Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CANABIDIOL (CBD): ANÁLISE QUÍMICA E MECANISMOS DE AÇÃO JOÃO VITOR ARAUJO QUEIROZ 1 INTRODUÇÃO A Cannabis sativa nas últimas décadas possuía uma imagem negativa, no qual ainda está ligada há um tabu social muito grande, pois é fortemente ligada ao tráfico de drogas, levando a população pensar em algo negativo sobre a planta. Com a descriminação e a liberação pra cultivo e venda em muitos países classificados como de “primeiro mundo”, houve uma explosão de debates sobre os efeitos terapêuticos da planta em todo planeta. O Canabidiol é um dos principais fitocanabinóides presentes na planta, mas diferente de um outro composto muito conhecido, o delta-9-tetraidrocanabinol (THC), ele não possui efeitos psicotomiméticos (PEDRAZZI et al., 2014) ou seja, não te deixa “doidão”. Na planta viva ou em material vegetal fresco, muitos canabinóides estão presentes na forma de ácidos carboxílicos, sendo necessário uma descaboxilação para transforma-los em suas formas neutras. 2 CANABIDIOL (CBD) A molécula de CBD foi isolada na década de 40 (ADAMS; HUNT; CLARK, 1940), porém só foi explicada nos anos 60 (Figura 1) por Raphael Mechoulam, professor israelense que com seu grupo de pesquisas determinou a estrutura e a disposição espacial dos átomos nas principais moléculas presentes nos canabinóides da Cannabis sativa, incluindo o CBD (MECHOULAM; SHVO, 1963). Figura 1. Estrutura química do CBD (NELSON et al., 2020). Com esse conhecimento químico, o interesse sobre os possíveis efeitos terapêuticos do CBD aumentou. Nos últimos anos, esse composto tornou-se alvo de vários estudos experimentais, revelando seu possível uso em várias áreas farmacológicas, como na ação analgésica e imunossupressora, efeitos sobre os distúrbios de ansiedade, tratamento dos sintomas decorrentes da epilepsia, esquizofrenia, doenças de Parkinson e Alzheimer. 2.1 EXTRAÇÃO DO ÓLEO O Canabidiol pode ser extraído de diferentes variedades tanto da Cannabis sativa quando da Cannabis indica, porém ele está presente em maiores concentrações do cânhamo, que é uma variedade da Cannabis sativa rica em fibra, possuindo maiores concentrações de CBD e pouca concentração de THC (teor de THC presente no cânhamo pode variar pela legislação do país). O óleo é um extrato solvente concentrado extraído do material orgânico da planta (flores e folhas) e dissolvido em um óleo comestível (pode ser utilizado o óleo de cânhamo). Os solventes utilizados para a extração do produto podem variar, mas os mais utilizados são os solventes orgânicos relativamente inócuos, como etanol e álcool isopropílico (HAZEKAMP, 2018). Outros componentes da planta são extraídos com os canabinóides desejados, e para melhorar a cor e sabor do produto final, é feito um tratamento no qual o extrato irá ficar numa temperatura de –20 a –80 °C por 24h a 48h. Dessa forma, os componentes com um ponto de fusão mais alto, como ceras e triglicerídeos, bem como a clorofila, irão precipitar, para que possam ser removidos por filtração ou centrifugação (PURI, 1980). 