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MUDANÇAS ALIMENTARES E EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL ROSA WANDA DIEZ – GARCIA l ANA MARIA CERVATO- MANCUSO 1- MUDANÇAS ALIMENTARES E A EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL Ao término deste capítulo, o leitor estará apto a: ✓Compreender implicações associadas a intervenções na área de Educação Alimentar e Nutricional (EAN) e a relação dinâmica entre sujeito e contexto de mudanças alimentares e seus mecanismos. Síntese do conteúdo As mudanças alimentares são abordadas aqui a partir de duas perspectivas: as mudanças alimentares estruturais consequentes ao cenário socioeconômico e cultural, no qual se incluem a industrialização, a globalização da economia, a publicidade e os meios de comunicação de massa, e as necessidades geradas pela vida urbana; e as mudanças alimentares voluntárias, que dependem de um empenho pessoal em que o sujeito mudará sua alimentação, quer seja para aderir a uma alimentação mais saudável ou por outras razões. INTRODUÇÃO Compreender os mecanismos de mudanças alimentares em suas diversas expressões é fundamental para subsidiar intervenções na área de Educação Alimentar e Nutricional (EAN). Neste texto, propõe-se um olhar sobre as mudanças alimentares como objeto de estudo em si, buscando mostrar elementos que permitam refletir sobre as implicações teórico-metodológicas envolvidas na análise do tema. Os desafios atuais que se impõem com a magnitude da prevalência da obesidade e de doenças crônicas associadas a ela, e com problemas alimentares que refletem transformações sociais, econômicas, tecnológicas e políticas, geram necessidade de rever os paradigmas que fundamentaram este campo do saber. Teorias que possam explicar como se conformam as mudanças alimentares e a promoção de práticas alimentares saudáveis são necessárias para a melhoria das condições de vida e de saúde da população. Os problemas alimentares ao longo da história orientaram diferentes abordagens da educação nutricional. No Brasil, ela surgiu na década de 1940, como parte de um projeto político governamental, orientado para a proteção do trabalhador. Dadas as precárias condições sociais e econômicas da população em décadas subsequentes, o foco das intervenções nutricionais se voltou para garantir recursos alimentares mínimos, com políticas voltadas para as doenças e carências, e para o enfrentamento de problemas sociais.1 Programas e políticas na área de alimentação e nutrição se voltavam principalmente para repor o gasto energético dos trabalhadores e garantir suprimento nutricional para o crescimento e desenvolvimento da criança.2 No contexto atual, são muitos enfrentamentos relacionados com a alimentação e que vão além daquilo que se come em termos nutricionais. Lideramos o consumo de agrotóxicos no mundo e 64% dos nossos alimentos estão contaminados;3 os sistemas predominantes de produção de alimentos não são sustentáveis e levam a destruição de ecossistemas, degradação ambiental, erosão de solo, diminuição e poluição de reservas de água, assoreamento de rios, entre outros danos;4 a escassez e a qualidade da água estão entre importantes desafios da atualidade e precisam ser considerados quando nos referimos à produção sustentável de alimentos; inúmeras outras implicações estão relacionadas com o modo de produção de alimentos e seu processamento. Uma simples escolha alimentar traz implicações e responsabilidades que vão além dos limites de um prato, de um domicílio ou de um país; têm consequências ambientais que podem comprometer futuras gerações. O estudo da alimentação transpassa diversos territórios científicos, é um objeto complexo, com implicações diversas. Como confinar a EAN em um campo específico do saber? Dispor de teoria permite organizar dados em torno de princípios e explicar fenômenos que possam ser enfrentados por ela e por instrumentos que acessem seus princípios. Achterberg e Miller5 propõem uma abordagem que integre distintos constructos em modelos politeóricos para serem testados e refinados em um modelo mais compreensivo, com teoria específica para mudanças no comportamento alimentar. A inteligência da complexidade, termo usado por Morin,6 refere-se à necessidade de se repensar a construção do conhecimento, tanto no que diz respeito à responsabilidade envolvida nele, quanto reivindicando o conhecimento integrado, que reúne o acontecimento, o elemento, a informação e seu contexto, considerando paradoxos, antagonismos, interdependências, tal qual é a realidade, complexa. O termo complexidade, alerta Morin, diz respeito à dificuldade de descrever, explicar e prever, e leva à confusão, não menor do que a que se apresenta na realidade. O que comemos depende de determinantes do contexto que atuam como “intervenções” que geram padrões, valores, informações (da mídia, da publicidade, entre outras fontes) que afetam individualmente a relação com a comida em seu sentido mais íntimo. O contexto de mudanças na alimentação decorre de políticas de diversos setores, de movimentos sociais, da forma como a vida social é organizada, entre outros. A tarefa de pensar a EAN deve buscar caminhos que estudem nossas práticas a partir da realidade dos contextos: como esta afeta o sujeito e como o sujeito reconstrói suas práticas. https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref1 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref2 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref3 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref4 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref5 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref6 Embora a diversidade cultural e as diferenças nas condições socioeconômicas tornem esta tarefa mais complexa, pelas camadas de variáveis que se interpõem, encontrar modelos explicativos com princípios estáveis que permitam teorizar sobre mudanças alimentares é um desafio que reapresenta incorporar novas dinâmicas no método, seguindo a esteira do pensamento complexo.6 Pensar em teorias que possam explicar mudanças alimentares, mesmo que em dimensões limitadas aos contextos, pode dar a esse tema um porte de objeto de estudo. Por que a proposta de abordar mudanças alimentares em vez de EAN diretamente? Mudanças alimentares fazem parte da evolução e da história da humanidade. Sempre houve mudanças. Mudamos radicalmente nossa alimentação ao longo do tempo e a alimentação foi influenciada por muitos fatos e transformações da sociedade, em diferentes épocas e contextos.7 De outro lado, a pauta de promoção da alimentação saudável pela EAN propõe ao cidadão que mude suas práticas alimentares e as substitua por outras, mais saudáveis. Nesse sentido, pretende-se provocar mudanças alimentares partindo da conscientização dos sujeitos. São modalidades de mudanças alimentares que operam de forma distinta e que precisam ser estudadas e entendidas, tanto em suas diferentes dimensões quanto na interação dessas instâncias. Dimensões das mudanças alimentares que precisam ser compreendidas: •Como os determinantes externos de mudanças alimentares são incorporados •Como ocorrem os mecanismos de mudanças alimentares no âmbito de grupos, da família, do indivíduo •Como as escolhas alimentares são influenciadas pelo ambiente e como funcionam frente aos diferentes contextos e situações •Como se dá a incorporação de novas práticas alimentares a curto e a longo prazo •Como implantar a reconstituição das práticas alimentares no contexto •Como são incorporados os valores e como se dá reprodução de mudanças alimentares. EXPERIÊNCIA ALIMENTAR Mudar a alimentação envolve matrizes de apreciação da comida, registradas pelo aparato sensorial e constituídas socioculturalmente. Mesmo sendo expressas individualmente, são arranjadas em um arcabouço de experiências afetivas, marcadas na psique, influenciadas pelo contexto, vulneráveis à publicidade, aos valores socioculturais, enfronhadas na vida prática, e organizadas e inseridas no contexto econômico e social. Os aspectos cognitivos envolvidos nas práticas alimentares são fundamentais para mudanças alimentares. Porém, dado que a organização da vida alimentar está estabelecida em normas sociais, tais mudanças terão que operar com atividade neste contexto. Isso envolve questionamento de padrões alimentares estabelecidos e a viabilização de outras formas e opções que podem ou não encontrar suporte nas normas sociais. Se as práticas alimentares propostas não estiverem constituídas para serem aceitáveis ao grupo, haverá menos condições de viabilizá-las. Práticas que tenham apoio social do grupo são mais efetivas. Do contrário, novas práticas alimentares que exigem um esforço operacional