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Fundação Centro de Ciências e Educação a Distância do Estado do Rio de Janeiro Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro Universidade Federal Fluminense Curso de Licenciatura em Letras- UFF / CEDERJ Disciplina: Literatura Brasileira III Coordenadora: Profª Flávia Amparo AP1 – 2021.2 Aluno(a): _______________________________________________________ Polo: _______________________________ Matrícula: ___________________ Nota: _______________ Leia com atenção os textos e as questões da prova. Lembre-se do que estudou nas Unidades de 1 a 5. Escreva as respostas de maneira dissertativa e fique atento à coerência, à coesão e à correção gramatical da sua escrita. Questão 1: (3,5) Na obra de Joaquim Manuel de Macedo há o projeto de trazer elementos de nossa nacionalidade por meio da descrição do quadro social da época e, especialmente, dos eventos festivos da Corte (Rio de Janeiro), utilizando-se de um novo gênero narrativo: o feuilleton. Ao tratar da relevância da festa como um momento exemplar de observação, Roger Chartier destaca esse evento como “lugar revelador das clivagens, tensões e representações que atravessam a sociedade”. Mostre como no fragmento a seguir, de O moço loiro, Joaquim Manuel de Macedo consegue caracterizar as personagens e as paisagens do Segundo Reinado. Destaque do fragmento do texto as clivagens, tensões e representações nele presentes e diga de que modo o feuilleton cumpria um papel importante para os leitores e, principalmente, para as leitoras do Brasil do Séc. XIX. O sarau de Tomásia Este mundo é grande campo, esta vida uma longa batalha, mercê de quem todos se combatem, embora a cada espécie e ainda a cada sexo caiba seu gênero de peleja particular, assim como a cada classe sua estratégia peculiar. Os homens, que têm para si tomado o que há de mais grave e talvez de mais difícil na ordem da sociedade, se dão batalha por diversos modos: e, pois, o político se bate no parlamento e nas antessalas de palácio; o diplomata nos brilhantes salões; o literato no prelo; os artistas nas exposições etc. As senhoras não podiam deixar de ter no mundo o seu campo de guerra; elas o tem, o mote de todas é um só quero agradar, e o triunfo de uma significa a derrota de todas as outras. Elas pelejam mostrando-se. No teatro elas pelejam, mas no teatro só são vistas por metade; no passeio elas pelejam, mas no passeio só de relance se mostrarão; seu grande campo é, pois, a noite de sarau. Então, desde a flor do cabelo até o bico do sapato, tudo se ostenta. Então se luta; luta-se uma noite inteira espírito contra espírito, gracejo contra gracejo, ironia contra ironia; então se opõe seda a seda, joia a joia, brilhantismo a brilhantismo; então se dança e se canta, se olha e se sorri, se fala e se suspira com estudo, com arte e intenção. Uma flor vale ali uma espada, uma amiga serve às vezes de escudo, um leque pode falar de longe, um lenço branco vale mais que tudo isso. E a batalha é geral: não há camarada nem parenta que não possa ser uma rival; às vezes é uma prima, uma irmã, mesmo a inimiga, a quem se hostiliza, a quem se não dá tréguas, a quem se faz oposição na sala e se persegue até na toilette. E o triunfo?... o triunfo está na imaginação: ao entrar no carro, ao apear-se dele em casa, ao deitar-se no leito de repouso, a moça suspira fatigada, e diz — agradei! Eis sua vitória. Pois uma dessas interessantes batalhas, em que damas são lidadores, e armas os encantos delas, se dava com vigor em casa de Venâncio. Conceba-se agora uma espaçosa sala em que se deve dançar, uma outra mais curta onde se joga, um gabinete onde se há de tocar, uma escada gostosamente iluminada, pela qual sobem as senhoras para a toillete, uma sala que deverá ser a de jantar, e que ora nela se servem refrescos, e, enfim, ao lado dela um agradável terrado, cujos parapeitos estão cobertos de lindos vasos de flores, dos quais se pode gozar o aroma, sentado em bancos crivados de conchinhas brancas; e ter-se-á feito uma justa ideia da casa de Venâncio. Conceba-se mais do belo ruído, toda a sublime desordem do começo de um sarau; as senhoras que chegam, os beijos que estalam lábio a lábio entre as camaradas que se encontram; o murmúrio das que criticam; os planos que se forjam nas rodas de moços; as quadrilhas que se engajam; as lisonjas que se dizem; as desculpas que se oferecem; e, sobretudo, os parabéns que recebe a Sr.