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MemóriaMemória 66 Feldman_06.indd 202Feldman_06.indd 202 26/11/14 14:1326/11/14 14:13 Resultados de Aprendizagem para o Capítulo 1 M Ó D U L O 1 RA 1-1 O que é a ciência da psicologia? Os psicólogos no trabalho 5 As subáreas da psicologia: a árvore genealógica da psicologia 6 Trabalhando em psicologia 9 TrabalhoPsi: Assistente social 10 RA 1-2 Quais são as principais especialidades no campo da psicologia? RA 1-3 Onde os psicólogos trabalham? M Ó D U L O 2 RA 2-1 Quais são as origens da psicologia? Uma ciência desenvolve-se: o passado, o presente e o futuro 14 As raízes da psicologia 14 Perspectivas atuais 16 Aplicando a psicologia no século XXI: A psicologia é importante 20 As principais questões e controvérsias da psicologia 21 A neurociência em sua vida: Lendo os filmes em sua mente 23 Futuro da psicologia 23 RA 2-2 Quais são das principais abordagens na psicologia contemporânea? RA 2-3 Quais são as principais questões e controvérsias da psicologia? RA 2-4 O que o futuro da psicologia provavelmente nos reserva? M Ó D U L O 3 RA 3-1 O que é o método científico? Pesquisa em psicologia 26 O método científico 26 Pesquisa psicológica 28 Pesquisa descritiva 29 Pesquisa experimental 32 RA 3-2 Que papel as teorias e hipóteses desempenham na pesquisa psicológica? RA 3-3 Que métodos de pesquisa os psicólogos utilizam? RA 3-4 Como os psicólogos estabelecem relações de causa e efeito nos estudos de pesquisa. M Ó D U L O 4 RA 4-1 Quais são as principais questões confrontadas pelos psicólogos que realizam pesquisa? Questões cruciais de pesquisa 40 A ética da pesquisa 40 Explorando a diversidade: Escolhendo participantes que representam o escopo do comportamento humano 41 A neurociência em sua vida: A Importância de usar participantes representativos 42 Animais devem ser usados em pesquisas? 42 Ameaças à validade experimental: evitando o viés experimental 43 Tornando-se um consumidor informado de psicologia: pensando criticamente sobre a pesquisa 44 Resultados de Aprendizagem para o Capítulo 6 M Ó D U L O 1 8 RA 18-1 O que é memória? Os Fundamentos da Memória Memória sensorial Memória de curto prazo Memória de trabalho Memória de longo prazo A Neurociência em sua Vida: Experiência, memória e cérebro Aplicando a Psicologia no Século XXI: Memória de um frasco RA 18-2 Existem diferentes tipos de memória? RA 18-3 Quais são as bases biológicas da memória? M Ó D U L O 1 9 RA 19-1 O que causa dificuldades e déficits de memória? Recordando Memórias de Longo Prazo Pistas de recuperação Níveis de processamento Memória explícita e implícita Memórias instantâneas Processos construtivos na memória: reconstruindo o passado Explorando a Diversidade: Existem diferenças interculturais na memória? M Ó D U L O 2 0 RA 20-1 Por que esquecemos as informações? Esquecendo: Quando a Memória Falha Por que esquecemos Interferência proativa e retroativa: o antes e o depois do esquecimento Disfunções da memória: aflições do esquecimento A Neurociência em sua Vida: Doença de Alzheimer e deterioração cerebral Tornando-se um Consumidor Informado de Psicologia: Melhorando sua memória RA 20-2 Quais são os principais comprometimentos de memória? Feldman_06.indd 203Feldman_06.indd 203 26/11/14 14:1326/11/14 14:13 Prólogo Lembrando-se de tudo Louise Owen tem a aparência típica de uma pessoa de 37 anos. Violinista profissional, ela mora na cidade de Nova York. Mas Louise está longe de ser típica. Ela é capaz de se lem- brar de cada dia de sua vida desde a idade de 11 anos. Pergunte a ela o que estava fazendo cinco, 10, mesmo 20 anos atrás, e ela saberá exatamente o que estava fazendo em determinado dia. Por exemplo, questionada sobre o que estava fazendo em 2 de janeiro de 1990, ela responde: “Neste exato momen- to, estou me lembrando das aulas de jogging que comecei naquela manhã... Lembro-me do treinador dizendo ‘conti- nue!’ ”. Como Louise faz isso? É um pouco misterioso até mesmo para ela. Quando indagada sobre outra data, escolhida total- mente a esmo – 21 de abril de 1991 –, ela diz: “1991, certo. 21 de abril. Então, no momento entre ‘21 de abril’ e ‘1991’, repas- sei todos os 21 de abril, pensando ‘Qual deles vai ser? Qual de- les vai ser?’ Certo. 1991, que era um domingo. E eu estava em Los Angeles, pois tinha um concerto com a American Youth Symphony” (Stahl, 2010). Olhando à frente Louise Owen deve sua notável memória a uma rara condição chamada de síndrome hipertimésica, a qual afeta a parte de sua memória que armazena experiências relacionadas a eventos de vida. Ela tem lembranças vívidas perfeitas de praticamente todos os dias de sua vida. A propósito, se você está pensando se pessoas como Owen estão recordando com precisão, parece que sim: toda vez que elas dizem algo que pode ser corrobo- rado por provas (como o clima em determinada data, usando registros climáticos), comprovou-se a sua exatidão. A condição de Owen ilustra a complexidade e o mistério do fenômeno que chamamos de memória. A memória permi- te-nos recuperar uma grande quantidade de informações. So- mos capazes de lembrar o nome de um amigo que não vemos há anos e recordar os detalhes de um quadro que ficava pen- durado em nosso quarto quando crianças. Ao mesmo tempo, contudo, déficits de memória são comuns. Esquecemos onde deixamos as chaves do carro e não conseguimos responder a uma pergunta em uma prova sobre um conteúdo que estuda- mos apenas algumas horas antes. Por quê? Passemos agora para a natureza da memória, consideran- do o modo como a informação é armazenada e recuperada. Examinaremos os problemas de recuperar informações da memória, a precisão das lembranças e as razões pelas quais às vezes a informação é esquecida. Também consideraremos os fundamentos biológicos da memória e discutiremos alguns meios práticos de aumentar sua capacidade. Feldman_06.indd 204Feldman_06.indd 204 26/11/14 14:1326/11/14 14:13 Os Fundamentos da Memória MÓDULO 18 Você está disputando uma partida de Trivial Pursuit, e vencer o jogo resume-se a uma per- gunta: Em que corpo de água Mumbai está localizado? Enquanto você quebra a cabeça em busca da resposta, vários processos fundamentais relacionados à memória entram em jogo. Por exemplo, você pode não ter sido exposto à informação sobre a localização de Mumbai. Ou, se foi, pode simplesmente não tê-la registrado de maneira significativa. Em outras pala- vras, a informação pode não ter sido registrada corretamente em sua memória. O processo inicial de registrar informações de um modo que possa ser usado pela memória, processo conhecido como codificação, é a primeira etapa na recordação de algo. Mesmo que você tivesse sido exposto à informação e originalmente soubesse o nome do corpo de água, é possível que seja incapaz de recordá-la durante a partida por causa de uma falha na retenção. Os especialistas em memória falam de armazenamento, a manuten- ção do material salvo na memória. Se o material não é armazenado de modo adequado, não pode ser recordado posteriormente. A memória também depende de um último processo – a recuperação: o material arma- zenado tem de ser localizado e levado à consciência para ser usado. Sua incapacidade de recordar a localização de Mumbai, então, pode residir em sua incapacidade de recuperar informação que você recebeu anteriormente. Em suma, os psicólogos consideram como memória o processo pelo qual codificamos, armazenamos e recuperamos informações (ver Fig. 1). Cada uma das três ações dessa de- finição – codificar, armazenar e recuperar – representa um processo diferente. Você pode pensar esses processos como análogos ao teclado de um computador (codificação), ao disco rígido (armazenamento) e ao programa que acessa a informação para exibição na tela (re- cuperação). Somente se todos os três processos operaram você terá êxito e será capaz de recordar o corpo de água onde se localiza Mumbai: o Mar Árabe. Reconhecer que a memória envolve codificação, armazenamentoe recuperação forne- ce-nos um ponto de partida para compreender o conceito. Mas como a memória realmente funciona? Como explicamos qual informação é inicialmente codificada, qual é armazenada e como ela é recuperada? Segundo a abordagem dos três sistemas da memória, que dominou a pesquisa nesse campo durante várias décadas, existem diferentes sistemas ou etapas de armazenamento da memória por meio dos quais a informação deve passar para que possa ser lembrada (Atkinson & Shiffrin, 1968, 1971). Ao longo da história, essa abordagem tem sido ex- tremamente influente na compreensão da memória e – embora novas teorias a tenham expandido – ela ainda fornece um arcabouço útil para compreender como a informação é recordada. memória Processo pelo qual codificamos, armazenamos e recuperamos informações. Resultados de Aprendizagem RA 18-1 O que é memória? RA 18-2 Existem diferentes tipos de memória? RA 18-3 Quais são as bases biológicas da memória? FIGURA 1 A memória baseia-se em três proces- sos básicos – codificação, armazenamento e recu- peração – que são análo- gos ao teclado, ao disco rígido e ao programa de um computador para acessar a informação a ser exibida na tela. Contudo, a analogia não é perfeita, pois a memória humana é menos precisa do que um computador. Como pode- mos modificar a analogia para torná-la mais precisa? Codificação (Registro inicial da informação) Armazenamento (Informação salva para uso futuro) Recuperação (Recuperação da informação armazenada) Feldman_06.indd 205Feldman_06.indd 205 26/11/14 14:1326/11/14 14:13 206 Capítulo 6 Memória A teoria dos três sistemas propõe a existência de três armazenamentos de memória separados, conforme mostrado na Figura 2. A memória sensorial refere-se ao armazena- mento momentâneo inicial da informação, que dura apenas um instante. Aqui, uma réplica exata do estímulo registrado pelo sistema sensorial de uma pessoa é armazenada por um tempo muito