Buscar

Somatização e sintomas sem explicação médica

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 7 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 7 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

ç ç
CASO CLÍNICO 
Sra. Marcela solicita uma consulta médica não agendada. Ela é avaliada pela 
enfermeira, que nota que Marcela veio solicitar um pedido de exame: cateterismo. A 
enfermeira informa que as consultas de encaixe são apenas para urgências médicas e 
que para pedido de exame ou receita tem de marcar uma consulta. 
Antes de concluir, Marcela começa a gritar, dizendo que todo mundo que trabalha 
no Sistema Único de Saúde (SUS) é vagabundo e, por isso, que ela só usa convênio. Ela 
diz que não aguenta mais ter dor no peito e ninguém descobrir o que ela tem, 
começando a chorar. A enfermeira conversa com Marcela por alguns minutos e depois 
pede para que o médico de família e comunidade a atenda. 
Para o médico ela conta que, apesar de estar melhor depois de conversar com a 
enfermeira, precisava solicitar exame no SUS, o qual foi pedido pelo médico da clínica 
popular do bairro. Diante de perguntas do médico, ela explica que sente muita dor no 
peito e, eventualmente, “batedeira”, além de um nó na garganta e uma dor que vai 
para ambos os braços. Conta que o pai “tinha isso e morreu de infarto”. 
Ao ir ao cardiologista, após a realização de eletrocardiograma (ECG), endoscopia 
e teste de esforço, foi informada que “não tinha nada” e recebeu prescrição de 
“remédio tarja preta”. Indo a outro cardiologista, foi sugerida a realização de um 
cateterismo para que ela ficasse “mais calma”. Marcela já nem dormia por, segundo 
ela, temer um infarto. 
O médico inicia algumas perguntas sobre seu estado emocional. A usuária informa 
que mudou muito: sente-se impaciente, chora de raiva e tristeza. Nesse momento, fala 
que seu filho se meteu com “gente ruim” e foi preso, e começa a chorar novamente. 
Após um tempo, respondendo a mais perguntas do médico, diz que não consegue sair 
da cama. 
Diz que quando pensa no que aconteceu com o filho, sente dores de cabeça, 
rigidez no pescoço, dor no peito e outros sintomas que a levaram ao cardiologista, 
tendo procurado serviços de emergência algumas vezes. Por fim, desabafa, dizendo 
que pensa, às vezes, ser “melhor morrer” do que ter de passar por tudo isso. 
RELEVÂNCIA 
• A prevalência de sofrimento emocional entre os usuários atendidos em unidades de 
saúde é muito alta. 
• Diversos estudos no Brasil apontam que cerca de 50% dos usuários atendidos por 
equipes da APS e da Estratégia Saúde da Família (ESF) apresentam esse tipo de 
sofrimento, sendo que, em média, 35% deles têm alterações de intensidade grave, 
preenchendo critérios para transtornos mentais diversos. 
CLASSIFICAÇÃO 
• Ao estudar-se a demanda de saúde mental na APS, podem-se perceber dois 
subgrupos de somatizadores: 
 