muito grande e difícil de se sustentar a https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref6 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref7 longo prazo, por resistência e oposição às regras do grupo (familiar, de relações sociais e afetivas, de convívio no ambiente de trabalho, entre outras), são lábeis e vulneráveis. Mudanças efetivas precisam ser incorporadas na vida familiar, social e no trabalho. Caso não possam ser incorporadas, a tendência é que as mudanças alimentares sobrevivam em um período de exceção, mas tendam a ser largadas para a retomada de padrões de consumo alimentar anteriores. Kim8 estudou a relação entre religião, satisfação corporal e a prática de fazer dieta e observou que os praticantes religiosos tinham mais satisfação com o seu corpo e uma correlação negativa com a prática de fazer dieta. Foi observada a falta de apoio da comunidade em questão, associada a dificuldades para lidar com a dieta. Nem sempre os aspectos cognitivos são suficientes para enfrentar a falta de apoio social, sobretudo no caso da alimentação, que veicula manifestações de socialização. Motivos ideológicos, como uso de alimentos orgânicos para sustentabilidade ambiental, não consumir carnes em respeito aos animais, entre outras, são também motivações para mudanças alimentares e que precisam de suporte social para serem seguidas e perpetuadas.9 Se o conhecimento sobre alimentação saudável for compatível com aquilo que está disponível para o consumo em situações do cotidiano, festividades, comemorações, entre outros, configuram-se condições favoráveis para se colocar em prática uma alimentação saudável. Hoje, esta pode se traduzir, em parte, pelo aumento no consumo de vegetais e frutas e de alimentos integrais, redução no consumo de alimentos processados e ultraprocessados, no modo de preparação de alimentos com menos frituras e com o uso parcimonioso de gorduras, em novo repertório de receitas com incremento de alimentos e temperos mais saudáveis, na reconstrução de outras preparações e sabores associados a festas, comemorações e lazer. Certamente com regulação, fiscalização e comprometimento dos setores envolvidos, estes alimentos poderiam ser produzidos sem agrotóxicos. Caso contrário, é o comensal quem terá que buscar alternativas de produtos mais saudáveis. Isto representa que as condições objetivas para viabilização de práticas alimentares mais saudáveis, legitimadas socialmente, facilitam mudanças, pois diminuem as situações de dificuldade e embate. Quando estas práticas não são legítimas enquanto prática social, as dificuldades aumentam no exercício de mudanças alimentares. O respaldo social, por sua vez, facilita a reorganização de valores e reforça as condições subjetivas necessárias para as mudanças. PRESSÕES PARA MUDANÇAS ALIMENTARES SAUDÁVEIS Uma série de considerações e de estratégias foi um marco para o movimento de dimensões globais em direção a mudanças alimentares e de atividade física, estabelecidas pela Estratégia Global sobre Alimentação Saudável, Atividade Física e Saúde, editada em maio de 2004 na 57a Assembleia Mundial de Saúde, com apoio da Organização Mundial de Saúde (OMS).10 Os governos estabeleceram estratégias em suas agendas com providências nesse campo. A identificação da piora da qualidade alimentar e o sedentarismo, além do tabagismo, estão entre as principais causas de doenças não transmissíveis – enfermidades cardiovasculares, diabetes tipo 2 e alguns tipos de câncer – que contribuem substancialmente para agravar a https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref8 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref9 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref10 morbidade, a mortalidade e a incapacidade. Ações voltadas ao indivíduo, à comunidade, de âmbito nacional e global, envolvendo diferentes segmentos da sociedade civil, do setor público e privado e da mídia, foram convocadas para promover a alimentação saudável e a atividade física. A mudança de estilo de vida para a garantia da saúde passou a ser uma diretriz para ações no campo da saúde. Exemplo recente, o Guia Alimentar para a População Brasileira11 traz orientações alimentares que envolvem âmbitos como a comensalidade e o resgate das habilidades culinárias como facilitadores para uma alimentação mais saudável. Na categoria “modo de vida”, estão incluídas questões que vão além daquilo que se come e alcançam uma dimensão mais fundamental na forma de se relacionar com a comida. O empenho em direção à busca de comportamentos saudáveis marca um novo período, denominado por Popkin12 de Era de mudanças de comportamento relacionadas com a alimentação e a intensificação do exercício físico, para reduzir as doenças degenerativas e prolongar a saúde. Segundo este autor, Eras anteriores foram marcadas pela escassez de alimentos e foram superadas por tecnologias na produção, armazenamento e processamento de alimentos. Na atual Era das Doenças Crônicas, o aumento dos alimentos processados e redução do uso do corpo no trabalho deverão ser suplantados pela implementação de práticas saudáveis. Estas deverão incluir a redução de alimentos processados, o aumento no consumo de vegetais e frutas, alimentos com substitutos de macronutrientes e o aumento do tempo disponível para o lazer, compensando o sedentarismo decorrente da redução de postos de trabalho que utilizam o corpo, devido a novas tecnologias como informatização, robotização e automação. Pressões para mudanças na direção do mais saudável são veiculadas na publicidade, na mídia, na divulgação científica, colocando em pauta a necessidade de mudar a alimentação e o estilo de vida e, consequentemente, enfrentar o dilema de escolhas alimentares e da necessidade de exercitar o corpo. Condutas alimentares consideradas “saudáveis” se tornaram correntes. A divulgação de estudos científicos por meio da mídia e sua apropriação pela publicidade, a manipulação tecnológica de alimentos modelados por princípios nutricionais e a atuação do setor sanitário exercem pressões sobre o comportamento alimentar em direção a redefinições das referências para as escolhas alimentares e procedimentos relacionados com a alimentação. Como difusora de recomendações, a publicidade se apropria de fatos científicos para legitimar seus produtos e dar a eles um status que permite categorizá-los como saudáveis e assim, recomendáveis. Repercute nas práticas alimentares porque, por slogans, incute noções sobre saúde e alimentação, sobre o que “faz bem” e o que “faz mal”, funcionando, de certo modo, como propagadora de recomendações dietéticas, sem entrar aqui no mérito dos prejuízos que provocam na qualidade da informação. Com uma análise crítica sobre a influência da ciência na modulação do consumo alimentar, o jornalista Michael Pollan13 fez um apelo bem-argumentado em defesa da comida, contrapondo- se aos apelos de propriedades e atributos nutricionais de alimentos. A questão apresentada pelo autor diz respeito ao manejo de alimentos e recomendações que foram defendidos pela indústria de alimentos, por agências governamentais, pela mídia, fundamentados na ciência e que acabaram por definir uma série de condutas com relação à alimentação que não resultaram nos https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref11 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref12 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref13 benefícios anunciados e que os alicerces científicos desses fundamentos foram, pouco a pouco, ruindo. Em muitos casos, interesses econômicos fundamentaram essas recomendações tidas por científicas. As questões apresentadas por esse autor, e que podem contribuir com as reflexões apontadas neste texto, remetem a como as pessoas mudaram sua alimentação orientadas por esses princípios anunciados, ou seja, como foram sendo inculcadas mudanças alimentares tendo por argumento princípios nutricionais vinculados aos benefícios ou malefícios à saúde. Interessante notar como essas pressões imprimem valores aos alimentos que afetam o consumo. A substituição da manteiga pela margarina como uma proteção contra doença cardiovascular é um exemplo clássico da influência da indústria e de como ela se apropriou de estudos científicos para transformar a margarina na “manteiga saudável”; já as restrições impostas ao consumo do ovo, considerado alimento de risco pela associação entre o consumo de colesterol (presente no ovo) e o colesterol plasmático, são exemplos de como práticas tradicionais foram substituídas e, mesmo depois que os princípios que geraram tais recomendações foram cientificamente superados, as práticas continuaram. Os modelos de dieta ou princípios nutricionais