curto. Em uma segunda etapa, a memória de curto prazo retém a informação por 15 a 25 segundos e a armazena de acordo com seu significado, e não como mera estimu- lação sensorial. O terceiro tipo de sistema de armazenamento é a memória de longo prazo. A informação é armazenada na memória de longo prazo de uma forma relativamente per- manente, embora possa ser difícil recuperá-la. Memória sensorial O clarão momentâneo de um raio, o som de um graveto quebrando-se e a ardência de uma picada representam estímulos de duração extremamente breve; não obstante, fornecem uma informação importante que pode exigir uma resposta. Esses estímulos são inicialmente – e fugazmente – armazenados na memória sensorial, o primeiro repositório das informações que o mundo apresenta. Na verdade, existem vários tipos de memórias sensoriais, cada um deles relacionado a uma fonte de informação sensorial diferente. Por exemplo, a memória icônica reflete informações do sistema visual. A memória ecoica armazena as informações auditivas provenientes das orelhas. Além disso, existem memórias correspondentes para cada um dos outros sentidos. A memória sensorial pode armazenar informações somente por um tempo muito cur- to. Se a informação não passa para a memória de curto prazo, ela se perde para sempre. Por exemplo, apesar da breve duração da memória sensorial, sua precisão é alta: ela pode armazenar uma réplica quase exata de cada estímulo ao qual é exposta (Darwin, Turvey, & Crowder, 1972; Long & Beaton, 1982; Sams et al., 1993; Deouell, Parnes, & Pickard, 2006; Saneyoshi et al., 2011). memória sensorial Armazenamento momentâneo inicial da informação, que dura apenas um instante. memória de curto prazo Memória que retém a informação por 15 a 25 segundos. memória de longo prazo Memória que armazena a informação de maneira relativamente permanente, embora possa ser difícil recuperá-la. Visão (icônica) Som (ecoica) Outras memórias sensoriais Memória de curto prazo Ensaio repetitivo (retém informação na memória de curto prazo) Ensaio elaborativo (move a informação para a memória de longo prazo) Esquecimento tipicamente dentro de 1 segundo Esquecimento dentro de 15 a 25 segundos Informação Memórias sensoriais Memória de longo prazo FIGURA 2 No modelo de três estágios da memória, a informação inicialmente registrada pelo sistema sensorial da pessoa entra na memória sensorial, que armazena a informação tempora- riamente. A informação então passa para a memória de curto prazo, que a armazena por 15 a 25 segundos. Enfim, a informação pode passar para a memória de longo prazo, que é relativamente permanente. Dependendo do tipo e da quantidade de ensaio do material que é realizado, a infor- mação é transferida para a memória de curto ou de longo prazo. (Fonte: Atkinson & Shifrin, 1968.) Alerta de estudo Embora os três tipos de memória sejam discutidos como armazéns de memória separados, eles não são minidepósitos localizados em áreas específicas do cérebro. Em vez disso, representam três tipos diferentes de sistemas de memória com características distintas. Feldman_06.indd 206Feldman_06.indd 206 26/11/14 14:1326/11/14 14:13 Módulo 18 Os Fundamentos da Memória 207 O psicólogo George Sperling (1960) demonstrou a existência da memória sensorial em uma série de estudos inteligentes clássicos. Ele expôs pessoas brevemente a uma série de 12 letras ordenadas no seguinte padrão: F T Y C K D N L Y W B M Quando exposta a esse padrão de letras por apenas um vigésimo de segundo, a maioria das pessoas só foi capaz de recordar quatro ou cinco das letras com precisão. Embora elas sou- bessem que tinham visto mais, a memória daquelas letras tinha desaparecido no momento em que elas relataram as primeiras letras. Era possível, então, que a informação tivesse inicialmen- te sido armazenada com precisão na memória sensorial. Contudo, durante o tempo que levou para verbalizar as primeiras quatro ou cinco letras, a memória das outras letras desapareceu. Para testar essa possibilidade, Sperling realizou um experimento em que um som alto, médio ou baixo tocava logo depois que uma pessoa era exposta ao conjunto completo das letras. Pediu-se às pessoas que nomeassem as letras na linha superior caso ouvissem um som alto, na linha intermediária caso ouvissem o som médio, ou na linha inferior se ouvis- sem o som baixo. Uma vez que o som tocava depois da exposição, as pessoas tinham de se basear em suas memórias para descrever a fila correta. Os resultados do estudo mostraram claramente que as pessoas estavam armazenando o conjunto completo na memória. Elas recordavam com precisão das letras na linha que havia sido indicada pelo som independentemente de ser a linha superior, intermediária ou inferior. Obviamente, todas as linhas que elas haviam visto tinham sido armazenadas na memória sensorial. Apesar da perda rápida, a informação na memória sensorial era uma representação precisa do que as pessoas tinham visto. Prolongando gradualmente o tempo entre a apresentação do padrão visual e o som, Sperling pôde determinar com alguma precisão a quantidade de tempo que a informação ficava armazenada na memória sensorial. A capacidade de recordar determinada linha do conjunto quando o som era tocado diminuiu progressivamente à medida que o período en- tre a exposição visual e o som aumentou. Esse declínio continuou até que o período chegas- se a um segundo de duração, ponto em que a linha não podia absolutamente ser recordada com precisão. Sperling concluiu que a imagem visual inteira ficava armazenada na memória sensorial por menos de um segundo. Em suma, a memória sensorial funciona como uma espécie de retrato que armazena informações – as quais podem ser de natureza visual, auditiva ou de outra natureza sen- sorial – por um breve instante no tempo. Porém, é como se cada retrato, imediatamente depois de ser tirado, fosse destruído e substituído por um novo. A menos que a informação no retrato seja transferida aalgum tipo de memória, ela se perde. Memória de curto prazo Dado que a informação que é armazenada brevemente na memória sensorial consiste em representações de estímulos sensoriais brutos, ela não tem significado para nós. Para dar- -lhe sentido e possivelmente retê-la, a informação precisa ser transferida para a próxima etapa da memória: a memória de curto prazo. A memória de curto prazo é o local onde a informação adquire seu primeiro significado, embora a duração máxima da retenção ali seja relativamente curta (Hamilton & Martin, 2007). O processo específico pelo qual as memórias sensoriais são transformadas em memó- rias de curto prazo não está claro. Alguns teóricos sugerem que a informação é primei- ro traduzida em representações gráficas ou imagens, enquanto outros conjecturam que a transferência ocorre quando os estímulos sensoriais são convertidos em palavras (Baddeley & Wilson, 1985). O que está claro, porém, é que, diferentemente da memória sensorial, que contém uma representação relativamente completa e detalhada – mesmo que efêmera – do mundo, a memória de curto prazo tem capacidades representacionais incompletas. O clarão momentâneo de um raio deixa uma memó- ria visual sensorial, uma ré- plica fugaz, mas exata, do estímulo que desaparece. Feldman_06.indd 207Feldman_06.indd 207 26/11/14 14:1426/11/14 14:14 208 Capítulo 6 Memória Na verdade, a quantidade específica de informações que podem ser mantidas na me- mória de curto prazo foi identificada com sendo de sete itens ou “agrupamento” de infor- mação, com variações de duas porções a mais ou a menos. Um agrupamento são porções de informações que podem ser armazenadas na memória de curto prazo. Por exemplo, um agrupamento pode ser uma porção de sete letras ou números, permitindo-nos guardar um número de telefone de sete dígitos (como 226-4610) na memória de curto prazo. No entanto, um agrupamento também pode consistir de categorias maiores, tais como palavras ou outras unidades significativas. Por exemplo, considere a seguinte lista de 21 letras: P B S F O X C N N A B C C B S M T V N B C Uma vez que a lista de letras excede sete itens, é difícil recordar as letras após uma exposi- ção. Mas vamos supor que elas fossem apresentadas da seguinte forma: PBS FOX CNN ABC CBS MTV NBC Nesse caso, embora ainda sejam 21 letras, você seria capaz de armazená-las na memória de curto prazo porque elas representam apenas sete agrupamentos. Os agrupamentos podem variar de tamanho, indo desde letras ou algarismos até cate- gorias muito mais complexas. A natureza específica do que constitui um agrupamento varia de acordo com nossa experiência passada. Você pode confirmar isso fazendo uma expe- riência que foi primeiramente realizada para comparar enxadristas experientes e inexpe- rientes, ilustrada na Figura 3 (deGroot, 1978; Oberauer, 2007; Gilchrist, Cowan, & Naveh- -Benjamin, 2009). Embora seja possível recordar até cerca de sete conjuntos relativamente complicados de informações que entram na memória de curto prazo, a informação não pode ser mantida agrupamento Porção de informações que podem ser armazenadas na memória de curto prazo. FIGURA 3 Examine o tabuleiro de xadrez por cerca de cinco segundos. Depois, cubra o tabulei- ro e indique a posição das peças no tabuleiro vazio. (Você também pode usar seu próprio tabu- leiro e colocar as peças nas mesmas posições.) Se você não for um enxadrista experiente, prova- velmente terá grande dificuldade para realizar tal tarefa. Contudo, os mestres de xadrez – aqueles que vencem torneios – fazem isso muito bem (deGroot, 1966). Eles são capazes de reproduzir corretamente 90% das peças no tabuleiro. Em comparação, enxadristas inexperientes são capazes de reproduzir apenas 40% do tabuleiro corretamente. Os mestres do xadrez não têm memória superior em outros aspectos; eles geralmente obtêm resultados normais em outras medidas de memória. O que eles sabem fazer melhor do que os outros