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Análise do conto amor de clarice lispector

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ANÁLISE DO CONTO AMOR, DA OBRA LAÇOS DE FAMÍLIA (1960), DA AUTORA CLARICE LISPECTOR
A lendária autora Clarice Lispector (1920-1977) representa um dos maiores nomes da literatura modernista brasileira do século XX, possuindo uma vasta produção literária, desde livros infantis a romances psicológicos. Logo, misteriosas, metafóricas e polissêmicas, suas obras se destacam diante dos modelos canônicos tradicionais e conservadores, haja vista que Lispector introduziu características novas à literatura nacional, com o foco no inconsciente, fazendo com que seus personagens pareçam “figuras do pensamento que entes humanos” (BARBIERI, 2004, p. 530). Desse modo, através de suas narrativas intimistas, Clarice busca investigar, sob uma ótica subjetiva e particular, as profundezas da alma de seus personagens, sem necessariamente encontrar alguma resposta, ficando a interpretação por conta do leitor. Assim, em suas obras “é comum que o fundo sentimental se combine a uma preocupação semi-existencialista” (BARBIERI, 2004, p.533).
Nesse sentido, a obra Laços de Família (1960), contendo treze contos, versa sobre situações cotidianas e triviais que, através de algum gatilho, provocam um estado de profunda reflexão de cunho existencial e filosófico no protagonista. Nesse contexto, faz-se importante salientar que o livro nos traz narrativas sobre um nicho social especifico, ou seja, grande parte dos contos nos apresentam histórias acerca da classe média branca carioca dos anos 50, atribuindo um foco especial em assuntos acerca da condição feminina, quase todos sendo protagonizados por mulheres. Logo, as personagens dos contos encontram-se, de alguma maneira, aprisionados pelos laços de família, isto é, pelas ligações tênues e precárias que asperamente os unem. Assim, caloroso, profundo e poético Laços de Família representa uma verdadeira joia da literatura brasileira. 
Nessa perspectiva, o conto a ser analisado intitulado “Amor” narra a vida e rotina da protagonista Ana, uma pacata e dedicada dona de casa, casada e com filhos, que vive sua vida no modo automático, ou seja, dentro de uma especifica zona de segurança e conforto que era “assegurado” às mulheres casadas daquela época. Assim, todos os dias Ana cumpria suas funções e tarefas domésticas: cozinhava, limpava, cuidava dos filhos, etc. Entretanto, em um momento particular do seu dia, quando seu marido se encontrava no trabalho, seus filhos na escola e quando já finalizara todos os afazeres, instalava-se na protagonista um profundo estado de vazio, um desconforto inexplicável, a chamada hora perigosa da tarde, quando Ana não era mãe, nem esposa e precisava ser ela mesma, escarar a si mesma. Logo, com o intuito de fugir dessas sensações e de preencher a hora perigosa, Ana decide ir ao mercado, já que seus irmãos estavam vindo jantar em sua casa à noite. 
Nesse contexto, durante sua volta do mercado, no momento exato em que o bonde para, Ana olha pela janela e se depara com a figura de um homem, visivelmente cego, parado no ponto, mascando chicletes, naturalmente. Assim, sem entender exatamente o motivo, Ana fica profundamente atormentada pela imagem do homem cego, a aparição lhe provoca um misto de sentimentos e emoções indescritíveis. A vida de Ana passa a ter um outro sentido naquele momento. A protagonista reflete, então, sobre o fato de que, apesar do homem enfrentar uma deficiência visual, conseguia levar a vida de forma tão natural, mas que, para ela, aquela condição não era tão natural assim. A figura do homem cego a despedaçou. 
Nesse sentido, tamanha foi a distração e perturbação causada na protagonista que, quando o bonde volta a andar, ela se desequilibra e deixa seu saco de tricô cair, fazendo com que os ovos que ela trouxera do mercado quebrassem. Totalmente perdida em devaneios, acaba perdendo o ponto que precisaria descer para chegar em sua casa. Ao se dar conta disso, desce do bonde e, estranhamente, encontra-se em um ponto próximo ao Jardim Botânico. Logo, sem pensar muito, ela decide entrar no Jardim para fazer uma breve visita e, ao entrar, é como se o mundo ao seu redor se transformasse inteiramente. Dentro do Jardim Ana se depara com um verdadeiro espetáculo de plantas; pássaros; cores; aromas; frutas verdes, maduras e podres. Sem perceber, Ana passa a tarde toda no local observando minunciosamente todos os seus detalhes, posto que “A vida do Jardim Botânico chamava-a como um lobisomem é chamado pelo luar” (LISPECTOR, 2009, p. 10).
