democrático de Direito”. (OLIVEIRA e PIRES, 2014, p.78, grifos nossos).
Dentre esses direitos encontra-se a Educação. Na sequência os autores destacam, citando Mello Filho, a importância decisiva da educação para a garantia da dignidade da pessoa humana e, neste sentido, ela não se reduz à simples instrução, ao saber ler, escrever e contar. É mais do que isto:
[...] é mais compreensivo e abrangente que o da mera instrução. A educação objetiva propiciar a formação necessária ao desenvolvimento das aptidões, das potencialidades e da personalidade no educando. O processo educacional tem por meta: (a) qualificar o educando para o trabalho; e (b) prepará-lo para o exercício consciente da cidadania. O acesso à educação é uma das formas de realização concreta do ideal democrático. (MELLO FILHO apud OLIVEIRA e PIRES, 2014, p. 78).
Os autores mostram que neste processo os professores são considerados pela Constituição Federal os principais agentes dos propósitos da educação. Neste ponto vale refletir um pouco sobre o significado deste princípio, que consta na Constituição de 1988, que coloca a centralidade da valorização dos profissionais do ensino (os professores) com base na compreensão da “essencialidade da função pedagógica e social dos professores no que condiz a eficácia e plenitude do direito à educação, considerada como atributo da pessoa humana” (OLIVEIRA e PIRES, 2014, p.78).
Afirmar a necessidade da valorização dos profissionais da educação escolar (Constituição Federal), implica, noutros termos, conforme diz Saviani, que “o movimento dos professores, as condições de trabalho dos professores, os salários dos professores, estão diretamente ligados ao desenvolvimentoou não, à melhoria ou não, da educação da nossa época” (SAVIANI, 1995, Vídeo: 4ª. Parte – “A escola e a Primeira Revolução Industrial”).
· A manipulação de teorias pedagógicas pelo Estado para legitimar políticas de precarização do trabalho docente. 
A valorização dos profissionais da educação, uma das exigências que constam da Constituição Federal, pode, no entanto, ser negligenciada e até ignorada, mediante a adoção de políticas pseudodemocráticas fundadas em teorias pedagógicas de notório reconhecimento, mas que são apresentadas e utilizadas de forma distorcida e sem obedecer adequadamente ao escopo daquilo que a própria teoria defende como essencial. Por isto, deve-se tomar cuidado com os usos e abusos ideológicos e políticos que se possa fazer de algumas teorias que, por exemplo, minimizam o papel do professor e dos conteúdos escolares no processo educativo, tais como as teorias construtivistas e escolanovistas, as pedagogias não-diretivas, as pedagogias das habilidades e competências, do lema “aprender-a-aprender”, passíveis de serem manipuladas para esvaziar e precarizar o papel do trabalhador docente profissionalmente e as suas condições de trabalho, sob a alegação ou com base em princípios psicopedagógicos novos que defendem a centralidade do processo educativo no aluno, deslocando-o do professor, entendendo que o aluno deve ser o sujeito da própria formação, ele deve aprender a aprender e não mais aprender conteúdos pré-determinados e heterônomos. Estes slogans e outros, tal como, a ideia de que se deve dar “autonomia” ao estudante para que este possa desenvolver livremente o seu próprio aprendizado, sem “imposições” externas e, por isto, autoritárias. 
Ora, quem em sã consciência poderia discordar de algo assim? Tudo parece perfeito, ótimo e belo, no “mundo das ideias”, mas ao voltar o olhar para a implementação deste tipo de projeto no mundo real, percebe-se que as coisas podem e efetivamente são bem diferentes e não são tão “belas” assim.
Não obstante toda a validez e contribuição destas teorias, o que se percebe, na prática, é que alguns governos se têm valido e aproveitado destes slogans, pois só ficam com isto, e não se apropriam realmente das teorias que lhes deram origem, portanto, são usados fora do contexto da obra. Os slogans destas teorias supracitadas são usados como álibi para viabilizar projetos de precarização do trabalho no campo educacional e para a desvalorização profissional do trabalhador docente, ao deslocar o centro do processo educativo escolar colocado no professor, agora colocado no aluno, como foram e são usados na história recente do país. 
