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03-A3-L1 O Estado ético e o Estado poiético

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Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais 
Edição 2002_11_11_0002.2xt 
de 02 - Ano 
www.tce.mg.gov.br/revista 
Página impressa em 
13/09/2019 
 
Doutrina 
 
O ESTADO ÉTICO E O ESTADO POIÉTICO* 
 
 
 
 
 
Joaquim Carlos Salgado 
Professor Titular da Faculdade de Direito da UFMG. Assessor Jurídico do Presidente do TCMG. 
 
 
 
 
 
 
A expressão Estado Poiético parece inusitada. Serve, porém, para precisar uma realidade do Estado 
contemporâneo, sobre a qual estudiosos começam a refletir. 
Esta conferência desenvolve-se em torno de três conceitos básicos: o poder, como conteúdo essencial do 
Estado, o ético e o poiético. Convém esclarecê-los, primeiramente, para depois discorrermos sobre o tema 
propriamente dito. 
A - O Poder, o Ético e o Poiético 
I - O Poder 
O termo pode ser analisado em dois sentidos: 1) o poder em si mesmo considerado e 2) considerado na esfera 
do político. No primeiro sentido, poder é uma "vontade determinante". Aqui aparecem dois conceitos 
fundamentais: o de vontade, que pode ser considerada como impulso do querer ou como razão de querer, 
querer racional aferido na relação de meio a fim, na medida em que o meio seja adequado e o fim, compatível, 
realizável, valorável. O segundo conceito, "determinante", significa que essa vontade determina uma outra 
vontade, o que pode ocorrer pela força ou por convencimento. É, contudo, o elemento força que especifica o 
poder, considerado o convencimento apenas como uma dimensão analógica do conceito de poder1. A força pode 
ser natural ou humana. A natureza tem força, mas não tem poder, pois não tem vontade. 
O conceito de poder pode ainda ser mais restrito, para ganhar precisão científica: essa vontade determinante 
tem de ser aceita. Para haver eficácia do poder tem de haver a força que o garanta. A eficácia é garantida pela 
força, mas aceita. Exclui-se da esfera do poder a pura coação; tem de haver aceitação, senão será violência. É 
uma orientação e determinação de outra vontade, mas aceita por esta. Se não há aceitação da vontade 
determinada, ainda que na forma de submissão (coactus volui e sed volui),2 será violência. Essa aceitação, na 
esfera do político ou na esfera pública, aparece na forma de aceitação universal ou reconhecimento, ainda que 
formal e tácito. 
Então, pode-se fazer uma restrição ainda maior: o poder propriamente dito é poder político. 
Ao conceito de poder, não como impulso, mas como vontade determinante, dirigida racionalmente, e na medida 
em que esse poder se garante pela força (para determinar a vontade do outro com sua aceitação), é necessário 
acrescentar a noção do político, ou seja, a sua institucionalização como um poder, cujas características são a 
supremacia, a universalidade e a necessidade (não-contingência) ou irresistibilidade. Essa institucionalização 
implica uma organização do poder e uma ordenação normativa, na forma de uma constituição. 
É na constituição que se dá o encontro do político (poder) e do jurídico (norma) e é na constituição democrática 
contemporânea que se dá a superação da oposição entre poder e liberdade. E isso na forma de uma 
organização do poder e de uma ordenação da liberdade, qual se mostra como ordem jurídica ou liberdade 
objetivada. Com relação ao direito, diz-se ordenação, norma; com relação ao poder, diz-se organização. A 
organização só é possível por normas; a ordenação, por órgãos. Não há função para a norma, ou para o 
sistema, como quer a teoria funcionalista ou a teoria dos sistemas. Isso por um defeito metodológico, pois não 
observam um recorte correto entre o político e o jurídico. É preciso separar direito e poder, numa primeira 
instância de abordagem. A teoria monista, a funcionalista ou a sistêmica (Kelsen, Malinowski, Cohen e 
Luhmann) perdem muito de sua força. Órgão é que tem função, enquanto uma pessoa age no exercício do 
poder. Somente no plano filosófico é possível a superação da diferença entre direito e poder; não no plano 
científico stricto sensu. Neste há que se fazer o recorte epistemológico, segundo o objeto formal de cada 
ciência. Recorte temático e metodológico; não da realidade, que é objeto material, pois essa é um todo 
contínuo. Direito (ordenamento jurídico) é inseparável do poder (Estado) e vice-versa; formam um todo, mas 
esse todo é estudado em aspectos diferentes, inconfundíveis. 
Pode-se, portanto, dizer que o poder político tem como elemento material a força e como elemento formal a sua 
institucionalização através da constituição, que é o encontro do político e do jurídico, ou seja, que tem como 
elemento formal o direito. 
A par desses elementos, há ainda um outro também essencial, de natureza ideal - a ideologia. A força 
meramente física não poderia dar unidade a um Estado, senão através de um elemento espiritual, que, 
combinando-se com os demais, formassem a organização política do poder.3 
Todo poder se orienta por uma ideologia. Não no sentido reducionista de interesses de ide, mas de um conjunto 
de idéias que dá unidade à cultura de um povo, embora possa ser usada no interesse de uma classe ou facção, 
às vezes de modo deformado. São idéias cupulares que dão unidade à cultura humana. Daí sua importância na 
gestão política: ela propõe um programa, um projeto para a sociedade. Toda sociedade política tem um projeto 
com pretensão de universalidade, para dar unidade ao organismo político, ou seja, um projeto para toda a 
sociedade e não só para uma facção. Um partido político, por exemplo, tem na sua ideologia um projeto para 
toda a sociedade e não apenas para o grupo. A ideologia tem essa pretensão de universalidade, ainda que seja 
justificação ideária de interesses de classe. Pois esta, para dar unidade à sociedade, tem de ser interesse de 
toda a sociedade (assim foi a liberdade e a igualdade burguesa na Revolução de 1789), sob pena de deformar-
se em alienação, sectarismo ou ação de bando. 
Essa organização da força, espiritual e material, na forma de uma ordem normativa, apresenta, assim, os 
momentos do querer racional determinante, da aceitação e do resultado positivo, a eficácia do poder. 
II - O Ético 
Ethos: há duas acepções no grego para essa palavra. São padrões de comportamento. Padrões que formam a 
ordem normativa de um povo (moral, religião, direito, etc.). É o que organiza a cultura e ordena objetivamente, 
de modo racional, a conduta humana. É o ethos (com h, em grego) como costume (mores). Quando é 
interiorizado, temos o ethos (com e, em grego) como hábito. É criado pelo homem e, como tal, obedece a um 
princípio de racionalidade. O ethos existe do ponto de vista racional, é característica da liberdade do homem. 
Porque o homem é livre cria sua cultura e, nela, seu mundo ético, a sua ética. Não é determinado 
instintivamente a criar, por nada: cria a partir da razão. O conceito de ético e de liberdade implicam um no 
outro. 
A liberdade pode ser pensada num sentido transcendente, Deus, ou no sentido imanente: a cultura e, dentro 
dela, o tempo ético, a história. A liberdade é um absoluto e, como tal, é o bem que caracteriza o mundo 
humano; nesse sentido, não se encontra na natureza, que é carência. 
Ela nos dá a noção de bem. Não é possível encontrar o bem senão no ser livre. Mesmo no caso do bem 
ontológico (Aristóteles) em que a carência é o mal, e a perfeição, o bem. Mas só se valora o bem e o mal a 
partir da razão, que tem como parâmetro a liberdade. O que veda a liberdade é o mal. O termo que Aristóteles 
usa para designar a ação ética, como livre, é pratein; daí, razão prática. A ação ética segue-se a uma 
deliberação (proairesis), livre, com vistas ao bem ético, cujo momento final é o político.4 
