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CLAUDIMARA ALVES DE JESUS EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS PUBLICADAS NA LITERATURA BRASILEIRA EM RELAÇÃO Á CREDIBILIDADE DO DEPOIMENTO INFANTIL EM CASOS DE SUSPEITA DE ABUSO SEXUAL Rondonópolis 2019 EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS PUBLICADAS NA LITERATURA BRASILEIRA EM RELAÇÃO À CREDIBILIDADE DO DEPOIMENTO INFANTIL EM CASOS DE SUSPEITA DE ABUSO SEXUAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdades de Ciências Sociais e Humanas Sobral Pinto – FAIESP unidade UNIC Rondonópolis curso de Psicologia, como requisito parcial para a obtenção do título de graduado em Bacharel em Psicologia. Orientador: Marildes Ferreira CLAUDIMARA ALVES DE JESUS CLAUDIMARA ALVES DE JESUS EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS PUBLICADAS NA LITERATURA BRASILEIRA EM RELAÇÃO Á CREDIBILIDADE DO DEPOIMENTO INFANTIL EM CASOS DE SUSPEITA DE ABUSO SEXUAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdades de Ciências Sociais e Humanas Sobral Pinto – FAIESP unidade UNIC Rondonópolis curso de Psicologia como requisito parcial para a obtenção do título de graduado em Bacharel em Psicologia. BANCA EXAMINADORA Prof(a). Titulação Nome do Professor(a) Prof(a). Titulação Nome do Professor(a) Prof(a). Titulação Nome do Professor(a) Rondonópolis, 09 de Dezembro de 2019 Dedico este trabalho à todas crianças silenciadas e desacreditadas vide Tabu social e ignomínia. “Não, não será com métrica; nem com rima. Uma coisa sem nome violentou uma menina. Ação barata; sem a prata do pensamento o ouro do sentimento; o dia da empatia. Noite! Uma coisa. Não era o lobo; nem o ogro, nem a bruxa, era a fúria do real; sem o carinho do símbolo. Stop! A poesia parou. Ou foi a humanidade?” (Celso Gutfreind) JESUS, Claudimara Alves. Evidências Científicas Publicadas na literatura brasileira em relação á Credibilidade do Depoimento Infantil em casos de suspeita de Abuso Sexual. 2019. 31 páginas. Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Psicologia– UNIC, Rondonópolis, 2019. RESUMO Para o sistema de justiça brasileiro, priorizar a detecção e fomentar a denúncia de casos de abuso sexual infantil aumenta a perspectiva de punição dos agressores por meio de processados e reclusão social, agindo portanto, de modo a garantir a segurança física da vítima e afirmação de seus direitos enquanto cidadão e pessoa humana através de seu afastamento do convívio com o algoz. Entretanto, diversas dúvidas, estereótipos e tabus circundam o depoimento infantil. Nesse enredo o presente trabalho possui como tema as Evidências Científicas Publicadas na literatura brasileira em relação á Credibilidade do Depoimento Infantil em casos de suspeita de Abuso Sexual, tendo por objetivo identificar as premissas e parâmetros que possam nortear avaliação da oitiva infante; analisar os aspectos que podem influir na tomada de decisão quanto a fidedignidade ou não do depoimento infantil em âmbito jurídico sob suspeita de abuso; compreender a importância do Depoimento Especial (D.E.) no processo judicial. Os principais resultados observados no decorrer do trabalho apontam como critérios de validação a coerência do relato, a consistência e plausibilidade do discurso, assim como a observação do comportamento não verbal e as respostas emocionais ou sofrimentos psíquicos manifestos ou latentes no mesmo. Destaca-se a escassez de bibliografias nacionais voltadas a temática. Palavras-chave: Depoimento Infantil; Depoimento Especial; Abuso sexual Infantil; Credibilidade do Depoimento Infantil. JESUS, Claudimara Alves. Scientific Evidence Published in the Brazilian literature regarding the Credibility of Child Testimonials in Cases of Suspected Sexual Abuse. 2019. 31 páginas. Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Psicologia– UNIC, Rondonópolis, 2019. ABSTRACT For the Brazilian justice system, prioritizing detection and encouraging reporting of child sexual abuse cases increases the prospect of punishing perpetrators through prosecution and social imprisonment, thereby acting to ensure the physical safety of the victim and the assertion of their rights as citizens and human beings through their distancing from living with the tormentor. However, several doubts, stereotypes and taboos surround the testimony of children. In this plot the present work has as its theme the Scientific Evidence Published in the Brazilian literature regarding the Credibility of the Child Testimony in cases of suspected Sexual Abuse, aiming to