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Hanseníase: Aspectos Clínicos e Epidemiológicos

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Hanseníase:
A hanseníase é uma doença sistêmica infectocontagiosa crônica, causada pelo Mycobacterium leprae, parasito intracelular obrigatório, com tropismo pelos filetes nervosos periféricos. Afeta a pele, os nervos periféricos, as mucosas das vias respiratórias superiores, os olhos, as vísceras abdominais, linfonodos, medula óssea, testículos e ovários. A doença afeta indistintamente ambos os sexos e a faixa etária mais acometida é a do adulto jovem. O período de incubação é longo, em média de 3 a 10 anos, e a transmissão ocorre somente entre os seres humanos. Admite-se que o contágio se realize pelo aparelho respiratório;
A hanseníase é amplamente distribuída no hemisfério sul, estando presente em quase todos os países da África, da América Latina e da Ásia. Entretanto, somente 7 países são considerados endêmicos e apresentam prevalência acima de 1 por 10.000 habitantes. Embora o Brasil, como um todo, seja endêmico, a distribuição dos casos é diferente nas macrorregiões e entre os estados. A taxa de detecção varia de 0,22 pacientes para 10.000 habitantes no Rio Grande do Sul a 12,02 pacientes para 10.000 habitantes no Mato Grosso. A taxa de prevalência no Brasil é de 4,52 pacientes para 10.000 habitantes. Estes números colocam o Brasil em primeiro lugar do mundo em taxa de prevalência e em segundo em número de casos novos;
O número de casos notificados não representa a totalidade dos casos realmente existentes. Estudos de prevalência oculta estimam que, aproximadamente, 10.000 casos permanecem sem diagnóstico e que este fato decorre de múltiplos fatores, alguns relacionados com deficiências da rede de saúde pública, sendo o mais importante a insuficiência de profissionais capacitados para o reconhecimento e o diagnóstico, e outros relacionados com o desconhecimento, pela falta de informação da população sobre a doença acrescida do estigma a ela relacionado;
Agente etiológico:
É um patógeno intracelular obrigatório que infecta principalmente o endotélio vascular, fagócitos mononucleares e apresenta especial afinidade por células de Schwann. A habilidade de invadir e sobreviver nestas células constitui a característica notória deste organismo, dando-lhe o status de ser o único patógeno bacteriano capaz deste feito. O M. leprae apresenta um tempo de geração que varia entre 11 e 13 dias, multiplicando-se por divisão binária. Não é cultivável em meio de cultura artificial, o que resulta na dificuldade de se estabelecerem estudos que elucidariam vários aspectos da patogenia causada por este microrganismo;
Uma característica surpreendente do genoma do M. leprae é a perda maciça de genes, o que poderia explicar a taxa de crescimento lenta do bacilo, assim como sua incapacidade de crescimento in vitro. Somente 49,5% do genoma do M. leprae contêm genes que codificam para proteínas, característica não observada em qualquer outro genoma bacteriano até hoje sequenciado. O genoma do M. leprae contém 1.116 pseudogenes ou genes degenerados, assim denominados devido à perda de regiões necessárias para sua transcrição e/ou tradução, ou mudança da fase de leitura aberta do gene por deleções ou inserções de bases. Acredita-se que o genoma degenerado do M. leprae seja resultado de erros na replicação combinados a uma redução na capacidade de reparo do DNA. Este processo provocaria um acúmulo de mutações em genes não mais essenciais para sobrevivência no ambiente intracelular. A perda de função do genoma bacteriano tem sido observada unicamente entre patógenos intracelulares e este fenômeno vem sendo denominado “evolução redutiva”. Este mecanismo altera permanentemente o genótipo e resulta na adaptação ao ambiente em que a bactéria vive. Acredita-se que esta perda se deva ao fato destes patógenos viverem em um ambiente extremamente estável, rico em metabólitos, que exige pouca versatilidade metabólica para a sobrevivência;
Diagnóstico:
É essencialmente clínico, baseado nos sinais e sintomas, no exame da pele, dos nervos periféricos e na história epidemiológica. Excepcionalmente há necessidade de auxílio laboratorial para a confirmação diagnóstica. Os sinais cardinais da hanseníase são lesões cutâneas com alteração da sensibilidade e nervos espessados. A alteração da sensibilidade está presente em 70% das lesões cutâneas;
· Lesões cutâneas: Máculas, placas, tubérculos, pápulas, nódulos, infiltração e eritema cutâneo difuso. Podem ser únicas ou múltiplas, hipopigmentadas ou eritematosas;
· Alterações neurológicas: Hiperestesias, hipoestesias, anestesias; diminuição da força muscular em extremidades com ou sem atrofia muscular. Espessamento doloroso de troncos nervosos periféricos sendo mais frequentemente acometidos os nervos ulnar, radial, mediano, fibular, tibial posterior, auricular e supraorbitário;
· Alterações sistêmicas: Artralgias, adenomegalias, rinite, rouquidão, iridociclite, edema de extremidades;
· Exame dermatológico; 
· Exame neurológico; 
· Diagnóstico laboratorial (baciloscopia de linfa cutânea; histopatologia de biopsia cutânea ou de nervo sensorial);
Excepcionalmente exames laboratoriais complementares mais sofisticados como a reação de polimerase em cadeia (PCR), ELISA e biopsia de nervo são necessários;
É imprescindível avaliar a integridade da função neural no momento do diagnóstico, na ocorrência de estados reacionais e na alta por cura (término da poliquimioterapia). O exame neurológico compreende a inspeção, palpação/percussão, avaliação funcional (sensibilidade, força muscular) dos nervos; a partir dele, podemos classificar o grau de incapacidade física. O exame deve ser feito na sequência crânio-podal;
· Face – Trigêmeo e Facial: podem causar alterações na face, nos olhos e no nariz;
· Braços – Radial, Ulnar e Mediano: podem causar alterações nos braços e nas mãos;
· Pernas – Fibular e Tibial: podem causar alterações nas pernas e nos pés;
Exame dermatoneurológico (teste de sensibilidade): Como a primeira sensibilidade perdida na hanseníase é a das fibras mais finas (sensibilidade ao calor e dor), você vai precisar de dois tubos de ensaio de vidro de 5ml, com a tampa de borracha (utilizado nos laboratórios para coleta de sangue), uma garrafa térmica para água quente (não pode ser apenas morna) e um copo com água e gelo, além de uma agulha de insulina estéril. A agulha deve ser trocada para cada paciente, embora não seja necessário furar a pele;