Essa liberdade, na medida em que o homem a constrói para si e para toda a sociedade, só se concretiza no 
mundo do direito. A liberdade objetivada, o ethos na sua forma e conteúdo mais elevados, é a ordenação 
jurídica, na medida em que garanta direitos subjetivos (quemnão os tem, não tem liberdade), ou seja, a 
reintegração da essência que se alienou da sua realidade substancial pela cisão do poder e da liberdade 
individual, o que se opera no advento do Estado democrático de direito contemporâneo. 
III - O Poiético 
Vem de poiein (fazer, produzir) e se distingue da techné (Lima Vaz). O poiético é o fazer humano para 
conseguir um resultado, um produto. Exemplo: fazer um móvel. Esse ato que resulta num produto é a poiésis; 
o meio (como tal) é que é a técnica. 
Uma razão poiética é uma razão servil; o fato, a coisa conduz a razão. Ex: a construção de uma parede. Quando 
se pensa "como fazer" há o comando do intelecto. Quando, porém, se põe a fazer, se coloca cada tijolo, 
mecanicamente, a razão é determinada pela realidade; se se desmancha a parede, então se vê com mais 
clareza como a razão é determinada pela coisa. 
A razão serve ao fazer, às mãos, que seguem a coisa; não é determinante como nas ciências, na Ética. É 
instrumental. É a razão servil. 
Na Ética a Nicômaco (1140 a), Aristóteles faz a distinção entre a ação de produzir (poiein) e a ação ética 
(pratein), que se segue a uma deliberação (proairesis), no plano ético. Essa diferença se esclarece ainda mais, 
quando se verifica que o resultado da ação de produzir é um produto artefato, operando essa ação 
sobre coisas, ao passo que o resultado da ação ética é um bem caracterizado na perfeição de ser do homem, a 
liberdade, que lhe dá o caráter de pessoa. 
Na ação de produzir tem-se o impulso de atuar sobre a coisa segundo uma necessidade, e o resultado desse 
atuar é o produto. Mediando esse momento inicial e o final está a habilidade de produzir, ou seja, o domínio da 
atividade sob regras dadas na experiência individual para atuar sobre as coisas, a técnica (techné), pela qual se 
sabe como se faz, mas não o porquê do que se faz.5 Essa atividade traz em si um elemento de racionalidade, 
pois não é um acaso, ou uma ação instintiva (tyché), mas se determina pela própria estrutura da coisa a que se 
dirige, de tal modo que há a técnica, a habilidade consciente das regras do fazer (techné) e o fazer como um 
todo, que resulta num produto (poietiké), mas que pode ser tão mecânico a ponto de aproximar-se de uma 
produção quase sem pensar. De qualquer modo, a coisa dirige a ação. Na ação ética não há a coisa 
determinando as regras técnicas; o bem é que dirige a ação segundo normas (nomos) do próprio sujeito, que é 
o fim absoluto da ação moral, a pessoa. O bem que se quer realiza-se não através de regras técnicas, mas pela 
mediação de leis éticas. 
B - O Estado Ético 
A história do pensamento ocidental é um embate entre a liberdade e o poder. Trata-se de um movimento 
dialético da mesma realidade ética, a política e o direito, ou da liberdade na sua face subjetiva e da liberdade no 
seu aspecto objetivo, que aparecem numa unidade imediata no Estado grego. Com a dissolução do Estado ético 
grego, que representa no aspecto político a unidade desses dois elementos no momento da imediatidade, ocorre 
uma cisão, que só no Estado Democrático contemporâneo se supera. É no Estado de Direito Democrático 
contemporâneo que surge a idéia de autonomia (Kant) privada e pública (participação na elaboração das leis 
que regem a própria conduta), na experiência da Revolução, com o que se põe em definitivo a unidade do poder 
e da liberdade. 
O embate "poder e liberdade" tem dimensões bem diferentes na cultura ocidental, que é por excelência, ou pelo 
menos assim se mostrou, uma cultura da liberdade ou que revela e realiza a liberdade, pois esses dois termos 
aparecem no mundo ocidental não como oposições abstratas, mas dialéticas, isto é, não cristalizadas e 
afastadas uma da outra, como incompatíveis, de modo a sujeitar o poder à liberdade, mas como momentos que 
apontam um momento posterior e superior à sua oposição, pela sua superação. O poder e a liberdade, após 
cumprirem uma trajetória de lutas na história do ocidente surgem como faces de uma mesma realidade, o 
poder político na sua forma democrática ou do Estado de Direito contemporâneo. 
Podem-se distinguir três planos teóricos na busca da justificação do poder ou do Estado,6 vale dizer, podemos 
distinguir na história do ocidente, então considerada como história da revelação e da realização da liberdade 
através da dialética do poder e da liberdade, portanto da revelação e realização do poder político democrático 
de direito, três momentos fundamentais: o período clássico, o moderno e o contemporâneo, que poderíamos 
designar como Estado Ético Imediato, Estado Técnico e Estado Ético Mediato ou Estado de Direito. 
a) O Estado Ético Imediato. No Período Clássico, a justificação do Estado ou do poder ocorre em função do 
fim do Estado, ou seja, o Estado se justifica ou se legitima pela sua finalidade, que para os gregos era 
eminentemente ética. Exemplificativamente, podem figurar como representantes do pensamento político dessa 
época, justificando o Estado pelo seu destino ético, Sócrates, Platão, Aristóteles, Santo Agostinho e Santo 
Tomás de Aquino. 
Assim, o Estado Ético imediato, que abrange do período greco-romano até a Idade-Média, caracterizado pela 
dimensão ética, é um "Estado para", que se justifica por uma finalidade; o poder é para realizar alguma coisa, 
não é em si mesmo. E o que o justifica é ético: o bem para o indivíduo, enquanto existente numa comunidade. 
Platão desenvolve o conceito de poder político ético a partir de Sócrates, o primeiro a pôr o problema ético 
perante o poder político como o mais importante. A República de Platão, a par de ser um tratado do poder 
político, do Estado, é ao mesmo tempo um tratado da justiça e um tratado da educação. Aí desenvolve Platão 
esses três momentos que formam o conceito de Estado. A justiça é nesse movimento a finalidade do Estado, 
fornecendo ao mesmo tempo a forma de sua estruturação, já que o justo, como tarefa fundamental do Estado, 
é dar a cada um o que é seu, o seu lugar na sociedade, segundo seu mérito, aferido por suas aptidões.7 Justo, 
na República de Platão, é distribuir os cargos e encargos do Estado segundo essas aptidões. Entretanto, para 
isso ser feito, e o Estado funcionar como tal, como justo, era necessário formar o cidadão para suas funções e 
tarefas; isso era feito pela educação, voltada para o desenvolvimento do cidadão quanto à sua formação ética e 
inserção na vida social e política. 
Aristóteles desenvolve, em primeiro lugar, um estudo antropológico, a par de um estudo ético do homem. 
Animal racional implica animal político, pois não se conhece o racional como isolado. Razão, logos, é palavra, e 
palavra é a comunicação do pensar. O logos, com efeito, não é algo que ocorre enclausurado no interior do 
homem, mas tem na sua essência o manifestar-se para comunicar com o outro logos. Um conceito de qualquer 
realidade só tem sentido se for comunicado. Isso significa que o homem só pode realizar sua essência racional 
com o outro, na sociedade. Desse modo, Aristóteles trata da Ética enquanto ciência do indivíduo e sua formação 
para a sociedade e, depois, da política como lugar da realização plena do indivíduo. 
Ora, a organização política é para Aristóteles o modo pelo qual o homem realiza plenamente o seu ser e, por 
isso, sua felicidade. O Estado tem como finalidade realizar a felicidade dos indivíduos, o verdadeiro objetivo da 
ética: a eudaimonia. Realizar as potencialidades do ser humano no sentido de realizar a sua perfeição de ser, 
física e intelectual, é o sentido da vida do homem, e isso só é possível no Estado, cuja finalidade é proporcionar 