é ver o tabuleiro em termos de agru- pamentos de unidades significativas e reproduzir a posição das peças usando essas unidades. Feldman_06.indd 208Feldman_06.indd 208 26/11/14 14:1426/11/14 14:14 Módulo 18 Os Fundamentos da Memória 209 nela por muito tempo. Mas exatamente quanto tempo? Se você já consultou uma lista telefônica, repetiu o nú- mero para si mesmo, guardou a lista e então se esque- ceu do número depois de digitar os primeiros três no telefone, você sabe que a informação não permanece na memória de curto prazo por muito tempo. A maioria dos psicólogos acredita que a informação na memó- ria de curto prazo perde-se após 15 a 25 segundos – a menos que seja transferida para a memória de longo prazo. Ensaio A transferência de material da memória de curto prazo para a memória de longo prazo ocorre basicamente por ensaio, a repetição das informações que entraram na memória de curto prazo. O ensaio realiza duas tarefas. Primeiro, enquanto é repetida, a informação é mantida na memória de curto prazo. Mais importante, contu- do, o ensaio permite-nos transferir a informação para a memória de longo prazo (Kvavilashvili & Fisher, 2007; Jarrold & Tam, 2011). O tipo de ensaio realizado parece em grande parte determinar se vai ocorrer a transferência da memória de curto prazo para a memória de longo prazo. Se a informação é simplesmente repetida diversas vezes – como faríamos com um número de telefone enquanto corremos da lista telefônica para o telefone –, ela é mantida corrente na memória de curto prazo, mas não será necessariamente transferida para a memória de longo prazo. Em vez disso, assim que pararmos de digitar os números do telefone, o número provavelmente será substituído por outras informações e será es- quecido por completo. Ao contrário, se a informação na memória de curto prazo é ensaiada usando-se um processo chamado de ensaio elaborativo, ela tem muito mais chance de ser transferida para a memória de longo prazo. Ensaio elaborativo ocorre quando a informação é considerada e organizada de alguma maneira. A organização pode incluir expandir a informação para fazê-la caber em uma estrutura lógica, ligá-la a outra lembrança, transformá-la em uma imagem, ou transformá-la de alguma outra forma. Por exemplo, uma lista de legumes a serem comprados em um mercado poderia ser guardada na memória como os itens usados para preparar uma salada elaborada, poderia ser relacionada aos itens comprados em uma ida anterior ao supermercado, ou poderia ser pensada em termos de uma imagem de uma horta com filas de cada item. Usando estratégias organizacionais como essas – denominadas mnemônicas –, pode- mos aumentar consideravelmente nossa retenção de informações. Mnemônicas são técni- cas formais para organizar a informação de um modo que aumente sua probabilidade de ser lembrada. (Carney & Levin, 2003; Sprenger, 2007; Worthen & Hunt, 2011). Memória de trabalho Em vez de considerar a memória de curto prazo como uma estação intermediária indepen- dente na qual as memórias chegam, ou para desaparecer ou para serem repassadas para a memória de longo prazo, a maioria dos teóricos contemporâneos concebe a memória de curto prazo como muito mais ativa. Nessa visão, a memória de curto prazo é como um sis- tema de processamento de informações que gerencia tanto o novo material reunido da me- ensaio Repetição de informações que entraram na memória de curto prazo. © R oz C ha st /T he N ew Y or ke r C ol le ct io n/ w w w .c ar to on ba nk .c om COMO NÃO LEMBRAR NOMES Oi! Lembra de mim? Ok! Ele tem um nariz de botão. Isso rima com João. João Bosco. João Bosco é um cantor. Cantor rima com Pastor. Não... Pastor é estranho. Eu acho que é Nestor! Seu nome é Nestor! Não... não é Nestor... Feldman_06.indd 209Feldman_06.indd 209 26/11/14 14:1426/11/14 14:14 210 Capítulo 6 Memória mória sensorial como o material antigo puxado do armazenamento de longo prazo. Sob tal perspectiva cada vez mais influente,a memória de curto prazo é chamada de memória de trabalho e definida como um conjunto de armazenamentos temporários que manipulam e ensaiam as informações de maneira ativa (Bayliss et al., 2005a, 2005b; Unsworth & Engle, 2005; Vandierendonck & Szmalec, 2011). Considera-se que a memória de trabalho contém um processador executivo central que está envolvido no raciocínio e na tomada de decisão. O executivo central coordena três sistemas de armazenamento e ensaio distintos: o armazenamento visual, o armazenamento verbal e a memória episódica. O armazenamento visual é especializado em informações vi- suais e espaciais, ao passo que o armazenamento verbal contém e manipula material relativo a fala, palavras e números. A memória episódica contém informações que representam epi- sódios ou eventos (Rudner & Rönnberg, 2008; Baddeley, Allen, & Hitch, 2011; ver Fig. 4). A memória de trabalho permite-nos manter as informações em um estado ativo bre- vemente para que possamos fazer algo com a informação. Por exemplo, usamos a memória de trabalho quando estamos resolvendo mentalmente um problema aritmético de múltiplas etapas, armazenando o resultado de um cálculo enquanto nos preparamos para passar para a próxima etapa. (Faço uso de minha memória de trabalho quando calculo uma gorjeta de 20% em um restaurante primeiro calculando 10% da conta total e depois duplicando esse valor.) Embora a memória de trabalho auxilie na recordação de informações, ela consome uma quantidade significativa de recursos cognitivos durante sua operação. Logo, isso pode nos tornar menos conscientes do ambiente – algo que tem implicações como por que é inseguro usar telefones celulares enquanto estamos dirigindo. Se uma conversa telefôni- ca exige pensar, ela sobrecarregará a memória de trabalho e deixará os condutores menos conscientes de seu ambiente, uma circunstância obviamente perigosa (Sifrit, 2006; Strayer & Drews, 2007). Além disso, o estresse pode reduzir a eficácia da memória de trabalho por diminuir sua capacidade. Na verdade, um estudo constatou que os alunos com maior capacidade de memória de trabalho e maior habilidade matemática eram os mais vulneráveis à pressão para se desempenharem bem. Aqueles que deveriam desempenhar-se melhor, eram os mais propensos a perturbar-se na prova porque suas capacidades de memória de trabalho foram reduzidas pelo estresse (Carey, 2004; Beilock & Carr, 2005; Schweizer & Dalgleish, 2011). memória de trabalho Conjunto de armazenamentos temporários ativos que manipulam e ensaiam informações. Armazenamento verbal (fala, palavras, números) Memória episódica (episódios ou ocorrências) 362 512 153 24 cão gato Executivo central (coordena o material) Armazenamento visual (material visual e espacial) FIGURA 4 A memória de trabalho é um “espaço de trabalho” onde as informações são recupera- das e manipuladas, e mantidas por ensaio. (Fonte: Adaptada de Baddeley, Chincotta, & Adlam, 2001.) Feldman_06.indd 210Feldman_06.indd 210 26/11/14 14:1426/11/14 14:14 Módulo 18 Os Fundamentos da Memória 211 Memória de longo prazo O material que vai da memória de curto prazo para a memória de longo prazo entra em um depósito de capacidade quase ilimitada. Como um novo arquivo que salvamos em um disco rígido, a informação na memória de longo prazo é arquivada e codificada para que possamos acessá-la quando necessitarmos dela. As evidências da existência da memória de longo prazo, como distinta da memória de curto prazo, provêm de diversas fontes. Por exemplo, pessoas com certos tipos de lesões cerebrais não têm lembrança duradoura de novas informações recebidas depois que a lesão ocorreu, embora pessoas e eventos armazenados na memória antes da lesão permaneçam intactas (Milner, 1966). Uma vez que as informações que foram codificadas e armazenadas antes da lesão podem ser recordadas e a memória de curto prazo após a lesão parece ser operacional – novo material pode ser recordado por um período muito breve –, podemos inferir que existem dois tipos distintos de memória: uma para armazenamento de curto prazo e outro para armazenamento de longo prazo. Resultados de experimentos laboratoriais também são compatíveis com a noção de memória de curto e de longo prazo. Por exemplo, em um conjunto de estudos, pediu-se às pessoas que recordassem uma quantidade relativamente pequena de informações (tais como um conjunto de três letras). Depois, para impedir a prática da informação inicial, os participantes recitaram algum material irrelevante em voz alta, tal como contar de trás para a frente de três em três (Brown, 1958; Peterson & Peterson, 1959). Variando a quantidade de tempo entre a apresentação do material inicial e a necessidade de sua recordação, os inves- tigadores constataram que a recordação era muito boa quando o intervalo era muito curto, mas diminuía rapidamente depois disso. Decorridos 15 segundos, a recordação flutuou em torno de 10% do material apresentado inicialmente. Ao que parece, a distração de contar de trás para a frente impediu que quase todo o mate- rial inicial atingisse a memória de longo prazo. A recordação inicial foi boa porque ela estava vindo da memória de curto prazo, mas aquelas lembranças rapidamente se perderam. Por fim, tudo o que podia ser recordado era a pequena quantidade de material que tinha chegado ao armazenamento de longo prazo a despeito da distração de contar de trás para a frente. A distinção entre memória de curto prazo e de longo prazo também tem o respaldo do efeito de posição serial, em que a capacidade de recordar informações em uma lista depende de onde um item aparece na lista. Por exemplo, muitas vezes ocorre um efeito de primazia, em que itens apresentados anteriormente em uma lista são lembrados de modo mais fácil. Tam- bém existe um efeito de recentidade, em que os itens apresentados por último em uma lista são mais facilmente lembrados (Bonanni et al., 2007; Tan & Ward, 2008; Tydgat & Grainger, 