Faça o teste de sensibilidade térmica nas áreas suspeitas: lesões de pele não elevadas (manchas) ou elevadas (placas, nódulos); áreas de pele secas ou áreas referidas pelo paciente como regiões com alteração de sensibilidade; territórios dos nervos ulnar (quarto e quinto dedos da mão), do nervo radial (dorso da mão até o terceiro dedo), do nervo fibular (lateral da perna e dorso do pé), do nervo tibial (região plantar). Evite áreas “calosas” (com calosidades ou queratósicas). Teste os tubos primeiro em você mesmo, e depois na face do paciente para verificar se os tubos estão em temperatura adequada. Pergunte o que ele sente (morno, frio, ou quente). Em seguida, faça o teste nas áreas da pele com lesões. Compare com a área de pele normal contralateral ou adjacente. Se houver diferença na percepção da temperatura nas lesões (hipo ou anestesia) circundada por áreas periféricas de sensibilidade normal (normoestesia) é sinal de alteração da sensibilidade térmica. Confirma-se, então, o diagnóstico, apenas com alteração definida de uma das sensibilidades, não necessitando fazer os testes de sensibilidade dolorosa ou tátil;
Faça o teste da sensibilidade dolorosa utilizando uma agulha de insulina. Encoste a ponta nas lesões de pele com uma leve pressão, tendo o cuidado de não perfurar o paciente, nem provocar sangramento. Faça isso alternando área interna e externa à lesão, observando expressão facial e queixa de respostas à picada. Certifique-se de que a sensibilidade sentida éde dor através da manifestação de “ai!” ou retirada imediata da região que é estimulada pela agulha. A insensibilidade (anestesia) ou sensibilidade diminuída (hipoestesia) dentro da área de lesão confirma o diagnóstico. Pode-se ainda avaliar a sensibilidade dolorosa alternando a ponta da agulha e o cabo da agulha (parte plástica). Observe se o paciente percebe a diferença entre a ponta da agulha e o cabo. Do contrário, isso é sinal de alteração da sensibilidade dolorosa naquela área da pele. Esse cenário também confirma o diagnóstico;
Embora a sensibilidade tátil seja frequentemente a última a ser perdida, deve-se buscar as diferenças de sensibilidade sobre a área a ser examinada e a pele normal circunvizinha, utilizando-se algodão, fio dental ou o monofilamento verde (0.05g) do kit estesiométrico. O uso do estesiômetro permite avaliar a sensibilidade protetora das mãos e pés, tendo grande aplicação na avaliação do grau de incapacidade física e para fins de prevenção de incapacidades, sendo seu uso importante para avaliação e seguimento dos casos;
Formas Clínicas:
No Brasil, as classificações adotadas são:
A aprovada no VI Congresso Internacional realizado em Madri em 1953, baseada nos critérios de polaridade, proposta por Rabello Jr., classificando a doença em formas polares tuberculoide e virchoviana e formas interpolares indeterminada e dimorfa;
A que utiliza o critério laboratorial do resultado do exame baciloscópico nos esfregaços de linfa cutânea dos pacientes; são classificados como PB os casos com baciloscopia negativa e MB os com baciloscopia positiva;
A OMS sugere, para os locais endêmicos onde métodos diagnósticos laboratoriais não estão disponíveis ou confiáveis a utilização de classificação essencialmente clínica com base no número de lesões cutâneas. Por este método são classificados como PB os casos com até 5 lesões cutâneas e como MB os com mais de 5 lesões cutâneas. A sensibilidade e a especificidade da classificação pelo número de lesões cutâneas comparada aos resultados dos exames baciloscópicos apresentaram valores de 89,6% e 83,8%, respectivamente. A legislação sobre o controle da hanseníase no Brasil normaliza a utilização, para alocação nos esquemas poliquimioterápicos, da classificação operacional recomendada pela OMS baseada no número de lesões cutâneas; a baciloscopia de pele, quando disponível, deve ser utilizada como exame complementar;
Formas PB: 
De acordo com as diversas classificações existentes, estas formas recebem as seguintes denominações: classificação de Madri: formas indeterminadas (I) e tuberculoide (T); classificação operacional: casos com até 5 lesões cutâneas. Se for utilizado o critério baciloscópico são os casos que apresentam baciloscopias negativas nos esfregaços cutâneos. As manifestações clínicas mais frequentes são áreas com distúrbio de sensibilidade térmica, dolorosa e tátil, manchas hipoacrômicas anestésicas ou hipoestésicas, placas eritematoinfiltradas, acometimento de troncos nervosos, mono ou polineuroapatia, em geral unilateral simétrica;
Formas MB: 
Classificação de Madri: dimorfa (D) e virchoviana (V), anteriormente chamada de lepromatosa. Utilizando o critério baciloscópico são todos os casos que apresentem bacilos ácido-álcool-resistentes (BAAR) nos esfregaços de linfas cutâneas; classificação operacional: casos com mais de 5 lesões cutâneas. As manifestações clínicas mais usuais são manchas, placas, tubérculos, nódulos com ou sem alteração da sensibilidade, infiltração eritematosa difusa, acometimento de troncos nervosos: mono ou polineuropatia, em geral assimétrica;
Histopatologia das lesões:
A lesão histopatológica básica da hanseníase é um infiltrado inflamatório que pode variar na sua constituição conforme a posição do paciente. Esta classificação contempla os critérios histopatológicos auxiliares para o diagnóstico de maneira superior à classificação de Madrid. A classificação operacional PB/MB não cogita a histopatologia da lesão cutânea da hanseníase, atendo-se somente à presença de BAAR na linfa colhida das regiões cutâneas padronizadas pela OMS;
O infiltrado inflamatório nos pacientes tuberculoides se apresenta como um infiltrado granulomatoso com células epitelioides circundadas por um halo linfocitário. A presença de células gigantes é mais frequente e abundante na forma TT. O infiltrado nessa forma atinge e erode a epiderme e os pequenos ramos nervosos são destruídos pelo infiltrado granulomatoso. Esse tipo de infiltrado é mais destrutivo para os filetes nervosos e por isso eles são menos frequentemente vistos na derme nas formas T (BT e TT). A presença de BAAR é muito escassa e o infiltrado pode atingir positividade de 1+. A forma BB apresenta um granuloma de células epitelioides com aspecto frouxo sem células gigantes e menos linfócitos. A quantidade de BAAR é maior do que nas formas TT e BT. Essa forma é mais instável e frequentemente desenvolve episódio reacional do tipo I (reação reversa). As formas L (BL e LL) se apresentam com um infiltrado constituído predominantemente por macrófagos repletos de BAAR, exibindo ainda degeneração espumosa (macrófagos virchovianos) em face da degeneração bacilar que ocorre dentro dos macrófagos. Nas formas L (BL e LL), os macrófagos em vez de eliminar as micobactérias infectadas, funcionam como meio de cultura para o M. leprae, permitindo o crescimento bacteriano em seu citoplasma onde são encontradas as aglomerações bacilares conhecidas como globias. Nas formas BB e BL encontramos frequentemente os ramos nervosos na derme circundados e invadidos por infiltrado inflamatório próprio da forma. Pelo fato de essas formas afetarem o sistema nervoso periférico de uma maneira mais lenta e mais tardia, é possível visualizar maior número de ramos nervosos dérmicos em meio ao infiltrado inflamatório. A forma BL pode se apresentar com quantidade razoável de linfócitos;