que o indivíduo realize suas virtudes e natureza, com que adquire a felicidade. Das três estruturas sociais que 
propiciam esse desenvolvimento ou que pelo menos estabelecem as bases para a sua realização, a família, a 
relação de senhorio e o Estado, este é o único onde isso é plenamente possível, pois existe para realizar 
a eudaimonia emtoda a sua plenitude (família, vida social e política), segundo Aristóteles. Essa plenitude de ser 
significada pelo conceito de eudaimonia, a justa medida e a ordenação hierarquizada do bem (Lima Vaz) só se 
realiza como perfeição de ser na sociedade. O homem só se realiza, só encontra a sua felicidade na convivência 
com o outro, numa organização de poder que torna isso possível. 
O Estado Romano não perde a característica ética. Entretanto, o ethos grego, que configurava todo um 
comportamento da comunidade por regras e princípios, assume uma característica específica. O Estado não tem 
apenas de formar o indivíduo para a felicidade, mas para a comunidade, para servi-la. A dimensão ética do 
Estado concentra-se em função de uma técnica específica: o Estado garante aos indivíduos o justo, e o justo é o 
direito de cada um. Garantir o direito de cada um, essa era a tarefa do Estado ou sua finalidade mais 
importante com relação ao indivíduo. 
Isso mostra que, analogicamente à resposta dada pelos gregos à crise de ethos com a ética (Lima Vaz), o 
romano responde com o direito a essa crise ou ruptura. O justo, que tinha no sujeito virtuoso o seu pólo, passa 
para o pólo oposto, o sujeito de direito e não apenas de dever moral. 
Com Santo Agostinho, o Estado continua com sua dimensão ética, pois que tem a missão de preparar o 
indivíduo para a felicidade espiritual. Decepcionado como magistrado, depois da queda de Roma e invasão dos 
bárbaros, o que pôs em cheque uma civilização e cultura que pareciam ser eternas, converte-se ao cristianismo 
e encontra na vida espiritual o único lugar da felicidade. O poder é um mal, algo demoníaco, fonte do pecado 
maior: a guerra, que, por sua vez, é fonte da desigualdade entre os homens. O poder espiritual, este sim 
justifica-se por ser santo. Daí distinguir a cidade dos homens, o poder do Estado, e a cidade de Deus, o poder 
espiritual ou a comunidade dos cristãos. O Estado só pode justificar o seu poder se a serviço da cidade de Deus, 
se se submete ao poder espiritual e o serve no sentido de converter os homens para a cidade de Deus, em que 
se realiza a felicidade. É conhecida e muita citada, para significar como Santo Agostinho igualava todas as 
formas de poder entre os homens como poder para o mal, a anedota atribuída a Alexandre no diálogo com o 
pirata. Ao ser interrogado por Alexandre sobre o direito de infestar os mares com seus navios, teria respondido 
o pirata: com o mesmo direito com que infestas o mundo com seu exército. Não há distinção entre poder do 
Estado, considerado em si mesmo, e não como instrumento da vida espiritual, e o poder do bando. 
Em Santo Agostinho, essa justificação ética do Estado também se dá pela sua finalidade. É para realizar o bem 
que existe o Estado; entretanto, a eudaimonia, que em Aristóteles era a realização da felicidade na sua pólis, é 
agora a beatitude, o bem supremo que só se realiza na Cidade de Deus, pois a cidade dos homens é a origem 
do mal maior, a guerra, o que fez do poder do Estado um mal, semelhante ao do pirata. O poder só será 
verdadeiro se for para realizar o bem, que é a salvação espiritual. Aqui o Estado aparece como instrumento de 
salvação do homem. Nessa salvação, o bem por excelência, está sua finalidade ética. 
O poder justifica-se pela sua finalidade, mas também se legitima pela sua origem, que é mais do que o senatus 
populusque romanus, isto é, a potestas do povo e a auctoritas do senado,8 mas a potentia Dei absoluta, Deus 
legislador, ou o absoluto transcendente. 
Em Santo Tomás, refaz-se a teoria aristotélica, aliada evidentemente à de Santo Agostinho: a finalidade maior 
era o homem salvar-se, mas sem deixar de buscar ser feliz aqui na Terra. O bem comum dá o conteúdo ético do 
Estado, na medida em que realiza o bem do indivíduo como pessoa. Essa concepção, segundo a qual a 
finalidade do Estado é realizar a felicidade ética do indivíduo, reaparece em Santo Tomás, que retoma e 
incorpora toda a filosofia e a ética de Aristóteles. Entretanto, em vez de conceber o poder político como um mal, 
entende-o com um instrumento de realização do bem comum, enquanto contempla o bem de todos e, ao 
mesmo tempo, o bem de cada indivíduo. O poder temporal está submetido, sim, ao espiritual, como o corpo à 
alma, mas o homem busca legitimamente sua realização temporal. O Estado deve realizar essa felicidade aqui 
na Terra. 
b) O Estado Técnico Moderno. No séc. XVII, surge o conceito de Estado Técnico, com Maquiavel: o poder pelo 
poder. O poder é considerado como poder em si mesmo e não "poder para". A justificação do poder é a técnica 
para alcançá-lo e preservá-lo (o princípio de inércia do poder). O que justifica o poder é ele mesmo, na medida 
em que o que importa é desenvolver técnicas para alcançá-lo e mantê-lo. Maquiavel rompe com o conceito de 
Estado Ético, cuja finalidade era realizar a felicidade das pessoas. O poder político não tem de buscar sua 
justificação fora dele. Justifica-se em si e por si mesmo. A questão não é buscar a justificação do Estado, quer 
pela sua origem, quer pela sua finalidade. O poder justifica-se internamente pelo próprio mecanismo da sua 
conquista e do seu exercício. Poder é a "aptidão" para agregar, em um determinado momento histórico, "as 
forças e os meios adequados a conservação e objetivos historicamente propostos".9 É o que Maquiavel designa 
como virtù, a capacidade de obtê-lo e mantê-lo por meios adequados. Eis como se justifica o poder. 
É importante a posição de Maquiavel, pois a partir daí funda-se a ciência política, com objetivo próprio distinto 
da Ética, da Religião e da Filosofia. Une a coerção e a ideologia, tornando possível o estudo do poder como 
objeto autônomo em relação a outros fenômenos humanos. 
Em Hobbes há uma decadência no estudo do poder, em virtude do psicologismo metafísico do seu método de 
tratá-lo, pois procura fundá-lo na natureza humana, nas faculdades (poder natural) do homem, em meras 
qualidades psíquicas e físicas do homem individual, cujo resultado é o fantasmagórico contrato social 
(configurador da vontade psicológica) histórico, resultante do temor da selva social, sem qualquer traço de 
prova, ou então no fato de ser adquirido, instrumental do homem, buscando sua origem, nesse caso, no 
contrato histórico, mera hipótese. Esse empirismo limitado, que se conservou e ainda faz sucesso aos olhos dos 
estudiosos sob a capa de cientificidade, enganosa como em toda incursão empirista, não acompanha a 
contribuição de Maquiavel e degrada a busca da origem do Estado, já preocupação dos gregos. 
c) O Estado Ético Mediato ou Estado de Direito. A legitimação do poder entre os gregos e romanos pela sua 
finalidade ética, técnica do exercício do poder em Maquiavel, origem psicológico-metafísica, imaginária, em 
Hobbes e outros, são características do estudo do poder até o advento do iluminismo no seu nível mais 
desenvolvido, a retomada da legitimidade e da técnica pela qual se possa garantir essa legitimidade: 
Montesquieu, Rousseau, Robespierre, D’Alembert, etc. O racionalismo, a partir de Descartes e Galileu (que 
introjetou a matemática na natureza), caracteriza o modernismo, o novo modus pelo qual a realidade é 
configurada e conhecida, cujo instrumento é a razão. O iluminismo é uma derivada do racionalismo, com 
alcance principalmente no estudo e organização da sociedade humana, tendo seu momento de chegada no 
enciclopedismo, com a conhecida recusa da fé como instrumento da verdade. 