2009). Módulos da memória de longo prazo Assim como a memória de curto prazo é com frequência conceitualizada em termos de memória de trabalho, muitos pesquisadores contemporâneos agora consideram a memória de longo prazo como formada por diversos componentes ou módulos de memória. Cada um desses módulos representa um sistema de memória separada no cérebro. A principal distinção referente à memória de longo prazo ocorre entre a memória de- clarativa e a memória processual. Memória declarativa é aquela para informações factuais: nomes, rostos, datas e fatos como “uma bicicleta tem duas rodas”. Memória processual (ou memória não declarativa) refere-se à memória para habilidades e hábitos, como andar de bicicleta ou rebater uma bola. Informações sobre coisas são armazenadas na memória de- clarativa; informações sobre como fazer as coisas são armazenadas na memória processual (Brown & Robertson, 2007; Bauer, 2008; Freedberg, 2011). A memória declarativa pode ser subdividida em memória semântica e memória episó- dica. Memória semântica é aquela para conhecimentos e fatos gerais sobre o mundo, bem como para as regras de lógica que são usadas para deduzir outros fatos. Graças à memória semântica, lembramos que o código postal de Bervely Hills é 90210, que Mumbai fica no PsicoTec Estudos mostram que, quando nos defrontamos com questões e materiais complicados, somos propensos a pensar em computadores e mecanismos de busca como o Google. De acordo com o efeito Google, somos menos propensos a armazenar as informações na memória de curto prazo e a recordá-las, mas temos uma memória melhor para onde podemos encontrá-las na internet. (Fonte: Sparrow, Liu, & Wegner, 2011). memória declarativa Memória para informações factuais: nomes, rostos, datas e fatos. memória processual Memória para habilidades e hábitos, como andar de bicicleta ou rebater uma bola; às vezes, é chamada de memória não declarativa. memória semântica Memória para conhecimento geral e fatossobre o mundo, bem como para as regras de lógica que são usadas para deduzir outros fatos. Feldman_06.indd 211Feldman_06.indd 211 26/11/14 14:1426/11/14 14:14 212 Capítulo 6 Memória Mar Árabe e que enchergar é a ortografia incorreta de enxergar. Assim, a memória semânti- ca assemelha-se a um almanaque mental dos fatos (Nyberg & Tulving, 1996; Tulving, 2002). Memória episódica é aquela para eventos que ocorrem em determinado tempo, lugar ou contexto. Por exemplo, recordar de aprender a rebater uma bola, nosso primeiro beijo, ou organizar uma festa-surpresa no aniversário de 21 anos de nosso irmão baseia-se em nossas memórias episódicas. Memórias episódicas estão relacionadas a contextos particula- res. Por exemplo, lembrar-se quando e como aprendemos que 2 × 2 = 4 seria uma memória episódica; o fato em si (que 2 × 2 = 4) é uma memória semântica. (Ver também Fig. 5.) As memórias episódicas podem ser surpreendentemente detalhadas. Considere, por exemplo, como você responderia se lhe pedissem para identificar o que estava fazendo em um dia específico dois anos atrás. Impossível? Talvez você pense de outra forma depois de ler o seguinte diálogo entre um pesquisador e um participante em um estudo a quem se perguntou, em um experimento sobre memória, o que ele estava fazendo “na tarde de segunda-feira na terceira semana de setembro de dois anos atrás”. PARTICIPANTE: Por favor. Como é que eu vou saber? EXPERIMENTADOR: Apenas tente se lembrar. PARTICIPANTE: Certo. Vamos ver: dois anos atrás... Eu estaria no ensino médio em Pittsburgh.... Seria o meu ano de conclusão. Terceira semana de setembro – isso é logo depois do verão – seria o semestre do outono... Deixe-me ver. Acho que eu tinha aula de química nas segundas-feiras. Não sei. Eu provavelmente estava no laboratório de química. Espere um pouco – essa seria a segunda semana de aulas. Lembro-me que o professor começou com a tabela periódica – um quadro grande sofisticado. Pensei que ele estava louco tentando nos fazer memorizar aquilo. Sabe, lembro-me de estar senta- do... (Lindsay & Norman, 1977). A memória episódica, então, pode prover informações sobre eventos que aconteceram há muito tempo. Contudo, a memória semântica não é menos impressionante, permitindo- -nos desencavar milhares de fatos, desde a data de nosso aniversário até o conhecimento de que um dólar é menos que cinco dólares. Redes semânticas Tente, por um instante, recordar todas as coisas de cor vermelha que puder. Agora, puxe de sua memória os nomes de todas as frutas que você conseguir lembrar. memória episódica Memória para eventos que ocorrem em determinado tempo, lugar ou contexto. PsicoTec Use a Figura 5 para ajudar a esclarecer as distinções entre os diferentes tipos de memória de longo prazo. FIGURA 5 A memória de longo prazo pode ser subdividida em vários ti- pos diferentes. Que tipo de memória de longo pra- zo está envolvido em sua recordação do momento em que pisou pela primei- ra vez no campus quando entrou na faculdade? Que tipo de memória de longo prazo está envolvida em lembrar a letra de uma música, comparada com a melodia de uma música? Memória de longo prazo Memória declarativa (informação factual) Exemplo: George Washington foi o primeiro presidente dos Estados Unidos. Memória processual (habilidades e hábitos) Exemplo: Andar de bicicleta. Memória semântica (memória geral) Exemplo: George Washington usava peruca. Memória episódica (conhecimento pessoal) Exemplo: Lembrar-se de sua visita à casa de Washington em Mount Vernon. Feldman_06.indd 212Feldman_06.indd 212 26/11/14 14:1426/11/14 14:14 Módulo 18 Os Fundamentos da Memória 213 O mesmo item aparece quando você fez as duas tarefas? Para muitas pessoas, uma maçã vêm à mente em ambos os casos porque ela se encaixa perfeitamente nas duas categorias. E o fato de que você possa ter pensado em uma maçã ao fazer a primeira tarefa torna ainda mais provável que você pensará nela ao fazer a segunda tarefa. É realmente incrível que somos capazes de recuperar material específico da vasta reser- va de informações em nossas memórias de longo prazo. De acordo com alguns pesquisa- dores da memória, uma ferramenta organizacional fundamental que nos permite recordar informações detalhadas da memória de longo prazo são as associações que construímos entre diferentes informações. Nessa visão, o conhecimento é armazenado em redes semân- ticas, representações mentais de aglomerados de informações interconectadas (Collins & Quillian, 1969; Collins & Loftus, 1975; Cummings, Ceponiene, & Koyama, 2006). Considere, por exemplo, a Figura 6, que mostra algumas das relações na memória re- lacionadas a carro de bombeiros, à cor vermelha e a diversos outros conceitos semânticos. Pensar a respeito de determinado conceito leva à recordação de conceitos relacionados. Por exemplo, ver um carro de bombeiros pode ativar nossas recordações de outros tipos de veí- culos de emergência, tais como uma ambulância, o que por sua vez pode ativar a recordação do conceito relacionado de veículo. E pensar em um veículo pode levar-nos a pensar sobre um ônibus que vimos no passado. A ativação de uma memória desencadeia a ativação de memórias relacionadas em um processo conhecido como ativação por propagação (Foster et al., 2008; Kreher et al., 2008). A neurociência da memória Podemos determinar a localização exata no cérebro onde residem as memórias de longo prazo? Existe um único local que corresponde a uma memória particular, ou a memória se distribui em diferentes regiões do cérebro? As memórias deixam um traço físico que os cientistas podem ver? redes semânticas Representações mentais de aglomerados de informações interconectadas. Verde Laranja Amarelo Vermelho Rosa Carro de bombeiros Caminhão Ônibus Veículo Rua Carro Ambu- lância Nascer do sol Pôr do sol Nuvem Cereja Maçã Pera FIGURA 6 As redes semânticas consistem em relações entre informações, tais como aquelas relacionadas ao conceito de um carro de bombeiros. As linhas sugerem as conexões que indicam como a informação é organizada na memória. Quanto mais próximos os itens, maior a força da associação. (Fonte: Collins & Loftus, 1975.) Feldman_06.indd 213Feldman_06.indd 213 26/11/14 14:1426/11/14 14:14 214 Capítulo 6 Memória A busca pelo engrama, termo que designa o traço físico da memória no cérebro que corresponde a uma lembrança, provou ser um grande enigma para os psicólogos e outros neurocientistas interessados pela memória. Usando técnicas de varredura cerebral avan- çadas em seus esforços para determinar a base neurocientífica da formação da memória, os investigadores aprenderam que certas áreas e estruturas do cérebro especializam-se em diferentes tipos de atividades relacionadas à memória. O hipocampo, que faz parte do sis- tema límbico do cérebro (ver Fig. 7), desempenha um papel central na consolidação das memórias. Localizado nos lobos temporais mediais do cérebro, logo atrás dos olhos, o hipo- campo auxilia na codificação inicial da informação, atuando como um tipo de sistema de correio eletrônico neurológico. Essa informação é subsequentemente repassada ao córtex cerebral, onde ela é, de fato, armazenada (J. Peters et al., 2007; Lavenex & Lavenex, 2009; Dudai, 2011). A importância do hipocampo é exemplificada por estudos de indivíduos que têm tipos particularmente bons, ainda que especializados, de memória. Por exemplo, os motoristas de táxi em Londres, na Inglaterra, precisam ter uma memória completa e precisa da localização do labirinto de ruas e vielas em um raio de nove quilômetros a partir do centro da cidade. São necessários anos de estudo para memorizar o material. Imagens de ressonância mag- nética dos motoristas de táxi mostram que, em relação a não motoristas com menos habili- dades de orientação, a parte posterior do hipocampo é maior, enquanto a anterior é menor. As descobertas coadunam-se com a ideia de que determinadasáreas do hipocampo estão envolvidas