Resposta Imune:
Algumas características epidemiológicas sugerem que a vulnerabilidade à hanseníase possa ser herdada: apenas uma pequena porcentagem (1 a 3%) dos indivíduos expostos desenvolvem a doença; gêmeos monozigóticos têm mais frequentemente concordância na doença e nas formas da doença do que gêmeos dizigotos; as formas não estão distribuídas aleatoriamente em irmãos doentes; a frequência de doentes em famílias com casamentos consanguíneos é maior;
Mesmo com as evidências sugerindo a participação genética à suscetibilidade e gravidade à hanseníase, esta deve ser entendida como uma doença complexa e como tal deve apresentar natureza poligênica sendo também influenciada por fatores ambientais. Genes que influenciam o padrão e a intensidade da resposta imune, como as citocinas, seriam candidatos naturais para participarem tanto no favorecimento da ocorrência quanto no desfecho clínico da hanseníase. Assim diversos genes vêm sendo investigados onde os papéis específicos de regiões como 1q32 e 6p21 foram definidos em estudos de associação com atenção especial à região promotora dos genes de interleucina, IL-10, e de fator de necrose tumoral (TNFa), respectivamente. A descrição nos últimos anos da existência de polimorfismos de base única (do inglês, SNP) no promotor dos genes de IL-10 e TNFa que poderiam estar associados à capacidade individual de produzir níveis aumentados ou diminuídos das citocinas levantou a hipótese de que, na hanseníase, o polimorfismo nos promotores nestes genes TNF estaria controlando a suscetibilidade ou a gravidade (inclusive de formas reacionais) dos doentes;
A resposta imune específica, desencadeada pela infecção pelo M. leprae, determina não só o curso da infecção como as diversas formas clínicas da hanseníase. Embora as imunidades celular e humoral estejam simultaneamente ativadas na hanseníase, o componente celular assume maior importância na eliminação bacilar,pois o M. leprae é um patógeno intracelular. Aqueles indivíduos com predomínio da imunidade celular localizam a doença na forma tuberculoide, e aqueles que apresentam depressão da imunidade celular disseminam a doença, caracterizando o polo lepromatoso;
Os pacientes lepromatosos apresentam um quadro de anergia específica ao M. leprae; as lesões se apresentam principalmente com uma relação CD4/CD8 invertida na lesão, ausência de organização e diferenciação dos macrófagos para formar granuloma e atrofia da epiderme. Há total afastamento da epiderme do infiltrado inflamatório na derme por uma faixa de tecido conjuntivo denso, a faixa de Unna, característica desta forma clínica. O aspecto quiescente das lesões lepromatosas sugere que o microambiente tissular impede a migração e o acúmulo de linfócitos, especialmente células T CD4+, já que os linfócitos do sangue periférico nestes pacientes mantêm uma proporção de células CD4: CD8 normal (2:1). Já pacientes tuberculoides desenvolvem resposta imune celular que leva à morte e à eliminação da maioria dos bacilos, mas que frequentemente provoca danos aos nervos. As lesões tuberculoides apresentam um predomínio de células T CD4+, embora células com fenótipo CD8+ também estejam presentes, mantendo uma relação CD4/CD8 positiva. Há expressão de antígenos HLA-DR em queratinócitos hiperplasiados e presença de linfócitos intraepiteliais;
O padrão de resposta imune Th1 e Th2 na hanseníase foi determinado através da detecção da expressão de mRNA de citocinas na lesão de pacientes tuberculoides e lepromatosos. Os pacientes LL apresentaram um perfil predominante de citocinas do tipo Th2 (IL-4, IL-5 e IL-10), sugerindo suscetibilidade à doença; os pacientes tuberculoides apresentaram perfil do tipo Th1 (IFNg, IL-2). Vários autores descreveram que lesões de pacientes tuberculoides apresentam mRNA de IL-12, IL-18, IFNg e TNFa aumentado em comparação a pacientes lepromatosos. Eventos precoces na infecção podem ser cruciais em determinar qual destas duas vias predominará, marcando o padrão da resposta imune. As células apresentadoras de antígeno poderiam desempenhar um papel importante na regulação da resposta imune. Entretanto, o mecanismo pelo qual o modo de apresentação favoreceria a ativação de um tipo ou outro de linfócitos Th ainda não está definido. Recentemente demonstrou-se que a imunidade inata, por meio da ativação de receptores toll-like (TRL), exerce crucial influência na determinação da resposta imune adquirida e, consequentemente, das diversas formas clínicas;
Recentes evidências suportam a hipótese de que o perfil de citocinas gerado pela resposta imune inata possa regular a subsequente capacidade de resposta imune antígeno-específica. Sabe-se que a partir do momento da infecção, fagócitos mononucleares desempenham um papel importante, tanto na resposta imune específica quanto na resposta imune inata. Além de suas funções como célula apresentadora de antígeno e de sua capacidade microbicida (morte e destruição do patógeno), estas células secretam um grande número de fatores solúveis que interagem não só com células do sistema imune, como também com células dos tecidos. As células apresentadoras de antígenos, como macrófagos e células dendríticas, são cruciais para direcionar a diferenciação dos linfócitos Th0 para um perfil Th1 ou Th2. Dentre os fatores críticos para a diferenciação durante a infecção estão também as citocinas presentes no sítio da infecção, o tipo e a concentração, a rota de infecção e os fatores genéticos. Já está bem estabelecido que a presença de IL-4 direciona a resposta imune preferencialmente para um perfil Th2, caracterizado pela secreção de IL-4, IL-5 e IL-13, importante para a resposta a patógenos extracelulares. Por outro lado, a indução do perfil Th1 parece essencial para a ação efetiva contra patógenos intracelulares. Esta atividade requer ótima produção de IFNg pelas células Th1. O IL-12 parece ser um fator importante para o desenvolvimento deste fenótipo. Esta citocina é produzida pelas células fagocíticas em resposta a patógenos como micobactérias e estimula a produção de IFNg que, por sua vez, favorece a erradicação de microrganismos intracelulares. No entanto, outros fatores são essenciais para o direcionamento da resposta Th1. Já foi demonstrado que a IL-18, embora não induza o fenótipo Th1, tem atividade sinergística com a IL-12 para induzir a produção de IFNg;