Pode-se citar os casos: dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) que se fundavam, explicitamente, no método de educação piagetiano, no construtivismo, com alguns elementos de princípios escolanovistas; da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDB, Lei nº 9.394/96) que elege como um dos seus princípios a teoria da transversalidade em oposição ao paradigma disciplinar, propondo a organização dos currículos por áreas de conhecimento e não mais por disciplinas estanques, conforme se afirmava; e, atualmente, temos a BNCC – Base Nacional Comum Curricular, que se funda em princípios da pedagogia das competências de Perrenoud e no tecnicismo pedagógico, que também norteou a elaboração dos Currículos Mínimos do Estado do Rio de Janeiro e a reforma curricular do Estado de São Paulo de 2008. Isto apenas para citar alguns exemplos.
A implementação de políticas públicas de educação baseadas em teorias deste tipo, quando dirigidas às condições de trabalho do profissional docente, implica que não se precisa mais investir em professores bem capacitados, com uma sólida formação teórica e didática, e sim, se necessita de alunos mais motivados para os estudos, vez que é o aluno quem aprende e é ele quem deve ser o sujeito da própria formação, atuando o professor apenas como um “facilitador” da sua aprendizagem, tipo um orientador de estudos. 
Para tanto, o docente não precisaria, sob esta ótica, dominar de modo amplo e profundo os conteúdos do que irá ministrar e nem as metodologias de ensino mais adequadas para a transposição didática desses conteúdos, mesmo porque no ensino escolar agora não se deve mais “ensinar conteúdos”, e sim, deve-se “aprender-a-aprender”, pois assim cada um poderá aprender o conteúdo de que necessita quando necessário.
Por exemplo, Manoel Francisco do Amaral, no seu livro sobre “As pedagogias das competências e ensino de filosofia: um estudo da proposta curricular do estado de São Paulo a partir da Pedagogia Histórico-Crítica”[footnoteRef:4], revela as contradições e incoerências entre o que propõe a teoria da pedagogia das competências e a Proposta Curricular do Estado de São Paulo, implementada em todas as escolas públicas da rede estadual a partir de 2008, a qual se fundamenta explicitamente na pedagogia das competências de Perrenoud. [4: AMARAL, Manoel Francisco. Pedagogia das competências e ensino de filosofia: um estudo da proposta curricular do Estado de São Paulo a partir da Pedagogia Histórico-Crítica. Campinas, SP: Autores Associados, 2016.] 
Prova dessa proposta curricular pautar-se na pedagogia das competências, evidencia-se, segundo o autor, na citação a seguir, extraída do próprio documento:
Um currículo que promove competências tem o compromisso de articular as disciplinas e as atividades escolares com aquilo que se espera que os alunos aprendam ao longo dos anos. Com efeito, um currículo referenciado por competências supõe que se aceite o desafio de promover os conhecimentos próprios de cada disciplina articuladamente às competências e habilidades do aluno (sic). (AMARAL, 2016, p.71, grifos nossos).
Algumas dessas incoerências, talvez a mais gritante, segundo Amaral, seja aquilo que Perrenoud afirma, de que “diferenciar é romper com a pedagogia frontal – mesma lição, os mesmos exercícios para todos” (sic) – (AMARAL, Idem). Todavia, no documento, “ao invés de propor diferenciação, o que prevalece na proposta curricular de São Paulo é a padronização dos conteúdos, das atividades, dos procedimentos de avaliação e dos materiais para todos os alunos” (Idem, p. 72). 
E mais ainda: Outro exemplo:
Perrenoud (sic) defende ‘a introdução de ciclos de aprendizagem plurianuais’, de modo que o professor fique por mais de um ano com os mesmos alunos, a fim de que tenha mais tempo para conhecê-los e propor uma intervenção na aprendizagem de acordo com suas necessidades (Idem, p. 69).