identify the premises and parameters that may guide the assessment of the infant infant; to analyze the aspects that may influence the decision making as to the trustworthiness or not of the child legal testimony under suspicion of abuse; understand the importance of the Special Statement (D.E.) in the judicial process. The main results observed throughout the study point out as validation criteria the coherence of the report, the consistency and plausibility of the speech, as well as the observation of nonverbal behavior and the emotional responses or manifested or latent psychological suffering in it. The shortage of national bibliographies focused on the theme stands out. Key-words: Children's testimony; Special Testimony; Child sexual abuse; Credibility of Child Testimonial. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 10 2. PRESMISSAS E PARÂMETROS QUE PODEM NORTEAR A ANÁLISE DO DEPOIMENTO INFANTIL (DI) .................................................................................. 12 3. ASPECTOS QUE PODEM INFLUIR TOMADA DE DECISÃO QUANTO A FIDEDIGNIDADE DO DEPOIMENTO INFANTIL (DI) .............................................. 18 4. COMPREENDENDO A IMPORTÂNCIA DO DEPOIMENTO ESPECIAL (DE) 23 4.1 A IMPORTÂNCIA DO PSICOLOGO NO DEPOIMENTO ESPECIAL (D.E.) ...... 26 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 29 6. REFERÊNCIAS ................................................................................................. 31 10 1. INTRODUÇÃO A violência sexual é um fenômeno multicausal de ampla complexidade e lidar a temática compreende um trabalho de natureza multidisciplinar exigindo o diálogo entre diversas áreas do conhecimento cientifico. A investigação das denúncias de abuso sexual infantil é um processo complexo, porém de extrema importância para a proteção dos direitos fundamentais infantojuvenil. Mas para que tais medidas sem adotadas, realiza-se um longo e escrupuloso processo de averiguação das denúncias, haja vista que, crimes sexuais frequente são marcados pela ausência de provas factuais tornando o relato da possível vítima o principal meio de investigação dos fatos. Contudo, a baixa credibilidade atribuída ao depoimento infantil tem se mostrado um agravante não só dentro do âmbito familiar, como também no sistema legal, devido à crença popular de que crianças mentem ou é vista como de menor confiança. Em meio às incertezas e dubiedades que assolam o de depoimento infantil, ressalta-se a falta de parâmetros específicos para fomentar a credibilidade do relato da vítima ou munir os jurados com informação que possam auxilia-los em sua tomada de decisão quando ao relato, neste ensejo peritos psicólogos são comumente chamados a contribuir nas averiguações. O presente trabalho surge a partir da necessidade de se elucidar os aspectos e parâmetros avaliados durante a análise da credibilidade do depoimento infantil no âmbito jurídico em casos com suspeita de abusosexual, justificando-se pela escassez de pesquisas especificas sobre a temática em detrimento a crescente demanda do dilema. Neste enredo, delimitou-se o tema de pesquisa visando responder a seguinte questão problema: Quais as evidências científicas publicadas em bases eletrônicas nacionais que norteiam os critérios de validação e credibilidade do depoimento infantil em casos de suspeita de abuso sexual? Fundamentado pela seguinte pergunta, o presente trabalho circunscreve com o objetivo de realizar uma revisão sistemática da literatura brasileira disponível em bases eletrônicas gratuitas referente aos critérios de validação da credibilidade do depoimento infantil em casos com suspeita de abuso sexual traçando assim, como metas mais especificas: identificar premissas e parâmetros que possam nortear avaliação da oitiva infante; analisar os aspectos que podem influir na tomada de 11 decisão quanto a fidedignidade ou não do depoimento infantil em âmbito jurídico sob suspeita de abuso e por fim, compreender a importância do Depoimento Especial (D.E.) no processo judicial. O estudo constitui uma revisão sistemática na literatura brasileira disponível em bases eletrônicas sobre o problema em questão visando perscrutar estudos originais, disponíveis, em português, sem limite de tempo. Não foram utilizados livros, periódicos e monografias. Os procedimentos de coleta de dados ocorreram através das bases de dados eletrônicas: BVS; Google acadêmico; Scielo; CAPES e LILACS utilizando o seguinte descritor: abuso sexual e as seguintes palavras-chave: credibilidade; depoimento, criança e violência sexual em consonância com o booleano And. Durante a busca inclui-se nas bases BVS e Google Acadêmico o filtro Idioma- Português. Após a investigação realizou-se uma análise e seleção de dados de acordo com sua relevância e congruência com tema da presente pesquisa. Os resultados foram apresentados através de texto expositivo argumentativo em três capítulos que discorrem sobre os resultados encontrados quanto a cada objetivo específico. 