na consolidação de memórias espaciais (ver Fig. 8 em A Neurociência em sua Vida; Maguire, Woollett, & Spiers, 2006; Spiers & Maguire, 2007; Woollett & Maguire, 2009). A amígdala, outro componente do sistema límbico, também desempenha um papel im- portante na memória. A amígdala atua especialmente em memórias que envolvem emoção. Por exemplo, se você se assustou com um grande dobermann, é provável que você se lembre do evento de maneira nítida – um resultado relacionado ao funcionamento da amígdala. Encontrar um dobermann ou qualquer cachorro grande no futuro tende a reativar a amíg- dala e trazer à tona lembrança desagradável (Hamann, 2001; Buchanan & Adolphs, 2004; Talmi et al., 2008). Memória no nível dos neurônios. Embora esteja claro que o hipocampo e a amígdala desempenham um papel central na formação de memórias, como a transformação das in- formações em uma lembrança se reflete no nível neuronal? Uma resposta é a potencialização de longo prazo, que mostra que certas rotas neurais tornam-se facilmente excitadas enquanto uma nova resposta está sendo aprendida. Ao mesmo tempo, o número de sinapses entre neurônios aumenta à medida que os dendritos ramificam-se para receber mensagens. Essas alterações refletem um processo chamado de consolidação, em que as mensagens tornam-se fixas e estáveis na memória de longo prazo. FIGURA 7 O hipocampo e a amígdala, componen- tes do sistema límbico do cérebro, desempenham um papel central na con- solidação das memórias. (Fonte: Van De Graaff, 2000.) Amígdala Hipocampo Feldman_06.indd 214Feldman_06.indd 214 26/11/14 14:1426/11/14 14:14 Módulo 18 Os Fundamentos da Memória 215 As memórias de longo prazo levam algum tempo para se estabilizar; isso explica por que eventos e outros estímulos não se fixam subitamente na memória. Em vez disso, a conso- lidação pode continuar durante dias e até mesmo anos (McGaugh, 2003; Meeter & Murre, 2004; Kawashima, Izaki, & Grace, 2006). Visto que um estímulo contém aspectos sensoriais diferentes, as áreas visuais, audi- tivas e outras zonas cerebrais podem estar simultaneamente processando as informações sobre aquele estímulo. O armazenamento de informações parece ligado aos locais onde esse processamento ocorre, estando, portanto, situado nas áreas particulares que inicialmente processaram a informação em termos de seus estímulos sensoriais visuais, auditivos ou de outro tipo. Por isso, os traços de memória encontram-se distribuídos por todo o cérebro. Por exemplo, quando você se lembra de um lindo pôr do sol, sua recordação utiliza arma- zéns de memória localizados nas áreas visuais do cérebro (a visão do pôr do sol), nas áreas auditivas (os sons do oceano) e nas áreas táteis (a sensação do vento) (Brewer et al., 1998; Squire, Clark, & Bayley, 2004). Em suma, o material físico da memória – o engrama – é produzido por um complexo de processos bioquímicos e neurais. Os cientistas estão começando a compreender como o cérebro compila os componentes neurais para formar uma lembrança única coerente. Pode ser que os mesmos neurônios que disparam quando somos inicialmente expostos ao material sejam reativados durante esforços para recordar aquela informação. Contudo, em- bora os pesquisadores da memória tenham feito consideráveis avanços na compreensão da neurociência por trás da memória, há mais a aprender – e lembrar (Gelbard-Sagiv et al., 2008). (Para saber mais sobre a base biológica da memória, ver Aplicando a Psicologia no Século XXI.) A Neurociência em sua Vida: Experiência, memória e cérebro Hipocampo posterior (HP) (a) D Hipocampo anterior (HA) (b) FIGURA 8 Ilustrando como a experiên- cia pode moldar o modo como nosso cére- bro processa as memórias, essas imagens de ressonância magnética funcional (IRMf ) mostram como o número de anos dirigin- do um táxi está relacionado ao tamanho de áreas particulares do hipocampo, tornando os participantes experts em memória es- pacial e orientação. Em (a), vemos áreas do hipocampo posterior (atrás) que aumentam de atividade (em branco) com o número de anos dirigindo um táxi. Em (b), vemos áreas do hipocampo anterior (frente) que apresen- tam atividade reduzida (também em branco) depois de muitos anos dirigindo um táxi e a relação retratada graficamente. As alterações nas áreas ativadas durante tarefas de memó- ria mostram como a prática pode moldar o cérebro e como isso nos permite desenvol- ver habilidades especializadas, tais como memória para localizações espaciais. (Fonte: Maguire et al., 2006.) Feldman_06.indd 215Feldman_06.indd 215 26/11/14 14:1426/11/14 14:14 216 Capítulo 6 Memória Aplicando a Psicologia no Século XXI Memória de um frasco Se você pudesse tomar uma pílula que melhorasse seu funcionamento mental, você a tomaria? Talvez se você tivesse de virar a noite estudando para uma prova di- fícil no dia seguinte e só precisasse de um pouco de ajuda para manter a concentra- ção? Todavia, isso seria justo com os outros estudantes que não usaram estimulação ar- tificial para se preparar? E quais seriam os efeitos colaterais e consequências a longo prazo de usar uma substância desse tipo? Essas são perguntas polêmicas, que os es- pecialistas em ética médica também con- frontam. A ideia de receber um incentivo cognitivo de uma “droga da inteligência” é certamente muito popular, e existem medicamentos para tratar o enfraqueci- mento mental associado a certos distúrbios neurológicos. Por exemplo, o metilfenidato (também conhecido como Ritalina) ajuda a crianças com transtorno de déficit de aten- ção/hiperatividade (TDAH) a recuperar sua concentração, o modafinil melhora a pron- tidão de pessoas com sonolência excessiva e o donepezil é usado para ajudar pessoas com doença de Alzheimer a aprimorar sua memória (Stix, 2009; Sahakian & Morein- -Zamir, 2011). Contudo, existem muitas preocupa- ções em relação ao uso desses medicamen- tos. Nem todas as pessoas reagem da mesma forma, e em algumas pessoas esses medica- mentos podem produzir o efeito oposto ao pretendido. O que é pior, elas têm efeitos co- laterais, que podem incluir desenvolvimento de dependência, complicações cardiovascu- lares, convulsões e erupções cutâneas (Gre- ely et al., 2008). Também existe a questão de se essas substâncias realmente fazem o que as pes- soas pensam que elas fazem. Uma coisa é restituir alguma prontidão a uma pessoa cronicamente fatigada que deve realizar tarefas repetitivas maçantes no trabalho; outra é ajudar uma pessoa a aprender cál- culo avançado. Os medicamentos visam a corrigir enfraquecimentos, não prover au- mento da capacidade a pessoas com pleno funcionamento. E, mesmo entre pessoas com enfraquecimentos, os efeitos desses agentes podem ser menos significativos do que se costuma pensar; por exemplo, anfe- taminas usadas para melhorar o foco fazem os pacientes acharem que estão tendo me- lhor desempenho, mas isso pode dever-se mais aos efeitos de melhora no humor do que a incrementos reais na performance (Rasmussen, 2008; Stix, 2009). Por fim, existe a importante questão referente ao que essas substâncias estão fazendo no cérebro. Em alguns casos, os cientistas não sabem ao certo. Por exem- plo, metilfenidato e modafinil agem no neurotransmissor dopamina, mas não está claro qual é o mecanismo exato que pro- duz seus efeitos. Alterar a neuroquímica cerebral, então, especialmente quando os efeitos de curto e longo prazo das “drogas da inteligência” não são compreendidos por completo, não parece uma atitude particularmente inteligente. Por enquanto, as melhores maneiras de aumentar nossa acuidade mental continuam sendo as tra- dicionais: estudo, prática e repouso sufi- ciente. R E P E N S E • Como você explicaria os inconvenientes de usar substâncias que alteram a química cere- bral para melhorar o desempenho a um amigo que deseja experimentá-las? • Você concorda que os riscos de usar medicamentos neurológicos para melhorado desem- penho em pessoas saudáveis não valem os potenciais benefícios? Justifique sua resposta. Alguns estudantes estão usando certos medicamentos para melhorar sua capa- cidade mental, mas tal uso pode custar- -lhes caro devido às complicações dos efeitos colaterais e ao potencial para dependência. Feldman_06.indd 216Feldman_06.indd 216 26/11/14 14:1426/11/14 14:14 Módulo 18 Os Fundamentos da Memória 217 Recapitule/avalie/repense Recapitule RA 18-1 O que é memória? • Memória é o processo pelo qual codificamos, armazena- mos e recuperamos informações. RA 18-2 Existem diferentes tipos de memória? • A memória sensorial, que corresponde a cada um dos sistemas sensoriais, é o primeiro local onde a informação é salva. As memórias sensoriais são muito breves, mas elas são precisas, armazenando uma réplica quase perfei- ta de um estímulo. • Aproximadamente sete (com dois a mais ou menos) agrupamentos de informação podem ser transferidos e mantidos na memória de curto prazo. A informação na memória de curto prazo é mantida durante 15 a 25 se- gundos e, se não transferida para a memória de longo prazo, perde-se. • As memórias são transferidas para o armazenamento de longo prazo por ensaio. Se as memórias são transferidas para a memória de longo prazo, elas se tornam relativa- mente permanentes. • Alguns teóricos veem a memória de curto prazo como uma memória de trabalho em que a informação é re- cuperada e manipulada e mantida por meio de ensaio. Nessa visão, ela é um processador executivo central en- volvido no raciocínio e na tomada de decisão; ela coor- dena a memória visual, a memória verbal e a memória esporádica. • A memória de longo prazo pode ser vista em termos de módulos de memória, cada um dos quais relacionado a sistemas de memória separados no cérebro. Por exemplo, podemos distinguir entre memória declarativa e memó- ria processual. A memória declarativa é subdividida em memória episódica e memória semântica. • Redes semânticas sugerem que o conhecimento é arma- zenado na memória de longo prazo como representações mentais de aglomerados de informações interconec- tadas. RA 18-3 Quais são as bases biológicas da memória? • O hipocampo e a amígdala são especialmente importan- tes no estabelecimento da memória. • As memórias encontram-se distribuídas por todo o cé- rebro, relacionadas aos diferentes sistemas de processa- mento de informações sensoriais envolvidos durante a exposição inicial a um estímulo. Avalie 1. Combine o tipo de memória com sua definição: 1. memória de longo prazo 2. memória de curto prazo 3. memória sensorial a. mantém a informação durante 15 a 25 segun- dos b. armazena informações de uma forma relativa- mente permanente c. dirige a representação de um estímulo 2. Um __________ é um grupo significativo de estímulos que podem ser armazenados juntos na memória de curto prazo. 