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EDUCAÇÃO NUTRICIONAL Fernanda Rockett Rafaela da Silveira Corrêa Determinantes para escolhas e mudanças de hábitos alimentares Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Descrever os principais conceitos relacionados ao comportamento alimentar e aos hábitos alimentares. � Entender o papel chave dos determinantes biológicos, sociais, pessoais e ambientais das escolhas alimentares. � Discutir as competências necessárias para desempenho da função de educador alimentar visando mudança de hábito. Introdução Você já se perguntou “por que os indivíduos comem o que comem?” A resposta para esta pergunta com certeza não é simples. A escolha alimen- tar é resultado da interação de múltiplos fatores, sejam estes biológicos, ambientais, sociais ou psicológicos. Para mudar o comportamento é necessário compreender os deter- minantes que afetam a escolha dos alimentos. Sendo assim, o comporta- mento alimentar e seus determinantes são de grande interesse para quem estuda e trabalha com mudança de comportamento, visto que este é um elemento fundamental para o sucesso das intervenções nutricionais. Neste texto, você vai estudar os determinantes da escolha e do con- sumo dos alimentos bem como aspectos relacionados à mudança de comportamento e o papel do profissional nesta relação. Conceitos gerais e definições Antes de entrarmos nos determinantes do comportamento alimentar, será importante definirmos alguns termos utilizados frequentemente nessa área. Alguns conceitos são utilizados como sinônimos, quando, na verdade, não são. Segundo a sua definição, o termo comportamento tem o significado de “maneira de se comportar ou de se conduzir; condutas; procedimentos; conjunto de ações observáveis de um indivíduo”. Ou, ainda, pode ser entendido como um conjunto de reações do indivíduo diante das suas interações com o meio no qual está envolvido sob determinadas circunstâncias. Do ponto de vista da ciência da nutrição, o comportamento alimentar diz respeito a um conjunto de cognições e afetos que regem as ações e condutas alimentares, sendo a “cognição” definida como “o conteúdo do pensamento e os processos envolvidos no ato de pensar; representando a síntese de estímulos internos e externos e o modo como um indivíduo avalia uma situação”. O comportamento alimentar engloba métodos, reações e maneiras de proceder que podem ser sumarizados como as ações que o indivíduo tece em relação ao ato de se alimentar. Portanto, quando se objetiva mudança de comportamento, o profissional de saúde tem o papel de identificar os com- portamentos disfuncionais e habituais com o objetivo de modificá-los por meio de estratégias de mudança (que podem ser ações de educação alimentar e nutricional) e por meio da resolução de problemas. Falando em mudança de comportamento, reflita: ter informação é o suficiente para mudar um comportamento? Não! Embora a informação seja necessária, a educação alimentar e nutricional baseada somente em informações é insuficiente para mudar padrões e hábitos. Além de prover informações, o educador nesse papel precisa conhecer técnicas e ferramentas que possibilitem mudar a mensagem para o indivíduo e/ou a comunidade, explicando o “como” e o “porquê” das mudanças. O termo consumo alimentar é um dos mais claros, pois diz respeito à ingestão de alimentos, enquanto consumo nutricional é utilizado para definir a ingestão dos nutrientes (energia, macro e micronutrientes). Embora o padrão alimentar seja definido por meio de uma técnica estatística ou matemática e Educação nutricional110 representa a combinação de características de consumo de uma determinada população, muitas vezes é utilizado como sinônimo de consumo alimentar. Por outro lado, ao usarmos o termo atitude alimentar, estamos nos refe- rindo às crenças, aos pensamentos, aos sentimentos e aos comportamentos relacionados com os alimentos. E o hábito alimentar refere-se aos costumes e modos de comer de uma pessoa ou comunidade, sendo geralmente incons- ciente. A escolha alimentar é a forma de seleção e consumo dos alimentos, que consideram aspectos do comportamento alimentar. Por fim, a prática alimentar é a forma como as pessoas se relacionam com a alimentação em diferentes esferas. Outro ponto importante a se considerar entre essas definições é de que as atitudes são influenciadas por múltiplos fatores ambientais, sejam eles cultu- rais, familiares, sociais ou religiosos. Ainda, não podemos excluir os fatores pessoais internos, que envolvem sentimentos, pensamento, crenças e tabus. Portanto, se queremos propor uma mudança de comportamento, é necessário ter a