ª D. Tomásia, e ter-se-á feito também justa ideia do que aí se passava pouco antes de começar o sarau. Nesse tão forte ostentar de agrados e louçainhas, e entre as que mais se extremavam, via-se a madrinha da filha de Tomásia, D. Lucrécia, jovem viúva de vinte anos, orgulhosa de suas faces cor-de-rosa, de seu rosto fresco e belo, do interesse que lhe dava seu estado de viuvez tão prematuro, e que, cônscia de tais atrativos, ainda mais se deixava adormecer, sem cuidados do futuro, no seio da segurança e da felicidade que lhe prometiam seus avultados teres. (MACEDO. In: O moço loiro) Glossário: *Clivagem (política) - separação ou diferenciação dos grupos sociais, por razões ideológicas, religiosas, culturais, econômicas ou étnicas. _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ Questão 2: (3,0) Leia atentamente o trecho abaixo, extraído do conto “Um homem célebre”, de Machado de Assis. “Em pouco tempo estava a polca feita. Corrigiu ainda alguns pontos, quando voltou para jantar: mas já a cantarolava, andando, na rua. Gostou dela; na composição recente e inédita circulava o sangue da paternidade e da vocação. Dois dias depois, foi levá-la ao editor das outras polcas suas, que andariam já por umas trinta. O editor achou-a linda. — Vai fazer grande efeito. Veio a questão do título. Pestana, quando compôs a primeira polca, em 1871, quis dar- lhe um título poético, escolheu este: Pingos de Sol. O editor abanou a cabeça, e disse-lhe que os títulos deviam ser, já de si, destinados à popularidade, ou por alusão a algum sucesso do dia, — ou pela graça das palavras; indicou-lhe dois: A Lei de 28 de Setembro, ou Candongas Não Fazem Festa. — Mas que quer dizer Candongas Não Fazem Festa? Perguntou o autor. — Não quer dizer nada, mas populariza-se logo.” A polca foi um gênero musical europeu assimilado pelo Brasil. Como todas as assimilações, passou por mudanças consideráveis na sua estrutura original para adaptar- se à cultura brasileira, em especial para ganhar definitivamente o gosto do público. A formação da cultura híbrida brasileira gerou algumasdicotomias na sociedade, com destaque para o preconceito que alguns gêneros musicais sofreram ao longo dos anos, sendo tomados como marginais. Discuta a tensão presente no personagem Pestana, do conto de Machado, dividido entre o erudito x popular e aborde a questão de uma forma crítica, destacando trechos do texto acima e cotejando com exemplos mais recentes que ilustrem um drama semelhante na sociedade contemporânea. _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ Questão 3: (3,5) Os dois textos abaixo são narrativas escritas por escritores românticos brasileiros do séc. XIX: Álvares de Azevedo e José de Alencar. Embora ambas as histórias tratem sobre as relações amorosas, a intensidade da paixão e as grandes ações movidas por esse sentimento, as perspectivas são completamente opostas. Trate das diferenças entre o Romantismo de Alencar e o de Álvares de Azevedo, contrapondo exemplos de um e outro autor retirados dos fragmentos abaixo. NOITE NA TAVERNA: (Álvares de Azevedo) BERTRAM Um outro conviva se levantou. Era uma cabeça ruiva, uma tez branca, uma daquelas criaturas fleumáticas que não hesitaram ao tropeçar num cadáver pare ter mão de um fim. Esvaziou o copo cheio de vinho, e com a barba nas mãos alvas, com os olhos de verde-mar fixos, falou: — Sabeis, uma mulher levou-me a perdição. Foi ela quem me queimou a fronte nas orgias, e desbotou-me os lábios no ardor dos vinhos e na moleza de seus beijos: quem me fez devassar pálido as longas noites de insônia nas mesas do jogo, e na doidice dos abraços convulsos com que ela me apertava o seio! Foi ela, vós o sabeis, quem fez-me num dia ter três duelos com meus três melhores amigos, abrir três túmulos àqueles que mais me amavam na vida—e depois, depois sentir-me só e abandonado no mundo, como a infanticida que matou o seu filho, ou aquele Mouro infeliz junto a sua Desdêmona pálida! Pois bem, vou contar-vos