 
o aqueles em que a somatização é um fenômeno de características agudas, 
associadas a sofrimento emocional inespecífico e transtornos mentais 
comuns (TMC), como ansiedade e depressão; e 
o aqueles em que a somatização é um processo psicopatológico estruturado, 
de curso crônico, com evolução e prognóstico frequentemente negativos. 
SOMATIZADORES AGUDOS 
• O subgrupo um representa pessoas que, em situações de sofrimento emocional, 
procuram seus médicos ou outros profissionais da APS como fonte de apoio e 
cuidado. Geralmente uma parcela grande desses quadros tem remissão 
espontânea. 
• Outros indivíduos desse subgrupo são os portadores de TMCs (transtornos mentais 
comuns). Diversos estudos demonstraram que, na APS, as queixas somáticas são os 
principais sintomas trazidos ao médico pelos portadores dos chamados TMCs. 
• Nesses casos, além do acolhimento e da escuta, é necessário diagnosticar 
corretamente e tratar os transtornos mentais associados, em geral ansiosos e 
depressivos. 
• Os sintomas costumam ser físicos, associados à ansiedade ou à depressão, como, 
por exemplo, taquicardia, dispneia, suspiros, dores originárias de contratura 
muscular tensional, como cefaleia, dor lombar ou cervical, astenia, dores nas 
pernas, aperto no peito e alterações de sono e apetite. 
SOMATIZADORES CRÔNICOS 
• São os que apresentam transtornos mais graves, como por exemplo o transtorno de 
sintomas somáticos. Aplica-se a pessoas que apresentam qualquer número de 
sintomas somáticos, desde que esses sintomas sejam acompanhados por 
pensamentos, sentimentos ou comportamentos excessivos relacionados aos 
sintomas somáticos ou preocupações associadas com a saúde. 
• Esses pacientes apresentem padrões cognitivos que se caracterizam por 
pensamentos desproporcionais e persistentes sobre a gravidade dos próprios 
sintomas; nível persistentemente elevado de ansiedade sobre a saúde ou sintomas; 
excesso de tempo e energia dedicados a esses sintomas ou problemas de saúde. 
• Nesse grupo, também encontramos os pacientes com as chamadas “síndromes 
funcionais”, como fibromialgia, cólon irritável, fadiga crônica, dores pélvicas e 
torácicas atípica, entre outras, cuja interação entre o sofrimento mental e as 
alterações orgânicas ainda é pouco compreendida. 
• Esses pacientes diferenciam-se dos que apresentam queixas mais passageiras, 
devido ao maior risco de se tornarem crônicos; por desenvolverem grave 
comprometimento de suas atividades sociais e profissionais, frequentemente 
recusando associação entre suas queixas e seus problemas psicossociais e não 
aceitando as explicações de seus médicos; e por evoluírem aderidos ao papel de 
doentes com importante ganho secundário (ex: benefício no INSS). 
• Em geral, seus portadores apresentam uma série de queixas somáticas em comum, 
que incluem fadiga, dor no corpo todo, cefaleia, distúrbios gastrintestinais, 
alterações de memória e de sono, ansiedade e depressão 
 
 
 
DISSOCIAÇÃO/CONVERSÃO 
• Há duas características que são marcantes na maioria desses casos: representam 
simbolicamente o conflito inconsciente envolvido no surgimento do sintoma e, para 
que tal processo seja possível, necessita envolver funções corticais superiores, 
abrangendo apenas sintomas conversivos (motores voluntários, alterações de pares 
cranianos e de sensibilidade) e/ou dissociativos (afetam nível e conteúdo da 
consciência, incluindo pseudocrises epiléticas). → PITI 
• Geralmente, envolvem quadros de surdez, cegueira, afasia, paralisias, paresias, 
anestesias, parestesias e desmaios. 
TRANSTORNO DE ANSIEDADE DE DOENÇA (HIPOCONDRIA) 
• Esses pacientes reinterpretam, com características de pensamento prevalente ou, 
raramente, delirante, sensações somáticas normais como indicadoras de uma 
patologia grave, em geral única, bem definida e letal, como AIDS ou câncer 
O QUE PODE OCASIONAR 
• Há evidente contribuição de fatores emocionais, mas há outros fatores de risco que 
estão associados a esses diversos quadros. 
• No grupo dos somatizadores agudos, dois principais padrões se associam à 
presença de sintomas SEM (sem explicação médica): o cultural e o de atribuição 
PADRÃO CULTURAL 
• A expressão dos transtornos psíquicos varia de cultura para cultura. 
• Verifica-se que o padrão de associação entre queixas somáticas inespecíficas com 
transtornos mentais comuns ocorre de forma mais intensa em populações de origem 
latina, como atestam a alta prevalência de somatização dos centros do Brasil e 
Chile, no estudo da OMS. 
• Neste sentido, o médico de família deve ser competente em reconhecer os padrões 
culturais da comunidade em que atua, lembrando que “competência cultural” é 
um atributo da APS. 
PADRÃO DE ATRIBUIÇÃO 
• Quando as pessoas apresentam qualquer queixa ou sintoma somático ou mesmo 
sintomas psíquicos anormais, elas costumam construir explicações para essas 
sensações, o que é definido como “modelo explicativo”. 
• Esses “modelos explicativos” são parte fundamental da maneira e das atitudes 
tomadas pelos indivíduos, podendo, por exemplo, motivar a busca de um médico 
para sua solução, quando compreendidos como indicativos da presença de 
patologia somática. 
• Existem três padrões de atribuição para as queixas somáticas: somatizador,psicologizador e normalizador, dependendo da explicação causal que é 
organizada para a queixa, podendo estar relacionados respectivamente a ter uma 
doença somática, a ter uma causa psicológica ou considerar que essa queixa 
somática não é indicativa de patologia. 
o Normalizador: “comi algo que não me fez bem”, “dormi de mal jeito”. 
 