Por outro lado, componentes das micobactérias têm a habilidade de modular atividade microbicida dos macrófagos LAM, um lipopolissacarídio componente da parede celular de micobactérias é um potente inibidor da ativação mediada pelo IFNg. Foi também evidenciado que a resistência à ativação com IFNg pode ser mediada pela prostaglandina E2 e/ou a IL-10. Alguns antígenos exclusivos do M. leprae, como PGL-1 (glicolipídio fenólico 1), presente na membrana da bactéria e encontrado nos tecidos infectados, também podem estar associados à não resposta dos pacientes lepromatosos. O PGL-1 regula negativamente a liberação de citocinas como o TNFa por monócitos, podendo esta substância contribuir para a ativação defeituosa dos macrófagos e para a indução de um perfil supressor via células T. Desta forma, M. leprae parece modular a resposta imune desenvolvida nas lesões por meio de componentes de sua parede celular e também via secreção de substâncias com atividade supressora sobre os macrófagos. Monócitos infectados podem contribuir para a fraca ativação dos linfócitos T nos indivíduos lepromatosos, devido à liberação de fatores que possam suprimir a ativação destas célula;
Estados reacionais:
Estados reacionais hansênicos são episódios agudos ou subagudos com comprometimento neurológico, cutâneo e sistêmico, isolados ou simultâneos, variando de acordo com cada caso e com o tipo de reação. Ocorrem por alterações no sistema imunológico com fisiopatologia e fatores desencadeantes ainda não completamente elucidados. Devem ser considerados como uma complicação emergencial cujo diagnóstico e tratamento devem ser precoces para a prevenção de sequelas, principalmente neurológicas. São reconhecidos os seguintes tipos de reações em hanseníase: a reação tipo 1 ou reação reversa (RR), a reação tipo 2 ou eritema nodoso hansênico (ENH) e, nos casos em que a agudização se exterioriza unicamente com comprometimento dos troncos nervosos periféricos, a neurite isolada;
A RR decorre do aumento da imunidade celular e se exterioriza clinicamente por inflamação das lesões cutâneas e dos troncos nervosos periféricos. O ENH ocorre devido à ativação de citocinas como TNF, IL-2, IL-6 e IL-8. A resposta imune celular parece também contribuir para a gênese deste tipo de reação que, além dos comprometimentos neurológico e cutâneo, cursa com sintomas sistêmicos. As reações podem ocorrer antes da introdução da poliquimioterapia, na vigência desta e após a alta terapêutica. Os pacientes classificados como PB desenvolvem apenas a RR ou a neurite isolada e a ocorrência é pouco frequente. Nos classificados como MB é uma complicação frequente, ocorrendo em cerca de 59% dos casos durante o tratamento, sendo o ENH o mais frequente e recorrente. Em MB foi observada a presença de reações até 5 anos após a alta terapêutica e estas ocorrências são uma dificuldade operacional devida à necessidade de diagnóstico diferencial com recidiva;
A presença de resposta Th1 confirmada não só por testes in vitro como pela expressão de mRNA de citocinas (IFN, IL-12, TNF) nas lesões tuberculoides opõe-se ao predomínio Th2 (IL-4, IL-10) nas formas virchovianas. Nas formas borderline (dimorfa) se detectam padrões mistos, Th1 e Th2; estas formas são as mais suscetíveis a apresentarem reações. Apesar da aplicação do paradigma Th1 e Th2 ao espectropolar da hanseníase a ocorrência de reações fornece um novo entendimento dos mecanismos de regulação imunológica durante a interação hospedeiro-patógeno. As reações parecem representar um rompimento de um estado estável alcançado em um curso crônico da doença em pacientes MB anteriormente não responsivos que são capazes de reverter para o perfil imunológico altamente responsivo, ocasião na qual os quadros clínico e histopatológico se aproximam do polo turberculoide do espectro. A possibilidade de os pacientes desenvolverem qualquer tipo de reação depende de variáveis multifatoriais, que necessariamente incluiriam características genéticas, haplótipos de HLA, variantes imunológicas e carga bacilar, entre outros. Isto é especialmente verdadeiro à luz da observação de que o ENH, na maioria das vezes, ocorrer em pacientes lepromatosos (formas BL/lL) enquanto a RR ocorre principalmente em pacientes BB/BL;
É amplamente aceito que durante a RR há reemergência ou aumento da resposta imune celular que depende da expansão de células T M. leprae-específicas. A RR está consequentemente associada ao aumento da produção de IFNg, levando à formação de granulomas e ao aumento da atividade microbicida do macrófago. Na maioria dos pacientes este perfil altamente responsivo se reverte para o seu estado anterior após a regressão da reação. A pergunta se RR e ENH compartilham de alguma forma o mesmo substrato imunológico é um tema controverso. Há evidências que indicam a participação de resposta imune celular no ENH: resposta linfoproliferativa positiva junto à produção aumentada de IFNg em resposta ao M. leprae in vitro em alguns pacientes; detecção da expressão de IFNg e IL-12 mRNA nas lesões e no sangue de pacientes com ENH e RR; o envolvimento de células T ativadas na produção intensificada de TNFa por monócitos estimulados por M. leprae através do contato direto célula-célula;
A ocorrência sequencial de ENH e RR no mesmo paciente pode, ainda, indicar um fundo imunológico semelhante, compartilhado por ambas as reações. Um perfil de citocina mRNA idêntico foi observado nas lesões do mesmo paciente no curso das reações, no entanto as células T somente estavam presentes na RR. Apesar de se encontrarem parâmetros imunológicos semelhantes in vitro, as características histológicas e clínicas observadas nos dois tipos de reações são diferentes. Na RR as lesões exibem infiltrado maciço de macrófagos, constituindo granulomas, enquanto no ENH predomina o infiltrado linfoplasmocitário com neutrófilos e vasculites. Ambas as lesões desaparecem na maioria dos casos com o tratamento corticoide e talidomida (ENH). O quadro clínico de RR ou ENH dependeria de vários fatores, tais como a carga bacteriana, MHC e subsets de linfócitos ativados, determinando assim variações no perfil de citocinas. Células da resposta imune inata (células dendríticas, monócitos e células NK) determinam a natureza da resposta imune adaptativa, influenciando seu padrão de citocinas;