O que faz o governo do Estado de São Paulo?
Ao se compararem as conotações do termo ciclo tal como é utilizado por Perrenoud com a proposta pedagógica de São Paulo, são percebidas claras diferenças. Perrenoud propõe que no ‘ciclo plurianual’ o mesmo professor permaneça por mais de um ano com a mesma classe. Já na proposta curricular do estado de São Paulo, o termo ciclo não faz referência a essa necessidade. Aliás, o professor pode até mesmo mudar de escola, de acordo com a sua vontade (Idem, p. 70). 
(...) A cada início de ano letivo, é oferecida ao professor uma nova classe ou várias aulas, com alunos diferentes, que têm distintos percursos de formação (Idem, p.69).
Estas contradições revelam que via de regra os governos podem fazer uso político e ideológico de certas teorias pedagógicas as quais contam com certa popularidade e aceitação dentre os professores e os profissionais da educação para angariar apoio da opinião pública e embasar seus projetos políticos particulares de governo em relação à educação. Por isto, fazem uso dessas teorias até certo ponto, até onde lhes interessa e atende aos seus objetivos imediatos e propagandistas. Por isto, é preciso analisar com atenção, isto é, criticamente, os reais objetivos de tais propostas pedagógicas implementadas, principalmente nas escolas públicas. 
Essas teorias pedagógicas não-diretivas, pedagogia nova etc., é importante que se saiba, para que estas possam ser legitimamente adotadas como política de estado de educação e possam orientar o trabalho educativonas escolas, isto não pode servir de desculpas para não investir numa sólida formação dos professores e na garantia de um trabalho docente com dignidade profissional, pois, justamente estas concepções pedagógicas exigem grande preparo teórico e didático dos professores, para estes conseguirem realmente prover um espaço e tempo em sala de aula para que os seus estudantes possam efetivamente atuarem como sujeitos da própria formação e construírem seus próprios conhecimentos. Daí a grande falácia dos governos que se dizem adeptos desta ou daquela teoria, nesta linha, mas que não garantem os investimentos necessários para a sua efetivação. Não passam de “letra morta” e de leis inócuas. 
É neste contexto que devem ser analisadas as leis concernentes às condições profissionais do trabalho docente em relação às teorias novas, supracitadas. Estas teorias, em si, até podem não esvaziarem o papel do professor, reduzindo-o a “zero” no processo educativo, em suas formulações teóricas originais, apesar disto ser assim em alguns casos, mas nada disto importa, se é uma teoria que muitos julgam já ter se difundido como um “senso comum” na cabeça dos educadores, elas podem sofrer desse tipo de manipulação ideológica e política estranhas à própria teoria, mas que sevem a interesses localistas, como por exemplo, precarizar o trabalho docente, vez que este não é mais o centro do processo educativo, não precisa então de uma formação muito aprofundada e nem condições de trabalho mais elevadas para o exercício do magistério. Ao ponto que se pode até admitir no magistério profissionais com “notório saber’, sem necessidade de habilitação, formação específica na área para a docência, como a licenciatura. 
Tudo se baseia, por via de regra, numa espécie de “senso comum pedagógico” acerca do que seja o trabalho docente, sobre o que é ser um educador no processo educativo escolar, adequado aos interesses imediatos, políticos e ideológicos, de determinado governo, em dado momento histórico. 
Cipriano Luckesi tem um estudo no qual mostra como se configura o senso comum pedagógico, segundo ele: 
Em geral, e a não ser numa minoria de casos, parece que o senso comum é o seguinte: para ser professor no sistema de ensino escolar, basta tomar um certo conteúdo, preparar-se para apresentá-lo ou dirigir o seu estudo; ir para uma sala de aula, tomar conta de uma turma de alunos e efetivar o ritual da docência: apresentação de conteúdos, controle dos alunos, avaliação da aprendizagem, disciplinamento etc. Ou seja, a atividade de docência tornou-se uma rotina comum, sem que se pergunte se ela implica ou não decisões contínuas, constantes e precisas, a partir de um conhecimento adequado das implicações do processo educativo na sociedade (LUCKESI, 1994, p. 97).
