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1 Stephane D’arc – Medicina 6º semestre Sindrome Consumptiva A síndrome consumptiva pode também ser encontrada como “Emagrecimento Involuntário”. Ambos podem ser definidos como o estado patológico resultante de absoluta ou relativa deficiência de proteína e energia. ➢ A caquexia é a perda de peso associada à perda de massa muscular, podendo haver ou não perda de gordura. É o estado mais grave do emagrecimento. ➢ A desnutrição, por sua vez, é a deficiência de nutrientes específicos ou globais, associada ou não à perda de peso. ➢ A sarcopenia é usualmente uma síndrome geriátrica, caracterizada por perda de massa muscular, de força e de desempenho, gerando um déficit funcional no idoso. ➢ a desnutrição energético-proteica (DEP) ocorre por aporte inadequado de energia associado ou não ao déficit de proteínas. Algumas situações devem ser avaliadas de forma específicas, como em idosos, nos quais considera-se síndrome consumptiva em perdas maiores que 5% em 6 a 12 meses. A síndrome consumptiva possui incidência semelhante entre homens e mulheres. Seus principais fatores de risco são o tabagismo, a idade avançada e um autorrelato de “mal estado de saúde”, ou seja, uma saúde prejudicada basalmente. • Maior causa: câncer (15-37%) • causas gastrointestinais não malignas • causas psiquiátricas A perda de peso só ocorrerá se houver uma diminuição do aporte de energia e/ou um aumento do gasto energético e/ou a perda de energia por via urinária ou intestinal. Em cada patologia predisponente um desses componentes vai predominar, ou eles podem estar associados em uma mesma doença. As neoplasias culminam em emagrecimento normalmente secundário a anormalidades metabólicas. O câncer é uma doença eminentemente inflamatória, portanto há uma grande produção e liberação de citocinas como a TNF alfa, IL-1, IL-6, as quais são anorexígenas e geram saciedade precoce. Além disso, podem promover a perda de massa magra, através do estímulo aos processos de lipólise e proteólise. O sítio específico acometido pela neoplasia também pode gerar mecanismos para o 2 Stephane D’arc – Medicina 6º semestre emagrecimento. Em exemplo, cânceres de cabeça e pescoço podem gerar anosmia, ageusia, hiporexia, disfagia, bem como em neoplasias do Trato Gastrointestinal (TGI) pode ocorrer náuseas, vômitos, diarreia e má absorção intestinal. Obs: O paciente portador de uma neoplasia não consegue restabelecer o seu peso basal justamente pela conjuntura anorexígena da doença, associada ao estado metabólico de gasto energético acelerado (estímulos de proteólise, lipólise, entre outros). Abordamos nesse grupo: úlcera péptica, doença celíaca e as doenças inflamatórias intestinais. A úlcera péptica é um defeito na mucosa gástrica ou duodenal que se estende da camada muscular da mucosa até as camadas mais profundas da parede do TGI. O paciente pode se apresentar com sintomas desde dispepsia até o próprio emagrecimento involuntário. ➢ A dispepsia é uma situação em que a pessoa apresenta sinais e sintomas relacionadas com má digestão, como dor na parte superior do abdômen, arrotos, náuseas e sensação de mal estar geral. A doença celíaca é uma doença do intestino delgado, caracterizada por inflamação na mucosa, atrofia vilosa e hiperplasia de criptas intestinais, causada pela exposição e intolerância ao glúten. Com o passar do tempo, a inflamação e lesão intestinal gera uma importante má absorção e depleção de nutrientes para o organismo. A doença inflamatória intestinal é composta por duas patologias que, apesar de distintas, se sobrepõem em algumas características, sendo elas a retocolite ulcerativa e a doença de Crohn. A primeira afeta apenas o intestino grosso, enquanto que a doença de Crohn pode afetar qualquer segmento do TGI da boca até a região perianal. Tais patologias podem gerar emagrecimento por dor (durante a alimentação, inclusive), disfagia (principalmente em doenças que acometem ao esôfago, como esofagite, acalásia), estado inflamatório sistêmico (semelhante ao abordado no tópico das neoplasias) e perda de nutrientes nas fezes (síndromes disabsortivas). A clínica dos pacientes com doenças gastrointestinais pode ser caracterizada pela presença de anorexia, dor abdominal, disfagia, odinofagia, saciedade precoce, diarreia, esteatorreia ou sangramento crônico do TGI. As doenças neurológicas mais comumente associadas ao emagrecimento involuntário são o Acidente Vascular Cerebral (AVC), Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), Demência e Doença de Parkinson. O acidente vascular cerebral (AVC) é uma lesão cerebral aguda classificada em dois tipos: isquemia cerebral (devido principalmente a trombose, embolia ou hipoperfusão sistêmica) e hemorragia cerebral (devido a hemorragia intracerebral ou hemorragia subaracnóidea). A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é um distúrbio neurodegenerativo que causa fraqueza muscular e incapacidade, culminando em morte, com sobrevida média de três a cinco anos. 3 Stephane D’arc – Medicina 6º semestre Demência é um conjunto de distúrbios caracterizados por declínio na cognição envolvendo um ou mais domínios cognitivos como aprendizado e memória, linguagem, funções executivas, atenção, percepção perceptivo-motora e cognição social. A doença de Parkinson (DP) é uma síndrome manifestada por tremor no repouso, rigidez, bradicinesia e instabilidade postural. De uma forma geral, as doenças neurológicas causam muitas sequelas ou déficits neurológicos permanentes, como alteração da cognição, disfunções motoras (tanto periférica como central, como alteração do aparelho muscular mastigatório) ou mais comumente a disfagia. A disfagia ocorre principalmente