O que caracteriza o Estado de Direito a partir da Revolução Francesa é a legitimidade. O Estado ou o poder 
político legitima-se ou justifica-se pela sua origem, pela técnica com que o poder se exerce e pela finalidade. 
A origem legítima do poder não está em um ser transcendente ao homem, mas nele mesmo, na vontade do 
povo, pelo seu consentimento, pela técnica com que o poder se exerce segundo procedimentos pré-
estabelecidos, com o voto popular, as regrasde decisão da maioria e de respeito à minoria, e pela finalidade, 
que volta a ser ética: a declaração e realização dos direitos fundamentais. A finalidade do poder é realizar o 
direito no seu todo e a partir do momento da constituição e estruturação do poder, pela declaração e realização 
dos direitos fundamentais. Estado de Direito não é apenas o que garante a aplicação do direito privado, como 
no Estado romano, mas o que declara os direitos dos indivíduos e estabelece a forma do exercício do poder pelo 
povo, reconhecido como seu único detentor, de tal forma que a estrutura de poder traçada pela Constituição do 
Estado é montada tendo em vista essa declaração e garantia, como ocorre com a divisão da competência para o 
exercício do poder do Estado. 
A justificação do Estado de Direito deve dar-se de modo racional e em três momentos: 
1 - O da legitimidade do poder10 na sua relação com o povo. Legítimo se diz quanto à origem, quanto 
ao exercício direto e quanto à finalidade. O momento da legitimidade é a esfera da potestas. A potestas é o 
momento imediato do desenvolvimento do poder que se manifesta originariamente, por exemplo, com um sim 
ou um não, para que se dê o exercício pleno, na esfera da auctoritas, já dentro da ordem jurídica ou da 
legalidade. 
2 - O da legalidade, enquanto o poder se considera na sua relação com o direito. Nesse caso, não se trata de 
justificar o Estado em razão de sua origem, mas segundo a sua estrutura normativa e sua função orgânica, no 
momento da execução do poder. Indaga-se da validade dos atos praticados pela autoridade. O ato de 
autoridade vale segundo a legalidade, a sua conformação com a lei, o que liga toda a execução da lei à origem, 
isto é, à legitimidade. O exercício do poder se dá face à criação e execução de normas jurídicas. Só a autoridade 
competente é autorizada por norma superior a criar norma ou executá-la, dentro de um quadro de competência 
e segundo um processo regular; é a esfera da auctoritas. 
3 - O da justiça ou ético, na relação com o indivíduo, segundo a sua finalidade, que é realizar a liberdade, 
enquanto Estado de Direito. A liberdade, porém, concebida não apenas como livre arbítrio, mas como 
autonomia, é a capacidade de o indivíduo determinar a sua própria conduta a partir da razão prática, tanto no 
que se refere à sua ação na esfera privada, como na esfera pública ou política, na medida em que age como 
autor das normas jurídicas que regulam sua conduta. Essas duas faces da liberdade estampadas no pensamento 
kantiano, e que aparecem sob a forma de ordem normativa, liberdade objetivada, e de direito subjetivo, 
liberdade subjetivada, constituem a própria essência do Estado de Direito, de tal modo que grave e incivil 
afronta à consciência jurídica e ao Estado de Direito é o desrespeito ao direito adquirido de modo 
justo. 
O poder legítimo não é aquele outorgado pelo povo, como transferência, por ato formal de poucos segundos e 
que depois desaparece. A legitimidade do Estado está na vontade do povo, que dá origem ao poder, mas está 
também no exercício do poder, permanente ação do povo na relação de poder, quer através de instrumentos 
políticos (como plebiscito, destituição, resistência, etc.), quer através de mecanismos administrativos, do que se 
chama administração participativa, que é um direito fundamental. 
O Estado de Direito é, assim, o que se funda na legitimidade do poder, ou seja, que se justifica pela sua origem, 
segundo o princípio ontológico da origem do poder na vontade do povo, portanto na soberania; pelo 
exercício, segundo os princípios lógicos de ordenação formal do direito, na forma de uma estrutura de 
legalidade coerente para o exercício do poder do Estado, que torna possível o princípio da segurança jurídica em 
sentido amplo, dentro do qual está o da legalidade e o do direito adquirido; e pela finalidade ética do poder, por 
ser essa finalidade a efetivação jurídica da liberdade, através da declaração, garantia e realização dos direitos 
fundamentais, segundo os princípios axiológicos que apontam e ordenam valores que dão conteúdo fundante a 
essa declaração. 
Isso, porém, só poderá ser possível através do assentamento de regras procedimentais, de natureza técnico-
jurídica, pelas quais se garanta a dinâmica dos princípios de legitimidade. Tais regras, já citadas - regra ou 
decisão da maioria, de respeito à minoria e de divisão da competência no exercício do poder -, realizam 
o momento técnico do Estado, superado na unidade com a sua natureza ética no Estado de Direito. 
C - O Estado Poiético 
O Estado Poiético é a ruptura no Estado Ético contemporâneo que alcançou a forma do Estado de Direito. 
É um dado essencial, pelo qual o homem se afirma como ser livre, que nele a pessoa nunca é conceito 
heterônomo ou externo, pois é sempre fim em si mesmo (Kant). Fim em si mesmo é ter em si o logos da 
liberdade, que a tradição ocidental denomina substância espiritual, ou o absoluto imanente, que essa mesma 
tradição denominou imago Dei. 
a) Como surge o Estado Poiético? 
Uma das características da sociedade civil é ser ela um sistema das necessidades e, como tal, não realizar no 
indivíduo a sua liberdade, ou seja, o que ele é em si, pessoa. Como pessoa, o homem é ser-para-si, portanto 
livre, na medida em que é autônomo e sabe dessa liberdade. Essa substância espiritual do homem, esse logos 
theoretikós-praktikós, digamos, só é possível realizar-se na sua plenitude na vida social, e essa só pode existir 
enquanto sociedade livre num sistema de normas, autodeterminações que o homem cria para tornar possível 
essa sociedade, de indivíduos como pessoas. Não é necessário, portanto, provar a liberdade numa primeira 
instância (embora o faça Hegel). É suficiente tê-la como postulado transcendental, a priori (Kant), mas que 
explica a realidade do mundo normativo. A esfera da pessoa, portanto, realiza-se na organização política da 
sociedade, segundo a tradição que vai de Aristóteles, através de Hegel, até nossos dias. Mesmo a idéia de uma 
revolução socialista como abolição do Estado outra coisa não preconizou, implicitamente, senão tentar repatriar 
a idéia aristotélica de Estado. 
A atualidade da análise de Hegel sobre a sociedade civil como sistema das necessidades, não ético, embora não 
anti-ético, mostra, com clareza, a nova forma desse sistema: em vez de progredir para a superação das 
conexões de mercado que determinam a vida das pessoas, a sociedade civil faz do Estado o instrumento da 
despersonalização, da perda da substância espiritual da liberdade. Com efeito, não é simplesmente a valoração 
do homem pelo que ele faz, indiferente do saber consciente desse fazer, o que em si mesmo não compromete a 
sua liberdade, mas a sua instrumentalização enquanto é reduzido à pura dependência como ser-para-um-outro, 
com total supressão do seu ser-para-si livre, ou fim em si mesmo. Na sociedade civil contemporânea, o homem 
passa a ser instrumento para algo e, na medida em que é instrumento para algo, coisa, é instrumento para o 
outro, pessoa, que o domina, segundo a estrutura da relação senhor-escravo, guardada evidentemente a 
essencial diferença entre a relação de servidão ou escravidão e a do trabalho livre. O que se quer dizer é que a 
sociedade civil criou um grupo que domina a técnica através do econômico, ou seja, transformou em mercadoria 