Parece que ser professor seja uma coisa que qualquer um possa fazer. Se isto se consolida como uma impressão geral e predominante, acaba por alimentar projetos de precarização do trabalho docente, levando à efetivação de políticas salariais incompatíveis com o exercício digno do trabalho docente e à flexibilização na formação desses profissionais, desinvestindo em cursos de pedagogia e de licenciaturas mais qualificados.
· O problema da carga-horária de trabalho dos professores e a questão salarial.
Os autores ainda mencionam o problema da carga-horária de trabalho dos professores e a questão salarial. Os professores trabalham muito além da sala de aula, têm atividades de preparação de aulas, elaboração e correção de provas etc. que se liga a questão salarial. Na legislação, CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, art. 323, se utiliza a expressão “remuneração ‘condigna’, porém o conceito de dignidade inserido neste contexto é de grande imprecisão” (OLIVEIRA e PIRES, 2014, p. 80-81), ele é muito ambíguo e genérico, ficando a cargo dos intérpretes a compreensão e definição do que entender por “remuneração condigna”.
O que se nota na realidade concreta é que a questão salarial e da carga-horária são a principal forma de precarização do trabalho docente. Apesar das normas favoráveis ao trabalho com dignidade, ao nível da “letra” da lei, o quadro de precarização é muito grave. “A realidade brasileira tem apresentado um quadro geral de precariedade das condições de trabalho, de desqualificação do trabalho do docente, de aviltamento do salário, de desrespeito aos direitos trabalhistas básicos do professor empregado” (PADILHA apud OLIVEIRA e PIRES, 2014, p.81). 
Isto entra em contradição com os fundamentos e as finalidades das normas especiais de proteção ao trabalho docente, tais como, o princípio de que “a educação é um dos direitos fundamentais e essenciais ao homem, visto que é o principal caminho para o progresso e garantia de liberdade dos cidadãos, um dever do Estado e direito de todos” (OLIVEIRA e PIRES, 2014, p.82). E sendo o professor aquele que promove a atividade educacional, a sua participação neste processo é extremamente necessária à finalidade da educação. 
Os direitos especiais dos professores, do trabalhador docente, não são privilégios, e sim, são necessários devido às especificidades e importância social desta “função laborativa”. Em outros termos, “a finalidade da legislação não é oferecer direitos especiais a determinada função laborativa, mas sim compreender as diversas especialidades de cada profissão e garantir o pleno exercício da atividade, no presente caso, a atividade docente”. (OLIVEIRA e PIRES, 2014, p.83).
2. REESTRUTURAÇÃO “EMPRESARIAL” E TRABALHO DOCENTE.
Novos impactados sobre a percepção da imagem do trabalhador docente pela sociedade, pelo governo, empresários e pelos próprios professores sobre si mesmo são causados pela “reestruturação empresarial” após as décadas de 1960 e 1970, mas sobretudo, após a década de 1990, e forçaram uma readequação da atividade docente aos imperativos da globalização que se seguiu a partir daí. Essa reestruturação empresarial implicou na vigência de um novo ideário nacional de desenvolvimento que teve no “neoliberalismo” seu pilar fundamental a orientar as mudanças no mundo do trabalho ocorridas partir desse período. 
No campo educacional, o neoliberalismo representou o estabelecimento de reordenações nos sistemas educacionais “a partir de uma redefinição do papel do Estado na sua relação com a educação e, de outro lado, a inclusão de uma lógica gerencial empresarial como medida de eficiência e eficácia da escola” (sic). (OLIVEIRA e PIRES, 2014, p. 83).
