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MOVIMENTO E DESENVOLVIMENTO COGNITIVO Claudia Mendonça de Barros Volume 1 Coleção: 5 domínios do desenvolvimento infantil Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 2 Movimento e desenvolvimento cognitivo Sumário página 03 .......... A concepção dos 5 domínios do desenvolvimento página 05 .......... Relação entre movimento e cognição página 06 .......... As 2 inteligências página 07 .......... Linguagem página 11 .......... As 2 formas de pensar página 13 .......... Conceitos piagetianos página 15 .......... Estágios do desenvolvimento cognitivo página 27 .......... O desenvolvimento cognitivo segundo Vygotsky página 30 .......... Divergências entre as concepções de Piaget e Vygotsky página 31 .......... Bibliografia Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 3 Movimento e desenvolvimento cognitivo A concepção dos 5 domínios do desenvolvimento Iniciaremos nossos estudos a respeito de desenvolvimento infantil imaginando a seguinte situação: você está ministrando uma aula e durante uma atividade de deslocamento sobre uma superfície estreita (por exemplo, caminhar sobre uma corda estendida no piso da sala), observa que um de seus alunos se desequilibra constantemente. Você estranha este comportamento porque nas sessões anteriores essa mesma criança demonstrava facilidade para realizar tarefas de equilíbrio dinâmico. Como explicar esta repentina “desorganização corporal”? Na busca por respostas, você recorda que antes de iniciar a aula, essa criança apresentava uma expressão triste e relatou sentir saudades da mãe que estava viajando. Apesar de hipotética, a situação descrita acima é bastante comum na rotina de professores: alunos que costumavam apresentar domínio sobre determinada tarefa, repentinamente vivem momentos de “apagão”. Que tal nos debruçarmos sobre esta questão com um olhar crítico e sensível para analisar o processo? A falta de espontaneidade que acompanha os sentimentos de tristeza e apatia, resulta em um comportamento introvertido. Quando a criança se fecha sobre si mesma, com tendência de fechar também o seu corpo, apresenta um tônus excessivamente tenso, o que acarreta em prejuízo ao seu controle motor. Consequentemente demonstra dificuldade para realizar habilidades motoras de estabilização. Neste caso, o desequilíbrio afetivo é transferido para o corpo e o resultado é o desequilíbrio motor. Você consegue perceber a estreita relação que existe entre movimento e emoção? Além do domínio motor e do domínio afetivo que abordamos até o momento, o nosso comportamento também é modulado pelos domínios cognitivo, social e moral. Estes 5 domínios estão inter-relacionados e compõem uma unidade, representada por cada indivíduo. Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 4 Movimento e desenvolvimento cognitivo É importante entender que esta segmentação em “5 pedaços” é meramente teórica e válida apenas para fins didáticos. O nosso comportamento é o resultado de um sistema integrado e indissociável. A seguir apresentamos a área de abrangência de cada domínio do desenvolvimento. Domínio cognitivo (conhecer) Compreende o desenvolvimento do pensamento, do raciocínio, da memória, da linguagem e da criatividade. Domínio afetivo (sentir) Compreende o desenvolvimento das emoções e da personalidade. Domínio motor (fazer) Compreende o desenvolvimento da capacidade motora. Domínio social (relacionar) Compreende o desenvolvimento da capacidade de perceber e relacionar-se com os outros. Domínio moral (respeitar) Compreende o desenvolvimento de vários aspectos que contribuem para a formação do juízo moral, tais como: o entendimento das regras, o sentimento de culpa, a concepção sobre punição e a capacidade de cooperar. Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 5 Movimento e desenvolvimento cognitivo Relação entre movimento e cognição O entendimento de que o comportamento motor é o resultado de um sistema abrangente com 5 domínios integrados é transformador para o nosso ensino. O professor que incorpora esta abordagem, quando se depara com um aluno com dificuldade para corresponder aos desafios propostos na aula, busca outras alternativas, além da correção técnica, para promover mudanças qualitativas no seu desempenho. Como o tema do nosso curso se restringe ao movimento e à cognição, faremos um recorte do sistema integrado dos 5 domínios para nos aprofundarmos um pouco mais sobre a relação entre os domínios motor e cognitivo. Para iniciar os nossos estudos é importante entender que a origem da organização dos nossos pensamentos está justamente nas nossas ações motoras. É na relação dialógica entre o ato e o pensamento que a consciência se organiza. Imagine as mudanças no comportamento de um bebê ao longo do primeiro ano de vida. O seu amadurecimento é inegável, mas uma questão importante a ser considerada é a seguinte: todas as suas conquistas cognitivas são mediadas pelo corpo. Este fato se justifica porque o movimento antecede o raciocínio lógico. É através da motricidade que a criança explora o mundo ao seu redor e constrói conhecimento, percorrendo o caminho do desenvolvimento e da aprendizagem. Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 6 Movimento e desenvolvimento cognitivo As 2 inteligências A inteligência é anterior à linguagem falada. A criança, quando começa a verbalizar por volta dos 2 anos de idade, é capaz de falar sobre algum assunto justamente porque construiu o conhecimento sobre esse assunto antes, por intermédio de suas experiências motoras. Esta inteligência pré-verbal que antecede a linguagem falada é denominada inteligência prática. Na fase da inteligência prática, a criança ainda não é capaz de empregar a linguagem verbal, mas sim as suas ações e percepções. A inteligência prática é direcionada a um determinado fim e tem uma característica imediatista, ou seja, aplica-se no “aqui e agora”. Assim, quando uma criança pequena sobe em um banco para se debruçar sobre uma janela, sua ação corresponde a uma tentativa de solucionar um problema imediato: ela precisa alcançar a janela para enxergar alguma situação que chamou a sua atenção do lado de fora. O risco da queda é desconsiderado porque este traço de inteligência desconhece outros elementos que não fazem parte do objetivo específico da ação (enxergar o lado de fora). A partir do momento em que o desenvolvimento, o pensamento e a linguagem se unem, a criança passa a ser capaz de atuar em planos simbólicos e transitar por tempos e espaços ausentes dos quais se encontra. Assim, é possível imaginar, inventar, criar, e até mesmo recuperar situações que aconteceram no passado. Esta inteligência que atua no plano simbólico é denominada inteligência abstrata. Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 7 Movimento e desenvolvimento cognitivo Linguagem A comunicação é uma necessidade humana básica e implica na busca por entendimento e compreensão. O recurso que utilizamos para nos comunicar com os outros é a linguagem. Através da linguagem expressamos os nossos pensamentos e sentimentos. A linguagem corporal (não verbal) e a linguagem verbal são 2 formas de comunicação que se complementam e podem ser utilizadas simultaneamente, exceto no início da vida, quando a criança pequena ainda não acessa o recurso da verbalização e restringe o seu comportamento interativo à fala pré-linguística (choro, arrulho, balbucio e imitação) e à linguagem corporal. Linguagem corporal A linguagem corporal é a expressão da inteligência prática e corresponde à primeira forma de comunicação humana, utilizando os seguintes recursos: gestos, expressão facial, postura, ocupação do espaço (próximo ou distante) e toque. Até a aquisição da fala, a motricidade é a principal resposta às necessidades básicas da criança e aos seus estados emocionais e relacionais. Você percebe a importância do movimento para o desenvolvimento? O entendimento sobre esta fase em que a criança utiliza prioritariamente a linguagem corporal para se expressar é fundamentalpara o professor. Frequentemente precisamos mediar conflitos que acontecem em aulas direcionadas às crianças pequenas. Sem o recurso da fala disponível, resta à criança utilizar o seu corpo para se comunicar, o que justifica comportamentos como empurrões (ao invés de pedir licença), tapas (ao invés de dizer “não quero”), choros ou gritos (ao invés de responder “não gostei”) e assim por diante. Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 8 Movimento e desenvolvimento cognitivo Linguagem verbal: fala À medida que a criança amadurece e se apropria da fala, a linguagem verbal se mistura à linguagem corporal, enriquecendo o processo de comunicação. O nosso código linguístico é a língua portuguesa e para que possa existir uma comunicação verbal entre 2 pessoas, é necessário que o remetente codifique a mensagem que pretende transmitir (ou seja, transforme aquilo que intenciona comunicar em palavras) e o destinatário decodifique esta mensagem quando for recebida. As crianças entendem as palavras antes de conseguirem falar, sendo capazes de decodificar o código linguístico. Por volta de 9 ou 10 meses, os bebês começam a entender o significado de aproximadamente 30 palavras que são dirigidas a eles e ao mesmo tempo passam a utilizar gestos significativos para se comunicar (apontar, abrir e fechar uma das mãos, bater palmas, acenar para o tchau,...). Neste momento também se preparam para codificar a língua em um futuro próximo: os balbucios (repetições de sequências de consoantes e vogais, como: ma-ma-ma-ma) que até então experimentavam qualquer tipo de som (inclusive aqueles que não fazem parte da língua que estavam ouvindo), passam a reproduzir exclusivamente o padrão de som da língua nativa que está sendo ouvida pelos bebês. Até o final do 1º ano de vida, os bebês perdem a sensibilidade aos sons que não fazem parte da língua que costumam ouvir e em torno de 12 a 13 meses surgem as primeiras palavras. As palavras são símbolos que utilizamos para nomear coisas, pessoas ou ações. Quando pronunciamos “CASA”, imediatamente remetemos à imagem de um lugar para morar que contém telhado, janelas e porta. Esta imagem nos é revelada mesmo na ausência de uma casa concreta, ou seja, mesmo se não estivermos de frente para uma casa no momento em que falamos “CASA”. Esta capacidade de abstrair um objeto na ausência dele é adquirida aos poucos, o que justifica o lento desenvolvimento da verbalização no primeiro período de uso das palavras (entre 12 e 18 meses), quando as crianças podem aprender a dizer até 30 palavras relacionadas a contextos específicos. Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 9 Movimento e desenvolvimento cognitivo Quando atingem um limiar entre 100 e 200 palavras (na maioria dos casos entre 18 e 24 meses), as crianças começam a produzir frases curtas e simplificadas, restritas às palavras essenciais para o entendimento do contexto. Assim, a criança pode pronunciar “Bobó endo”, ao invés de dizer “Vovó está varrendo o chão”. Esta verbalização característica deste momento do desenvolvimento da linguagem é denominada fala telegráfica. Entre 16 e 24 meses, o desenvolvimento do repertório linguístico se acelera e as crianças começam a acrescentar palavras novas a sua fala rapidamente, de tal forma que aos 24 meses grande parte das crianças consegue falar em torno de 320 palavras. Durante este período de rápido crescimento do vocabulário, a maior parte das palavras novas são substantivos que nomeiam objetos ou pessoas. Os verbos se desenvolvem mais tarde porque denominam relacionamentos entre objetos e não somente objetos individuais, ou seja, recrutam uma capacidade que ainda não está disponível ao bebê antes dos 18 meses de associar palavras às ações. A velocidade do desenvolvimento da fala é impressionante a partir do 2º ano de vida. Com 30 meses, a criança consegue pronunciar cerca de 600 palavras e aos 5 anos, o vocabulário aumenta para 15.000 palavras. Além de mediar a comunicação com os outros, a fala para a criança pequena também é utilizada para controlar seu próprio comportamento. É muito comum observarmos crianças entre 2 e 4 anos falando sozinhas enquanto brincam, seja narrando suas atividades, seja manifestando seus próximos passos. Logo após terminar de pintar, por exemplo, uma criança pode dizer para si mesma: “agora vou colocar o desenho para secar”. Este discurso particular claramente tem uma característica auto orientadora e tende a aumentar quando a criança está tentando solucionar problemas ou realizar tarefas difíceis, sem supervisão de um adulto. Um ponto importante a ser considerado no desenvolvimento da fala diz respeito à quantidade e qualidade da linguagem que uma criança ouve. Neste sentindo é fundamental que o educador apresente bons modelos à criança. Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 10 Movimento e desenvolvimento cognitivo É desnecessário e inadequado apontar o erro gramatical pronunciado pela criança, com pontuações como: “não é assim que se fala, preste atenção em como eu falo”. Este tipo de diálogo não favorece o desenvolvimento da fala, ao contrário, pode bloqueá-la. Uma dica interessante é repetir a fala telegráfica de forma ligeiramente mais longa e gramaticalmente mais correta. Por exemplo, após ouvir de uma criança “busa mamãe”, uma intervenção possível do educador seria afirmar em seguida: “esta é a blusa da mamãe”. Linguagem verbal: escrita A partir de 5/6 anos, as crianças continuam aumentando o seu vocabulário com uma média de 5 a 10 mil palavras novas por ano. Este crescimento no repertório linguístico é acompanhado por uma capacidade crescente de abstrair e trabalhar com símbolos para representar objetos, pessoas ou situações. Em um determinado momento do amadurecimento cognitivo o entendimento sobre os símbolos permite à criança decodificar os desenhos que representam a sua própria fala, passando a fazer uso da linguagem escrita. Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 11 Movimento e desenvolvimento cognitivo As 2 formas de pensar Na conversa com crianças pequenas costumamos ouvir frases curiosas, com uma lógica muito peculiar. Se você pergunta, por exemplo, por que a Lua aparece à noite, pode ouvir como resposta: "ela queria sempre estar de dia, mas brigou com o Sol”. Uma outra possibilidade é deparar-se com uma narrativa com temas misturados, revelando descontinuidade do pensamento: “a lua aparece de noite porque dormiu de dia e hoje quando estava sol, eu andei de cavalo depois que acordei”. O tipo de fala descrito nas linhas acima reflete a forma como o pensamento da criança pequena está estruturado, tendo sido denominado pensamento sincrético pelo educador francês Henri Wallon. Sincretizar significa reunir, e é exatamente isso que os pequenos fazem: ao tentar explicar os fatos, embaralham em um mesmo plano diferentes temas, espaços, tempos, pessoas, realidade e fantasia, sem distinção. Essa aparente confusão ocorre porque a criança ainda não é capaz de colocar os objetos em um sistema de categorias pré-estabelecido, no qual cada coisa tem um único significado. Quando tenta explicar o mundo a sua volta ou responder a algum questionamento, a criança utiliza alguns recursos característicos do pensamento sincrético. São eles: 1) Fabulação -.Tentativa de preencher as lacunas da narrativa com invenções. Ex: “Quando eu estava passeando com o meu pai e o meu irmão, ele fêz cocô na calça. Daí, o meu pai deixou ele preso dentro da prisão.” 2) Tautologia - Definição do conceito pela repetição do termo. Ex: “O cabelo fica molhado quando estou no banho porque eu fico muito na água.” 3) Elisão - Conversas incompletas, com omissão de alguns termos ou ausência de respostas, fugindo do tema central e passando para outro assunto diferente. Ex: “O barco bóia porque é de madeira. Às vezes a gente monta quebra-cabeças”. Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 12 Movimento e desenvolvimento cognitivo Este estado de indiferenciação do pensamento da criança pequena, aonde tudo estáembaralhado, se organiza progressivamente, passando para um estado de diferenciação com um novo padrão de pensamento denominado por Henri Wallon de pensamento categorial. No pensamento categorial, a criança é capaz de realizar diferenciações, organizando a realidade em categorias que discriminam os objetos e as tarefas essenciais do conhecimento. Esta nova forma de pensar possibilita à criança identificar, analisar, definir, sintetizar e comparar com maior precisão e coerência. O pensamento categorial começa a se desenvolver por volta dos 6 anos, consolidando-se em torno de 9 a 10 anos, sendo construído à medida que a criança experimenta situações sociais diversas e tem oportunidade de confrontar aquilo que pensa com pessoas que possuem bagagens culturais diferentes. Desta forma, o pensamento categorial é totalmente dependente da cultura. Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 13 Movimento e desenvolvimento cognitivo Conceitos piagetianos Há vários autores importantes na área de desenvolvimento infantil cujas teorias serão abordadas ao longo dos nossos cursos, mas especificamente neste módulo a respeito de cognição optamos por abordar os estágios cognitivos propostos pelo suíço Jean Piaget. Piaget entendia a inteligência como resultante e resultado das experiências de um indivíduo. De acordo com este autor, as experiências permitem que o sujeito se transforme, na medida em que integra e incorpora o mundo. Assim, o sistema cognitivo é extremamente ativo na construção do conhecimento, ou seja: o conhecimento não representa uma mera cópia da informação porque a mente não aceita esta informação de forma passiva. Ao contrário: a mente constrói estruturas de conhecimento enquanto capta, interpreta, transforma e reorganiza novas informações. Há 2 processos inter-relacionados que promovem o desenvolvimento cognitivo: organização e adaptação. Vamos estudar um pouco mais esses conceitos? Organização Para Piaget, do ponto de vista estrutural, a inteligência representa uma organização de processos. Estes processos são denominados esquemas e referem-se a padrões de comportamentos ou padrões de pensamentos. À medida que a criança se desenvolve, seus esquemas se reorganizam e tornam- se cada vez mais complexos. Assim, no início da vida, o bebê possui um repertório de esquemas extremamente simples (olhar, provar, tocar, ouvir, agarrar,...) e ao longo do desenvolvimento gradualmente são adquiridos esquemas mais complexos (categorizar, comparar, analisar, descrever, etc). Um nível superior de inteligência não necessariamente é obtido a partir de um acúmulo de informações, mas sobretudo a partir de uma reorganização da própria inteligência. Desta forma, amadurecer é reorganizar a inteligência. Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 14 Movimento e desenvolvimento cognitivo Adaptação Do ponto de vista funcional, para Piaget a inteligência representa uma adaptação. Os processos de inteligência têm como finalidade garantir que o indivíduo sobreviva, adaptando-se ao meio. Há 3 processos envolvidos na adaptação: assimilação, acomodação e equilibração. A assimilação refere-se à ação de absorver alguma informação nova e incorporá-la a um esquema pré-existente. Desta forma, assimilar diz respeito a adaptar os estímulos externos às estruturas mentais internas do sujeito. A acomodação complementa a assimilação porque modifica o esquema, ajustando-o para que a nova informação possa ser integrada. Portanto, acomodar significa adaptar as estruturas mentais internas do sujeito aos estímulos externos. É na relação dialógica entre o interno-cognitivo e o externo-ambiental que o conhecimento é construído. Para que um indivíduo consiga adaptar-se ao ambiente, é necessário que ele seja capaz de assimilar as informações provenientes do mundo exterior e acomodar a si próprio neste mundo exterior. O processo de equilibração refere-se ao esforço constante do indivíduo para atingir o equilíbrio, sendo responsável por conectar a assimilação à acomodação. É natural que a novidade. resulte em um certo desconforto. No contato inicial com um conhecimento novo (objeto, movimento, conceito ou evento), pode ocorrer um conflito, gerando um desequilíbrio. Para apropriar-se do novo objeto de conhecimento é necessário que o indivíduo se acomode a ele, buscando restabelecer o equilíbrio. Desta forma, a equilibração caracteriza-se como um processo dinâmico de equilíbrio, desequilíbrio e reequilibração. O desenvolvimento da inteligência, portanto, ocorre através de alterações sucessivas entre continuidade e descontinuidade. Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 15 Movimento e desenvolvimento cognitivo Estágios do desenvolvimento cognitivo De acordo com Piaget, há 4 estágios sequenciais de desenvolvimento cognitivo, delimitados por 3 momentos muito significativos de reorganização dos esquemas. Cada um destes 3 momentos corresponde ao início de um novo estágio de desenvolvimento, com saltos na qualidade da inteligência. O primeiro momento de reorganização ocorre entre 18 e 24 meses, quando a criança muda sua dominância de esquemas sensoriais e motores para o uso dos primeiros símbolos, representando a transição entre o estágio sensório motor e o estágio pré-operatório. O segundo momento de reorganização ocorre entre 5 e 7 anos, quando a criança acrescenta à sua estrutura cognitiva um novo conjunto de esquemas operativos que a permitem pensar de forma lógica. Este momento representa a transição entre o estágio pré-operatório e o estágio operatório concreto. O terceiro momento de reorganização ocorre na adolescência, quando o jovem passa a operar sobre ideias abstratas, sendo capaz de formular hipóteses. Este momento representa a transição entre o estágio operatório concreto e o estágio operatório formal. Estágio sensório motor (0 a 2 anos) O estágio sensório motor é a fase do desenvolvimento da criança na qual a linguagem verbal e a manipulação simbólica ainda não são empregadas, mas sim suas ações (motor) e percepções (sensório). No estágio sensório motor a inteligência é prática, manifestando-se através da motricidade. Se você precisar recordar o conceito de inteligência prática, retorne ao capítulo 2 “As 2 inteligências”. Como o estágio sensório motor é o primeiro momento do desenvolvimento cognitivo, podemos concluir que a inteligência tem origem na ação motora. Observe como novamente estamos constatando a estreita relação entre movimento e cognição. Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 16 Movimento e desenvolvimento cognitivo O estágio sensório motor é dividido em 6 subestágios que progridem de um para o outro à medida que os padrões de pensamento e de comportamento do bebê tornam-se mais elaborados. Estudaremos a seguir o comportamento do bebê nos 6 subestágios. 1) Uso de reflexos (nascimento até 1 mês) No primeiro mês de vida, os bebês são guiados por seus reflexos inatos, sendo ainda incapazes de coordenar as informações dos sentidos. Um exemplo de comportamento do bebê nesta fase é o ato de sugar. 2) Reações circulares primárias (1 a 4 meses) No início do 2º subestágio, o comportamento do bebê começa a coordenar diferentes sentidos e ações: olhar e escutar (volta-se em direção ao som), estender o braço e olhar, estender o braço e sugar, etc. O conceito de reações circulares primárias faz referência às ações em torno do seu próprio corpo (como por exemplo sugar o polegar) que foram descobertas por mero acaso e passam a ser repetidas intencionalmente pelo bebê para reativar uma sensação de prazer. 3) Reações circulares secundárias (4 a 8 meses) No 3º subestágio, o bebê inicia o seu entendimento a respeito do conceito de objeto, apropriando-se da ideia de que cada objeto possui uma existência própria e uma determinada localização no espaço. Este entendimento é importante por ser a base para a construção da consciência de si mesmo: o bebê passa a perceber que ele próprio é um objeto em um mundo repleto de outros objetos. Como este curso se propõe a apresentara relação entre o desenvolvimento cognitivo e o movimento, cabe agora uma reflexão. Em função do processo de amadurecimento do Sistema Nervoso Central, a fase entre 4 e 8 meses é um momento importante do desenvolvimento motor. Neste intervalo de tempo, os reflexos primitivos do bebê gradualmente vão sendo inibidos e substituídos por movimentos voluntários. Embora ainda de maneira muito rudimentar, o bebê passa a controlar movimentos importantes, como: alcançar e agarrar objetos, rolar o tronco, arrastar-se, sentar, executar a preensão palmar e a pinça digital. Estas experiências motoras são fundamentais porque nos meses logo após o nascimento, o bebê ainda não se diferencia do meio que o circunda. À medida que ganha mais autonomia sobre seus movimentos, este processo de diferenciação acontece: gradativamente o bebê constrói a percepção sobre contornos e limites dos objetos do mundo e sobre seus próprios contornos e limites. Neste processo de aquisição do conceito de objeto, por volta