a força de trabalho e, como qualquer outro valor quantitativo, não vê no trabalhador senão a força do trabalho e 
sua capacidade de fazer, impondo-lhe o regime da oferta e da procura, expulsando-o da estrutura essencial da 
unidade de produção, a empresa. O trabalhador é descartado quando não necessário ou quando diminui o lucro; 
a empresa é do capitalista, não da unidade dialética do trabalho e do capital. A palavra mágica com que se 
opera essa transformação é o econômico. Mágica porque o econômico é apenas uma ficção, pois o real é a 
técnica de produzir coisas na natureza,que depois são transformadas em mercadorias pela magia do 
econômico. O econômico, porém, é também uma técnica, mas tautológica: produção do que está produzido pelo 
trabalho (da natureza transformada pelo fazer). O fazer econômico, o produzir o econômico, esta é a 
determinante da sociedade civil. E os que dominam esse fazer econômico, que não são as ides trabalhadoras, 
não se limitam ao controle da economia na sociedade civil; precisam de um instrumento poderoso; não mais 
para servir de porrete contra os trabalhadores, como pensou Marx, mas como instrumento de produção das 
regras do jogo das relações sociais, especificamente da economia, com subordinação de todas as demais 
relações. Precisa da organização política. 
No Estado poiético, o produto do fazer é o econômico, que nenhum compromisso tem com o ético, e procura, 
com a aparência de cientificidade, subjugar o político, o jurídico e o social. Não é ético, porque o seu fazer não 
se dirige a realizar os direitos sociais. Evidentemente, se o Estado realiza os direitos sociais, esse fazer é ético. 
Cria-se, então, no Estado, um corpo burotecnocrata que passa a exercer a soberania, com total sujeição do 
político e do jurídico em nome do corpus econômico da sociedade civil. Não se nega que o técnico ou o cientista 
econômico sejam essenciais no Estado contemporâneo. Não, porém, o tecno-crata, detentor do poder de 
decisão política, que no Estado democrático não lhe pertence. Com o aparecimento desse aparelho, abre-se 
uma cisão no Estado: de um lado, a organização ética da sociedade em que as decisões de soberania se dirigem 
ao bem comum ou à realização de uma ordem social justa e, de outro, a burotecnocracia malabarista, que 
impõe o fazer do produto econômico sobre o interesse social e jurídico, procurando mostrá-lo, através de sua 
cartola e de sua hábil prestidigitação, como interesse público absolutamente sobrevalente. 
A cisão do Estado está, pois, nesse embate que se trava dentro dele mesmo, criando dois estados: o estado 
poiético do domínio burotecnocrata e o estado ético do domínio da sociedade política, enquanto Estado 
Democrático de Direito. É fácil verificar isso no fortalecimento do aparelho burocrático denominado Banco 
Central, em todo o Ocidente, das bolsas de valores e da massificação globalizada do consumo das mercadorias, 
mas com a concentração da produção de tecnologia de ponta e do controle do capital financeiro. 
A bifurcação do Estado começa a partir de uma divisão anterior, operada pelo Estado liberal: a separação da 
sociedade civil e do Estado. Não há um Estado separado da sociedade, pois é ele a própria sociedade 
politicamente organizada, ou uma organização política da sociedade, segundo a qual os indivíduos exercem os 
direitos políticos. Não só a autonomia privada, mas também a autonomia política. A característica do Estado 
liberal é a autonomia privada, enquanto que a do Estado democrático é a autonomia política.11 Por isso, um 
Estado pode ser ao mesmo tempo liberal e autocrático, havendo liberdade de pensamento, de mercado, etc., 
mas não a participação no poder político. 
A sociedade civil funciona diante das necessidades dos indivíduos, segundo um sistema das necessidades 
econômicas dos indivíduos, na total contingência da livre concorrência, da oferta e da procura. Nela 
encontramos facções que organizam e dominam a economia e que irão desempenhar papel importantíssimo na 
formação do Estado Poiético. Em vez de a sociedade civil, como sistema das necessidades, superar-se no 
Estado, que é o sistema das liberdades organizadas, em que o indivíduo aparece como pessoa, cria-se um órgão 
burotecnocrático que controla o poder político. 
b) Como se organiza o Estado poiético? 
A sociedade civil, como se disse acima, é a ambiência em que se desenvolve o sistema das necessidades - 
necessidades que criam setores de produção, ou produção criando necessidades -, e na qual o Estado é uma 
entidade separada, característica do Estado liberal, que aparece como órgão de tutela e fiscalização do livre 
jogo econômico da sociedade civil, através da força coativa. Cria-se um órgão burotecnocrata que privilegia o 
econômico, fazendo do Estado um instrumento da produção dos efeitos econômicos, especificamente financeiro 
e monetarista, cujo produto significativo é o dinheiro. A produção é de dinheiro, que não é um bem econômico 
em si, mas uma ficção jurídica, pois vale, é vigente, tem força circulante obrigatória porque institucionalizado 
formalmente pelo direito. Economicamente, apenas tem função referencial simbólica. Representa coisas ou 
bens. 
Com isso, o elemento central e essencial do Estado de Direito é postergado, pois o jurídico, o político e o social 
são submetidos ao econômico. O Estado poiético não tem em mira a "produção social". Entra em conflito com a 
finalidade ética do Estado de Direito, abandonando sua tarefa de realizar os direitos sociais (saúde, educação, 
trabalho), violando os direitos adquiridos, implantando a insegurança jurídica pela manipulação sofística dos 
conceitos jurídicos através mesmo de juristas com ideologia política serviente, exercendo o poder em nome de 
uma facção econômico-financeira. O Poder aparece aí, contraditoriamente, como seu fim, pois que é sua tarefa 
primeira manter-se no poder e preservá-lo, e ao mesmo tempo como meio para realizar o objetivo técnico-
financeiro de uma facção da sociedade civil. Não é mais o político que toma decisões fundamentais. 
No Brasil, isso ocorre de modo mais grave. O político (que tem a dimensão do ético), o jurídico e o social 
entram em choque com o técnico de dimensão econômica divorciada da dimensão ética do social. O órgão do 
Estado encarregado da realização de sua política econômica passa a decidir politicamente. Tal Estado passa a 
ter um organismo paralelo de decisão política, o que traz como conseqüência uma dissimulada usurpação do 
poder, com o alijamento do povo, pela submissão dos seus representantes, das decisões fundamentais, por não 
ser conveniente a sua participação. Recentemente, um político de boa formação ética, revelou essa 
sucumbência, forçado a abdicar do poder de decisão política que lhe foi dado, dizendo: "prevaleceu o critério 
técnico"; sem a crítica, primeiro, da legitimidade do critério técnico, depois, da sua validade e, depois, de sua 
conseqüência prática para o bem comum. 
A lógica da burotecnocracia é perversa: depois de estabelecer as premissas da operação econômica, ainda que 
erradas, produzindo fatos, aparência de fatos, números, profecias, argumenta com o fato poieticamente 
consumado (por ela produzido), com a ameaça da catástrofe, o argumentum ad terrorem, através do qual se 
sacrificam direitos, se submete a autoridade política, se instabiliza o sistema democrático, acenando com 
reformas constitucionais, que a possível falta de competência de administrar dentro das regras democráticas 
exige para remover pseudo-empecilhos constitucionais. E vai-se de empiria a empiria, subjugando o político e o 
jurídico, até que ocorra uma reação do sistema. Por exemplo, no político, quando Itamar Franco respondeu, ao 
lhe dizerem que não era possível conceder aumento aos militares, ao argumento de que as contas não 