O papel do Governo foi redefinido com base no princípio neoliberal do “estado mínimo”, segundo o qual o Governo deve deixar para os empresários e à sociedade civil a prerrogativa de eles por eles mesmos gerenciarem os seus negócios e a própria economia, por livre-iniciativa e pela livre-concorrência. O Governo deve abdicar de ter empresas estatais, de criar leis que visem controlar o livre-mercado e a concorrência, deixando inclusive a saúde e a educação para a inciativa privada a qual é considerada como a mais competente para gerenciar de forma eficiente e justa estes campos da economia e da vida social. 
O neoliberalismo também está associado ao Toyotismo e à produção flexível sendo estes os pilares principais da reestruturação empresarial pós 1970. À produção flexível se associa a noção de uma “educação flexível”. Se antes, sob o taylorismo e o fordismo se educava para o emprego, agora, a educação deve formar os indivíduos para a “empregabilidade”. O trabalhador deve poder se adaptar às constantes e rápidas mudanças com toda a flexibilidade que lhe seja possível, não para o emprego, entendido como algo fixo e durável, mas para poder se empregar ou reempregar num emprego ou noutro conforme as suas capacidades e de acordo com as oportunidades que surgirem no processo. Este é o sentido geral do termo “empregabilidade”. 
Em relação a educação, então, nota-se que os impactos sobre a escola não se restringiram apenas à gestão, e sim, a todo o conjunto das suas atividades, inclusiva sobre a docência, equacionadas através de várias reformais educacionais propostas e implementadasdesde então. 
Esta nova realidade trouxe como consequência para o trabalhador docente o agravamento da sua situação de precariedade, vez que a situação de insegurança em relação ao emprego e a intensificação do trabalho foram elevadas a níveis próximos ao insuportável. A lógica da empregabilidade força-o a buscar constantemente estar atento à sua situação no trabalho e a assumir atividades tanto quanto possíveis, quanto a sua “flexibilidade” permitir, seja para aumentar a sua renda ou para se garantir, caso seja demitido de um emprego, já estar seguro em outro. É o fenômeno do trabalhador “polivalente” da indústria, capaz de operar “várias máquinas” e atuar em “várias funções” ao mesmo tempo. 
Isto tudo gera nos professores, segundo os autores, uma forte sensação de “mal-estar docente” e de um sentimento de auto depreciação, desânimo em relação à profissão, desmotivação pessoal, esgotamento, estresse, depressão etc. Tais sentimentos terminam por contaminarem as condições ambientais em que se exerce o trabalho docente.
A função “polivalente” no trabalho docente reflete-se na exigência hoje para que os professores assumam papéis que excedem a sua função de professor/a, o ato de ensinar, tais como assumir funções na gestão, membro de comissões, na orientação psicológica e social aos discentes, na execução de atividades administrativas da escola e, não raras vezes, até na arrumação das salas, faxina, alimentação/merenda etc.
 Bem como “a pouca valorização social do trabalho, baixo salário e status inferior com relação a outros profissionais com a mesma titulação” (OLIVEIRA e PIRES, 2014, p. 84). Disto decorre uma mudança da “imagem do professor”, criando uma “contradição entre uma imagem idealizada e uma situação real do que é ser professor” (Idem, p.85).
Outros fatores contribuem negativamente para a formação deste quadro, como o das condições desfavoráveis do trabalho docente, precarizadas:
Falta de materiais didáticos, debilidade de estruturas físicas adequadas ao ensino e também de formas de funcionamento da instituição (horários, reuniões, avaliações); violência nas instituições escolares: depredação, roubo de materiais da escola, agressão (física e/ou verbal) contra professores e alunos; esgotamento docente e acúmulo de exigências sobre o professor: síndrome de burnout (FACCI apud OLIVEIRA e PIRES, 2014, p. 85).
Tudo isto faz parecer “letra morta” o que é previsto na Constituição Federal, art. 206, no qual prevê “um ensino com base no princípio da valorização dos profissionais da educação escolar” (Idem). Uma lei que não se faz cumprir, é uma lei inócua, sem efeito, de nada serve. 