 
o Somatizador: “estou com infecção intestinal”, “estou com problema de 
coluna” 
o Psicologizador: “estou com medo”, “estou tenso”. 
FATORES DE RISCO 
• No caso dos portadores de casos crônicos de somatização, os fatores de riscos 
envolvidos são: 
o papel de doente; 
o baixo apoio social; 
o história de doença na infância; 
o papel do profissional e do sistema de saúde; 
o desempoderamento; 
o história pessoal de trauma e abuso físico e sexual. 
PAPEL DO DOENTE 
• O conceito de comportamento anormal de doença qualifica a adesão ao papel de 
doente, em especial na presença de ganhos secundários importantes, e a destaca 
como uma das mais importantes alterações comportamentais associadas à 
somatização crônica, incluindo a busca de inúmeros médicos e exames (doctor-
shopping) e ao desenvolvimento de um elevado grau de incapacidade. 
• Verifica-se a presença de um comprometimento funcional significativo dessas 
pessoas, cujo universo psicossocial passa a girar em torno da “doença” 
• Observa-se a estruturação de uma identidade de doente, com comportamentos 
anormais de dor, a busca de isenção de responsabilidades e a percepção negativa 
de sua saúde, sendo esses comportamentos reforçados pelos ganhos secundários 
obtidos com o adoecer. 
BAIXO APOIO SOCIAL 
• Apresentar uma doença pode ser uma forma bastante eficiente, em especial na 
ausência de outras formas de se conseguir apoio social, de ter atenção e 
ajuda. Geralmente são pessoas “super usuárias do SUS”. 
• Rede de apoio pessoal insuficiente, com isolamento social, tem sido relacionada ao 
aumento da procura de serviços médicos como forma de apoio, à piora da 
evolução de patologias mentais em geral e à diminuição da capacidade das 
pessoas de resistir a problemas na esfera psicossocial. 
HISTÓRIA DE DOENÇA NA INFÂNCIA 
• A somatização crônica também tem sido associada à história de adoecimento 
frequente (ou ter familiares com doenças incapacitantes) na infância, com um 
reforço ao papel de doente causado pelo aumento da atenção que ocorre 
quando da doença física e pela identificação com figuras doentes. 
• Em vários estudos, a ausência de cuidados suficientemente bons por parte das 
famílias, junto com ganho de atenção ao adoecer se correlacionam com presença 
de somatização. 
• Alguns autores levantam a hipótese de que certos padrões familiares favorecem a 
somatização, incluindo as ditas “famílias psicossomáticas”, em que pouco se pode 
falar de situações conflitivas. 
 