2.2 ESTRUTURA QUÍMICA O Canabidiol pode ser considerado como tendo um esqueleto tetrahidrobifenil, no qual temos: um núcleo bicíclico que representa um aduto (que é um produto da adição direta de duas ou mais moléculas diferentes, resultando em um único produto de reação contendo todos os átomos de todos os componentes iniciais, onde o resultado final é uma espécie molecular distinta) formado pelo monoterpeno, p- quimeno, e o derivado alquilresorcinol, olivetol (Figura 1) (NELSON et al., 2020). Os fitocanabinóides (que são canabinóides de ocorrência natural) sofrem mudanças durante o crescimento da planta (AIZPURUA-OLAIZOLA et al., 2016) formando moléculas com esqueleto distinto (Figura 2). Todas contêm um núcleo de olivetol (5-pentilresorcinol ou 5-pentil-1,3benzenediol) no qual um grupo hidroxila é substituído por uma cadeia do grupo alquil (NELSON et al., 2020). Figura 2. Em ordem temos: CBD, THC e CBC (Canabicromeno) (NELSON et al., 2020). 2.3 BIOSSINTESE A biossíntese do CBD começa por meio do pirofosfato de geranil (GPP), que ao interagir com o ácido olivetólico (OA) forma o ácido canabigerólico (CBGA). Esse ácido formado é o que da inicio a formação dos canabinóides primarios como o THC, CBD e CBC. Esses compostos são formados quando o CBGA é combinado com enzimas específicas (síntese ácida), onde origina-se a forma ácida desses compostos, que nesse caso forma o ácido canabidiólico (CBDA). Para a obtenção do CBD, basta apenas fazer uma descarboxilação do CBDA (Figura 3) (LUO et al., 2019). Figura 3. Biossíntese do Canabidiol (NELSON et al., 2020). 3 MECANISMOS DE AÇÃO Atualmente há um grande número de pesquisa sobre os mecanismos de ação do CBD, porém ainda não tem uma compreensão de como esse fármaco funciona. A maior parte dos resultados obtidos até então são provenientes de testes in vitro. A partir disso, sabe que o CBD tem baixa afinidade com os receptores CB1 e CB2 (MATOS et al., 2017), que são receptores do sistema endocanabinoide. Os receptores CB1 são distribuídos por todo organismo, sendo também encontrados no sistema nervoso central, onde são responsáveis pela maior parte dos efeitos psicotrópicos dos canabinoides. Já os receptores CB2 encontram-se principalmente no sistema imunológico e em áreas específicas do sistema nervoso central, como microglia e na região pós-sináptica (SAGAR et al., 2009). O CBD mostra uma possível propriedade ansiolítica. Ele parece atuar nos receptores serotonérgicos do tipo 5-HT1A, envolvidos na modulação da ansiedade e da depressão (GOMES et al., 2012). Apresenta também uma possível conexão com a anandamida (BROW, 2007), que é ativadora dos receptores vaniloides do tipo 1 (TRPV1), que atuam nos estímulos nociceptivos (ABRAHA; CHEN; MA, 2011) mostrando-se assim um possível ação anti- inflamatória e contra dores. Também há estudos sobre o fármaco exercer ações antiproliferativas e pró- apoptóticas (MASSI et al., 2013), ou seja, atuando sobre células cancerosas, assim poderia ser útil para o tratamento de vários tipos de câncer. O CBD apresentou incitar a apoptose pelos receptores CB2 e TRPV1, estando ligados as células MDA – MB – 231, que são células de tumor do câncer de mama (LIGRESTI et al., 2006). 3.1 ATUAÇÃO NA EPILEPSIA Uma ação comprovada com testes clínicos é a atuação do CBD no tratamento de casos de epilepsia mais rara (síndrome de Lennox-Gastaut). O fármaco não se mostrou eficaz como substancia única em nenhum ensaio clínico, porém acompanhado de outros medicamentos contra convulsões (clobazam, valproato, levetiracetam, lamotrigina e rufinamida), houve uma redução de 42% nas crises convulsivas (DEVINSKY et al., 2018). Esse resultado deve-se ao fato de que a interação medicamentosa do CBD com outras drogas epiléticas (GASTON et al., 2017), mais relevante ao caso do clobazam, onde seu metabólico ativo (N- desmetilclobazam) é