Durante o passeio Ana sente tudo à flor da pele como se ela estivesse, de fato, viva. Enquanto a protagonista passeia pelo jardim um turbilhão de pensamentos confusos passam dentro de sua cabeça. É dentro do Jardim que a Ana começa a se perceber. Logo, em um determinado momento, Ana lembra dos seus filhos, do marido e do jantar, o que a fez sair correndo do recinto. Ao chegar em casa, a protagonista enxerga sua família e sua casa de forma diferente, como se o amor por todos houvesse aumentado. Nessa perspectiva, Ana reflete sobre a experiência vivenciada e percebe, por conseguinte, que o mundo é lindo, luxuriante e, ao mesmo tempo, perigoso. E que o homem cego estava perdendo tudo aquilo, mas talvez ela também estivesse perdendo todo aquele manancial de vida. Logo após, Ana prepara o jantar, com poucos ovos, e recebe as visitas, tudo ocorre bem e, por fim, seus filhos vão para a cama e o casal também. E a protagonista sopra “[...] a última flama do dia” (CLARICE, 2009, p. 11)
Nesse sentido, a partir de uma leitura atenta, podemos inferir que o conto não se trata apenas da descrição de um dia da vida de uma dona de casa, mas sim de um complexo momento de epifania provocada por uma situação corriqueira. Nesse contexto, de forma análoga, podemos compreender que a vida de Ana representa a personificação de um movimento mecânico (mascar chicletes) no escuro (cegueira), haja vista que a protagonista não refletia criticamente acerca de sua condição, apenas exercia os papeis que lhes foram pré-estabelecidos socialmente: mãe, esposa e dona de casa. Assim, ao ver a figura do cego, Ana enxerga um reflexo de sua própria vida. De forma mais sucinta, compreende-se que Ana enxergou a si mesma na figura daquele homem cego parado no ponto do bonde mascando chicletes. Um momento máximo de revelação do eu. E, ao perceber tal fato, ela entra em um estado profundo de devaneios acerca de sua própria existência e condição.
Nessa perspectiva, podemos compreender, ainda, o passeio no Jardim Botânico enquanto um vislumbre imaginativo de infinitas possibilidades do que poderia ser a vida da protagonista sem que existisse as imposições sociais infligidas à figura feminina: a obrigação de se dedicar integralmente ao cuidado da casa, dos filhos e do marido. Logo, os ovos que Ana carregava dentro do bonde e que foram quebrados com o impacto e desequilíbrio ocorridos em decorrência da aparição do homem cego, representam a fragilidade de sua vida, e como tudo pode se esvair em um piscar de olhos, - “[...] as gemas amarelas escorriam” (LISPECTOR, 2009, p. 09). 
Desse modo, outro elemento a ser destacado consiste no fato de o marido de Ana, ao final do conto, a ter a puxado de volta de sua epifania, a afastando ainda mais da remota perspectiva de experenciar a vida em seu real e abrupto perigo, como podemos observar em uma das últimas frases do conto: “Num gesto que não era seu, mas que pareceu natural, segurou a mão da mulher, levando-a consigo sem olhar para trás, afastando-a do perigo de viver” (LISPECTOR, 2009, p. 11). Por fim, faz-se importante ressaltar que o referido conto, assim como a esmagadora maioria das produções Lispectorianas, possui uma inesgotável fonte interpretativa, podendo variar de acordo com o ponto de vista e com a ótica singular de quem o vivencia. Assim, a presente análise privilegiou elementos subjetivos que chamaram atenção no momento da leitura, atribuindo um foco particular às questões relacionadas a reflexões acerca da condição social da mulher e a elementos que, de alguma forma, a elucidassem. 
REFERÊNCIASBARBIERI, I. In: Coutinho, A. A Literatura no Brasil. 7 ed. São Paulo: Global, 2004.
LISPECTOR, C. Laços de família: contos. Rio De Janeiro: Rocco, 2009.

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