O princípio da “flexibilização” atinge também as leis trabalhistas que regem o trabalho docente, bem como a tese do “estado mínimo”, provocando a privatização crescente do ensino e a precarização dos direitos trabalhistas dos docentes. Neste processo, a educação é reduzida a mercadoria e não mais constitui um direito (do cidadão e um dever do Estado) previsto na Constituição Federal. E o corpo docente também passa a ser encarado sob essa lógica mercantil, de compra e venda, de oferta e procura. 
Segundo os autores, “A transformação da educação em mercadoria implica na desvalorização social do papel do professor”, os quais passam a figurar apenas como “mero operadores da educação” (OLIVEIRA e PIRES, 2014, p.86). A educação vista como mercadoria traz grandes e sérias consequências negativas para a categoria dos trabalhadores docentes. 
Esta flexibilização é compreendida pela desregulamentação da legislação trabalhista, ou pelo menos, a sua ineficiência. O aumento dos contratos temporários, arrocho salarial, inadequação ou até mesmo ausência de planos e cargos, a queda nas taxas de sindicalização, redução e ineficácia de greves, a perda de garantias trabalhistas e previdenciárias oriunda dos processos de reforma do Aparelho de Estado exemplificam, em parte, a flexibilização da atividade docente, como também tem tornado cada vez mais agudo o quadro de instabilidade e precariedade do emprego no magistério (OLIVEIRA apud OLIVEIRA e PIRES, 2014, p. 86-87).
· Problema da desprofissionalização, do comunitarismo e da intensificação do trabalho docente nas escolas.
Isto tem levado, também, a outro quadro grave que implica fenômenos tais como: a “desprofissionalização”, o “comunitarismo” e “intensificação do trabalho”, os quais têm inserido na escola novas funções nas atividades educativas, que descaracterizam e levam a perda de identidade profissional ao professor, tipo: “suprir necessidades de lazer e cultura da região”, “realizar ações de educação em saúde”, “projeto Escola Aberta” aos finais de semana, “parcerias com iniciativa privada e comunidade local”.
Essas novas exigências contribuem para um sentimento de desprofissionalização, da perda da identidade profissional, da constatação de que ensinar, às vezes, não é o mais importante [...] O professor tem de responder a exigências que estão além de sua formação. Muitas vezes esses profissionais são obrigados a desempenhar funções de agente público, assistente social, enfermeiro, psicólogo, entre outras” (OLIVEIRA e PIRES, 2014, p.87).
Ademais, a prática do “comunitarismo” e do “voluntariado” aparecem como forma de liberar o Governo de investir e de assumir suas responsabilidades constitucionais para com uma educação pública de qualidade, bem ao gosto e estilo do “estado mínimo” neoliberal. 
O problema sério dessa desprofissionalização das atividades docentes escolares é
A ideia de que o que se faz na escola não é assunto de especialista, não exige um conhecimento específico, e, portanto, pode ser discutido por leigos, e as constantes campanhas em defesa da escola pública que apelam para o voluntariado contribuem para um sentimento generalizado de que o profissionalismo não é o mais importante no contexto escolar (OLIVEIRA apud OLIVEIRA e PIRES, 2014, p. 88). 
Projetos externos na escola também cumprem este papel, tais como, o “Projeto Amigos da Escola – Todos pela Educação” (da Rede Globo, de 1999). Este tipo de iniciativa encerra um problema muito preocupante, pois, “incentiva os cidadãos a entrarem no meio escolar, sem qualquer tipo de preparo para lidar com os alunos, bem como se o trabalho de ensino fosse algo secular e que qualquer pessoa poderia executá-lo”. Configura-se um senso comum pedagógico[footnoteRef:5] em que o leal saber de cada um já o habilitaria para exercer atividades de ensino na escola. [5: Rever, na página 13 deste texto, a definição de “senso comum pedagógico” por Cipriano Luckesi.] 
Fora a questão de que isto seja tudo belíssimo, mas de um belíssimo utopismo, é também muito desmobilizador no sentido de enfraquecer as lutas por melhorias nas condições objetivas e subjetivas de trabalho dos professores e dos demais profissionais da educação na escola. 