compreensão de que o comportamento está relacionado a tudo que a pessoa conhece e acredita sobre alimentação e nutrição. O alimento não está somente associado à dimensão biológica que ele representa, mas sim a um contexto maior que engloba aspectos culturais, sociais e afetivos, seja de um indivíduo ou de uma comunidade. Conhecimento não é suficiente para mudar. Você deve conhecer alguém como o Pedro, que sabe muito sobre nutrição e, especialmente, deveria comer mais frutas e vegetais, mas, não consegue colocar essa recomendação em prática. Ou, como a Maria, que sabe que está com excesso de peso, que o seu estado nutricional pode estar comprometendo a sua saúde, mas não consegue perder peso. Ou, talvez, até você mesmo sabe que precisa modificar alguns hábitos alimentares, mas não os muda. Mas, por quê? Se todos percebem a importância da nutrição, por que não conseguem mudar? Porque mudança de comportamento está além do conhecer, do informar e do saber. A educação alimentar e nutricional (EAN), visando à mudança de com- portamento, precisa focar no indivíduo, no comportamento e no contexto em que ele está inserido. Essa combinação é a chave para o sucesso das ações de EAN. Por isso, é de suma importância que o educador compreenda as forças 111Determinantes para escolhas e mudanças de hábitos alimentares que influenciam as decisões individuais ou de uma comunidade nas suas escolhas alimentares: esses são os determinantes do comportamento alimentar. Os comportamentos e os hábitos Todo comportamento humano, seja ele qual for, envolve a interação de muitos fatores. O hábito é uma das variáveis que mais se destacam no impulso e na predisposição dos comportamentos. Hábitos são comportamentos que apren- demos e repetimos com frequência, sem refletir ou pensar como executá-los. Muito do que fazemos diariamente, executando uma série de tarefas, são hábitos, ou seja, buscando economizar energia e otimizar nossa rotina, o nosso cérebro converte as atividades rotineiras em hábitos. Portanto, os “hábitos alimentares” podem ser traduzidos como aqueles costumes e modos de comer repetidos por um indivíduo ou comunidade, geralmente sem o ato de pensar, ou seja, de modo inconsciente. Muitas vezes nem nos damos conta da existência de um hábito e, para modificá-lo, será necessário tomar consciência desse fato. Muito se fala de mudar hábito, quando na verdade se está falando em mudar de comportamento, pois como poderíamos mudar algo que é inconsciente e automático? Você chega em casa, passa pela cozinha e abre a geladeira. Muitas vezes utilizamos a expressão “abriu a geladeira para pensar”, tendo em vista que o ato de abrir a geladeira ao passar por ela não foi condicionado pela fome, e sim por um HÁBITO, uma ação repetida de forma inconsciente e sem pensar. Mas, quantas vezes, mesmo sem fome, acabamos pegando algo para comer, nessa rápida visita à geladeira? Muitas. Determinantes do comportamento alimentar As pessoas tomam decisões sobre os alimentos a todo o momento: quando comer? O que comer? Com quem? E quanto comer? Não importa se estamos falando de uma refeição ou de um lanche apenas, as decisões relacionadas às escolhas alimentares são complexas e influenciadas por muitos fatores. Educação nutricional112 A partir dessa visão geralde conceitos, poderemos nos concentrar nos determinantes das escolhas e do comportamento alimentar, para depois explo- rarmos a mudança de comportamento. Os fatores que influenciam as escolhas são múltiplos, além de variarem de acordo com a fase de vida do sujeito e de acordo com o grupo em que está inserido. Para saber mais sobre os determinantes ambientais do comportamento alimentar que podem predispor à obesidade, em cada período de desenvolvimento do ser humano (lactantes, pré-escolares, escolares, adolescentes e adultos), leia o artigo de autoria de Teresa Cristina Bolzan Quaioti e Sebastião de Sousa Almeida: Determinantes psicobiológicos do comportamento alimentar: uma ênfase em fatores ambientais que contribuem para a obesidade. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pusp/v17n4/ v17n4a11.pdf>. O Quadro 1 apresenta um resumo dos principais determinantes e seus exemplos: Determinantes Exemplos Biológicos Fome, apetite, sabor Econômicos Custo, rendimento, disponibilidade Físicos Acesso, educação, competências (p. ex., cozinhar), tempo Sociais Cultura, família, colegas, padrões de refeições Psicológicos Humor, estresse, culpa Quadro 1. Principais determinantes e seus exemplos. 