recomendados, resultantes de consensos entre especialistas em nutrição baseados em pesquisas epidemiológicas e experimentais, imprimem diretrizes sobre a alimentação que reverberam nos diferentes segmentos sociais que lidam com ela. Tais recomendações dietéticas são divulgadas com o objetivo de estabelecer mudanças nos padrões alimentares que impliquem melhorias no quadro de morbidade e mortalidade. Esses parâmetros orientam também a fabricação de novos produtos alimentícios, estão presentes na publicidade deste setor, são divulgados na imprensa e transformados em conselhos, de modo que essas informações, com o tempo, tornam-se senso comum, com consistência de “verdade científica”. O setor da saúde como o agente legítimo de intervenções sanitárias, por meio de políticas específicas ou de ações de profissionais, é incumbido de intervir nos padrões alimentares. Só que as mudanças nas práticas alimentares são acomodadas a longo prazo, diferentemente da ciência, que produz continuamente novos paradigmas e, com isso, novas recomendações; e da mídia e publicidade, ágeis e ávidas para divulgar novidades e incorporá-las a produtos. Há, assim, um descompasso entre o que foi definido como saudável e a incorporação disso nas práticas. MUDANÇAS ALIMENTARES As transformações na alimentação ocorrem em uma matriz alimentar (a estrutura alimentar vigente) que sofrerá influências e na qual serão acomodadas as novas práticas. Nesse processo, haverá instâncias de resistência na alimentação, que estão menos sujeitas a mudanças e acomodação de novas práticas alimentares. A preservação de certas práticas é mais evidente quando elas são expostas a uma intervenção que demande uma atitude consciente de mudança. Ao contrário, nas transformações geradas pelo contexto econômico e sociocultural o sujeito sofre influências menos evidentes. Ambos os processos de preservação das práticas e acomodação das mudanças alimentares estão sustentados por alicerces simbólicos e práticos. Os argumentos que se seguem são para sustentar as seguintes hipóteses: •Mudanças alimentares consequentes ao cenário socioeconômico e cultural, no qual se incluem a industrialização, a globalização da economia, a publicidade e os meios de comunicação de massa e as necessidades geradas pela vida urbana, são incorporadas com mais facilidade e são menos discerníveis •Mudanças alimentares voluntárias, que dependem de um empenho pessoal em que o sujeito, por seu livre arbítrio, mudará sua alimentação, seja por motivo estético, para aderir a uma alimentação mais saudável, por recomendação terapêutica ou por motivos ideológicos, são mais difíceis de serem incorporadas, mais lábeis, por não se ajustarem a situações sociais usuais, o que pode levar a dificuldades por não se ajustarem às instâncias de convívio social que não proporcionam as condições de viabilização dessas práticas alimentares. Mudanças alimentares se estabelecem com facilidade quando derivam de demandas relacionadas com o modo de vida, a disponibilidade de tempo, os recursos financeiros, os locais disponíveis para se alimentar e para as compras, os produtos veiculados pela publicidade e envoltos em apelos de diferentes naturezas, entre outros elementos que promovem mudanças no contexto alimentar. Quando a demanda de mudança vem do sujeito, dele como promotor das condições de mudança em seu entorno, ela é mais difícil de se estabelecer, de perdurar, sendo lábil, porque opera no campo das dificuldades. A separação em âmbitos de mudanças pode dar a impressão de que estas ocorrem como um processo mecânico, o que é um equívoco. O objetivo dessa forma de apresentação é apenas tornar essa exposição mais clara, lembrando que são processos dinâmicos e que se integram, disputam o mesmo espaço (estrutura alimentar). Mudanças alimentares consequentes ao cenário socioeconômico e cultural A globalização da economia e a industrialização exercem um papel importante, devido à gama de produtos e serviços distribuídos em escala mundial e ao suporte publicitário envolvido. A globalização atinge a indústria de alimentos, o setor agropecuário, a distribuição de alimentos em redes de mercados de grande superfície e as cadeias de lanchonetes e restaurantes. A difusão da ciência nos meios de comunicação e o uso do discurso científico na publicidade de alimentos também exercem seu papel no cenário das mudanças alimentares. Mesmo que nos países mais pobres essas tendências de consumo estejam distribuídas diferentemente nos segmentos de classes sociais, de acordo com as possibilidades de acesso aos bens de consumo, no plano simbólico, os desejos de consumo por si sós marcam uma inclinação a esse perfil alimentar. Pressionadas pelo poder aquisitivo, pela publicidade, pelas exigências da vida urbana e pela praticidade, as práticas alimentares vão se tornando permeáveis a mudanças, representadas pela incorporação de novos alimentos. No entanto, é possível que tais mudanças encontrem mais ou menos resistência dependendo do modo com que a alimentação está estruturada (Tabela 1.1). https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1tab1 Mudanças alimentares voluntárias As mudanças voluntárias dependem de um empenho pessoal para gerá-las, independentemente da motivação (por saúde, estética, ideológica etc.), requerendo esforço pessoal que deve operar em situações diversas, muitas vezes na contramão das facilidades e mesmo de outras demandas de ordem pessoal e social.14 Uma enfermidade ou o risco de desenvolvê-la, a necessidade de perda de peso por pressões estéticas, pela saúde ou por convicções ideológicas são motivos para mudanças alimentares que exigem do indivíduo repensar rotinas, no sentido de readaptar suas demandas, rever valores, viabilizar as mudanças que exigem reorganização da vida doméstica e social, e adaptá-las às condições de trabalho. Outra relação com a alimentação precisa ser estabelecida e organizada.15 TABELA 1.1Alguns exemplos de mudanças alimentares decorrentes do cenário socioeconômico e cultural. Condições Exemplo de mudanças Condições sociais Melhorias econômicas no país geram mudanças no perfil de consumo alimentar. Apesar de a disponibilidade financeira determinar as possibilidades de consumo, valores socialmente constituídos influenciam as preferências e escolhas alimentares. Ao observar as mudanças no padrão de consumo por renda, pode-se notar que o aumento da renda leva ao aumento do consumo de alimentos mais valorizados Publicidade A exposição à publicidade é democrática, espalha-se por diferentes veículos e está acessível a todos. Em seu propósito de promover o desejo, é suficiente e eficaz. Contudo, o acesso aos bens de consumo é restrito para os segmentos sociais mais privilegiados. Em se tratando de uma população pobre e urbana, fartamente exposta aos apelos de consumo e sem poder de compra compatível com este, o desejo é latente, podendo ser um gatilho de consumo quando há melhora das condições econômicas Demandas da vida urbana As condições geradas pelo modo de vida urbano implicam a relação do sujeito com as experiências diferenciadas de tempo/espaço e com a diversidade, características do meio urbano que se refletem no modo de comer e de se relacionar com a alimentação, provocando alterações no padrão alimentar. A relação com o tempo no modo de produção capitalista gera necessidades solucionadas pelo aumento de serviços e produtos que irão delineando a alimentação e o modo de se alimentar neste meio. A indústria e os serviços de alimentos propiciam a infraestrutura da vida do comensal contemporâneo, facilitada por novas tecnologias que poupam tempo e trabalho. A praticidade do mundo moderno está a serviço do homem em busca de tempo. Poupar tempo nas atividades de rotina é uma das estratégias para estender o tempo. Portanto, disponibilidade de tempo e infraestrutura podem modificar as opções daquilo que se come, aumentar a alimentação fora de casa, o consumo de alimentos pré-preparados ou prontos para o consumo etc. https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref14 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref15 As normas sociais estabelecem um rol de práticas alimentares adequadas para as diversas situações e locais. Há alimentos apropriados para cada refeição, de acordo com as ocasiões e situações sociais. Em um aniversário de criança, por exemplo, espera-se comer bolo, brigadeiro, tomar refrigerante, entre outros. Quando a decisão sobre o que comer passa a ser do sujeito e suas escolhas não encontram respaldo nas práticas sociais, o esforço fica concentrado no indivíduo e, mesmo que haja motivação suficiente para se fazerem melhores escolhas, elas nem sempre são viáveis, aceitáveis ou mesmo disponíveis. Em uma