associada ao AVC de tronco encefálico, pois é nessa estrutura do sistema nervoso central (SNC) em que se encontra o centro da deglutição, na formação reticular bulbar. Os principais núcleos associados a deglutição são o núcleo do trato solitário e o núcleo ambíguo. ➢ SE LIGA! Deve-se ter em mente que o principal fator associado ao emagrecimento nas doenças neurológicas é a disfagia! Há um emagrecimento apesar do apetite preservado e muitas vezes exacerbado! Há um processo de fome celular, estimulando o paciente a se alimentar, que gera uma hiperglicemia associada, pois o paciente continua ingerindo os alimentos mas não há sensibilidade à insulina ou insulina circulante para fazer o transporte da glicose para as células, permanecendo o paciente nesse ciclo, o que justifica as perdas energéticas abundantes. O quadro clínico clássico, portanto, é de polifagia, poliúria e polidpsia. Há perda de glicose e nutrientes na urina (aumento da eliminação de urina), levando a uma perda de água (pelo componente osmolar). Essa perda justifica a polidipsia (ingestão de água aumentada) e a polifagia (ingestão de alimentos aumentada). o SE LIGA! Devemos sempre lembrar dos 3 P’s da DM: Poliuria, polidipsia e polifagia! De forma semelhante ao DM, ocorre um estado de hipermetabolismo sistêmico pelo aumento do hormônio tireoidiano circulante. Portanto, também se apresenta com um emagrecimento apesar do apetite preservado e/ou exacerbado. O quadro clínico que vai nos fazer pensar em hipertireoidismo em um paciente com síndrome consumptiva pode envolver sintomas como: • a hiperfagia, palpitação,tremores distais, sudorese quente, insônia, hiperdefecação e presença de bócio. Obs: SE LIGA! Em pacientes idosos com apatia e emagrecimento, devemos sempre lembrar do Hipertireoidismo apatético. Essa é uma forma atípica do hipertireoidismo, que acomete pessoas idosas e pode culminar em fibrilação atrial de forma aguda, portanto deve sempre ser lembrado como uma hipótese diagnóstica diante de um quadro clínico sugestivo. 4 Stephane D’arc – Medicina 6º semestre Os principais transtornos psiquiátricos associados à síndrome consumptiva são a depressão e os transtornos alimentares. A depressão possui um emagrecimento multifatorial, onde há uma grande sobreposição de causas. Os transtornos alimentares, por sua vez, possuem como mecanismo fisiopatológico a obsessão pelo excesso de peso, gerando a diminuição da ingestão alimentar de forma expressiva, um aumento do nível de atividade física até ao excesso (vigorexia), pode gerar vômitos provocados pela culpa após cursar com uma compulsão alimentar (principalmente na bulimia) e utilização de medicamentos para estimular a perda de peso. As doenças infecciosas crônicas levam ao emagrecimento pelo aumento do estado inflamatório geral. As principais doenças infecciosas associadas ao emagrecimento involuntário são a Hepatite C, a Tuberculose e o HIV. Drogas psicoativas ou não, como a cocaína, o álcool e o tabaco, agem alterando o centro da saciedade, levando a um estado de anorexia durante o uso das substâncias. Pessoas adictas acabam por utilizar a substância durante mais tempo, levando a uma diminuição da ingesta alimentar e emagrecimento expressivo. • O paciente alcoolista crônico troca a grande maioria das suas calorias diárias apenas pelas calorias da bebida, gerando um grande déficit nutricional com consequente emagrecimento. Na anamnese do paciente com síndrome consumptiva devemos focar em 3 vertentes, sendo elas: caracterização da perda de peso, do apetite e a presença de sintomas associados. Existem sinais que demonstram ao médico a perda de peso mesmo que de forma indireta, como o uso de roupas largas, fotos antigas ou relatos de familiares. Pacientes com peso estável que está em queda progressiva possui um prognóstico pior que pacientes com peso em “flutuação”, quando há perda seguida de ganho ponderal intercalados. Deve-se avaliar o apetite do paciente de acordo com duas vertentes: se há uma diminuição do apetite e da ingesta alimentar associada ao emagrecimento ou se o apetite está preservado e até aumentado, apesar da perda ponderal. Deve-se questionar hábitos alimentares anteriores e atuais, bem como a relação do paciente com a comida, se há apetite, se há compulsão alimentar, se há vômitos provocados após as alimentações, sua percepção da própria imagem corporal, entre outros fatores que podem direcionar a investigação da síndrome consumptiva. O ponto mais importante da anamnese, entretanto, é a avaliação dos 5 Stephane D’arc – Medicina 6º semestre sintomas associados apresentados pelo paciente com emagrecimento involuntário! Se a sua anamnese e exame físico não foram elucidativas o suficiente para criar uma hipótese diagnóstica, a avaliação e pesquisa laboratorial pode ser elaborada em duas etapas. A primeira etapa é a investigação de inflamação, através de hemograma (leucograma), PCR, VHS. Se houver uma carga inflamatória elevada, aumenta-se a suspeição sobre neoplasias e doenças sistêmicas crônicas. A segunda etapa é pautada pela pesquisa etiológica específica, tentando criar um direcionamento de acordo com algum sintoma ou achado laboratorial da primeira etapa. A pesquisa de doenças sistêmicas é feita através de exames que, além avaliar o estado sistêmico em geral do indivíduo, também vai observar se há um estado inflamatório. Deve-se solicitar VHS, bioquímica sérica, hemograma, enzimas hepáticas, albumina, TSH, urina tipo I. Com relação à pesquisa de etiologias específicas, pode-se solicitar a pesquisa de sangue oculto nas fezes, mamografia, Papanicolau, PSA, Endoscopia digestiva Alta (EDA), colonoscopia, entre outros exames que possam melhor direcionar para uma suspeita.