mentem: "as contas, não, mas quem as faz, sim". Ou quando Sepúlveda Pertence advertiu contra o 
argumento ad terrorem ou do fato consumado: que os planos obedeçam à constituição, ou: que o fato por eles 
produzido se submeta às regras do Estado Democrático de Direito. 
c) Que conseqüências pode ter? 
Podem-se resumi-las em três grupos. 
1- A de natureza moral. Aparece um tipo de corrupção, não apenas de indivíduos, mas da República. A 
supressão da legitimidade do poder pela sua usurpação através de simulações democráticas que encobrem a 
alienação do poder à burotecnocracia, técnica que freqüentemente aparece como intimidação, corrupção, sem 
esconder a sua incompatibilidade com a democracia. Fácil é ainda verificarcomo se afronta o princípio de 
moralidade da administração pública, considerado objetivamente, nos processos de privatizações, feitos à 
socapa formal da aparência de legalidade. 
2 - A de natureza política. A sua incompatibilidade com a democracia se revela no aumento do poder 
burotecnocrata, que é inversamente proporcional ao exercido pelo povo. 
O Estado poiético é uma das formas de usurpação ou alienação do poder, operando uma cisão profunda entre 
a potestas ou titulação do poder e a auctoritas ou exercício. A alienação começa do povo para os 
representantes, destes para o governo, e dentro do governo, do presidente para os burotecnocratas. É fácil ver 
que desde Bernardes poucos presidentes exerceram efetivamente o poder de governo: Bernardes, Kubitschek, 
Jânio, Castelo Branco, Color e Itamar, este o primeiro a impor-se à burotecnocracia econômico-financeira, ao 
estilo bernardiano. 
É fácil notar a evolução do plano real. Começa com a formação de lastro seguro para garantir a moeda, com um 
superávit de cerca de 10 bilhões de dólares anuais, e com uma política no estilo mineiro tradicional de 
desenvolvimento (Governo Itamar), através da retomada da produção de carros populares e da construção civil, 
os carros-chefes da economia. Após esse Governo, com o deslocamento de decisões políticas à chamada área 
técnica, implantou-se a política de recessão, cujas conseqüências futuras ainda não se avaliaram; o lastro 
passou a ser feito, não mais com dólares pertencentes à nação, mas com dólares eventuais, pertencentes a 
aplicadores estrangeiros, que não são especuladores no sentido pejorativo, mas simplesmente aplicadores que 
observam a lei de mercado, como qualquer outro, inclusive de governo, aceitos no sistema projetado. Portanto, 
a crise da bolsa era prevista, bem como o risco da perda do lastro e do desmoronamento do real, o qual foi 
salvo momentânea e aparentemente com a dobra da taxa de juros para a nação pagar, pagamento garantido 
com as medidas econômicas de aumento de impostos, corte nas verbas sociais, nos investimentos, etc., para se 
conseguir cerca de 20 bilhões de dólares, a fim de remunerar o "especulador" e manter aqui os seus dólares por 
mais um ano. 
Vamos retomar isso mais detalhadamente. 
Para manter os aplicadores, teve-se de elevar a taxa de juros de modo a apetecê-los: de 23% para 48% a.a. 
O lastro do plano real era de ser feito com o produto de privatizações controladas, com saldo na balança, 
investimento permanente, como era a intenção do Governo Itamar. 
O capital especulativo, ou seja, o capital contingente, de aplicações provisórias e retirada à vista, sujeito à 
oferta de melhor rendimento, passou a formar o lastro da moeda, o real, com os dólares advindos dessa 
aplicação, de investidores eventuais e provisórios, que controlam cerca de 3 trilhões de dólares nas diversas 
bolsas do mundo. Sem lastro próprio, o real passa a ser como um cheque sem fundos. Porque se elegeu esse 
caminho errado, pelo qual o lastro é feito de dólares que não pertencem ao País, mas "emprestados" à vista, 
entrou-se num círculo. Só se captam as aplicações se derem bom lucro. Mas o lucro são os juros que o próprio 
Governo paga. 
Como a lei da oferta deu melhores condições de aplicação em outras praças que não o Brasil, como era previsto 
e de se esperar, o capital começou a evadir-se, a mudar-se da praça. Na verdade, é suficiente que os Estados 
Unidos aumentem os juros em pequena fração, ou que o seu tesouro emita títulos novos, para que esses 
aplicadores voltem para a matriz do capital financeiro. Somente a "crença" ou a acientificidade em tratar a 
questão poderia sentir-se segura com tal lastro escorregadio. Isso porque o tecnocrata não é técnico, nem 
cientista; é ideólogo, com poder político "particular". 
Entretanto, o investidor sabe como cuidar do seu dinheiro, ao contrário do que muitas vezes ocorre com o 
administrador do dinheiro público. Ao oferecer o Governo juros tão altos e atraentes, surgiu a pergunta: de 
onde tirará o Brasil dinheiro para pagar a diferença referente ao aumento da taxa de juros? Responde-se com o 
pacote de medidas destinadas a diminuir as despesas e a aumentar a receita em cerca de 20 bilhões de dólares, 
valor próximo ao do aumento dos juros no ano (em dezembro/97, época da medida, o aumento dos juros a 
serem pagos pelo Brasil foi de cerca de 2,2 bilhões de dólares, o que daria perto de 25 bilhões ao ano). 
Havia um outro caminho, o da desvalorização, ou da verdade cambial, ou seja, da demonstração de que um real 
não vale, na verdade, um dólar. Vale menos. Isso traria mais exportação, não comprometeria a economia, etc. 
Mas esse caminho comprometeria a reeleição do atual governo. Por isso foi necessária uma medida que 
prorrogasse o plano real na sua aparência de eficácia até depois das eleições. 
O custo disso: recessão (fechamento de empresas, suspensão de investimentos, de expansão, etc.) por força 
dos juros altos, de nova tributação, etc., desemprego, redução do poder aquisitivo e do consumo, 
decrescimento da economia com relação ao PIB em 1998, enfim, perda econômica substancial, adiamento das 
soluções dos problemas sociais e da possibilidade de o País se tornar desenvolvido, crescimento abrupto do 
débito, atualmente de cerca de 300 bilhões de dólares. Situação: o patrimônio decresce, a dívida cresce. 
E o que é admirável: as medidas aparecem como obras geniais, salvadoras, "resposta eficaz" e tecnicamente 
correta (a única) à chamada especulação. Sim, realmentte não havia outra saída ou conclusão; mas quem, 
porém, criou as causas, os antecedentes, as premissas? Os mesmos. 
O grave risco do Estado poiético é a sua natureza para tender para a autocracia através da burotecnocracia. É 
que, depois de ter criado as premissas da catástrofe econômica, com ela ameaça para obter mais poder. Sua 
lógica é a de cada vez mais aumentar o seu poder, do que se pode facilmente inferir que o seu rumo é a 
eliminação dos "entraves", pois, se se perde a docilidade do parlamento, a conseqüência é caminhar para 
instaurar o Estado autocrático. Para dar suporte ideológico ao processo de alienação do poder, procura-se 
também justificar a alienação do direito à informação. Para isso, uma falácia prática: o povo, dono do poder, 
não pode saber dos assuntos do Estado; precisa ser tutelado. 
Grave decisão política encaminhada pelo aparelho tecnocrata foi a da falácia da privatização emocional e 
generalizada. Falácia porque não encontra fundamentação lógica. Se a empresa estatal é viável, então o 
administrador tem de administrá-la bem, a menos que não tenha competência para fazê-lo; se não é viável, 
nenhum particular a comprará. Então, socorre-se de uma falsa generalização: o Estado é mau administrador. 
No entanto, vários licitantes nas privatizações são estatais de outros países. 
Além da falácia, ocorre ainda uma ação política não ética. Aliena-se um gigantesco patrimônio construído 
durante décadas, sem consultar o seu titular e apenas com avaliações formais. 
A cascata de conseqüências que surgem por força da adoção de determinadas premissas monetaristas de 