113Determinantes para escolhas e mudanças de hábitos alimentares Determinantes biológicos Fome, saciedade e apetite são sensações fundamentais na regulação da fisiologia do comportamento alimentar. A fome pode ser definida como a necessidade fisiológica de comer, re- sultante de uma combinação de sensações desencadeadas pela privação da energia ou de nutrientes. A saciedade está relacionada à sensação de plenitude gástrica, ao volume de ingestão alimentar. Já o apetite, ou fome hedônica, corresponde à vontade de comer um alimento ou grupo de alimentos em específico. O apetite pode ser estimulado pela disponibilidade de alimentos palatáveis, além de ser suscetível ao estresse e à qualidade gustativa dos alimentos, ou seja, à palatabilidade. A palatabilidade está relacionada ao prazer que se sente ao comer deter- minado alimento. Por essa razão que a grande maioria das pessoas quando questionadas a respeito das suas escolhas alimentares cita o “gosto” do ali- mento entre os principais determinantes para a escolha alimentar. Desde o começo da vida, o sabor e a familiaridade com os alimentos influenciam o comportamento alimentar. Por outro lado, do ponto de vista psicossocial, fome, apetite e saciedade são influenciadas pelo humor, pela personalidade e por aspectos cognitivos. As atitudes, as crenças e as expectativas influenciam nossas preferências e aversões aos alimentos. Determinantes socioeconômicos O nível de educação é um dos fatores que pode influenciar o comportamento alimentar. O acesso e a disponibilidade dos alimentos no domicílio estão relacionados com a renda familiar e a escolaridade do chefe da família e/ou dos membros da família. Quanto maior for a escolaridade, maior será o acesso a informações, inclu- sive nutricionais, podendo refletir na qualidade da alimentação. Além disso, a maior escolaridade está associada à maior renda, possibilitando a aquisição de uma maior variedade de alimentos. Do contrário, a restrição monetária está relacionada com uma alimentação mais monótona e com pouca variedade de alimentos. A acessibilidade aos locais de comercialização de alimentos é um fator físico de grande importância na escolha dos alimentos, o qual depende de recursos tais como transporte e localização geográfica. Nesse sentido, as populações de Educação nutricional114 baixa renda normalmente residem em áreas com menor acesso e com poucos locais de compras como mercados, feiras, sacolões, entre outros espaços. Lembre-se de que, embora mais renda possibilite comprar uma maior variedade de alimentos, não é correto afirmar que o acesso a mais dinheiro corresponde automa- ticamente a uma dieta de melhor qualidade. Determinantes socioeconômicos e culturais A estrutura familiar e os contextos sociais em que o indivíduo está inserido influenciam o padrão de consumo de refeições e as escolhas alimentares. A cultura e a sociedade também são determinantes das escolhas alimentares. Os estudos populacionais demonstram diferenças em relação ao consumo de alimentos e nutrientes de acordo com a comunidade em que o indivíduo está inserido. As influências culturais podem influenciar as formas de preparo de de- terminados alimentos, podem levar à restrição de consumo ou, até mesmo, à exclusão da alimentação de determinadas comidas. Por exemplo, na cultura judaica não é aceito o consumo de carne de porco e para os indianos a vaca é um animal sagrado e, portanto, não deve ser consumida. As influências culturais são suscetíveis à mudança, ou seja, os indivíduos muitas vezes adotam os hábitos alimentares específicos da cultura local quando se mudam para uma nova localidade. Outro determinante socioeconômico é o contexto social, o qual se refere ao impacto que as pessoas exercem sobre o comportamento alimentar de terceiros. Essa influência pode ser direta, quando a pessoa é responsável por adquirir os alimentos que outros irão consumir (p. ex., pais e filhos), indireta, quando se aprendem comportamentos com os pares ou, até mesmo, consciente, pela transferência de crenças. Quando o indivíduo está buscando uma mudança na sua alimentação, o apoio social pode ter um efeito benéfico. O apoio social, principalmente de familiares e amigos, está associado de forma positiva com a melhoria das escolhas alimentares. É inegável o papel da família nas decisões alimentares, pois a formação dos hábitos alimentares inicia-se em casa já nos primeiros anos de vida. 115Determinantes para escolhas e mudanças de hábitos alimentares O local em que os alimentos são consumidos, também descrito como ce- nário social, também exerce influência nas escolhas. Atualmente, é crescente o número de pessoas que está deixando de se alimentar em casa, comendo cada vez mais fora, seja nas escolas, no trabalho ou em restaurantes. O local no qual se come pode afetar a escolha