condição favorável em que é possível fazer escolhas mais saudáveis, estas exigem ponderação para a decisão, requerem um estado alerta para escolhas e atenção ao hierarquizar prioridades para que norteiem as opções. No modelo conceitual proposto por Furst et al.16 para escolha alimentar, este evento resulta de um conjunto de aspectos relacionados com a pessoa e o ambiente. Experiências ao longo do tempo vão dando forma e, em consonância com o ambiente social e com a fase de vida, delineiam o processo pelo qual as pessoas constroem e executam sistemas pessoais de escolha. Ideais, fatores pessoais, recursos, estrutura social e o contexto alimentar influenciam o sistema pessoal que, em um processo dinâmico, estabelece os critérios de escolha. Tais processos são bastante permeáveis e podem ser moldados conforme a situação. Certas influências podem ter mais peso em uma dada situação do que em outra. Em estudo das representações sociais sobre a alimentação em um centro urbano, foi observado que há uma dinâmica nas representações que se articulam e oscilam em diferentes circunstâncias, permitindo reorganização de valores e práticas dependentes da situação, de modo que há ocasiões em que predomina a preocupação com a saúde e outras em que prevalecem outros valores.17 Em outras palavras, a escolha pode sofrer a influência das circunstâncias e nem sempre um mesmo fator impera na escolha alimentar. Se de um lado sofremos influência do ambiente e das circunstâncias, de outro há características dos alimentos e dos serviços de alimentação que também exercem influência na escolha alimentar. Aparência, tipo de preparação, variedade e sabor são atributos dos alimentos considerados por vários autores, assim como acesso a informações nutricionais, procedimento de preparo, conteúdo e tamanho das porções foram julgados aspectos importantes para as escolhas em restaurantes.18 A COMIDA E O GOSTO Apesar de os aspectos sensoriais não terem recebido tanta importância nos estudos que abordam a alimentação na perspectiva socioantropológica, merecem uma análise mais cuidadosa por serem uma estrutura biológica fortemente impregnada pelo social, na qual se enraízam sensações atreladas a valores e emoções desde as experiências mais precoces da vida. Talvez por conta desta característica tenham recebido menos atenção também de estudos da área de nutrição. Em contrapartida, o valor nutricional e funcional tem sido considerado prioridade por sua importância biológica. O gosto, biologicamente marcado pelo cultural, representa um desafio nas intervenções nutricionais e remete a reflexões sobre o prazer nas escolhas alimentares e nas construções sociais.19 No entanto, os aspectos sensoriais são fundamentais e bem explorados pela indústria alimentícia. https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref16 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref17 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref18 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref19 O paladar desempenha papel fundamental no apetite e na escolha alimentar, promove estímulos da fase cefálica da digestão, permite distinguir as qualidades nutricionais e os riscos advindos da alimentação, induz a sensação de saciedade e, como interfere nos reflexos autonômico (reflexos que envolvem músculos lisos – vasos sanguíneos, trato gastrintestinal, glândulas sudoríparas, gástricas e duodenais) e endócrino do trato gastrintestinal, é importante para as alterações metabólicas associadas à ingestão de alimentos.20 Sabor (flavor ou flavour) é definido como a mistura de sensações da boca e do olfato que se percebe com a ingestão de alimentos.21 Outras definições acrescentam detalhes do processo de percepção. Trata-se de uma sensação promovida quando uma substância é colocada na boca e é motivada por quimiorreceptores (olfato e gosto), mecanorreceptores (tato/textura), termorreceptores (temperatura) e nocirreceptores (dor), provocando uma interação complexa destes no nariz, na boca e na garganta, percebida pelo sistema nervoso central, para produzir uma avaliação do sabor de um alimento específico.22 Tais receptores estão organizados em um conjunto de aproximadamente 10 mil “botões do paladar” na língua e na boca que concentram perto de 50 células receptoras. Estas células contêm microvilosidades que, em contato com a saliva, enviam impulsos elétricos que transmitem informações para a medula e, em seguida, para o tálamo e o córtex.23 A percepção do sabor envolve quase todos os sentidos e, particularmente, o odor. No cérebro humano, os sistemas perceptivos estão intimamente ligados a aprendizagem, memória, emoção e linguagem, e a percepção do sabor está entre as mais complexas e poderosas sensações humanas. Os mecanismos neurais desse processo podem contribuir para compreender as preferências alimentares e o craving (intenso desejo de usar uma substância ou o desejo de repetir a experiência dos efeitos de uma dada substância).24 Shepherd25 revisou os recentes avanços sobre os mecanismos cerebrais da percepção do odor para apresentar hipóteses de base neural sobre a percepção multissistêmica do sabor. Três aspectos foram enfocados: os mecanismos cerebrais da percepção do cheiro, para mostrar como moléculas do odor são representadas em padrões, como base para a sua percepção; a importância retronasal do cheiro na percepção do sabor; e as estreitas relações entre o cérebro e os mecanismos de sabor que envolvem emoções e craving. A percepção do gosto envolve modalidades sensoriais de diversas áreas: visão (cor e forma); audição (frequência sonora); sistema somatossensorial (temperatura, textura, adstringência, cremosidade, dor); sabor (doce, salgado, azedo, amargo e umami); olfato (padrões neurais de odores); e as propriedades metabólicas e autonômicas intestinais. Tais modalidades sensoriais (visão, audição, sistema somatossensorial, sabor) ativam áreas cerebrais no neocórtex, associado à consciência que ativa regiões relacionadas com a linguagem. Modalidades mais diretamente associadas aos alimentos, como o olfato e o paladar, ativam também o hipocampo e o sistema límbico, associados ao processamento subconsciente de memória que estão relacionados com os circuitos de emoção, motivação e craving. A natureza multissistêmica do sabor sugere que este nos torna sensíveis aos anúnc ios coloridos e texturas crocantes, por exemplo. Também somos sensíveis à influência das palavras sobre as nossas percepções e preferências de sabores. O gosto provoca emoções básicas de prazer (doces) e de aversão https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref20 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref21 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref22 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref23 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref24 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref25 (amargo) que não são apreendidas e, por outro lado, pode produzir respostas afetivas a padrões de odores apreendidos culturalmente. Esta proposição de Shepherd25 pode sustentar o argumento de que a experiência cultural fica marcada biologicamente, integrada em estruturas psíquicas relacionadas com o prazer e outras sensações (sobre os detalhes da terminologia mais específica ligada aos termos, paladar, sabor e gosto, leiam o Capítulo 3, Gosto e Prazer na Experiência Alimentar). Fischler26 considera o gosto a interiorização da cultura e esse processo de aprendizagem se dá por observação no contexto familiar, reproduzindo um padrão de preferências alimentares desde a infância. Também é importante observar como condições biológicas elementares, como a apreciação pelo sabor doce e a aversão pelo amargo, são traduzidas pela cultura e estão contidas nas construções simbólicas. O fato de alguns alimentos serem considerados comestíveis por algumas sociedades e não comestíveis por outras serve como argumento para reafirmar a predominância da cultura na constituição das culinárias e da interação de diversos fatores para explicar a diversidade dos padrões alimentares. A variedade das escolhas alimentares humanas procede dos sistemas culturais: se não consumimos tudo o que é biologicamente comestível é porque não é culturalmente comestível. Para Fischler, a inquietude contemporânea para com a alimentação deriva do “paradoxo do omnívoro”: trata-se da capacidade do homem de se adaptar às mudanças ambientais e, por conseguinte, inovar e conservar a variedade em sua alimentação, desconfiando ao mesmo tempo das novidades, pois o alimento desconhecido porta um risco potencial. O homem depende, por um lado, da variedade que, como característica do omnívoro, impulsiona-o para a