3. Parecem existir dois tipos de memória declarativa: me- mória __________ para conhecimentos e fatos e memó- ria ____________ para experiências pessoais. 4. Alguns pesquisadores da memória acreditam que a me- mória de longo prazo é armazenada como associações entre informações em redes ___________. Repense 1. É uma obviedade que “a gente nunca esquece como an- dar de bicicleta”. Qual seria a razão para isso? Em que tipo de memória fica armazenada a informação sobre andar de bicicleta? 2. Da perspectiva de um especialista em marketing: Como os publicitários e outros profissionais usam modos de aumentar a memória para promover seus produtos? Quais princípios éticos estão envolvidos? Como se pro- teger da publicidade antiética? Respostas das questões de avaliação 1. 1-b, 2-a, 3-c; 2. agrupamento; 3. semântica, episódica; 4. semânticas Termos-chave memória p. 205 memória sensorial p. 206 memória de curto prazo p. 206 memória de longo prazo p. 206 agrupamento p. 208 ensaio p. 209 memória de trabalho p. 210 memória declarativa p. 211 memória processual p. 211 memória semântica p. 211 memória episódica p. 212 redes semânticas p. 213 Feldman_06.indd 217Feldman_06.indd 217 26/11/14 14:1426/11/14 14:14 Uma hora depois de sua entrevista, Ricardo estava em um café contando a sua amiga Laura so- bre como havia se saído bem, quando a mulher que o tinha entrevistado entrou. “Olá, Ricardo? Como vai?”. Tentando causar uma boa impressão, Ricardo começou a fazer as apresentações, mas de repente ele se deu conta de que se esquecera do nome da entrevistadora. Gaguejando, ele vasculhou sua memória, mas foi em vão. “Sei o nome dela”, pensou consigo mesmo, “mas aqui estou, parecendo um idiota. Posso dar adeus a esse emprego.” Você já tentou lembrar o nome de alguém, convencido de que o sabia, mas era incapaz de recordá-lo por mais que tentasse? Essa ocorrência comum – conhecida como fenômeno da ponta da língua – é um exemplo de como pode ser difícil recuperar informações arma- zenadas na memória de longo prazo (Brennen, Vikan, & Dybdahl, 2007; Schwartz, 2002, 2008; Schwartz & Metcalfe, 2011). Pistas de recuperação Talvez a recordação de nomes e outras memórias não seja perfeita porque existem muitas informações armazenadas na memória de longo prazo. Uma vez que o material que vai para a memória de longo prazo é relativamente permanente, a capacidade da memória de longo prazo é imensa. Por exemplo, se você é um estudante universitário mediano, seu vocabulário inclui cerca de 50 mil palavras, você conhece centenas de “fatos” matemáticos e é capaz de evocar imagens – tais como a aparência de sua casa de infância – sem qualquer dificuldade. Na verdade, a simples catalogação de suas memórias provavelmente levaria anos de trabalho. Como examinamos essa ampla variedade de materiais e recuperamos informações es- pecíficas no momento adequado? Uma forma é por meio de pistas de recuperação. Uma pista de recuperação é um estímulo que nos permite recordar mais facilmente informações que se encontram na memória de longo prazo. Pode ser uma palavra, uma emoção ou um som: seja qual for a sugestão específica, uma memória subitamente virá à mente quando a pista de recuperação estiver presente. Por exemplo, o odor de peru assado pode evocar memórias do Ano-Novo ou de reu- niões familiares. As pistas de recuperação orientam as pessoas por meio de informações armazenadas na memória de longo prazo de uma forma muito parecida com que uma ferramenta de busca como o Google orienta as pessoas na internet. Elas são especialmente importantes quando estamos fazendo um esforço para recordar uma informação, em lugar de ser solicitado a reconhecer material armazenado na memória. Na recordação, uma informação es- pecífica precisa ser recuperada – tal como aquela necessária para responder a uma questão de preenchimento de lacunas ou para escrever a uma redação em uma prova. Em contrapartida, ocorre reconhecimento quando apresentamos um estímulo às pessoas e então perguntamos se elas foram expostas a ele anteriormente ou pedimos que o identifiquem em uma lista de alternativas. Como você poderia imaginar, o reconhecimento geralmen- te é uma tarefa muito mais fácil do que a recordação (ver Figs. 1 fenômeno da ponta da língua Incapacidade de recordar informação que percebemos que sabemos – uma consequência da dificuldade de recuperar informações da memória de longo prazo. recordação Tarefa da memória pela qual informação específica deve ser recuperada. reconhecimento Tarefa da memória pela qual indivíduos são apresentados a um estímulo e são perguntados se foram expostos ao mesmo no passado ou devem identificá-lo em uma lista de alternativas. Resultado de Aprendizagem RA 19-1 O que causa dificuldades e déficits de memória? Recordando Memórias de Longo Prazo MÓDULO 19 FIGURA 1 Tente recordar os nomes destes persona- gens. Por ser uma tarefa de recordação, ela é relativamen- te difícil. Feldman_06.indd 218Feldman_06.indd 218 26/11/14 14:1426/11/14 14:14 Módulo 19 Recordando Memóriasde Longo Prazo 219 e 2). Recordar é mais difícil porque consiste em uma série de processos: busca na memória, recuperação de informação potencialmente relevante e depois uma decisão relativa à preci- são da informação encontrada. Se a informação parece estar correta, a busca acaba; porém, se não estiver, a busca deve continuar. O reconhecimento, por sua vez, é mais simples porque envolve menos etapas (Miserando, 1991; Leigh, Zinkhan, & Swaminathan, 2006). Níveis de processamento Um determinante do quão favoravelmente as memórias são recordadas é o modo como o material é percebido, processado e compreendido pela primeira vez. A teoria dos níveis de processamento enfatiza o grau em que o novo material é mentalmente analisado. Ela propõe que a quantidade de processamento de informação que ocorre quando o material é inicialmente encontrado é essencial para determinar quanto da informação é por fim re- cordada. De acordo com essa abordagem, a profundidade do processamento da informação durante a exposição ao material – ou seja, o grau em que ela é analisada e considerada – é crucial: quanto maior a intensidade de seu processamento inicial, maior a probabilidade de nos lembrarmos dela (Craik & Lockhart, 2008; Mungan, Peynircioğlu, & Halpern, 2011). Por não prestarmos atenção à grande parte das informações às quais somos expostos, ocorre muito pouco processamento mental, e esquecemos o novo material quase imediata- mente. Contudo, a informação à qual prestamos mais atenção é processada de forma mais detalhada. Portanto, ela entra na memória em um nível mais profundo – sendo menos pro- pensa a ser esquecida do que a informação processada em níveis mais superficiais. A teoria prossegue para afirmar que existem diferenças consideráveis nos modos como a informação é processada em diversos níveis da memória. Em níveis superficiais, a infor- mação é processada apenas em termos de seus aspectos físicos e sensoriais. Por exemplo, prestamos atenção somente às formas que compõem as letras na palavra cão. Em um nível intermediário de processamento, as formas são traduzidas em unidades significativas – nes- se caso, letras do alfabeto. Essas letras são consideradas no contexto de palavras, e sons fonéticos específicos podem ser atribuídos às letras. No nível mais profundo de processamento, a informação é analisada em termos de seu significado. Podemos vê-la em seu contexto mais amplo e fazer associações entre o significado da informação e as redes de conhecimento mais amplas. Por exemplo, podemos pensar em cães não apenas como animais com quatro pernas e um rabo, mas também em termos de sua relação com cães e outros mamíferos. Podemos formar uma imagem de nos- so cão, relacionando, assim, o conceito a nossa vida. De acordo com a abordagem de níveis de processamento, quanto mais profundo for o nível inicial de processamento de informa- ção específica, por mais tempo a informação será retida. Existem diversas implicações práticas da noção de que recordar depende do grau em que a informação é inicialmente processada. Por exemplo, a profundidade do processamen- to de informação é crucial ao aprender e estudar algum material didático. Decorar uma lista de palavras-chave para uma prova tem pouca chance de produzir recordação de infor- PsicoTec Lembre-se da distinção entre recordação (em que uma informação específica deve ser recuperada) e reconhecimento (em que a informação é apresentada e deve ser identificada ou distinguida de outro material). teoria dos níveis de processamento Teoria da memória que enfatiza o grau em que um novo material é mentalmente analisado. FIGURA 2 Nomear os personagens na Figura 1 (uma tarefa de recorda- ção) é mais difícil do que resolver o problema de reconhecimento proposto nesta lista. Responda a esta pergunta de reconhecimento: Quais dos seguintes são os nomes dos sete anões na história da Branca de Neve? Pateta Soneca Esperto Medroso Dunga Zangado Ruidoso Dengoso Mesquinho Mestre Feliz Raivoso Atchim Biruta (As respostas corretas são