Estudos recentes demonstraram que M. leprae, a exemplo de M. tuberculosis, induz à apoptose em monócitos e ativa o fator de transcrição NFkB. O equilíbrio entre citocinas pró e anti-inflamatórias induzidas em reposta a produtos bacterianos in vitro parece estar relacionado com a indução e a resolução da inflamação em diversas doenças inflamatórias e na hanseníase. Uma avaliação da expressão da citocina mRNA em tecido reacional na derme e epiderme indicou que a melhora dos sintomas clínicos de pacientes seguindo tratamento anti-inflamatório in vivo (prednisolona, talidomida ou pentoxifilina) estava associada a uma expressão diminuída de TNFa, IFNg, e IL-12 mRNAs; por outro lado, a piora do quadro clínico estava relacionada com a manutenção/ indução dos níveis de citocinas mRNA, incluindo IL-10, e indução de IL-4. Estas citocinas podem estar contribuindo para os efeitos destrutivos danosos, classicamente atribuídos ao TNFa. O monitoramento da expressão mRNA de citocinas in situ pode permitir a detecção precoce da ativação;
Além de TNFa, diversos outros mediadores estão provavelmente envolvidos na indução da lesão tecidual. O remodelamento de componentes da matriz extracelular requer a ação de proteases, entre elas MMP (metaloproteinases de matriz), que são proteínas ligantes de zinco, aparentemente estimuladas por citocinas como IL-1, TNFa, e ésteres de forbol. As MMP e seus inibidores também têm um papel importante no remodelamento tecidual que acompanha inflamação, cicatrização de feridas, invasão tumoral e reabsorção óssea e por muito tempo têm sido considerados como possíveis fatores na patogenia de várias doenças. Na hanseníase, expressão aumentada de mRNA de ambos, MMP-2 e MMP-9, foi recentemente detectada em lesões cutâneas reacionais. Mecanismos citotóxicos também parecem estar envolvidos nos eventos imunopatológicos;
Diagnóstico das Reações:
Reação Reversa (tipo 1): As manifestações frequentes envolvem a reativação das lesões cutâneas preexistentes com eritema, edema, calor e hipersensibilidade e aparecimento de novas lesões que podem apresentar as condições inflamatórias referidas ou se exteriorizar como máculas RR macular. Espessamento e dor espontânea ou à palpação de troncos nervosos periféricos (neurite). As manifestações ocasionais incluem edema de extremidades uni- ou bilateral; distúrbios sistêmicos (febre, mal-estar geral). Em alguns casos, são referidos, antes da exteriorização dos sinais e sintomas reacionais (pródromos), hipersensibilidade e hiperestesia em extremidades (palmas das mãos, plantas dos pés, pavilhões auriculares e nariz) e sensação de prurido nas lesões;
Eritema nodoso hansênico (tipo 2): Nódulos cutâneos de aparecimento súbito e sob pele aparentemente normal, eritematosos, dolorosos, móveis, isolados, com distribuição simétrica e bilateral principalmente na face e extremidades; o comprometimento sistêmico é comum, em muitos casos grave, com características de estado toxêmico; neurite; edema e eritema com características inflamatórias em mãos e pés. As alterações laboratoriais incluem leucocitose e neutrofilia; reação leucemoide, queda abrupta do hematócrito; anemia normocítica e normocrômica; níveis elevados de proteína C reativa e fibrinogênio; diminuição da atividade fibrolítica; elevação dos níveis de transaminases, aldolases e fosfatases. Todas estas importantes e preocupantes alterações na bioquímica sanguínea regridem com a involução do quadro reacional;
Neuropatia periférica da Hanseníase:
A neuropatia periférica da hanseníase se apresenta como uma neuropatia com manifestações predominantemente sensoriais e autonômicas envolvendo a sensibilidade térmica, tátil e dolorosa e comprometendo também as secreções sudoríparas, sebáceas, o trofismo e a ereção do pelo. Pode também comprometer a função motora nervosa causando paresias, paralisias e hipotrofia muscular, com consequentes incapacidades e deformidades características da doença. Ela se apresenta normalmente como uma mononeuropatia múltipla (multifocal) ou isolada (simples), havendo relatos na literatura de que a hanseníase possa ser apresentar como uma polineuropatia. A lesão do nervo periférico é representada por infiltrado inflamatório que ocupa os compartimentos do nervo (endoneuro, perineuro e epineuro), podendo o infiltrado ser constituído por granuloma epitelioide com pouco ou nenhum bacilo e por infiltrado formado por macrófagos que se tornam vacuolados contendo bacilos álcool-ácido-resistentes em seu interior. O infiltrado inflamatório do nervo acaba por destruir as fibras nervosas mielinizadas e não mielinizadas, comprometendo gravemente a função neural dos pacientes;
Tratamento:
A utilização dos esquemas poliquimioterápicos se constitui em uma das mais importantes estratégias para o controle e a eliminação dadoença como problema de saúde pública nos países endêmicos como o Brasil. Os quimioterápicos atualmente disponíveis para as associações nos esquemas específicos são: rifampicina, dapsona, clofazimina, ofloxacino e minociclina. O tratamento da hanseníase é realizado através da associação de medicamentos (poliquimioterapia – PQT) conhecidos como Rifampicina, Dapsona e Clofazimina. Deve-se iniciar o tratamento já na primeira consulta, após a definição do diagnóstico, se não houver contraindicações formais (alergia à sulfa ou à rifampicina);
Rifampicina (RMP): Antibiótico semissintético dos grupos das rifaminas possui a propriedade de atravessar membranas lipídicas mantendo a atividade antimicrobiana em ambiente ácido, propriedade particularmente útil no caso de bactérias intracelulares. Ao se unir à subunidade beta do RNA polimerase dependente do DNA bloqueia a síntese do RNA bacteriano. É excepcionalmente potente e uma dose equivalente a 600 mg é capaz de eliminar 99,9% da população viável do M. lepra. Os outros antibióticos com propriedades bactericidas sobre a micobactéria, isolados ou associados, não conseguem esta eficácia. Por este motivo é considerada como o principal componente da associação quimioterápica devendo, salvo contraindicações absolutas, fazer parte dos esquemas específicos. Está provado que a dose mensal de 600 mg é tão efetiva como as doses diárias;
Efeitos colaterais: Eritema e prurido cutâneo; dor abdominal, náuseas, vômitos, diarreia; hepatite; trombocitopenia, anemia hemolítica, púrpuras ou sangramentos; síndrome pseudogripal; nefrite intersticial; choque. É importante que as mulheres em idade fértil utilizando contraceptivos orais sejam orientadas, no início do tratamento, a mudar o método ou a associar outro tipo de contraceptivo devido à possibilidade de ineficácia pela ocorrência de aumento do catabolismo do contraceptivo oral na vigência da RMP;