de 6 a 8 meses o bebê passa a reconhecer objetos que estejam parcialmente cobertos. Se um brinquedo favorito for colocado sob uma coberta com uma parte à mostra, o bebê pegará o brinquedo, sinalizando que reconheceu que o objeto inteiro estava lá, mesmo que apenas uma pequena parte dele pudesse ser vista. Um outro comportamento característico deste estágio é denominado ações circulares secundárias. Assim como no período anterior, o bebê repete intencionalmente algumas ações para reviver uma sensação de prazer, porém no subestágio 3 estas ações são orientadas para objetos externos a seu corpo, como por exemplo: derrubar repetidamente um objeto no chão, bater em um móbile para que ele se mova, agitar um chocalho, etc.. 4) Coordenação de esquemas secundários (8 a 12 meses) No 4º subestágio, o bebê passa a utilizar meios conhecidos para conseguir um objetivo novo, tornando-se capaz de modificar e coordenar esquemas adquiridos anteriormente (engatinhar, empurrar, agarrar,...) para conquistar uma meta. Esta conquista é denominada diferenciação entre meios e fins e pode ser exemplificada pela seguinte experiência: é apresentada uma bola para um bebê de 6 meses e em seguida esta bola é colocada atrás de uma almofada, enquanto o bebê a observa.. Ao constatar que a bola está escondida, o bebê começa a chorar. Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 17 Movimento e desenvolvimento cognitivo Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 18 Movimento e desenvolvimento cognitivo Embora já tenha adquirido a habilidade de pegar tanto a bola quanto a almofada, não lhe ocorre tirar a almofada da frente e posteriormente pegar a bola. Esta situação ilustra a incapacidade do bebê no subestágio 3 de realizar a diferenciação entre meios e fins, onde retirar a almofada representa o meio e pegar a bola representa o fim. A partir do 4º subestágio, o bebê torna-se capaz de associar estas 2 condutas, coordenando o esquema de afastar a almofada com o esquema de pegar a bola. Uma outra conquista importante do 4º subestágio está relacionada ao objeto permanente. Embora a noção de objeto tenha sido construída no 3º subestágio, naquele momento o bebê ainda não era capaz de atribuir existência a um objeto que estivesse fora do seu campo perceptivo. A partir do 4º substágio, com a aquisição da noção de objeto permanente, o bebê concebe a ideia de que os objetos continuam a existir mesmo quando não são mais visíveis e então passa a procurar um brinquedo que foi coberto totalmente. Propondo novamente uma reflexão sobre a relação entre movimento e cognição, é interessante observarmos como a noção de objeto permanente é impulsionada pelo movimento. Enquanto o bebê depende dos outros para se deslocar, seja no colo ou no carrinho, sua observação do ambiente fica submissa às possibilidades que são criadas pela pessoa responsável por seu deslocamento. É difícil construir a ideia de objeto permanente se não há oportunidade para rever o objeto que foi visto há muito pouco tempo atrás. Por outro lado, à medida que se desloca de forma autônoma (rastejando, engatinhando ou trocando passos), o bebê tem a oportunidade de ir e vir, revisitando objetos vistos há poucos segundos e consequentemente construindo a ideia de que mesmo enquanto não estão sendo vistos, os objetos continuam existindo. É também no subestágio 4 que o bebê inicia o entendimento sobre associações entre causa e efeito. É muito comum que um bebê de 1 ano de idade acione o interruptor de luz diversas vezes, enquanto observa a lâmpada acender e apagar. Com este tipo de experiência, o bebê passa a perceber que os objetos do mundo (inclusive ele próprio) interagem e causam efeitos entre si. Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 19 Movimento e desenvolvimento cognitivo 5) Reações circulares terciárias (12 a 18 meses) No 5º subestágio, a atividade exploratória torna-se mais evidenciada através das reações circulares terciárias, caracterizadas não só pela repetição de uma ação, mas sobretudo pela variação desta ação. O bebê repete, varia e complica propositadamente na busca pelo mesmo resultado obtido anteriormente, em um constante comportamento exploratório de tentativa e erro. Assim, o bebê poderá pisar em uma bola de borracha para verificar se faz o mesmo barulho que ele escuta quando a aperta com as mãos. Outra característica importante deste subestágio, é a capacidade maior de seriar e memorizar acontecimentos. O bebê aprende a procurar um objeto no local aonde foi visto pela última vez, embora ainda não consiga encontra-lo se for preciso procurar em outro lugar, aonde não o viu escondido. Nesta fase do desenvolvimento, o bebê também aprende sobre as relações espaciais entre os objetos, na medida em que experimenta empilhar, desempilhar, colocar e tirar de um recipiente. 6) Combinações mentais (18 a 24 meses) O 6º subestágio é uma transição para o estágio pré-operatório, com utilização de símbolos, como: palavras, imagens e números. Neste subestágio, o bebê é capaz de reproduzir na memória um evento, um objeto ou uma pessoa que não esteja presente no momento. Assim, gradativamente deixa de recorrer ao modelo de tentativa e erro para solucionar problemas e passa a pensar nas ações antes de realiza-las, antecipando suas consequências. Estágio pré-operatório (2 a 7 anos) O conceito fundamental do estágio pré-operatório é a representação, definida como a capacidade de pensar em um objeto através de outro objeto. Ao representar, a criança utiliza símbolos mentalmente, tais como: palavras, números e imagens. Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 20 Movimento e desenvolvimento cognitivo Por volta dos 2 anos, a criança entra neste mundo de representações e sua inteligência que era prática no estágio sensório motor, passa a ser simbólica, ou seja: a criança passa a interiorizar informações, representando mentalmente as experiências adquiridas. Os símbolos ajudam as crianças a lembrar e pensar em coisas que não estão fisicamente presentes. Ao olhar uma foto de um elefante ou pronunciar a palavra “elefante”, a criança imediatamente remete a um animal pesado, com tromba e orelhas grandes, muito embora não esteja na presença deste animal. Os seguintes comportamentos emergem com a capacidade de representar: desenhar, brincar de faz de conta, se reconhecer no espelho, imitar e falar. Uma característica importante do estágio pré-operatório é o egocentrismo, que consiste na incapacidade de compreender outro ponto de vista que não seja o seu. Assim, a criança supõe que todas as outras pessoas enxergam o mundo como ela própria enxerga, com pensamentos, percepções e sentimentos idênticos aos seus. Como exemplo, uma criança na fase pré-operatória que possui vários carrinhos de brinquedo, pode fazer o seguinte questionamento a um adulto: “cadê o meu carrinho?”