exposto de 2 a 6 vezes mais, mesmo com redução das doses de clobazam (GEFFREY et al., 2015). Dessa forma, mostra a eficiência do CBD com drogas epiléticas, atuando na maior exposição dessas drogas no organismo, fazendo com que os efeitos sejam atingidos mais facilmente. REFERÊNCIAS Abraham, T. S.; Chen, M. L.; Ma, S. X. TRPV1 expression in acupuncture points: response to electroacupuncture stimulation. Journal of Chemical Neuroanatomy, 2011. Aizpurua-Olaizola, O.; Soydaner, U.; Öztürk, E.; Schibano, D.; Simsir, Y.; Navarro, P.; Etxebarria, N.; Usobiaga, A. Evolution of cannabinoid and terpene content during growth of Cannabis sativa plants of different chemotypes. J. Nat. Prod. 2016. Bisogno, T.; Hanus, L.; De Petrocellis, L.; Tchilibon, S.; Ponde, D. E.; Brandi, I.; Moriello, A. S.; Davis, J. B.; Mechoulam, R.; Di Marzo,V. Molecular targets for cannabidiol and its synthetic analogues: effect on vanilloid VR1 receptors and on the cellular uptake and enzymatic hydrolysis of anandamide. British Journal of Pharmacology, 2001. Brown, A. J. Novel cannabinoid receptors. British Journal of Pharmacology, 2007. Devinsky, O.; Patel, AD; Cross, JH; Villanueva, V.; Wirrell, EC; Privitera, M.; Greenwood, SM; Roberts, C.; Checketts, D.; VanLandingham, KE; Zuberi, SM GWPCARE3 Study Group. Effect of cannabidiol on epileptic seizures in Lennox-Gastaut syndrome. N. Engl. J. Med. 2018. Gaston, TE; Bebin, EM; Cutter, GR; Liu, Y.; Szaflarski, Programa JP UAB CBD. Interactions between cannabidiol and commonly used antiepileptic drugs. Epilepsy, 2017. Geffrey, AL; Pollack, SF; Bruno, PL; Thiele, EA. Drug-Drug Interaction between Clobazam and Cannabidiol in Children with Refractory Epilepsy. Epilepsy, 2015. Gomes, F. V.; Reis, D. G.; Alves, F. H.; Corrêa, F. M.; Guimarães, F. S.; Resstel, L. B. Cannabidiol injected into the bed nucleus of the stria terminalis reduces the expression of contextual fear conditioning via 5- HT1A receptors. Journal of Psychopharmacology, 2012. Ligresti, A.; Moriello, A. S.; Starowicz, K.; Matias, I.; Pisanti, S.; De Petrocellis, L.; Laezza, C.; Portella, G.; Bifulco, M.; Di Marzo, V. Antitumor activity of plant cannabinoids with emphasis on the effect of cannabidiol on human breast carcinoma. Journal of Pharmacology and Experimental Therapeutics, 2006. Massi, P.; Solinas, M.; Cinquina, V.; Parolaro, D. Cannabidiol as potential anticancer drug. British Journal of Clinical Pharmacology, 2013. NELSON, Kathryn M. et al. The Essential Medicinal Chemistry of Cannabidiol (CBD). Journal of Medicianl Chemistry, [S. l.], p. 12137-12155, 17 ago. 2020. DOI 10.1021. Disponível em: https://pubs.acs.org/doi/10.1021/acs.jmedchem.0c00724. Acesso em: 30 set. 2021. O USO do Canabidiol no Tratamento da Epilepsia. Revista Virtual de Química, [S. l.], p. 786-814, 23 dez. 2017. Disponível em: http://static.sites.sbq.org.br/rvq.sbq.org.br/pdf/v9n2a24.pdf. Acesso em: 30 set. 2021. Puri PS: Winterization of oils and fats. J Am Oil Chem Soc, 1980. Sagar, D. R.; Gaw, A. G.; Okine, B. N.; Woodhams, S. G.; Wong, A.; Kendall, D. A.; Chapman, V. Dynamic regulation of the endocannabinoid system: implications for analgesia. Molecular Pain, 2009. THE STRUCTURE OF CANNABIDIOL. Tetrahedron, [S. l.], p. 2073-2078, 2 maio, 1963. THE TROUBLE with CBD Oil. Med Cannabis Cannabinoids, [S. l.], p. 66-72, 12 jun. 2018. DOI 10.1159/000489287. Disponível em: https://www.karger.com/Article/Pdf/489287. Acesso em: 30 set. 2021.
Compartilhar