dos alimentos, devido à sua disponibi- lidade. Alimentos saudáveis disponíveis em casa e “fora de casa” aumentam o consumo desse tipo de alimento. No entanto, o acesso a opções alimentares saudáveis é limitado em muitos ambientes escolares/laborais. Determinantes psicológicos O estresse psicológico e as mudanças de humor também estão relacionados com o comportamento alimentar. Diferentes mecanismos são propostos para explicar essa relação: preocupações com o controle do peso, apetite diminuído em razão de preocupações e mudanças na rotina e na disponibilidade para o preparo dos alimentos são algumas das razões elencadas para as mudanças em situações de estresse. Ainda, o estresse prolongado pode estar associado com o ganho de peso e o risco cardiovascular. Além do aspecto nutricional, os alimentos têm significado afetivo e emo- cional, de forma que muitas vezes são consumidos em situações desfavoráveis de humor como forma de conforto emocional. Portanto, o “comer” engloba também significado. Para saber mais sobre os aspectos psicológicos envolvidos no comportamento ali- mentar, faça a leitura do artigo: VIANA, V. Psicologia, saúde e nutrição: contributo para o estudo do comportamento alimentar : Disponível em: <http://www.scielo.mec.pt/pdf/ aps/v20n4/v20n4a06.pdf>. Educação nutricional116 Visando a mudança de hábitos alimentares Diante de todos os determinantes das escolhas alimentares estudados, é preciso ter em mente que as mudanças de comportamento que se pretende alcançar com as ações de EAN não se restringem ao consumo de alimentos. É um desafio pensar e propor ações para mudar as escolhas alimentares sem perder de vista as dimensões e os significados que a alimentação representa. As mudanças de comportamento são resultado de diversos processos de aprendizagem. Para ser um verdadeiro agente de mudança, o educador alimentar e nutricional precisa ser mais do que um provedorde informações, pois vimos que o conhecimento não é suficiente para garantir a mudança de comportamento. O educador precisa ter conhecimento dos determinantes para, então, delinear estratégias de mudança adequadas aos indivíduos e às populações. A mudança comportamental na alimentação deve estar focada em compor- tamentos disfuncionais que precisam ser modificados. Uma vez identificados, o educador pode propor ao indivíduo que alterne entre o “novo” e o “velho” comportamento, para que se façam esclarecimentos sobre as diferenças. As ações de EAN precisam superar as mensagens de “o que devemos comer”, substituindo as velhas mensagens por explicações de “como” e “por que” comer. Para isso, o profissional no papel de educador precisa desenvolver habi- lidades de comunicação, para trabalhar com as pessoas e/ou comunidades estratégias e técnicas para a mudança de comportamento. Empatia, acolhimento e interesse com o próximo também são características fundamentais desse profissional. Além do aspecto nutricional, o alimento tem significado afetivo e emo- cional, de forma que muitas vezes é consumido em situações desfavoráveis de humor como forma de conforto emocional. Portanto, o “comer” engloba também significado. 117Determinantes para escolhas e mudanças de hábitos alimentares ALVARENGA, M. (Org.). Nutrição comportamental. São Paulo: Manole, 2015. CONTENTO, I. Nutrition education: linking research, theory, and practice. 2. ed. Bur- lington, US: Jones & Bartlett Learning, 2011. GARCIA, R. W. D.; MACUSO, A. M. C. Mudanças alimentares e educação nutricional. Rio de Janeiro: Guanabara, 2011. LINDEN, S. Educação nutricional: algumas ferramentas de ensino. São Paulo: Varela, 2005. Leituras recomendadas JOMORI, M. M.; PROENCA, R. P. da C.; CALVO, M. C. M. Determinantes de escolha ali- mentar. Revista Nutrição, Campinas, v. 21, n. 1, p.63-73, fev. 2008. Disponível em: <http:// www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-52732008000100007&lng= en&nrm=iso>. Acesso em: 28 dez. 2016. QUAIOTI, T. C. B.; ALMEIDA, S. de S. Determinantes psicobiológicos do comportamento alimentar: uma ênfase em fatores ambientais que contribuem para a obesidade. Psicologia USP, São Paulo, v. 17, n. 4, p. 193-211, 2006. Disponível em: <http://www. scielo.br/pdf/pusp/v17n4/v17n4a11.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2016. TORAL, N.; SLATER, B. Abordagem do modelo transteórico no comportamento alimentar. Ciência Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 12, n. 6, p.1641-1650, dez. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413- -81232007000600025&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 28 dez. 2016. VIANA, V. 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