Isto Implica, ademais, na “desresponsabilização do Estado na medida em que, por meio da ação voluntária, se transfere à sociedade a responsabilidade pela manutenção das escolas (...) a criação de um ambiente propício para justificar a redução dos investimentos estatais, uma vez que existem pessoas com boa vontade para assumirem as obrigações do Estado” (OLIVEIRA e PIRES, 2014, p.89).
Esta são algumas das consequências da aplicação dos princípios neoliberais do estado-mínimo à educação, ou seja, a demissão do Estado em relação às políticas públicas no campo educacional e a perda do status da profissão docente perante a sociedade. 
3. AÇÕES DE ESTADO E VALORIZAÇÃO DO MEIO AMBIENTE DOCENTE.
Em relação as medidas para a valorização do trabalho docente no âmbito das normas legislativas estas são eficazes? Está na lei, mas parece não bastar só isto, questionam os autores.
Em princípio “as ações do Estado devem promover a eficácia das normas de valorização do trabalho humano”, bem como “ressalta-se que a eficácia das normas é condição de validade”, pois, de nada valem os instrumentos normativos se não em função dos seus princípios. A validade das normas depende da sua eficácia para que não se tornem “letramorta”, ou seja, inócuas (OLIVEIRA e PIRES, 2014, p. 91).
No caso do Brasil, afirmam os autores, ocorre um histórico descompromisso do Estado brasileiro para com a implementação das normas que ele mesmo cria, em especial, no que se refere à valorização do trabalho docente. O que seria preciso, neste caso, para o efetivo direito ao trabalho docente digno, é a criação de “políticas públicas que colaborem para o exercício do trabalho em condições decentes”, porém, o que se dá é que o Estado brasileiro “preocupa-se mais em manter a imagem de um país onde há educação acessível a todos, porém sem que tenha que dispor de dinheiro (recursos) para isso” (Idem, p. 92).
Há profundas carências de políticas públicas de valorização real do trabalho docente e falta de zelo com a efetivação das normas que visam dar garantias à “dignidade da pessoa humana, quando inserida no âmbito do trabalho”.
Ao nível dos discursos proclamados o Estado reconhece que ao professor, como a qualquer outra profissão, deve-se garantir “um ambiente de trabalho equilibrado, sendo este um direito fundamental, eis que diz respeito à dignidade da pessoa humana”, mas, na prática, não garante efetivamente que isto se realize de fato (Idem).
(...) Quando a Constituição Federal, em seu art. 225, fala em meio ambiente ecologicamente equilibrado, está mencionando todos os aspectos do meio ambiente. E, ao dispor, ainda, que o homem para encontrar uma sadia qualidade de vida necessita viver nesse ambiente ecologicamente equilibrado, tornou obrigatória também a proteção do ambiente no qual o homem, normalmente, passa a maior parte de sua vida produtiva, qual seja, o do trabalho (PADILHA apud OLIVEIRA e PIRES, 2014, p. 94).
A precarização do trabalho docente é o maior problema que afeta a dignidade dos professores no trabalho, como já fartamente se afirmou, porém, não é o único. Isto se relaciona e traz consequências imediatas, também, sobre o habitat laboral, que por sua vez afeta diretamente a saúde dos professores. O descaso estatal no que diz respeito ao trabalho docente não se limita a questão salarial, 
(...) visto que, nem ao menos uma estrutura digna em contribuição ao meio ambiente de trabalho equilibrado está dentre as prioridades das políticas públicas. Muito pelo contrário, a falta de infraestrutura em todos os sentidos [...] evidencia a precarização do ambiente de trabalho docente (Idem.). 
O habitat laboral afeta diretamente na saúde do trabalhador docente, portanto, contar com uma infraestrutura de trabalho decente e adequada não é algo periférico na vida profissional dos professores. Isto é essencial. Caso contrário agrava-se a já “grande sensação de mal-estar docente”,
(...) gerada quando da análise das condições psíquicas do ambiente de trabalho. Estresse, depressão, síndrome de burnot, síndrome do pânico, dentre outras doenças psíquicas decorrentes da função laboral, são os principais fatores que levam os professores a pedir afastamento da sala de aula. (Idem, p. 95).