 
PAPEL DO PROFISSIONAL E DO SISTEMA DE SAÚDE 
• As queixas somáticas inespecíficas representam uma demanda complexa, pois, na 
maioria das vezes, os profissionais não conseguem diagnosticar uma patologia que 
as justifique, o que leva a inúmeras investigações clínicas e ao referenciamento a 
diversos especialistas. 
• Essa conduta traz, além do alto custo associado a essas pessoas, maiores riscos de 
iatrogenia e insatisfação de ambos os protagonistas da relação médico-paciente, 
tornando o tratamento um campo de batalha fadado ao insucesso. 
• Os profissionais de saúde, por terem dificuldade em lidar com os aspectos subjetivos 
do sofrimento de seus pacientes, tendem a acatar e aceitar melhor as queixas físicas 
dessas pessoas, o que funciona como importante reforço desse padrão de 
comportamento nos indivíduos. 
TRAUMA E ABUSO FÍSICO E SEXUAL 
• Verifica-se, em um subgrupo dos somatizadores crônicos, uma alta frequência de 
relatos de trauma, físico ou psicológico e de abusos sexuais, em especial 
relacionados a queixas de dor, que se destacam nesses casos. 
• As queixas somáticas inespecíficas têm sido associadas a transtorno do estresse pós-
traumático (TEPT). 
• A adaptação ao trauma envolve diversos mecanismos, em que se incluem 
processos como a somatização, a dissociação e a desregulação dos afetos, e que 
devem ser diagnosticados para a melhor elaboração de soluções terapêuticas. 
ABORDAGEM TERAPÊUTICA DA PESSOA 
• Cuidar adequadamente de pessoas com sintomas SEM (sintomas sem explicação 
médica) só é possível a partir da superação do modelo biomédico, cartesiano, 
tradicional, de cuidado, com a construção de uma abordagem centrada na 
pessoa, de cunho integral, a qual permita espaços para falar e lidar com o 
sofrimento emocional na consulta. 
• Os sintomas SEM envolvem antes de tudo uma disponibilidade para acolher, escutar 
e elaborar o sofrimento emocional da pessoa e as formas como esse se manifesta 
em seu corpo. 
• É necessário estar atento para as informações sobre a vida do paciente, seus 
problemas e dificuldades, seu sofrimento emocional, presença de sintomas 
psicológicos associados. 
• Destaca-se especialmente a técnica de reatribuição delineada por Goldberg e cols. 
o A reatribuição refere-se a um processo de abordagem de pessoas com 
sofrimento emocional/transtorno psíquico que buscam cuidados na APS, 
geralmente com sintomas físicos SEM. 
o Essas queixas, apresentadas muito frequentemente, representam uma 
barreira para o cuidado adequado ao sofrimento emocional, pois desviam o 
foco das consultas para exames e possíveis doenças físicas a serem 
detectadas. 
o Reatribuir, ou seja, construir uma conexão entre as queixas somáticas e o 
sofrimento psíquico, é o primeiro passo para que os tratamentos psicossociais 
na APS ou o referenciamento para terapias especializadas sejam aceitos 
pelos indivíduos. 
 
 
• Uma vez que o processo seja realizado e o indivíduo entenda a conexão entre suas 
queixas físicas e seu sofrimento emocional, a abordagem, a elaboração e a 
resolução de seus problemas psicossociais se tornam o objetivo de seu tratamento, 
em vez das queixas físicas SEM. 
 
TRABALHAR COM TERAPIAS COMPLEMENTARES E GRUPOS 
• Essas técnicas permitem que espaços de acolhimento e elaboração do sofrimento 
psíquico sejam organizados em moldes coletivos e têm sido bastantes eficazes no 
cuidado a essas pessoas. Elas incluem relaxamento/exercício físico, estratégias de 
grupo, terapia comunitária, grupos de convivência, incluindo os grupos de 
artesanato, e as terapias breves baseadas nas terapias cognitivo-comportamentais 
(TCCs) e na técnica de resolução de problemas. 
• O relaxamento e as meditações tipo mindfulness permitem a redução da ansiedade 
e o desenvolvimento de novas formas de lidar com o estresse que são 
extremamente positivas para essas pessoas. 
• Deve-se sempre utilizar, quando disponível, o recurso do apoio matricial em saúde 
mental (matriciamento), em especial a consulta conjunta na abordagem desses 
pacientes na APS. 
• Por meio de uma conduta compartilhada e dialogada entre os profissionais da MFC, 
da saúde mental, do paciente e da sua família pode ser construída em conjunto, o 
que é particularmente benéfico para a pessoa com sintomas SEM.

Continue navegando