. É difícil para este adulto discernir sobre qual carrinho a criança está se referindo, mas não ocorre a esta criança a possibilidade de apresentar informações mais precisas do brinquedo (cor,tamanho, etc) que facilitem a sua identificação porque como ela sabe de qual carrinho está falando, imagina que o adulto também saiba. O comportamento egocêntrico da criança na fase pré-operatória também se manifesta na sua relação com o próprio corpo, que representa um ponto de referência em relação a todos os outros componentes do espaço que a cerca. Por exemplo, se a criança estiver no 2º andar de um prédio, sempre irá considerar o piso deste andar como “embaixo”, independentemente deste mesmo piso representar “acima” para o morador do 1º andar. Como na relação com o seu corpo o piso está embaixo, ela generaliza esta regra e não consegue relativizar as direções. Os conceitos frente, atrás, em cima, embaixo, dentro, fora e lado são construídos exclusivamente de acordo com a posição do seu próprio corpo. Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 21 Movimento e desenvolvimento cognitivo O estágio pré-operatório é dividido em 2 momentos distintos: a fase do pensamento pré-conceitual e a fase do pensamento intuitivo. Estudaremos a seguir o comportamento da criança nestes 2 subestágios. 1) Fase pré-conceitual (2 a 4 anos) Na fase pré-conceitual, o pensamento é dominado pela imaginação, transformando fantasia em realidade e sendo construído por imagens ao invés de ser construído por conceitos. O termo “preconceito” refere-se a um tipo de pensamento que é intermediário entre o símbolo imaginado e o conceito propriamente dito. O conceito carece de generalização e nesta fase a criança ainda trabalha com partes sem integrá-las para construir um todo. Por exemplo,, quando pensa na palavra “cachorro”, atribui este significado somente aquele cachorro que ela conhece, sem generalizar esta palavra para toda a classe de cachorros. Portanto, na fase pré-conceitual, a criança raciocina de preconceito para preconceito. Fazendo um paralelo com a motricidade, é interessante observarmos que esta dificuldade na integração das partes para formação do todo também pode ser percebida nos movimentos, que apresentam um uso exagerado ou limitado do corpo, com ritmo e coordenação ineficientes. A seguir serão enumeradas algumas características da fase pré-conceitual. Justaposição. Justapor é reunir partes sem articulá-las e sem chegar ao todo. Embora a criança pré-operatória seja capaz de classificar alguns objetos e situações em 2 categorias (boa/má, legal/chata, etc), ainda apresenta algumas limitações para identificar similaridades e diferenças. Ex: Ao observar 2 buquês de flores, sendo um de rosas e outro de margaridas, e ser questionada se há mais rosas ou mais flores, Isabela não consegue responder. Transdução. Fazer implicações entre 2 fatos que não apresentam uma relação lógica, pulando de um detalhe para outro e identificando uma causa aonde não há. Ex: Luís não Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 22 Movimento e desenvolvimento cognitivo emprestou uma bola para sua irmã. Sua irmã ficou doente em seguida e Luis concluiu que ele foi o responsável pela sua doença. Sincretismo. Fusão de vários elementos aleatórios sem a mediação da lógica, que resultam em generalizações indevidas. Ex: Mariana é orientada a não chupar uma determinada laranja porque está verde e posteriormente recusa-se a comer um abacate porque este é verde. Centração. Incapacidade para descentrar, levando em conta somente aqueles aspectos mais aparentes que chamam a sua atenção em uma determinada situação e negligenciando os demais. Ex: Francisco chora quando recebe 2 partes de um biscoito que foi partido ao meio. Como cada parte é menor do que o biscoito inteiro, ele entende que está recebendo menos. Irreversibilidade. Não entende que algumas operações ou ações podem ser revertidas, retornando ao ponto de partida. Ex: Francisco não percebe que os 2 pedaços do biscoito podem ser colocados lado a lado para formar o biscoito inteiro. Pensamento estático e imóvel. Não entende a importância da transformação entre os estados. Ex: Ana não entende que transformar a forma de um líquido, passando de um balde para uma jarra, não altera a sua quantidade. Animismo. Atribuição de vida a objetos inanimados. Ex: Gustavo afirma que as estrelas iluminam o céu para que o sol durma sem medo da escuridão. Realismo. Atribuição de uma existência física às realidades psicológicas de desejos, medos e fantasias. Ex: Pedro tem certeza que o Lobo Mau real e não uma ficção. Artificialismo. Crença de que os objetos físicos e os acontecimentos naturais são produzidos por pessoas. Ex: Lorena acredita que o céu foi pintado por um grande artista. Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 23 Movimento e desenvolvimento cognitivo Finalismo. Crença de que nada acontece por acaso, ou seja: tudo apresenta uma justificativa finalista, existindo em função da finalidade que cumpre. Ex: Felipe pensa que as professoras moram na escola e esperam por ele todos os dias. 2) Fase intuitiva (4 a 7 anos) Por volta de 4 anos, o pensamento mágico do subestágio anterior que era dominado pela imaginação passa a ser dominado pela percepção e pela aparência dos objetos e das situações. Embora menos fantasioso, o pensamento intuitivo ainda apresenta as características de transdução e irreversibilidade. Por outro lado, a criança nesta fase está menos centrada em si mesma, com progressos na capacidade de conceituar e tentativas de agrupamento na medida em que busca relações entre os traços de uma realidade. Esta busca por integrar pedaços para formar um todo também se expressa na motricidade. Por volta dos 5 anos, em função de um processo de amadurecimento do Sistema Nervoso Central, há um salto qualitativo na coordenação motora, resultando em movimentos mais eficientes e controlados. Estágio operatório concreto (7 a 12 anos) O estágio operatório concreto marca o início da organização lógica do pensamento. Nesta fase, a criança conquista a capacidade de operar mentalmente para resolver problemas concretos, transformando a inteligência simbólica do estágio pré-operatório em inteligência conceptual. A característica essencial da operação é a reversibilidade, que consiste no entendimento de que as ações físicas e mentais podem ser dirigidas ao seu final e revertidas para o seu ponto de partida. Por exemplo: tanto uma criança de 5 anos (pré-operatória) quanto uma criança de 8 anos (operatória concreta) podem afirmar que a distância de São Paulo até Campinas é 100km, entretanto, Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 24 Movimento e desenvolvimento cognitivo ao serem questionadas a respeito da distância de Campinas até São Paulo, a criança de 8 anos responde prontamente 100km, mas a criança de 5 anos não sabe responder. No estágio operatório concreto, a capacidade de reflexão se restringe às situações conhecidas que já tenham sido experimentadas. Isto significa que neste momento do desenvolvimento, a criança ainda não consegue aplicar sua lógica em situações puramente hipotéticas, que não sejam conhecidas ou não tenham sido vividas. Na relação com o corpo, a criança operatória concreta conhece e localiza todas as suas partes, tendo construído o esquema postural, que corresponde à representação mental estática do seu corpo. A seguir enumeramos algumas habilidades cognitivas adquiridas pela criança na fase operatória concreta. Reversibilidade. Reverter significa pensar em uma ação e na anulação desta mesma ação, retornando à forma original. As ideias podem ser retomadas, a situação original pode ser restaurada e as coisas transformadas podem voltar as suas origens. Ex: Se A é maior que B, então B é menor que A. Conservação Capacidade de reconhecer a seguinte situação: se nada for retirado ou acrescentado, a quantidade permanecerá igual, mesmo que seu conteúdo seja reorganizado.. Ex: Se uma bola de massinha for manipulada e transformada em uma forma de minhoca, a criança operatória concreta entende que a quantidade de massinha continua a mesma. A criança pré-operatória, no entanto, seria enganada pela aparência, imaginando quena forma de minhoca há mais massinha do que na bola, porque o comprimento da minhoca parece maior. Princípio de identidade. Busca as identidades e diferenças além do percebido. Ex: No exemplo anterior, a criança percebe que embora a forma de bola tenha se transformado em minhoca, o material continua sendo massinha. Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 25 Movimento e desenvolvimento cognitivo Descentração. Levam em conta vários aspectos da situação, e não somente os mais aparentes.. Ex: No exemplo da bola e da minhoca de massinha, a criança não se atém exclusivamente ao comprimento (que é mais aparente), mas também a outras dimensões, como a largura e a altura. Categorização. Capacidade de classificar em categorias, organizando e compreendendo melhor o mundo a partir da identificação de semelhanças e diferenças. A criança pode classificar os objetos em um aspecto e desclassifica-los em outro. Ex: Organizar objetos em categorias, tais como: cor, forma, tamanho ou ambos. Inclusão de classes. Ideia de que classes subordinadas estão incluídas em classes maiores, percebendo a relação entre um todo e suas partes. Ex: Maçãs estão incluídas na classe frutas. Frutas estão incluídas na classe alimentos. Seriação. Capacidade de organizar objetos em série, de acordo com uma ou mais dimensões, como peso (do mais leve para o mais pesado) e cor (da mais clara para a mais escura). Ex: Organizar uma fileira de lápis de cor, seguindo o padrão do mais claro para o mais escuro. Inferência transitiva. Compreensão da relação entre 2 objetos, conhecendo-se a relação de cada um deles com um terceiro. Ex: Se A é maior do que B e B é maior do que C, então A é maior do que C. Raciocínio indutivo. Tipo de raciocínio lógico que parte de observações particulares sobre membros de uma classe de pessoas, animais, objetos ou eventos para uma conclusão geral sobre aquela classe. A partir da sua experiência, a criança constrói regras amplas. Ex: Todos os cachorros latem. Rex é um cachorro. Rex la Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 26 Movimento e desenvolvimento cognitivo Estágio operatório formal (a partir de 12 anos) No estágio operatório formal, o adolescente adquire a capacidade de aplicar a lógica a objetos e contextos puramente hipotéticos, sem que seja necessário o conteúdo concreto no argumento.. Isto significa que além de considerar aquilo que é verdade, o adolescente também consegue imaginar possibilidades sobre aquilo que poderia ser verdade. A inteligência conceptual da criança operatória concreta torna-se abstrata na fase operatória formal, com as operações mentais atingindo um nível tão alto de abstração que permitem ao adolescente utilizar símbolos até mesmo para representar outros símbolos. Como exemplo, em álgebra a letra X pode representar um número desconhecido em uma equação. Uma característica importante do pensamento abstrato diz respeito à forma como as operações mentais são elaboradas, através do raciocínio hipotético dedutivo. O adolescente pode pensar simultaneamente em várias hipóteses para solucionar um problema e colocar estas hipóteses à prova através de experiências práticas ou através exclusivamente de operações mentais. A capacidade de formular hipóteses também se expressa na relação do adolescente com os movimentos. Tendo adquirido o esquema corporal com a representação mental do seu corpo em movimento, o adolescente consegue antecipar ações motoras, trabalhando de uma forma mais eficiente com movimentos que demandam estruturação temporal. Por exemplo, é capaz de realizar uma cortada no voleibol porque observa o momento em que a bola sai das mãos do levantador e consegue estimar o tempo necessário para iniciar seu movimento, saltar e tocar na bola. Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 27 Movimento e desenvolvimento cognitivo O desenvolvimento cognitivo segundo Vygotsky O psicólogo russo Lev Vygotsky é um autor de grande reconhecimento na área de desenvolvimento cognitivo. Sua teoria sociocultural entende o desenvolvimento como um processo colaborativo, com a cognição sendo ancorada na interação social. Vygotsky entendia que o homem não nasce humano, ou seja, não nasce pronto, mas se humaniza a partir do contato com o grupo social. Desta forma, o desenvolvimento social é anterior ao desenvolvimento individual porque as formas complexas de pensamento são adquiridas a partir da internalização da cultura. É através do contato com outros indivíduos que se desenvolvem as funções psicológicas superiores, relacionadas ao controle voluntário, à consciência, ao discernimento e à intencionalidade. Os adultos ou crianças mais velhas organizam e direcionam a aprendizagem de tal forma que ao interagir com eles, a criança recebe modelos que serão internalizados, o que desencadeia o seu desenvolvimento cognitivo. A internalização não é uma mera cópia de padrões culturais, ao contrário: internalizar consiste em reinterpretar (ou seja, transformar para si mesmo) as informações recebidas do meio, com base na sua própria história de vida. Pensamento e linguagem A criança nasce em um meio falante e à medida que internaliza a cultura, se apropria da linguagem. Segundo Vygotsky, o principal instrumento do pensamento é a linguagem. Embora o pensamento não seja expresso somente em palavras, é através delas que passa a existir. As funções da linguagem são as seguintes: Comunicação → fala e escrita. Orientação temporal → os verbos conjugados no presente, passado e futuro, permitem transitar pelo tempo em termos simbólicos. Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 28 Movimento e desenvolvimento cognitivo Pensamento generalizante → ao nomear algo, estamos realizando uma classificação. Por exemplo: a palavra cachorro possibilita a classificação do mundo em 2 categorias: tudo o que é cachorro (animais com características muito específicas) e tudo o que não é cachorro (cachorro não é sapato, não é gato, não é girafa, etc.). Concepção da ausência → os termos que se referem à negação, permitem construir a ideia de inexistência, zero ou nenhum. Zona de desenvolvimento proximal A distância entre aquilo que a criança é capaz de realizar sozinha (ou seja, seu nível de desenvolvimento real) e aquilo que a criança pode vir a realizar sem assistência (nível de desenvolvimento potencial) é denominada zona de desenvolvimento proximal. A zona de desenvolvimento proximal representa o espaço que deve ser ocupado pelo ensino. Alguns seguidores de Vygotsky utilizam a analogia de um andaime para identificar a área de atuação do professor neste processo. Assim como a função do andaime tem uma duração limitada, oferecendo suporte aos trabalhadores de uma construção enquanto a mesma não está finalizada, os professores, pais ou cuidadores devem prover uma assistência temporária às crianças na zona de desenvolvimento proximal, até que elas atinjam condições de realizar a tarefa sem auxílio, de forma autônoma. Vygotsky valorizava muito a figura do professor porque entendia que o indivíduo não é capaz de se desenvolver sem passar por experiências de aprendizagem que são resultados da intervenção deliberada de outras pessoas na vida dele. A importância da brincadeira Vygotsky valorizava a brincadeira como uma ferramenta fundamental para o desenvolvimento cognitivo. Há 2 questões a respeito das brincadeiras que merecem destaque, conforme descrito a seguir. Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 29 Movimento e desenvolvimento cognitivo 1) Na brincadeira, a criança está ao mesmo tempo transitando pelo mundo imaginário e pelo mundo das regras. Estas regras trazem para o mundo da criança referências culturais, na medida em que reproduzem o funcionamento das regras do mundo adulto. 2) Quando brinca, a criança se relaciona com o significado que atribuiu ao objeto e não com o próprio objeto. Por exemplo, ao brincar com um cabo de vassoura fingindo que é um cavalo, a criança está se relacionando com o significado “cavalo” e não com o objetocabo de vassoura. Isto também promove um descolamento do mundo perceptual imediato e faz com que ela se relacione com o mundo dos significados, auxiliando-a a entrar no trânsito do mundo simbólico, das representações, da língua, e das relações entre pensamento e linguagem, etc. Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 30 Movimento e desenvolvimento cognitivo Divergências entre as concepções de Piaget e Vygotsky Embora tanto Piaget quanto Vygotsky reconheçam a importância da interação com o ambiente para o desenvolvimento cognitivo, há uma diferença fundamental entre as 2 abordagens que merece destaque. Para Piaget, o amadurecimento biológico possibilita que o indivíduo raciocine de forma cada vez mais complexa. No seu entendimento, o desenvolvimento impulsiona a aprendizagem, ou seja, o indivíduo é capaz de aprender porque está em um determinado momento do seu desenvolvimento cognitivo. Por outro lado, Vygotsky considerava que a aprendizagem impulsiona o desenvolvimento. De acordo com a sua concepção, sem interação social, o amadurecimento biológico é ineficiente para aumentar a capacidade de raciocínio do indivíduo. Claudia M. Barros - www.movimentomirim.com 31 Movimento e desenvolvimento cognitivo Bibliografia BOYD, D. & BEE, H. (2011). A criança em crescimento. Porto Alegre: Artmed. BOYD, D. & BEE, H. (2011). A criança em desenvolvimento. Porto Alegre: Artmed. FONSECA, V. (2008). Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem. Porto Alegre: Artmed. FONSECA, V (2009). Psicomotricidade: filogênese, ontogênese e retrogênese. Rio de Janeiro: Wak. LE BOULCH, J. (1987). Educação psicomotora - A psicocinética na idade escolar. Porto Alegre: Artes Médicas. LE BOULCH, J. (2008). O corpo na escola no século XXI: práticas corporais. São Paulo: Phorte. PAPALIA, E. & FELDMAN, R. (2013). Desenvolvimento humano. Porto Alegre: AMGH . SALVADOR, C; MESTRES, M; GOÑI, J. & GALLART, I. (1999). Psicologia da educação. Porto Alegre: Penso.
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