Dengoso, Mestre, Dunga, Zangado, Feliz, Soneca e Atchim.) Feldman_06.indd 219Feldman_06.indd 219 26/11/14 14:1426/11/14 14:14 220 Capítulo 6 Memória mações a longo prazo porque o processamento ocorre em um nível superficial. Contudo, o pensamento sobre o significado dos termos e a reflexão sobre como eles se relacionam com a informação que já sabemos resulta em uma retenção mais efetiva a longo prazo (Conway, 2002; Wenzel, Zetocha, & Ferraro, 2007). Memória explícita e implícita Se você já fez uma cirurgia, provavelmente esperava que os cirurgiões estivessem concentra- dos nela por completo e dessem atenção total a você enquanto cortavam seu corpo. Porém, a realidade da maioria das salas de cirurgia é muito diferente. Os cirurgiões podem ficar conversando com as enfermeiras sobre um novo restaurante enquanto costuram o paciente. Se você é como a maioria dos pacientes, não guarda qualquer lembrança da conversa que ocorreu enquanto estava sob o efeito da anestesia. Contudo, é bem possível que, apesar de não ter lembranças conscientes das conversas sobre os méritos do restaurante, em algum nível você provavelmente se recorde ao menos de alguma informação. Na verdade, estudos meticulosos constataram que pessoas que ficam anestesiadas durante uma cirurgia às vezes são capazes de se lembrar de fragmentos das conversas que ouviram durante a operação – muito embora não tenham lembrança consciente da informação (Kihlstrom et al., 1990; Sebel, Bonke, & Winograd, 1993). A descoberta de que as pessoas têm memórias das quais não têm consciência foi impor- tante. Ela levou à especulação de que duas formas de memória, explícita e implícita, podem existir lado a lado. A memória explícita refere-se à recordação intencional ou consciente da informação. Quando tentamos lembrar o nome ou a data de algo que encontramos ou soubemos anteriormente, estamos pesquisando nossa memória explícita. Por sua vez, a memória implícita refere-se às memórias das quais as pessoas não têm consciência, mas que podem afetar o desempenho e o comportamento posterior. Habilida- des que operam automaticamente e sem pensar, tais como saltar fora da rota de um automó- vel que vem em nossa direção enquanto estamos caminhando na lateral de uma rua, ficam armazenadas na memória implícita. Da mesma forma, um sentimento de vaga antipatia por um conhecido, sem saber por que temos aquele sentimento, pode ser reflexo de memórias implícitas. Talvez a pessoa faça-nos lembrar de outra pessoa no passado de que não gostá- vamos, ainda que não estejamos conscientes da lembrança daquela outra pessoa (Coates, Butler, & Berry, 2006; Voss & Paller, 2008; Gopie, Craik, & Hasher, 2011). A memória implícita está intimamente relacionada com o preconceito e a discrimina- ção que as pessoas exibem frente a membros de grupos minoritários. Como inicialmente discutimos no módulo sobre realização de pesquisa psicológica, embora as pessoas digam e até acreditem que não têm preconceito, uma avaliação de suas memórias implícitas pode re- velar que elas apresentam associações negativas sobre os membros de grupos minoritários. Essas associações podem influenciar o comportamento das pessoas sem que elas tenham consciência de suas crenças subjacentes (Greenwald, Nosek, & Banaji, 2003; Greenwald, Nosek, & Sriram, 2006; Hofmann et al., 2008). Uma maneira de os especialistas em memória estudarem a memória implícita é por meio de experimentos que usam priming. Priming (preparação) é um fenômeno em que a exposição a uma palavra ou a um conceito (chamado de prime) posteriormente facilita a recordação de informação relacionada. Efeitos do priming ocorrem mesmo quando as pes- soas não têm memória consciente da palavra ou do conceito original (Toth & Daniels, 2002; Schacter, Dobbins, & Schnyer, 2004; Geyer, Gokce, & Müller, 2011). O experimento típico destinado a ilustrar o priming ajuda a esclarecer o fenômeno. Nos experimentos de priming,os participantes são rapidamente expostos a um estímulo, como, por exemplo, uma palavra, um objeto ou o desenho de um rosto. A segunda fase do experimento é feita após um intervalo que varia de alguns segundos a vários meses. Nessa fase, os participantes são expostos a uma informação perceptual incompleta relacionada ao primeiro estímulo, sendo indagados se o reconhecem. Por exemplo, o novo material pode memória explícita Recordação intencional ou consciente da informação. memória implícita Lembranças das quais as pessoas não têm consciência, mas que podem afetar o desempenho e o comportamento posterior. priming Fenômeno em que a exposição a uma palavra ou a um conceito (chamado de prime) posteriormente facilita a recordação de informação relacionada, mesmo não havendo memória consciente da palavra ou do conceito. Feldman_06.indd 220Feldman_06.indd 220 26/11/14 14:1426/11/14 14:14 Módulo 19 Recordando Memórias de Longo Prazo 221 ser a primeira letra de uma palavra que tinha sido anteriormente apresentada ou uma parte de um rosto que havia sido exibido antes. Se os participantes são capazes de identificar o estímulo mais rapidamente do que reconhecem estímulos que não foram apresentados anteriormente, o priming ocorreu. É evidente que o estímulo anterior foi lembrado – ainda que o material resida na memória implícita, e não na memória explícita. O mesmo acontece conosco na vida cotidiana. Vamos supor que vários meses atrás você assistiu a um documentário sobre os planetas, e o narrador descreveu as luas de Marte, concentrando-se em sua lua chamada Fobos. Você logo se esquece do nome da Lua, ao me- nos conscientemente. Então, alguns meses depois, você está completando palavras cruzadas semipreenchidas, e há as letras obos. Assim que vê o conjunto de letras, você pensa em Fobos e subitamente se recorda pela primeira vez desde sua exposição inicial à informação de que ela é uma das luas de Marte. A súbita recordação ocorreu porque sua memória foi “preparada” pelas letras obos. Em síntese, quando uma informação que somos incapazes de recordar conscientemente influencia nosso comportamento, a memória implícita está em ação. Nosso comportamento pode ser influenciado por experiências das quais não estamos conscientes – um exemplo do que foi chamado de “retenção sem lembrança” (Horton et al., 2005). Memórias instantâneas Você se lembra de onde estava no dia 11 de setembro de 2001? Talvez você se recorde de sua localização e de diversos outros detalhes que ocorre- ram quando soube dos ataques terroristas nos Estados Unidos, ainda que o incidente tenha ocorrido há mais de treze anos. Sua capacidade de se lembrar de detalhes sobre esse evento fatal ilustra um fenômeno conhecido como memória instantânea. Memórias instantâneas são aquelas relacionadas a um evento específico importante ou surpreendente que são re- cordadas com facilidade e imagens vívidas. Diversos tipos de memórias instantâneas são comuns entre estudantes universitários. Por exemplo, o envolvimento em um acidente de automóvel, o encontro com seu colega de quarto pela primeira vez e a noite da formatura no ensino médio são memórias instantâneas típicas (Romeu, 2006; Bohn & Berntsen, 2007; Talarico, 2009; ver Fig. 3, p. 222). Evidentemente, as memórias instantâneas não contêm todos os detalhes de uma cena original. Lembro-me claramente de que há mais de quatro décadas eu estava assistindo à aula de geometria do professor Sharp, na sexta série, quando soube que o presidente John Kennedy havia sido baleado. Contudo, embora me recorde de onde estava sentado e de como meus colegas reagiram à notícia, não me lembro do que estava vestindo ou do que tinha almoçado naquele dia. Além disso, os detalhes recordados em memórias instantâneas são com frequência im- precisos, sobretudo quando envolvem eventos altamente emotivos. Por exemplo, quem tem idade suficiente para lembrar-se do dia em que o World Trade Center em Nova York foi atacado por terroristas geralmente se recorda de assistir à televisão naquela manhã e ver as imagens do primeiro avião, e depois do segundo avião, batendo nas torres. Porém, tal recor- dação está errada: na verdade, as transmissões pela televisão mostraram imagens somente do segundo avião em 11 de setembro. Nenhum vídeo do primeiro avião estava disponível até o início da manhã seguinte, 12 de setembro, quando então isso foi exibido na televisão (Begley, 2002; Schaefer, Halldorson, & Dizon-Reynante, 2011). Memórias instantâneas ilustram um fenômeno mais geral sobre a memória: memórias excepcionais são mais facilmente recuperadas (embora não necessariamente com precisão) do que aquelas relacionadas a eventos mais comuns. Quanto mais distintivo um estímulo e quanto mais relevância pessoal o evento tem, maior a probabilidade de recordá-lo poste- riormente (Shapiro, 2006; Talarico & Rubin, 2007; Schaefer et al., 2011). Todavia, mesmo com um estímulo distintivo, podemos não nos lembrar de onde veio a informação. A amnésia de fonte ocorre quando um indivíduo tem uma lembrança para memórias instantâneas Memórias relacionadas a um evento específico importante ou surpreendente que são recordadas com facilidade e imagens vívidas. Feldman_06.indd 221Feldman_06.indd 221 26/11/14 14:1426/11/14 14:14 222 Capítulo 6 Memória algum material, mas não consegue recordar de onde. Por exemplo, a amnésia de fonte pode explicar situações em que você encontra alguém que conhece, mas não consegue lembrar onde conheceu aquela pessoa. Da mesma forma, nossa motivação para lembrar algum material quando somos inicial- mente expostos a ele afeta nossa capacidade de recordá-lo. Se soubermos que vamos preci- sar recordar desse material posteriormente, ficaremos mais atentos a ele. Entretanto, se não esperarmos precisar recordar desse material posteriormente, estaremos menos propensos a recordá-lo (Naveh-Benjamin et al., 2000; Kassam et al., 2009). Processos construtivos na memória: reconstruindo o passado Como vimos, embora esteja claro que podemos ter lembranças detalhadas de eventos significa- tivos e distintivos, é difícil avaliar a precisão dessas memórias. Na verdade, é visível que nossas memórias refletem, ao menos em parte, processos construtivos, processos em que as memó- rias são influenciadas pelo significado que atribuímos aos eventos. Quando recuperamos in- formações, a memória que é produzida é afetada não apenas pela experiência prévia direta que tivemos do estímulo, mas também por nossas suposições e inferências sobre seu significado. A noção de que a memória baseia-se em processos construtivos foi primeiramente pro- posta por Frederic Bartlett, um psicólogo francês. Ele sugeriu que as pessoas tendem a recor- dar informações em termos de esquemas, corpos organizados de informações armazenadas processos construtivos Processos em que memórias são influenciadas pelo significado que atribuímos aos eventos. esquemas Corpos organizados de informações armazenadas na memória que influenciam o modo como novas informações são interpretadas, armazenadas e recordadas. 