diversidade alimentar, para inovação e exploração, que são vitais para ele. Por outro lado, a desconfiança, a prudência e o conservadorismo alimentar lhe garantiram escapar do risco que uma novidade poderia representar. O homem oscila entre dois polos, o da neofobia (medo do desconhecido) e o da neofilia (tendência à exploração, necessidade de variedade e de novidade). Neste sentido, temperos, tipos de preparações, combinação de alimentos, entre outras características específicas de uma culinária, transformam o alimento desconhecido em algo familiar. Rozin27 comparou as culturas francesa e americana, considerando o contexto atual em que há exposição excessiva a alimentos de baixo custo, atraentes e saborosos, acompanhados de valores atribuídos pela publicidade, associado a um menor gasto energético para obtenção de suprimentos. Diferenças em termos de alimentos, tamanho de porção, atividade física e outros aspectos relacionados com o modo de vida como a relação com a qualidade e a quantidade, a ideologia da moderação e da abundância e o prazer em contrapartida com o conforto são mencionados como relevantes para explicar como a relação com a comida em cada uma dessas culturas pode estar relacionada com a obesidade. Os franceses centram-se mais na experiência de comer e menos nos efeitos da comida para a saúde; passam mais tempo comendo, mas comem menos; têm a tradição de valorizar a moderação, a qualidade, a refeição como um âmbito de socialização e fazem mais atividade física. A comparação feita entre o modo de se relacionar com a comida em cada cultura explica as diferenças nas prevalências de obesidade em ambos os países. https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref25 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref26 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref27 Ao mudar a alimentação, esbarra-se, portanto, em muitos alicerces de diferentes envergaduras, de âmbito sociocultural e da experiência pessoal, relacionados com o paladar, a familiaridade com alimentos e gostos, entre outros. Dificilmente outras influências entram em jogo quando uma comida não agrada. Apesar de pertencermos a uma dada cultura que permite um reconhecimento de sabores familiares, há particularidades no gosto. Se de um lado temos o legado da cultura, de outro temos uma estrutura biológica de receptores que sinalizam a percepção do gosto. Em uma mesma família é possível encontrar alimentos que não são apreciados por todos. A expressão “percepção do sabor”, indicado por Harbottle,28 implica que sabor é mais uma percepção que uma sensação porque envolve receber os sinais pelos receptores, reconhecer e interpretar o estímulo, combinando um complexo de sinais fisiológicos arranjados simbolicamente no cérebro. MOTIVOS PARA MUDANÇAS NA ALIMENTAÇÃO A motivação para que um sujeito modifique seus costumes, em um mesmo contexto, e passe a se alimentar sob a regência de uma causa, como a saúde, será um propulsor para enfrentar situações alimentares e lidar de outras formas com elas, mas não se pode considerar ingenuamente que esta regência prevaleceria em qualquer situação e prazo. Ao menos é preciso incluir a possibilidade de que essas mudanças ocorram paulatinamente e oscilem para preservar estruturas e valores inculcados na história pregressa. A motivação interna e as condições externas em direção à mudança desejada seriam, a princípio, condições facilitadoras e favoráveis às mudanças alimentares, mesmo quando desejos pessoais contrários participem dessa situação por serem parte das referências alimentares construídas ao longo do tempo. As mudanças voluntárias são, portanto, um embate que exige do sujeito um movimento na contramão se o ambiente não o favorecer. Esse embate pode representar não aderir a certas normas sociais ou mesmo não compartilhar trocas estabelecidas na relação com a comida, o que pode dificultar a adesão à mudança a médio e longo prazo. Trata-se de um investimento nos diferentes âmbitos da vida social e pessoal. O QUE COMER? Normas sociais definem o que comer, como e a que hora, o ritual daquela refeição, os procedimentos necessários, as companhias, servem para organizar a vida do comensal e determinam seu leque de escolha. Temos a aprender com a história, a cultura e a tradição que representam soluções mais estáveis ao longo do tempo e, constituídas como normas, padrões culturais, orientam-se. Neste sentido, mudanças alimentares devem ser sempre contextualizadas e adaptadas a normas e rotinas de vida para melhor adesão. O reconhecimento da influência de valores, inclusive de ordem filosófica, nos quais estão imersas as práticas alimentares, influenciadas por mediações desta ordem, é fundamental para dimensionar como a intervenção na alimentação não se limita em aderir ou não ao que é preconizado como boa alimentação. O fato de se valorizar o presente em vez de o futuro incerto pode ser fundamental na escolha alimentar e no movimento para mudanças alimentares. Um adepto a esta premissa pode argumentar que mais vale desfrutar os prazeres da mesa do que se abster de um prazer para uma promessa de possível saúde. Há mediações e ajustes feitos https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref28 que preservam aquilo que pode ser essencial para quem está em processo de mudança alimentar. Coetzee29 escreveu um ensaio sobre a probabilidade, no qual exemplifica mediações feitas sobre certas proposições relacionadas com a saúde. Sobre a proposição “homens acima do peso correm maior risco de infarto do miocárdio”, por exemplo, a primeira consideração do autor diz respeito ao fato de que a probabilidade só pode ser interpretada em termos probabilísticos, ou seja, “terei a garantia de que se eu comer moderadamente não terei um infarto do miocárdio?” Não. Refere que não faz parte da natureza das colocações probabilísticas que elas possam ser desmentidas pelo exemplo; ao contrário, elas só podem ser confirmadas ou não, probabilisticamente, por meio de outra investigação. Assim, na vida real, o raciocínio das pessoas é o seguinte: “para que viver se não posso comer como eu gosto?”, utilizando uma ponderação que diz respeito aos valores. Então a pessoa pode considerar ser preferível uma breve vida, gorda, a uma longa vida, magra, segundo a colocação do autor. Ou pensa “meu avô era gordo e viveu até os 90 anos”. Isso quer dizer que a lei da proposição foi contestada. Finaliza o ensaio com a questão: “quem pode dizer que uma vida de riscos não é (provavelmente) melhor que uma vida vivida de acordo com as regras?”, assumindo um termo da probabilidade: assumir riscos. Também é preciso considerar que há pressões do meio, como a mídia, as instituições de saúde e de educação, entre outras fontes de influência, que participam da construção de referências sobre alimentação saudável, as quais transmitem valores positivos às práticas alimentares que se afiliam a esse constructo. Todavia, valores alocados na cultura, relacionados com a condição social, religião, grupo, fase da vida, identidade, convivem com as referências relacionadas com a alimentação saudável. Há, neste sentido, atividade na organização desses elementos, na atribuição de significados e nas formas como estes se impõem na prática e em diferentes situações.30 Como considerações preliminares, pode-se dizer que se o investimento na alimentação saudável não for derivado e sustentado pela sociedade, a tarefa ficará árdua demais. Não que estes não sejam importantes, mas, para garantir a estabilidade de mudanças alimentares de maneira eficaz para o combate à obesidade, há que se criarem condições externas que facilitem as motivações internas para produzir mudanças sustentáveis. Para se constituírem práticas alimentares saudáveis, é necessário criar condições concretas e simbólicas. Assim, a regulação da publicidade de alimentos,31 da alimentação do escolar e de coletividades institucionalizadas, de políticas e programas que envolvam a difusão de parâmetros para alimentação saudável, o envolvimento dos setores da educação, saúde e cultura, na implementação de ações que envolvam a melhora da qualidade da alimentação e na valorização das práticas alimentares como instância de socialização, de reafirmação de laços de apoio social, de autocuidado, entre outros, fortalecem o movimento em prol de uma alimentação de melhor qualidade. O compromisso com uma alimentação sustentável, na qual se conheça o impacto ambiental relacionado com a produção de alimentos industrializados como embalagens e o uso de recursos naturais para a sua produção, também deve ser considerado no contexto de uma alimentação saudável. Neste sentido, é necessário explorar como temas filosóficos e ideológicos podem