E mais ainda:
A necessidade de valorização do trabalho docente decorre do imperativo constitucional de assegurar a todos uma vida digna, bem como implica nas condições mínimas do exercício para a profissão. (Idem)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A título de conclusão os autores retomam a ideia de que o conjunto das leis brasileiras diz estar em “consonância com o princípio basilar do Estado Democrático de Direito, qual seja, a preservação da dignidade da pessoa humana, sendo que sua extensão abrange a qualidade do ambiente de trabalho dos professores brasileiros” (Idem).
Se assim é, então, o Estado e a sociedade que lhe dá sustentação e legitimidade, deve-se pautar pela “defesa da humanização do homem no trabalho”, mas, ou o trabalhador docente não é um ser humano, ou, o “princípio basilar” acima mencionado é “letra-morta”. Os autores colocam que isto exige “uma mudança de postura ética, na consideração de que o homem está à frente dos meios de produção, resgatando-se o habitat laboral como espaço de construção de bem-estar e dignidade daquele que labora” (Ibid.). Lembram também a obrigação Constitucional do Poder Público o qual deve zelar pela garantia dos direitos fundamentais e dar eficácia do sistema normativo brasileiro. 
Neste contexto, 
(...) mecanismos estruturais da função docente devem ser implementados, como a concessão de maior autonomia didática do docente e um fortalecimento na formação dos profissionais de ensino, visto que devem ser oportunizados aos professores a credibilidade de sua profissão (OLIVEIRA e PIRES, 2014, p.96).
Por fim, afirmam os autores,
Tratar os professores com dignidade e respeito é cuidar da efetivação de seus direitos, é fornecer meios de um exercício profissional em conformidade com o princípio da dignidade humana. Além de intensificar o adoecimento do corpo docente brasileiro, a qualidade do ensino também tornou-se precária, sendo inafastável o empobrecimento cultural da nação brasileira (Idem).
REFERÊNCIAS:
AMARAL, Manoel Francisco. Pedagogia das competências e ensino de filosofia: um estudo da proposta curricular do Estado de São Paulo a partir da Pedagogia Histórico-Crítica. Campinas, SP: Autores Associados, 2016.
BENTO, Flávio; PADILHA, Norma (2005). Relação de Trabalho entre o Professor e a Instituição de Ensino: recordando os direitos especiais do professor. Disponível em: <http://www.estudosdotrabalho.org/anais6seminariodotrabalho/flaviobentoenormasuelipadilha.pdf>. Acesso em: 01.02.2018.
HYPOLITO, Álvaro; VIEIRA, Jarbas; PIZZI, Laura (2009). Reestruturação curricular e autointensificação do trabalho docente. In: Currículo sem Fronteiras. v.9, n.2, Jul/Dez 2009. Disponível em: <http://www.curriculosemfronteiras.org/vol9iss2articles/hypolito-vieira-pizzi.pdf>. Acesso em: 20.jul.2018.
LUCKESI. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1994, p. 97
OLIVEIRA, Lourival. PIRES, Ana Paula (2014). Da precarização do trabalho docente no Brasil e o processo de reestruturação produtiva. Revista do Direito Público. Londrina, PR, v.9, n.1, p.73-100, jan./abr., 2014. DOI: 10.5433/1980-511X.2014v9n1p73. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/view/17128/14324>. Acesso em: 19.jul.2018.
SAVIANI, Dermeval. “Escola: Dominação ou Transformação? ”. In: Painel sobre educação – VI Congresso da APP-Sindicato. Foz do Iguaçu, PR: APP-Sindicato, 26 de outubro de 1995. (Vídeo da Conferência). Disponível em: https://drive.google.com/open?id=1zKiPebXGTe78lyNdXLx4REhnMb--tsxA Acesso: 19.03.2019.

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