20100 30 40 50 60 70 80 90 Porcentagem da amostra que disse que o evento resultou em “memórias instantâneas” Sofrer ou testemunhar um acidente de automóvel Noite da formatura no ensino médio Encontrar um colega de quarto pela primeira vez Noite do baile de formatura no ensino médio Primeira experiência amorosa Falar em público Recebimento de carta de admissão à faculdade Primeiro encontro – quando você o/a conheceu Primeira viagem de avião Momento em que você soube de seus resultados no vestibular FIGURA 3 Esses são os eventos de memória instantânea mais comuns, conforme uma pesquisa entre estudantes universitários. Quais são algumas de suas memórias instantâneas? (Fonte: David C. Rubin, “The Subtle Deceiver: Recalling Our Past,” Psychology Today, September 1985, p. 39-46. Reproduzida, com permissão, da revista Psychology Today. Copyright © 1985 SussexPublishers, LLC.) Feldman_06.indd 222Feldman_06.indd 222 26/11/14 14:1426/11/14 14:14 Módulo 19 Recordando Memórias de Longo Prazo 223 na memória que influenciam o modo como novas informações são interpretadas, armazena- das e recordadas (Bartlett, 1932). Visto que usamos esquemas para organizar as informações, nossas memórias muitas vezes consistem em uma reconstrução de experiência prévia. Con- sequentemente, os esquemas baseiam-se não apenas no material real ao qual as pessoas são expostas, mas também em sua compreensão da situação, suas expectativas sobre a situação e sua consciência das motivações que subjazem ao comportamento dos outros. Uma das primeiras demonstrações dos esquemas vieram de um estudo clássico que envol- veu um procedimento semelhante ao jogo infantil do “telefone sem fio”, no qual informações de memória são passadas sequencialmente de uma pessoa para outra. No estudo, um partici- pante viu um desenho no qual havia diversas pessoas de diferentes origens raciais e étnicas em um vagão de metrô, uma das quais – uma pessoa branca – aparecia com uma navalha na mão (Allport & Postman, 1958). Pediu-se ao primeiro participante que descrevesse o desenho para outra pessoa sem olhá-lo de novo. Depois essa pessoa devia descrevê-lo para outra pessoa (sem olhar para o desenho), e depois o processo era repetido com mais um participante. O relato da última pessoa diferiu em aspectos significativos, ainda que sistemáticos, do desenho inicial. Especificamente, muitas pessoas descreveram o desenho como representan- do um afro-americano com uma faca – uma recordação incorreta, já que o desenho mos- trava uma navalha na mão de uma pessoa branca. A transformação da navalha da pessoa branca em uma faca de um afro-americano indica claramente que os participantes tinham um esquema que incluía um preconceito injustificado de que os afro-americanos são mais violentos do que os brancos, e por conseguinte, mais propensos a estar segurando uma faca. Em resumo, as expectativas e o conhecimento – assim como os preconceitos – afetam a confiabilidade de nossas memórias (McDonald & Hirt, 1997; Newby-Clark & Ross, 2003). Embora a natureza construtiva da memória possa resultar em memórias que são parcial ou totalmente falsas, elas também podem ser benéficas em alguns aspectos. Por exemplo, memórias falsas podem ajudar-nos a manter autoimagens positivas. Além disso, elas po- dem ajudar-nos a manter relações positivas com os outros conforme construímos visões demasiado positivas dos outros (Howe, 2011). A memória também é afetada pelo significado emocional das experiências. Por exem- plo, em um experimento, os pesquisadores perguntaram a fiéis torcedores do Yankee ou do Red Sox sobre detalhes de duas partidas decisivas entre as equipes em um campeonato de beisebol, uma delas vencida pelo Yankee e a outra pelo Red Sox. Os torcedores recordavam- -se de detalhes da partida que seu time tinha vencido de maneira significativamente mais precisa do que da partida que seu time tinha perdido (ver Fig. 4; Breslin & Safer, 2011). Memória no tribunal: testemunhas em julgamentos Para Calvin Willis, as memórias inadequadas de duas pessoas custaram-lhe mais de duas décadas de sua vida. Willis foi vítima de erro de identificação quando uma jovem vítima de estupro escolheu sua foto como o praticante da agressão. Com base nisso, ele foi julgado, condenado e sentenciado à prisão perpétua. Vinte anos depois, testes de DNA mostraram que Willis era inocente e que a identificação da vítima estava errada (Corsello, 2005). Infelizmente, Willis não é única vítima a quem desculpas tiveram de ser pedi- das; muitos casos de erro de identificação levaram a ações legais injustificadas. Es- tudos sobre identificação de suspeitos por testemunhas, assim como sobre memória para outros detalhes de crimes, mostram que testemunhas oculares são propensas a cometer erros substanciais quando tentam recordar detalhes de atividades cri- minosas – mesmo que estejam altamente convictas a respeito de suas recordações (Thompson, 2000; Zaragoza, Belli, & Payment, 2007; Paterson, Kemp, & Ng, 2011). Uma das razões é o impacto das armas usadas nos crimes. Quando o prati- cante de um crime mostra um revólver ou uma faca, ela age como um imã per- ceptual, atraindo os olhos das testemunhas. Em consequência disso, elas prestam Alerta de estudo Um fato-chave sobre a memória é que ela é um processo construtivo em que memórias são influenciadas pelo significado atribuído ao que está sendo recordado. Pr ec is ão m éd ia 2003 (Vitória do Yankee) 2004 (Vitória do Red Sox) 4,4 4,2 4,0 3,8 3,6 3,4 3,2 3,0 Torcedores do Yankee Torcedores do Red Sox FIGURA 4 Torcedores do Yankee ou do Red Sox eram mais precisos quando recordavam detalhes de uma partida que seu time havia vencido do que de uma partida que seu time havia perdido. (Fonte: Breslin & Safer, 2011.) Feldman_06.indd 223Feldman_06.indd 223 26/11/14 14:1426/11/14 14:14 224 Capítulo 6 Memória menos atenção a outros detalhes do crime e são menos capazes de recordar o que realmente aconteceu (Steblay et al., 2003; Zaitsu, 2007; Pickel, 2009). Uma das razões pelas quais as testemunhas oculares são propensas a erros relacionados à memória é que as palavras usadas nas perguntas feitas a elas por policiais ou advogados afetam o modo como se recordam das informações, conforme ilustram vários experimen- tos. Por exemplo, em um experimento, os participantes assistiram a um filme de dois carros chocando-se um contra o outro. Para alguns deles, perguntou-se depois: “Mais ou menos em que velocidade os carros estavam indo quando eles estraçalharam-se um contra o ou- tro?”. Em média, os participantes estimaram que a velocidade era de 66 quilômetros por hora. No entanto, quando se perguntou a outro grupo de participantes: “Mais ou menos em que velocidade os carros estavam indo quando eles encostaram um no outro?”, a velocidade média estimada foi de apenas 51 quilômetros por hora (Loftus & Palmer, 1974; ver Fig. 5). Confiabilidade das crianças. O problema da confiabilidade da memória torna-se ain- da mais sério quando as crianças são testemunhas devido às evidências crescentes de que as memórias das crianças são altamente vulneráveis à influência dos outros (Loftus, 1993; Douglas, Goldstein, & Bjorklund, 2000). Por exemplo, em um experimento, mostrou-se a meninas de 5 a 7 anos de idade que recém tinham feito um exame físico de rotina um bo- neco anatomicamente explícito. Mostrou-se às meninas a área genital e perguntou-se a elas: “O doutor tocou em você aqui?”. Três das meninas que não fizeram um exame vaginal ou anal disseram que o doutor tinha realmente tocado em sua área genital, e uma delas ainda inventou um detalhe: “O doutor tocou com uma vareta” (Saywitz & Goodman, 1990). As lembranças das crianças são em especial suscetíveis à influência quando a situação é altamente emocional ou estressante. Por exemplo, nos julgamentos que são antecedidos por publicidade significativa ou em que as supostas vítimas são questionadas repetidamente, muitas vezes por entrevistadores não treinados, as memórias das supostas vítimas podem ser influenciadas pelo tipo de perguntas feitas (Scullin, Kanaya, & Ceci, 2002; Lamb & Gar- retson, 2003; Quas, Malloy, & Melinder, 2007; Goodman & Quas, 2008). Memórias reprimidas e falsas: separando a verdade da ficção. Considere o caso de George Franklin Sr., um homem acusado de ter assassinado uma colega de escola de sua filha. Todo o caso baseou-se nas memórias da filha de Franklin, que afirmou que as havia reprimido até começar a ter flashbacks do evento duas décadas depois. Pouco a pouco, as memórias foram ficando mais claras até ela recordar-se de seu pai levantando uma pedra sobre a cabeça e depois ver sua amiga coberta de sangue. Com base nas lembranças dela, seu pai foi condenado – mas posteriormente foi inocentado do crime após recorrer. Existem bons motivos para questionar
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