mobilizar para as mudanças. Há poucos estudos sobre esse tema em nosso meio. https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref29 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref30 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref31 ASPECTOS BIOLÓGICOS E SOCIAIS INTEGRADOS O objetivo de introduzir este tópico se deve ao interesse de colocar em pauta a discussão sobre como as questões sociais têm impacto nos aspectos biológicos, e como características biológicas podem ser expressas e configuradas pelo social na análise de mudanças alimentares. Nesse sentido, algumas indagações remetem a estas inter-relações. Sabe-se que a obesidade está relacionada com baixa escolaridade e condições socioeconômicas mais precárias, conforme abordado anteriormente. Outra possível explicação para esta associação está relacionada com o papel da comida como um canal para atenuar tensões de lidar com as dificuldades do cotidiano, que são maiores quando as condições sociais são piores, levando assim ao excesso de consumo alimentar? Seriam a comida, as situações alimentares, a abundância de consumo alimentar mecanismos socialmente estabelecidos, para se contrapor às tensões, limitações, escassezes, tão presentes no cotidiano, sobretudo daquelas camadas sociais mais desfavorecidas? Poder-se-ia considerar a obesidade também como uma expressão das dificuldades relacionadas com as condições econômicas e sociais? Em uma sociedade em que o consumo, inclusive o alimentar, é superestimulado, comer é também uma adesão ao consumo, uma expressão da capacidade de consumir, de ingerir símbolos de pertencimento social, criados pela publicidade. A própria magreza é veiculada como produto ou usada para estimular o consumo de alimentos de alta densidade energética. O comportamento alimentar humano é afetado por emoções como ansiedade, irritação, depressão, tristeza, alegria, prazer, entre outras. A associação entre uma emoção e o comportamento alimentar é reproduzida quando se repete a mesma situação. Ainda não é bem compreendido o mecanismo de como o consumo alimentar reduz a ansiedade no paciente obeso, mas podem estar envolvidos tanto aspectos relacionados com os nutrientes quanto as proteínas e carboidratos que afetam a síntese de neurotransmissores, particularmente a serotonina, como ao aprendizado, quando as experiências iniciais de prazer se associam a situações relacionadas com comida e alimentos específicos.32 Também é conhecido que os obesos não são hábeis para distinguir entre a fome e a ansiedade. Eles aprenderam a comer em resposta a ambas as condições. Contudo, os efeitos da redução da ansiedade pela alimentação precisam ser explicados. Outra teoria tem por pressuposto que a sensação da fome é organizada em um padrão de reconhecimento que é apreendido precocemente.33 Todavia, no obeso, alguma interferência no reconhecimento deste padrão pode levar a uma dificuldade em distinguir a fome da saciação e de outras sensações de desconforto. Desta forma, qualquer sinal de desconforto que não tem relação com a privação alimentar, como uma tensão emocional, pode levar à busca por alimentação. Esses indivíduos não reconhecem internamente essas sensações e necessitam de um sinal externo para saber quando e quanto comer. Essa teoria sustenta que esses sujeitos têm dificuldade com a tensão emocional e com os sentimentos desconfortáveis. Em ambas as teorias, o obeso aumenta o consumo alimentar nas situações de tensão ou de desconforto emocional. A abordagem deste problema é a das dificuldades individuais. Embora ocorra no plano individual, pode-se ampliar esta análise para unidades familiares ou mesmo para grupos ou https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref32 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref33 coletividades, nos quais a alimentação pode ter se tornado um canal de alívio de tensões socializado, coletivo, apreendido precocemente e incorporado nos rituais familiares e coletivos. O estímulo ao consumo alimentar produzido pelo meio, pela publicidade, pode ter exercido um papel sinérgico a esta condição de tal modo que, ampliadas as formas e situações de comer, os locais, os tipos de alimentos e de embalagens, ampliaram-se também as funções e demandas de comida. A ansiedade está associada positivamente à obesidade e com histórico de alteração do humor.34 Uma associação entre transtornos mentais (depressão e ansiedade) e aumento do risco para a obesidade, e o agravamento deste com o aumento dos episódios de depressão e ansiedade, conforme observado no estudo prospectivo de coorte,35 indica que esses transtornos são fatores de risco para obesidade e não o contrário. Esta relação acentuou-se com o aumento da idade.36 Tais achados dão algum reforço para a proposição de que os transtornos mentais como ansiedade e depressão estão relacionados com o aumento do consumo alimentar. Assim, a alimentação seria um caminho (socialmente estabelecido) para atenuar tensões. Neste sentido, a hipertrofia de estímulos para o consumo alimentar, promovida por propulsores econômicos e mercadológicos, pode ter efeito sinérgico, ampliando as distorções na qualidade e quantidade de consumo. Outra relação a ser feita é a de que a obesidade pode aumentar o risco futuro de transtornos mentais, com efeitos maiores naquelas sociedades em que a obesidade é estigmatizada, pois facilita a internalização de estereótipos e imagem corporal negativos relacionados com a obesidade e o fracasso no controle do peso, e associados às dificuldades de controle da ingestão alimentar.36 Como as dificuldades relacionadas com a sensação de estar sendo discriminado, de baixa autoestima, entre outros problemas, podem gerar tensões e dificultar o manejo do autocuidado? Outra face desta questão está relacionada com as pressões exercidas sobre o indivíduo quando as mudanças ficam sob sua responsabilidade. Quanto mais essa tarefa se concentra no indivíduo, mais pressão pessoal para lidar com as rotinas domésticas, sociais e do trabalho. O resultado disso é que o sujeito chega em seu limite para operar mudanças maiores, pois estas envolvem outras pessoas, valores e práticas, situação que gera frustração, entre outros sentimentos que podem levar ao estresse e à ansiedade. O Committee on Health and Behavior: Research, Practice, and Policy Board on Neuroscience and Behavioral Health do Institute of Medicine publicou um livro intitulado Health and Behavior. The interplay of biological, behavior and social influences,37 do qual foi extraída a essência das alegações expostas neste tópico. Duas perguntas já expostas, apresentadas por Rodrigues,38 também estão latentes em muitos dos aspectos apresentados: como os aspectos biológicos se expressam na configuração sociocultural? E como a configuração sociocultural pode influenciar aspectos biológicos? Como um objeto de estudo interdisciplinar, de diferentes naturezas, dinâmico e complexo, as relações entre saúde e comportamento têm contribuições de diferentes áreas do conhecimento, das ciências biológicas (neuroanatomia, neurologia, neuroquímica, https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref34 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref35 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref36 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref36 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref37 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref38 endocrinologia, imunologia) às ciências humanas e sociais (psicologia, psiquiatria, epidemiologia, etnologia, sociologia e antropologia). O pressuposto de que atitudes e comportamentos aumentam a resistência corporal e a recuperação da saúde está assentado nos seguintes constructos: saúde corporal, qualidade de relações pessoais, propósito de vida, capacidade de lidar/resolver as dificuldades do cotidiano, e resiliência para o estresse, trauma e mudanças. A integração, a qualidade de elos sociais e a extensão do suporte social influenciam a mortalidade e o processo da doença e de recuperação. Também há evidências de que a coesão e o capital social influenciam a saúde. O entendimento de como a relação entre comportamento e saúde ocorre requer análise em diferentes níveis. Nos fatores biológicos relacionados com o comportamento estão envolvidos alguns mecanismos relacionados com fatores de risco: alostase e carga alostática, resiliência e coping (dar conta) (Tabela 1.2).37 Interessante notar que aspectos relacionados com o comportamento e o modo de lidar com situações e problemas cotidianos estão imbricados a mecanismos biológicos. Fatores genéticos, experiências prévias de vida, fatores cognitivos e suporte social e ambiental influenciam a resposta