Clofazimina (CFZ): Seu componente ativo é um corante imunofenazínico e é o único medicamento no tratamento da hanseníase que possui propriedades anti-inflamatórias relacionadas com a diminuição da mobilização de neutrófilos e da transformação linfocitária induzida por mitogênese. A constatação destas propriedades anti-inflamatórias como controladoras e redutoras de episódios reacionais tipo eritema nodoso foram observadas e demonstraram que a dose mensal de 1.200 mg produz resultados similares aos obtidos com a posologia do regime padrão (300 mg mensais + 50 mg/dia), assinalando a possibilidade da administração totalmente supervisionada da droga. Efeitos colaterais incluem ictiose e xerose cutaneomucosas; coloração avermelhada na pele, suor, secreção pulmonar e urina; dor abdominal, diminuição da peristalse e ileíte;
Dapsona (DDS): Foi o primeiro quimioterápico a ser utilizado no tratamento da hanseníase na década de 1940 e persiste até os dias atuais como um dos componentes da associação poliquimioterápica em virtude de seu baixo custo e boa tolerabilidade com reduzidos efeitos colaterais graves. É denominada sulfona-mãe por representar a parte ativa de qualquer sulfona. A dose diária de 100 mg proporciona níveis séricos 500 vezes superiores à concentração inibitória mínima. Efeitos colaterais incluem anemia hemolítica, meta-hemoglobinemia (em pacientes com deficiência de glicose-6-fosfato-desidrogenase); eritrodermia; neuropatia motora periférica; hepatite; síndrome da sulfona (mononucleose-like);
Ofloxacino (OFLO): Antibiótico do grupo das fluoroquinolonas é efetivo contra o M. leprae na dose de 400 mg. Estudos laboratoriais demonstram que 22 doses de 400 mg eliminam 99,9% da população viável do M. leprae. Efeitos colaterais incluem manifestações gastrintestinais (náuseas, diarreia) e no sistema nervoso central (cefaleia, tonturas, insônia e alucinações);
Minociclina (MNO): Antibiótico do grupo das tetraciclinas, possui significativa atividade bactericida frente ao M. leprae, porém consideravelmente menor do que a da RMP. Estudos clínicos demonstraram que a dose de 100 mg/dia é eficaz. Efeitos colaterais incluem alteração permanente da coloração do esmalte dentário em crianças, distúrbios gastrintestinais e no sistema nervoso central (tonturas, tremores). Contraindicada em crianças menores que 5 anos, gestantes e durante o aleitamento. O tratamento prolongado pode provocar síndrome lupus-like e hepatite autoimune;
O paciente PB receberá uma dose mensal supervisionada de 600 mg de Rifampicina, e tomará 100 mg de Dapsona diariamente (em casa). O tempo de tratamento é de 6 meses (6 cartelas). Caso a Dapsona precise ser suspensa, deverá ser substituída pela Clofazimina 50 mg por dia, e o paciente a tomará também 300 mg uma vez por mês na dose supervisionada. O paciente MB receberá uma dose mensal supervisionada de 600 mg de Rifampicina, 100 mg de Dapsona e de 300 mg de Clofazimina. Em casa, o paciente tomará 100 mg de Dapsona e 50 mg de Clofazimina diariamente. O tempo de tratamento é de 12 meses (12 cartelas). Caso a Dapsona precise ser suspensa, deverá ser substituída pela Ofloxacina 400 mg (na dose supervisionada e diariamente) ou pela Minociclina 100 mg (na dose supervisionada e diariamente);
As manifestações reacionais devem ser consideradas como uma complicação, que exige um diagnóstico precoce e uma intervenção terapêutica adequada, pois caracterizam uma emergência. Os corticosteroides, por suas ações imunossupressora e anti-inflamatória, são as medicações de escolha, pois inibem a resposta inflamatória, desencadeada tanto por estímulos imunológicos como por não imunológicos. Os mecanismos destas respostas são, até o momento, apenas parcialmente conhecidos. A talidomida pode ser considerada como o fármaco mais efetivo no tratamento do ENH; recentemente evidenciou-se que a substância reduz os níveis séricos do TNFa sem afetar a produção de IL-1 e IL-6. O tratamento das reações deve estar associado ao tratamento poliquimioterápico na eventualidade de o paciente ainda não ter completado o número de doses preconizadas; nos casos que apresentar reação após a alta, somente utilizar as substâncias antirreacionais;
É fundamental a intervenção no sentido de eliminar situações genéricas reconhecidas como passíveis em desencadear ou propiciar as manifestações reacionais como focos infecciosos, infestações parasitárias intestinais, distúrbios hormonais, estresses físico ou mental, uso de substâncias que contenham iodetos ou brometos e vacinações. O seguimento pós-alta de pacientes MB mostrou a possibilidade de ocorrência de manifestações reacionais até 5 anos após a alta e a necessidade do diagnóstico diferencial com recidiva;
De acordo com a OMS, a hanseníase, a filariose linfática, a doença de Chagas e a oncocercose são doenças factíveis de eliminação, o que significa reduzir a morbidade de modo que as mesmas deixem de constituir um problema de saúde pública, mantendo-se necessários controle e vigilância. Eliminar a hanseníase significa atingir taxa de prevalência de 1 paciente em cada 10.000 habitantes. O objetivo da eliminação é uma etapa intermediária para que se consiga a interrupção da transmissão e a consequente erradicação;
Diagnóstico Diferencial:
Máculas (manchas) hipocrômicas ou acrômicas: Pitiríase versicolor, nervo acrômico, vitiligo, eczematides, hipocromias ou acromias residuais;
Máculas eritematosas: Farmacodermias, sífilis, pitiríase rósea de Gilbert, exantemas virais, dermatite seborreica;
Placas eritematoinfiltradas: Dermatofitoses, granuloma anular, sarcoidose, lúpus eritematoso discoide, esclerodermia em placas, psoríase, sífilis, tuberculose cutânea, esporotricose, leishmaniose;
Nódulos: Neurofibromatose, micose fungoide, leishmaniose difusa, doença de Jorge Lôbo, linfomas, xantomatose;
Eritema nodoso: Tuberculose, sarcoidose, estreptococcias e substâncias;
Eritema polimorfo: Farmacodermias,sífilis, viroses;
Reação reversa: Erisipela, sífilis, farmacodermia, psoríase;
Lesões neurológicas: Neuropatia diabética, neuropatia alcoólica, artrite reumatoide, traumatismos, siringomielia, síndrome do túnel carpiano, tromboangeite obliterante, lesão de esforço repetitivo;
Aspectos epidemiológicos:
As unidades de saúde dos municípios, diante de um caso suspeito de hanseníase em menores de 15 anos de idade, devem preencher o Protocolo Complementar de Investigação Diagnóstica de Casos de Hanseníase em Menores de 15 Anos (PCID<15). Se confirmado o caso, a unidade de saúde deve remeter esse protocolo à Secretaria Municipal da Saúde (SMS), juntamente com a Ficha de Notificação/Investigação da Hanseníase, anexando cópia no prontuário. A SMS, mediante a análise do PCID<15 encaminhada pela unidade de saúde, deve avaliar a necessidade de promover a investigação/validação do caso ou de referenciá-lo para serviços com profissionais mais experientes ou à referência regional/estadual, para confirmação do diagnóstico. O Programa Estadual de Hanseníase ao identificar o caso no sistema de informação, deve confirmar o preenchimento do PCID<15 pela SMS ou Regional de Saúde responsável; ou solicitar cópia do PCID<15, quando necessário, para avaliar a necessidade de confirmação diagnóstica;
Diante de um caso suspeito de recidiva, a unidade de saúde do município responsável deve preencher a Ficha de Investigação de Suspeita de Recidiva e encaminhar o caso para a unidade de referência mais próxima. Uma vez confirmado o diagnóstico, a unidade de saúde deve remeter a ficha para a SMS, juntamente com a Ficha de Notificação/Investigação da Hanseníase, anexando cópia no prontuário do paciente. A notificação de casos de recidiva deverá ser realizada pelo serviço de referência que procedeu à confirmação diagnóstica. Após avaliação, os casos confirmados e sem complicação deverão ser contrarreferenciados, para tratamento e acompanhamento na unidade básica de saúde;
Investigação de Contatos:
O exame de todos os contatos (independentemente do caso notificado ser pauci ou multibacilar) deverá ser muito cuidadoso e detalhado. Essa importante medida estratégica tem como objetivo o diagnóstico na fase inicial da doença, visando quebrar a cadeia de transmissão e evitar sequelas resultantes do diagnóstico tardio e da falta de acompanhamento adequado. É necessário especial atenção às crianças e idosos. A investigação de contatos tem por finalidade a descoberta de casos novos entre aqueles que convivem ou conviveram, de forma prolongada, com o caso novo de hanseníase diagnosticado. Além disso, visa também descobrir suas possíveis fontes de infecção no domicílio (familiar) ou fora dele (social), independentemente de qual seja a classificação operacional do doente – paucibacilar (PB) ou multibacilar (MB);
Contato domiciliar: toda e qualquer pessoa que resida ou tenha residido, conviva ou tenha convivido com o doente de hanseníase, no âmbito domiciliar, nos últimos cinco (5) anos anteriores ao diagnóstico da doença, podendo ser familiar ou não. Atenção especial deve ser dada aos familiares do caso notificado, por apresentarem maior risco de adoecimento, mesmo não residindo no domicílio do caso. Devem ser incluídas, também, as pessoas que mantenham convívio mais próximo, mesmo sem vínculo familiar, sobretudo, àqueles que frequentem o domicílio do doente ou tenham seus domicílios frequentados por ele;
Contato social: toda e qualquer pessoa que conviva ou tenha convivido em relações sociais (familiares ou não), de forma próxima e prolongada com o caso notificado. Os contatos sociais que incluem vizinhos, colegas de trabalho e de escola, entre outros, devem ser investigados de acordo com o grau e tipo de convivência, ou seja, aqueles que tiveram contato muito próximo e prolongado com o paciente não tratado;
Recomenda-se a avaliação dermatoneurológica pelo menos uma vez ao ano, por pelo menos (5) anos, de todos os contatos domiciliares e sociais que não foram identificados como casos de hanseníase na avaliação inicial, independentemente da classificação operacional do caso notificado – paucibacilar (PB) ou multibacilar (MB). Após esse período esses contatos deverão ser esclarecidos quanto à possibilidade de surgimento, no futuro, de sinais e sintomas sugestivos de hanseníase;
A investigação epidemiológica de contatos consiste em: anamnese dirigida aos sinais e sintomas da hanseníase, exame dermatoneurológico, e vacinação BCG para os contatos sem presença de sinais e sintoma de hanseníase no momento da avaliação, não importando se são contatos de casos PB ou MB. Todo contato de hanseníase deve receber orientação de que a BCG não é uma vacina específica, mas que ela oferece alguma proteção contra a hanseníase. É ainda importante que os profissionais de saúde estejam atentos ao fato que a BCG pode abreviar o tempo de incubação. Não se deve fazer a vacinação BCG em pacientes imunossuprimidos, pessoas com tuberculose ativa, gestantes ou em indivíduos vacinados recentemente. Contatos intradomiciliares com menos de um ano comprovadamente vacinados não necessitam da administração de outra dose de BCG. Para contatos intradomiciliares com mais de um ano de idade, adote o seguinte esquema: comprovadamente vacinado com a primeira dose, administre outra dose de BCG (mantenha o intervalo mínimo de seis meses entre as doses); com duas doses/cicatrizes não administre nenhuma dose adicional;
A hanseníase é uma doença de notificação compulsória e de investigação obrigatória. Após confirmação diagnóstica, os casos devem ser notificados, utilizando-se a ficha de Notificação/ Investigação do Sistema de Informação de Agravo de Notificação – SINAN. A Ficha de Notificação/Investigação do SINAN deve ser preenchida por profissionais das unidades de saúde onde o(a) doente foi diagnosticado(a), na semana epidemiológica do diagnóstico, sejam estes serviços públicos ou privados, dos três níveis de atenção à saúde. A notificação deve ser enviada semanalmente em meio físico, magnético ou digital ao órgão de vigilância epidemiológica hierarquicamente superior, permanecendo uma cópia no prontuário. Para o devido acompanhamento e seguimento da evolução clínica dos doentes, o SINAN possui como instrumento de monitoramento o Boletim de Acompanhamento de Hanseníase, que deve ser encaminhado pela unidade de saúde, ao final de cada mês, ao nível hierárquico superior informatizado, contendo as seguintes informações: data do último comparecimento; classificação operacional atual; esquema terapêutico atual; número de doses de PQT/OMS administradas; episódio reacional durante o tratamento; número de contatos registrados e examinados; e, em caso de saída, tipo, data e grau de incapacidade na alta por cura. Recomenda-se que as unidades de saúde realizem um monitoramento complementar dos doentes faltosos, como forma de avaliar a efetividade das estratégias adotadas para evitar o abandono do tratamento (% de faltosos recuperados entre os faltosos com menos de 3 (três) faltas consecutivas para os doentes com classificação operacional PB e menos de 6 (seis) faltas para doentes MB);
Grau de incapacidade física (GIF):