graves resultados econômicos para o País, em sentido contrário ao exemplo dos Estados Unidos, principalmente 
no Governo Reagan, que mandou combater a inflação "pondo a mercadoria na prateleira" (Say), produzindo 
(medida que Itamar Franco, na esteira da tradição da política desenvolvimentista, pôs em prática, reaquecendo 
a economia), leva seus efeitos à instância ético-administrativa, camuflada pela legalidade aparente das medidas 
provisórias, como o PROER, o festival de instalações de fábricas de automóveis onerosas para a nação, a 
privatização, a exploração gratuita das rodovias implantadas com recursos públicos, deslocando o problema 
para o futuro (o México, onde houve privatização, deverá gastar cerca de 18 bilhões de dólares para a sua 
recuperação), cuja solução tecnocrata já se aventa com mais umtributo, o sobre combustíveis, com a finalidade 
de deixar a cargo do Estado a recuperação e implantação das rodovias. 
Grave é, ainda, a privatização da TELEBRÁS, da ELETROBRÁS, que, a exemplo das já feitas, não lograrão 
alcançar o que valem. Além de economicamente estratégicas, é sabido que, num país subdesenvolvido, é 
extremamente difícil a conciliação do lucro com o interesse público, correndo-se o risco de o Estado voltar a 
comprar a sucata no futuro (veja-se o exemplo da Light-Rio). 
Como se isso não bastasse, uma nova medida é posta em prática pela burotecnocracia: a Lei Kandir, cujos 
efeitos jurídico-políticos e ético-administrativos são a interferência no sistema federativo, com o corte na receita 
dos Estados-Membros (em Minas é de cerca de 500 milhões de dólares), e conseqüente benefício aos 
importadores, pelo barateamento da matéria-prima. Entenda-se aqui o princípio de moralidade pública em 
sentido objetivo, isto é, nas conseqüências negativas ao erário ou ao interesse público, independentemente do 
elemento subjetivo, isto é, se houve ou não intenção do administrador ou mesmo do legislador. 
Uma política orientada para o interesse público seria a formação de um pool das grandes estatais com as boas 
universidades, para desenvolver a pesquisa científica e produzir tecnologia de ponta, única porta de acesso ao 
denominado "primeiro mundo". 
3- A de natureza jurídica. O Estado poiético, burotecnocrata, é abertamente a-ético e a-jurídico. Busca 
justificar-se pela própria técnica ou aparência técnica que o define. O regime de 64 buscou uma justificação 
ética, a garantia do Estado Democrático de Direito, e, exceto no âmbito político, respeitou o elemento de base 
desse Estado: a segurança jurídica na qual está o direito adquirido, embora posteriormente tenha nele se 
instalado o aparelho tecnocrata. A dinâmica do sistema atual, porém, ameaça até mesmo a segurança jurídica 
ou o direito adquirido, elemento básico do Estado de Direito que sempre foi apresentado como o elemento de 
suporte do Estado liberal. Sofisma, por exemplo, que a estabilidade não é cláusula intangível, porque não está 
garantida no art. 5º e 64 da Constituição Federal. O argumento é falso. A estabilidade não está protegida pela 
intangibilidade do art. 5º, mas o instituto do direito adquirido está, no inciso XXXVI. Portanto, negar um direito 
adquirido, qualquer que seja, é negar vigência ao mesmo art. 5º, XXXVI, que o protege contra qualquer lei, 
sabido que, pelo menos para um jurista de razoável formação, emenda constitucional é lei, pertence ao gênero 
a que se refere o citado inciso XXXVI. E a palavra lei está tomada pelo gênero naquele inciso, porque, segundo 
regra hermenêutica, corroborada pelo § 2º, que insere na proteção constitucional outros direitos ali não 
mencionados, a declaração de direitos deve ser interpretada amplamente. Sofismam com o nome. 
Mais ainda se agrava essa insegurança jurídica pela anarquia legislativa, pela orgia de medidas provisórias, cuja 
urgência e necessidade é da competência do Supremo examinar (pois a matéria é constitucional, e não 
administrativa), a instabilidade da lei e da própria Constituição, cujas reformas nada têm de necessárias e 
urgentes (a não ser a tributária e a política), para quem sabe enfrentar o permanente desafio de administrar 
bem dentro das regras democráticas. Não se muda a Constituição simplesmente porque o administrador se 
depara com dificuldades ou problemas que deve enfrentar ou resolver. Trata-se de um vício que o Poder 
Executivo contraiu: diante de qualquer problema, muda-se a Constituição. 
Conclusão 
O Estado contemporâneo enfrenta uma cisão no seu interior. De um lado, o Estado liberal (e mesmo 
autocrático) realizando o avanço técnico na distribuição do poder a órgãos tecnocratas e burocratas, 
introduzindo uma espécie de nihilismo ético e anomia jurídica, conseqüência inevitável pela legitimação formal 
do poder da democracia representativa, não participativa, alienado no ato formal do voto exercido num hic et 
nunc. 
De outro, antagônico ao nihilismo e à anomia, o Estado que recupera o sentido ético do Estado clássico, o 
Estado de Direito, que se legitima não simplesmente por uma decisão contingente do voto formal, mas pela 
origem na real vontade popular, aferida na permanente participação do cidadão na vida política, e pela 
declaração universal, garantia e realização dos direitos fundamentais (políticos, sociais e individuais), cujos 
valores centrais são a liberdade, a igualdade, o trabalho. 
O Estado técnico de Maquiavel, que a princípio aparece como mecanismo de conquista e conservação do poder, 
com o advento da economia liberal, aprofunda o aspecto mecânico de uma sociedade técnica, em que a divisão 
do trabalho especializa instrumentalmente o indivíduo. Esse Estado do Entendimento (entendimento é o 
momento do pensar divisor e mecânico) mostra em dois aspectos a sua divisão, a economia e a política, de tal 
forma que a política é a técnica da aquisição e conservação do poder, e a economia, a técnica de produção e 
distribuição de riquezas, cujo lugar é a sociedade civil, deixada ao jogo das necessidades, em que o Estado 
aparece mais uma vez como árbitro técnico da livre concorrência. 
O Estado liberal opera essa tarefa técnica e aprofunda a divisão do Poder Político - Sociedade Civil como um 
todo, como se coisas diversas fossem. 
O aprofundamento dessa divisão exige a sua superação, a superação da contradição do próprio conceito de 
Estado com a sua "realidade empírica". O passo dessa superação é o Estado Ético Racional, portanto, o Estado 
que não abandonou o elemento técnico, mas que recupera o ético como essência, não já na forma imediata do 
Estado Ético antigo, mas na forma mediatizada do Estado Contemporâneo, emergente do passo trágico da 
Revolução, o Estado de Direito: o Estado que declara e realiza os direitos fundamentais, individuais, políticos e 
sociais, como seu fim essencial. 
A perspectiva que temos é a de um Estado Racional, em que os indivíduos sejam autônomos, livres do ponto de 
vista de partícipes ativos do poder, titulares de direitos fundamentais. Entretanto, a teimosia divisora do Estado 
liberal permanece. A brecha que abre na sua substância real é entre a declaração dos direitos e sua realização, 
ou a sua contraditória existência como Estado técnico instrumental e mecânico, separado da sociedade civil, e o 
Estado de Direito finalista e orgânico, que supera a separação sociedade civil e Estado. 
A interferência do técnico é fundamental no Estado Moderno, mas não como agente da soberania. O papel do 
técnico é ser técnico, nunca político. O exercício do poder cabe ao político. 
O traço que distingue e faz o verdadeiro político emergir no mundo social e que dele faz agente da soberania 
popular, é a aptidão para captar o universal na particularidade dos interesses individuais, ou seja, superar a 
particularidade técnica pela universalidade do bem comum ou da ordem justa. De sobre isso decidir não 
pode abrir mão. 
 