ao estresse.39 Fatores psicológicos que geram estresse estão relacionados com várias condições patológicas. Hostilidade, raiva, depressão e exaustão têm sido associadas com suscetibilidade às doenças coronarianas, assim como a depressão está presente em metade dos pacientes com infarto. Ao contrário, o otimismo e a esperança são condições associadas a melhor condição de saúde, indicando que fatores psicossociais são determinantes importantes da saúde e da doença, tanto na participação dos mecanismos relacionados com a promoção da doença quanto na capacidade de recuperação.37 As relações sociais amorosas significantes e profundas durante a infância e vida adulta podem influenciar positivamente a resposta à carga alostática. Consequências adversas podem ocorrer em situações de perda ou divórcio. Estudos sobre a influência negativa dos conflitos sociais na saúde mostram que esta condição aumenta a suscetibilidade à infecção, e o isolamento social e a solidão estão associados a mudanças fisiológicas envolvendo aumento da pressão arterial, catecolaminas e aspectos celulares e humorais da função imune.37 Algumas conjeturas podem ser feitas a respeito da relação entre comportamentos, atitudes ou recursos que estão relacionados com as condições de saúde e, ao contrário, aquelas características pessoais e condições sociais que são desfavoráveis, que influenciam negativamente a saúde. Quando se coloca o desafio de mudanças pessoais em direção ao autocuidado, que envolve fazer atividade física e mudar as práticas alimentares, quais seriam as características pessoais, considerando serem de um mesmo contexto que podem determinar que uns indivíduos sigam na direção do cuidado e outros não consigam superar dificuldades e desafios para mudanças no cotidiano? As pressões para mudanças alimentares, quando se necessita perder peso, por exemplo, podem afetar positiva ou negativamente o sujeito? Mesmo que as condições sociais e as variáveis a ela relacionadas tenham um importante papel no perfil de doenças, o gradiente de morbidade e mortalidade persiste mesmo na classe média, entre homens e mulheres, e mesmo naquelas sociedades em que as condições materiais são favoráveis, indicando que ele não se deve exclusivamente às condições materiais. https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1tab2 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref37 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref39 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref37 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref37 IMPLICAÇÕES DE INTERVENÇÕES NA ALIMENTAÇÃO Algumas considerações podem ser feitas a partir disso. Mudanças alimentares são particularmente difíceis porque as práticas alimentares são reproduzidas diariamente, em diferentes contextos ou situações ao longo do dia, nos quais estão envolvidos família, ambiente de trabalho e meio social ao qual o sujeito pertence. Por meio dessas práticas, são expressos valores e hábitos que reforçam a identidade social. Pela alimentação, manifestam-se o apoio, a solidariedade e a amizade, por exemplo, e se reforçam as estruturas de apoio social e emocional. Pode-se dizer, de certa maneira, que são recursos que podem proteger ou compensar situações adversas aqui chamadas de estresse.40 Estes e outros aspectos fazem parte daqueles constructos que estão ligados à saúde: qualidade das relações pessoais e sociais, e capacidade de lidar com as dificuldades e desafios do cotidiano. TABELA 1.2Conceitos para a compreensão de inter-relações biológicas e sociais. Conceito Explicação Homeostase É o termo usado para se referir à estabilidade fisiológica de um organismo capaz de manter a vida Alostase É um conceito que agrega flexibilidade e tem como propósito caracterizar a estabilidade na mudança. A alostase é a resposta adaptativa biológica ao estresse que consiste em conseguir a estabilidade ativando e desativando o sistema imunológico, o sistema nervoso autônomo e os sistemas neuroendócrinos Carga alostática É a acumulação das diversas tentativas de adaptação. Nesta situação, observa-se a inserção do risco de doença, por ser o efeito protetor da ação a curto prazo dos mediadores da alostase (glicocorticosteroides, catecolaminas e deidroepiandrosterona como mediadores neuroendócrinos e citocinas como imunológico) substituído pelo efeito deletério, quando eles atuam em período prolongado de tempo Resiliência É a capacidade de recuperar processos celulares que protegem células e tecidos. Envolve a capacidade de reserva e resistência ao dano do estresse. Ainda não há muitos estudos sobre suas bases fisiológicas e influências psicossociais. Há importante variação individual para a resiliência Coping (lidar) É a capacidade de manejar eventos estressantes que envolvem a escolha ou decisão que está relacionada com a capacidade cognitiva, o comportamento, a condição emocional e a resposta fisiológica ao estresse. Pessoas com um perfil realista e otimista têm a tendência de antecipar resultados positivos. O contrário ocorre quando o coping é negativo, em que há mais sintomas de ansiedade e depressão Fonte: IOM;37Carvalho.39 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref40 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref37 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref39 Quando são propostas mudanças alimentares (que representam particularmente um desafio muito grande) estão se provocando e gerando dificuldades em vários âmbitos relacionados com normas e apoio social. Mudar a alimentação também pode representar a abdicação de algumas estruturas que funcionam como atenuadores para as dificuldades do dia a dia e gera tensões entre aquilo que é uma recomendação com aqueles valores de referência social. As adaptações no cotidiano derivadas da aplicação dessas recomendações geram diferentes formatos interpretativos de dieta. De outro lado, se mudanças ocorrem nas diferentes instâncias de convívio, as facilidades de incorporação das mesmas não são restritas ao empenho individual. Por exemplo, em um almoço no qual as opções são saudáveis é mais fácil comer melhor do que em condições adversas. No documento realizado pelo Committee on Health and Behavior: Research, Practice, and Policy Board on Neuroscience and Behavioral Health são abordadas as relações dinâmicas entre o social e o biológico tanto para explicar os fenômenos relacionados com o comportamento e a saúde, quanto para dar suporte às propostas de intervenções, sem, no entanto, apontarem para qualquer direção conclusiva que permita afirmar que um dado tipo de intervenção é mais eficaz. Contudo, pelas experiências de combate ao tabagismo, o papel da regulação é indiscutivelmente imprescindível. Intervenções em saúde são, em geral, desenvolvidas no plano político e viabilizadas nas interações do profissional de saúde com o indivíduo e, mais recentemente, abordando a família (Programa de Saúde da Família). Contudo, a intervenção no plano alimentar é ainda incipiente, uma vez que há poucos profissionais capacitados atuando em unidades básicas de saúde e, quando isso ocorre, os atendimentos individuais são predominantes.41,42 Estratégias de intervenção que responsabilizam o sujeito por sua condição de saúde, no caso específico da nutrição, significam considerar a falta de controle do indivíduo como causa da obesidade: o consumo de doces relaciona-se com a gula; a falta de exercício, com a preguiça; entre outros exemplos. Esta é uma visão reducionista do problema. Essas iniciativas de mudança individual, sem apoio do contexto (da família, da comunidade e da sociedade), sem compartilhar os esforços para se reverem valores relacionados com a saúde e a comida, podem ter uma eficácia limitada e a curto prazo. Realizar um bom diagnóstico do contexto e das necessidades e dificuldades do sujeito ajuda a reconhecer os limites das imposições pautadas apenas nos pressupostos da saúde. Há necessidades específicas que podem fazer com que uma mesma estratégia funcione em uma pessoa e não em outra e, quando funciona em um dado momento, pode não funcionar em outro. Dada a complexidade apresentada e relacionada com as mudanças alimentares, intervenções pontuais podem ter efeitos limitados. A ineficácia de tratamentos individuais para obesidade leva a rever as metas estabelecidas por profissionais de saúde, tanto na imposição de um peso ideal, quanto em relação à responsabilidade individual para a perda de peso. Isso produz efeitos tanto no estabelecimento de metas mais flexíveis e negociadas de tratamento, quanto na formação de abordagens terapêuticas a longo prazo, questionando os paradigmas que, até então, guiaram a conduta nutricional.43 