O Grau de Incapacidade Física (GIF) é uma medida que indica a existência de perda da sensibilidade protetora e/ou deformidade visível em consequência de lesão neural e/ou cegueira. É um indicador epidemiológico que pode ser utilizado na avaliação do programa de vigilância de hanseníase, determinando a precocidade do diagnóstico e o sucesso das atividades que visam a interrupção da cadeia de transmissão. Portanto, a avaliação do GIF constitui uma importante ferramenta na identificação de pacientes com maior risco de desenvolver reações e novas incapacidades, durante o tratamento, no término da poliquimioterapia e após a alta. Todos os doentes devem ter o grau de incapacidade física e o escore OMP avaliado, no mínimo, no momento do diagnóstico e da cura, comparando as duas classificações e no pós-alta, a fim de comparar a avaliação com a classificação no momento da altada PQT. Para determinar o grau de incapacidade física deve-se realizar o teste de força muscular e de sensibilidade dos olhos, mãos e pés. Os critérios de graduação da força muscular podem ser expressos como forte, diminuída e paralisada, ou de zero a cinco;
O Escore OMP (olhos, mãos e pés) é um instrumento complementar de avaliação da graduação da incapacidade no paciente de hanseníase e tem como objetivo proporcionar maior detalhamento sobre cada incapacidade isoladamente, possibilitando uma melhor qualidade do cuidado. Portanto, é de fundamental importância na avaliação dos serviços de atenção, prevenção e controle das incapacidades físicas decorrentes da hanseníase. O Escore OMP é a soma dos graus de incapacidades atribuídos a cada segmento direito e esquerdo (Olhos, Mãos e Pés), determinando a soma máxima que varia de 0 a 12, representando assim, uma medida mais precisa ao classificar o comprometimento em diferentes seguimentos;
Epidemiologia em Rondonópolis:
Em Rondonópolis foram notificados 928 casos de hanseníase no período (2011 a 2017), a maior parte detectada por demanda espontânea (46,82%; n = 434) e apenas 13,16% (n = 122) em exames de contatos ou de coletividade. O coeficiente de detecção anual apresentou padrão flutuante de 2011 a 2015, com pico em 2011 (82,43 casos/100 mil habitantes) e decréscimo nos últimos dois anos. Dentre os casos, 59,05% (N = 548) ocorreram no sexo masculino e 32,86% (N = 305) na faixa de 31 a 45 anos. A idade dos pacientes variou entre 2,3 e 85,87 anos, a média (desvio-padrão) foi de 44,03 (17,72) e a mediana de 43,76 anos. Enquanto os pardos foram os mais acometidos (56,85%; n = 523), as etnias amarela (0,65%; N = 6) e indígena (0,11%; N = 1) registraram menor número de casos. Quanto ao local de moradia e grau de escolaridade, a grande maioria dos pacientes residia em zona urbana (94,72%; n = 879) e concluiu no máximo a educação primária (58,89%; n = 500). Em relação às características clínicas, houve predomínio da forma dimorfa (71,88%; n = 667) e multibacilar (87,07%; n = 808). Quanto à baciloscopia, em 95,05% (n = 882) dos casos essa não foi feita ou o resultado não foi informado. Considerando as avaliações de incapacidade no momento do diagnóstico, observou-se predomínio de grau zero (64,12%; n = 595), seguido de grau I (10,78%; n = 100) e grau II (3,34%; n = 31) entre os pacientes deste estudo. No entanto, tal avaliação não foi conduzida ou informada para 21,77% (n = 202) dos casos;
Taxa de detecção de Hanseníase:
A taxa de detecção de hanseníase na população ou taxa de incidência de hanseníase se refere ao número de casos novos diagnosticados de hanseníase (código A30 da CID-10), por 100 mil habitantes, na população residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado. Esta taxa pode ser calculada de forma específica para uma determinada faixa etária, como em menores de 5 anos ou ser avaliada segundo algumas características específicas, como a taxa de detecção de casos, por 100.000 habitantes, com grau II de deformidade. Avalia a carga de morbidade e de magnitude da hanseníase, numa determinada população em intervalo de tempo determinado. No Brasil, adota-se a seguinte classificação das taxas de incidência de casos por 100 mil habitantes: baixa (menor que 2,00), média (2,00 a 9,99), alta (10,00 a 19,99), muito alta (20,00 a 39,99) e situação hiperendêmica (maior ou igual a 40,00);
Taxas elevadas estão geralmente associadas a baixos níveis de desenvolvimento socioeconômico e a insatisfatórias condições assistenciais para o diagnóstico precoce, o tratamento padronizado e o acompanhamento dos casos. A taxa de detecção em menores de 15 anos mede a presença da doença, a força da transmissão recente da endemia e sua tendência. A diminuição do coeficiente de detecção de casos em menores de 15 anos indica a redução da transmissão por fontes ativas da doença na população. A taxa de detecção de casos com grau II de deformidade indica, caso elevada, que os casos estão sendo diagnosticados em fase tardia, já com complicações, o que demonstra problemas no diagnóstico e tratamento precoces da doença;
Depende das condições técnico-operacionais do sistema de vigilância epidemiológica, em cada área geográfica, para detectar, notificar, investigar e confirmar casos de hanseníase. Os dados estão desagregados por classificação da hanseníase, que têm diferente significado na dinâmica de transmissão e evolução da doença. Os sinais e sintomas iniciais da hanseníase costumam ser pouco expressivos e valorizados, e surgem após longo período de incubação. Em virtude disso, há dificuldade de diagnóstico precoce, o que exige cautela na análise dos dados do indicador. As taxas de incidência não padronizadas por idade estão sujeitas à influência de variações na composição etária da população, o que exige cautela nas comparações entre áreas e para períodos distintos;
Referências Bibliográficas:
BRASIL. Guia prático sobre a Hanseníase. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. – Brasília: Ministério da Saúde, 2017;
BORGES, L. M.; PUNTIM, C. A. R.; PAVONI, J. H. C.; et. al. Caracterização dos casos novos de hanseníase segundo aspectos clínico-epidemiológicos no município de Rondonópolis, Mato Grosso (2011-2017). Jornal Brasileiro de Doenças Infecciosas. 2018, 22 (S1): 33-144;
CONASS. Hanseníase: indicadores epidemiológicos. Nota Técnica. 2016. Disponível em: <https://www.conass.org.br/guiainformacao/notas_tecnicas/NT12-HANSENIASE-Indicadores-epidemiologicos.pdf>. Acesso em: 14/06/2021;
Rodrigues, C. J. Dinâmica das Doenças Infecciosas e Parasitárias. 2ª edição. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2013. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/978-85-277-2275-9/. Acesso em: 14 Jun 2021. Capítulo 120;

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