 
Notas 
 
* Conferência pronunciada na abertura do Congresso Euro-Americano dos 
Tribunais de Contas e no encerramento do ano letivo do Curso de Direito da 
Faculdade de Direito do Médio Piracicaba. 
 
1 Não se cogita de indagar a origem histórica do poder, se na força militar ou 
não. Ver Foucault, Michel. Resumo dos Cursos do Collège de France (1970-
1982). Trad. Andrea Daher. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. p. 71. Ver Bastos, 
Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 12. 
 
2 Cf. Hauriou, Maurice. La Teoria de la Instituitión y de la Fundación. Trad. 
Arturo Henrique Sampay. Buenos Aires: Perrot, 1968. p. 31. 
 
3 Cf. Dobrowolski, Silvio. Grupos Sociais e Poder. Revista de Informação 
Legislativa, Brasília, n. 88, out./dez., 1980, p. 99 e segs. 
 
4 Aristóteles. Ética a Nicômaco, 1113b. Trad. Francisco de P. Samarandi. 
Madri: Aguilar, 1977. p. 1200-1201.5 Aristóteles. Metafísica, I, 981b. 
 
6 Vicente Barreto, em Poder e Autoridade, p. 33, fala em justificação pelo fim, 
tipos e medidas do poder. 
 
7 Cf. Salgado, Joaquim Carlos. A Idéia de Justiça em Kant. Belo Horizonte: 
Editora da UFMG, 1986. § 5º. 
 
8 Cf. Bonfante, Pietro. Historia del Derecho Romano. Trad. José Santa Cruz 
Teijeiro. Madrid: Rev. de Derecho Privado, 1944. p. 182-183. Mommsen. 
Disegno del Diritto Pubblico Romano. Milano: CELUC, 1973. p. 112. 
 
9 Maurício Godinho (Natureza Jurídica do Poder. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. 
p. 31) faz uma importante e clara exposição sobre esse tema. 
 
10 Cf. Baracho. Legitimidade do Poder. Revista de Direito Público, 70, p. 63. 
Oliveira, Janice Helena Ferreri. O Poder. Revista de Direito Constitucional e 
Política, Rio de Janeiro, 2 (3): 313-35, julho, 1984, p. 327. Ferreira Filho, 
Manoel Gonçalves. O Poder e seu Controle. Revista da Faculdade de Direito da 
USP, n. 79: 113-39, jan./dez. 1984, p. 121. 
 
11 O conceito de autonomia, privada ou pública, vem de Kant; em Habermas 
esse conceito não é claro; toma-o num sentido adaptado, não jurídico, nem 
moral, nem econômico (Faktizität und Geltung).

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