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref41 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref42 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref43 Normas sociais, padrões culturais e controle social nos orientam. Se hegemonicamente há pressões para mudanças alimentares, e estas vão influenciando normas, padrões e valores, o empenho de mudança individual encontra respaldo social. Nesse sentido, é importante existirem políticas que ampliem a disponibilidade de alimentos saudáveis e reduzam seus custos, a regulação governamental na indústria de alimentos, nas cantinas e programas de alimentação escolares, na publicidade, na rotulagem, entre outras instâncias. Do mesmo modo, a publicidade em campanhas de amplo espectro pode reforçar ações em prol de uma alimentação saudável. Segmentar a visão biológica e a visão sociocultural não ajuda a elucidar a compreensão das doenças e seus determinantes, e pode limitar programas de EAN. A integração desses vários elementos em um contexto que permita compreender as práticas alimentares e os promotores de processos de mudança, tanto aquelas desejáveis quanto as indesejáveis, podem contribuir nas estratégias de intervenção nutricional. Delormier et al.44 propõem abordar a alimentação enquanto prática social a partir da teoria da estruturação de Antony Giddens, que envolve a relação entre contexto social e escolhas alimentares. Os autores criticam abordagens como a teoria social cognitiva, o modelo transteorético, entre outros, que atribuem ao indivíduo a responsabilidade por escolhas alimentares e pelo comportamento relacionado com a alimentação. O controle das escolhas, nestas perspectivas, fica sob gerência do indivíduo como escolhas racionais, subestimando o contexto do cotidiano no qual a alimentação está assentada. Na estrutura conceitual proposta, há referência a duas orientações distintas da teoria social, como produto de ações voluntárias e como produto da estrutura social, encaradas como uma dualidade na qual ambas as instâncias são interdependentes e recíprocas. As práticas sociais são definidas como uma atividade de atores sociais que seguem o fluxo da vida diária e integra os conceitos de estrutura social e das ações individuais constituídas por significações. Assim, as práticas sociais são habilidades, métodos e técnicas apropriados para serem desempenhados pelos atores sociais. Práticas sociais de rotina são padrões que constituem sistemas sociais. A capacidade para agir, no entanto, é limitada pela estrutura social (regras e recursos), embora a ação dos atores intervenha para influenciar um processo específico ou um acontecimento. Metodologicamente, a análise social, tal como proposto por Delormier et al.,44 se faz pelas estratégias de conduta e códigos de significação, que se concentram nos agentes e em como eles refletem sobre suas ações e pelas influências estruturais. Rotinas e procedimentos relacionados com a alimentação da família (alimentação diária e atividades a ela relacionada, como planejamento, compras, refeições, procedimentos de limpeza, entre outros) são as bases empíricas que permitem acessar o set das práticas alimentares da família, que constituem as práticas sociais que norteiam aquele grupo. Outras instâncias de análise são incluídas como os códigos de significação, as estruturas dominantes, os meios de legitimação, de modo que abordar as práticas alimentares enquanto prática social, envolvendo nesta análise o grupo social, considerando regras, recursos e suas estruturas de significação, possibilita melhor compreensão das escolhas alimentares e dá suporte para a intervenção nutricional. Um estudo desenvolvido sobre alimentação de escolares, utilizando este referencial teórico, analisou a estrutura organizacional da escola, as prioridades relacionadas com a alimentação https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref44 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527732512/epub/OEBPS/Text/chapter01.html?create=true#ch1ref44 em relação a outras atividades e a influência de colegas nas regras, significados e recursos relacionados com as práticas alimentares. Foram observadas diferenças nos procedimentos por gênero, tanto no que diz respeito ao valor dado àquela prática, quanto ao tipo de lanche, atrelados às atividades que faziam parte do horário de lanche, disponibilidade e recursos. O exemplo desloca o olhar do indivíduo para o contexto imediato que o influencia. Não que o sujeito seja incapaz de fazer escolhas, mas estas estão imersas no contexto, de modo que é possível dimensionar melhor a capacidade de mudança, os argumentos, os valores e as representações envolvidas. A proposta desses autores é bem interessante, pois, para intervenções, avança ao situar as práticas alimentares como práticas sociais, considerando a inserção e o contexto do grupo social em que estão inseridas e redimensionando a capacidade de ação do sujeito no grupo. Permite, tanto para diagnósticos, quanto para intervenção, aliviar o peso dado, de um lado, ao indivíduo e, de outro, os determinantes socioeconômicos, passando a considerar um território de mediação, no qual ponderações e tensões dessas duas instâncias, e no grupo social, passam a atuar. CONSIDERAÇÕES FINAIS O propósito deste capítulo é trazer questões implicadas nas mudanças alimentares. Não há, de modo algum, a pretensão de apresentar um modelo teórico sobre o assunto. Contudo, nas questões apresentadas há elementos que podem ser aprofundados. Já é bem conhecida a importância do ambiente na obesidade; também está bem-estabelecida a necessidade de que as ações para a promoção da alimentação saudável, no combate à obesidade e para a saúde, desenvolvam-se em vários níveis, nas cidades, no trabalho, nas escolas, no bairro, na família, no indivíduo. Contudo, o que foi abordado neste capítulo foi uma reflexão sobre como operam essas mudanças. Se considerarmos variáveis determinantes da obesidade, escolaridade, renda, informação, acesso, entre outros, é possível armar estratégias políticas para que a melhora destes determinantes possa ter um impacto positivo no combate à obesidade. No entanto, há vários planos de influência para as práticas alimentares e nem todos são alcançados com as mesmas estratégias. Por isso, merecem ser ponderados, sobretudo quando se trata de intervir, pois, a compreensão melhor da problemática, que a priori pode oferecer um panorama desanimador, por sua complexidade, certamente, faz refletir sobre essa trama, podendo ajudar no enfrentamento deste desafio. Para aqueles que estão trabalhando com a qualidade da alimentação no âmbito do indivíduo ou da família, a análise do contexto ampliado das práticas alimentares poderá ajudar na abordagem do problema. De qualquer modo, a pretensão do texto foi uma provocação para que esta questão seja mais investigada e que possa ter mais elementos para a compreensão das escolhas alimentares, dos comportamentos e efetivamente de como operam as mudanças alimentares. ATIVIDADE PRÁTICA Exibir um filme que mostre um personagem e seu contexto de vida e pedir aos alunos para fazer uma análise das condições de mudanças alimentares do personagem. O professor pode acrescentar um problema alimentar para que o estudante faça esse exercício de reflexão. Exemplos de filmes: •Linha de Passe (2008), direção Walter Salles e Daniela Thomas. Trata-se de uma crônica social sobre uma família pobre da periferia paulistana, chefiada por uma mulher. Apesar de o filme ter como tema o futebol, é possível analisar as condições que a mãe de família teria para realizar mudanças alimentares em seu cotidiano •Mundo Grua (1999), filme argentino do diretor Paulo Trapero. Rulo é um operador de gruas de 50 anos que vive uma série de dificuldades e luta contra a ameaça de desemprego. A rotina desse personagem é muito boa para analisar tanto as condições para mudanças alimentares pessoais quanto as do contexto. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1.Boog MCF. Educação nutricional: passado, presente, futuro. R Nutr PUCCAMP. 1997; 10(1):5-19. 2.Arruda BCG, Arruda IKG. Marcos referenciais da trajetória das políticas de alimentação e nutrição no Brasil. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2007; 7(3):319-26. 3.Carneiro FF (Org.). Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Rio de Janeiro: EPSJV/São Paulo: Expressão Popular; 2015. 4.Pacheco MEL. Perspectivas de gênero: debates e questões para as ONGs. Recife: GT Gênero. Plataforma de contrapartes Novib/SOS CORPO gênero e cidadania, 2002. (Obra coletiva). 5.Achterberg C, Miller C. Is one theory better than another in nutrition education? A viewpoint: more is better. 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