uma história que começa pela lembrança desta mulher. (...) Essa noite — foi uma loucura! foram poucas horas de sonhos de fogo! e quão breve passaram! Depois a essa noite seguiu-se outra, outra e muitas noites as folhas sussurraram ao roçar de um passo misterioso, e o vento se embriagou de deleite nas nossas frontes pálidas... Mas um dia o marido soube tudo: quis representar de Otelo com ela. Doido. Era alta noite: eu esperava ver passar nas cortinas brancas a sombra do anjo. Quando passei, uma voz chamou-me. Entrei — Ângela com os pés nus, o vestido solto, o cabelo desgrenhado e os olhos ardentes tomou- me pela mão Senti-lhe a mão úmida. Era escura a escada que subimos: passei a minha mão molhada pela dela por meus lábios. —Tinha saibo de sangue. — Sangue, Ângela! De quem é esse sangue? A Espanhola sacudiu seus longos cabelos negros e riu-se. Entramos numa sala. Ela foi buscar uma luz, e deixou-me no escuro. Procurei, tateando, um lugar para assentar-me: toquei numa mesa. Mas ao passar-lhe a mão senti-a banhada de umidade: além senti uma cabeça fria como neve e molhada de um líquido espesso e meio coagulado. Era sangue. Quando Ângela veio com a luz, eu vi. Era horrível. O marido estava degolado. Era uma estátua de gesso lavada em sangue. Sobre o peito do assassinado estava uma criança de bruços. Ela ergueu-a pelos cabelos. Estava morta também: o sangue que corria das veias rotas de seu peito se misturava com o do pai! —Vês, Bertram, esse era o meu presente: agora será, negro embora, um sonho do meu passado. Sou tua e tua só. Foi por ti que tive força bastante para tanto crime. Vem, tudo está pronto, fujamos. A nós o futuro. Cinco Minutos – José de Alencar Casamo-nos em Florença na igreja de Santa Maria Novela. Percorremos a Alemanha, a França, a Itália e a Grécia; passamos um ano nessa vida errante e nômade, vivendo do nosso amor e alimentando-nos de música, de recordações históricas, de contemplações de arte. Criamos assim um pequeno mundo, unicamente nosso; depositamos nele todas as belas reminiscências de nossas viagens, toda a poesia dessas ruínas seculares em que as gerações que morreram, falam ao futuro pela voz do silêncio; todo o enlevo dessas vastas e imensas solidões do mar, em que a alma, dilatando-se no infinito, sente-se mais perto de Deus. Trouxemos das nossas peregrinações um raio de sol do Oriente, um reflexo de lua de Nápoles, uma nesga do céu da Grécia, algumas flores, alguns perfumes, e com isto enchemos o nosso pequeno universo. Depois, como as andorinhas que voltam com a primavera para fabricar o seu ninho no campanário da capelinha em que nasceram, apenas ela recobrou a saúde e as suas belas cores, viemos procurar em nossa terra um cantinho para esconder esse mundo que havíamos criado. Achamos na quebrada de uma montanha um lindo retiro, um verdadeiro berço de relva suspenso entre o céu e a terra por uma ponta de rochedo. Aí abrigamos o nosso amor e vivemos tão felizes que só pedimos a Deus que nos conserve o que nos deu; a nossa existência é um longo dia, calmo e tranquilo, que começou ontem, mas que não tem amanhã. Uma linda casa, toda alva e louçã, um pequeno rio saltitando entre as pedras, algumas braças de terra, sol, ar puro, árvores, sombras... eis toda a nossa riqueza. Quando nos sentimos fatigados de tanta felicidade, ela arvora-se em dona de casa ou vai cuidar de suas flores; eu fecho-me com os meus livros e passo o dia a trabalhar. São os únicos momentos em que não nos vemos. Assim, minha prima, como parece que neste mundo não pode haver um amor sem o seu receio e a sua inquietação, nós não estamos isentos dessa fraqueza. Ela tem ciúmes de meus livros, como eu tenho de suas flores. Ela diz que a esqueço para trabalhar; eu queixo-me de que ela ama as suas violetas mais do que a mim. Isto dura quando muito um dia; depois vem sentar-se ao meu lado e dizer-me ao ouvido a primeira palavra que balbuciou o nosso amor: — Non ti scordar di me. Olhamo-nos, sorrimos e recomeçamos esta história que lhe acabo de contar, e que é ao mesmo tempo o nosso romance, o nosso drama e o nosso poema. _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ Boa prova!
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