12 2. PRESMISSAS E PARÂMETROS QUE PODEM NORTEAR A ANÁLISE DO DEPOIMENTO INFANTIL (DI) Com a ressignificação do olhar sobre criança emergente na sociedade pós moderna, o infante tem conquistado parcial autonomia e voz de direito nos processos de decisões quanto a aspectos fundamentais de sua vida. Uma vez que estes passam a ser assentidos como sujeitos de direito na condição de pessoa humana e constatando-se que, o núcleo familiar primário pode, por vezes, não ser capaz de assegurar a integridade física e psicoemocional dos mesmo, a criança poderá, em situações adversas, ter voz ativa perante o estado. (ELOY, C. B. 2007). Neste enredo, a inquirição infantil tem se tornado um recurso frequente no sistema judiciário brasileiro, tendo sua execução organizada e regulamentada pela Lei 13.431 de 4 de Abril de 2017. Entretanto, enfrenta-se ainda a depreciação da oitiva infantil há cerca de situações de violência e vulnerabilidade, sobretudo quando este discurso lança dúvidas quanto à conduta de um adulto como acontece nos casos em que há suspeita de abuso sexual. (BRASIL, 2017). Conforme salientam Pelisoli e Dell’aglio (2011), os casos com suspeita de abuso sexual são transpassados por dúvidas e incertezas, uma vez que geralmente apresentam histórias complexas e dinâmicas difíceis, e mostram-se comumente acompanhados da ausência de provas factuais ou testemunhas oculares dificultando um diagnóstico mais preciso da situação. Desmistificar a dubiez que permeia oitiva infantil consiste em perscrutar a linha tênue entre a verdade factual, a alienação e a verdade subjetiva. Entretanto, é possível orientar-se pela presença ou não de aspectos e parâmetros que possam nortear a análise destes depoimentos de modo a auxiliar os processos de tomada de decisões. As premissas que possibilitam identificar e distinguir estes marcadores no discurso infantil podem, por vezes, serem difusas e ambíguas considerando o fato de não haver uma linguagem universal ou mesmo um padrão de sintomas especifico para vítimas de abuso sexual. (ELOY, C. B. 2007). Dentre as muitas adversidades nesta distinção sobressai-se a complexidade de se legitimar os sinais e sintomas identificados como decorrentes de uma situação de abuso e não de outras violações de direitos ou vulnerabilidades possivelmente experienciadas pela criança, haja vista que, os indicadores frequentes como 13 retraimento, comportamento exibicionista, condutas herotisadas em relação à faixa etérea ou aversão a aproximações pessoais, bem como irritabilidade, medo, enurese, distúrbios de sono e alimentares, dificuldades escolares dentre outros podem englobar o quadro sintomatológico de uma gama de outras síndromes, situações e transtornos que não necessariamente tem relação com o abuso sexual de tal forma que, estes marcadores tornam-se insuficientes respaldar o discurso da criança. (PELISOLI; DELL’AGLIO, 2011). Uma vez ressaltados estes percalços, Pelisoli e Dell’aglio (2011) corroboram dizendo que muitas vítimas não apresentam sintomas específicos e que indicadores isolados de abuso são raramente definitivos, sendo necessária a investigação de diversos sinais antes de chegar a um veredito. Com esta premissa, as autoras apontam que a coerência do relato da vítima é especialmente observada durante a inquirição salientando que, observados os princípios de consistência e plausibilidade, bem como os possíveis sintomas apresentados no histórico e contexto familiar da criança, estes podem contribuir amplamente para fundamentar suas decisões (não judiciais). Ao introduzirmos o conceito de coerência e plausibilidade como parâmetros avaliativos capazes de fomentar ou denegrir a credibilidade da oitiva infante é necessário compreender que a consistência é entendida como uma propagação na qual a história se apresenta sólida, livre de contradições enquanto a plausibilidade avalia por meio de comparações as sequências dos eventos narrados devendo atentar-se para os aspectos pertinentes a maturidade psicológica e as características da fase do desenvolvimento no qual a criança se encontra. (PELISOLI; DELL’AGLIO, 2011). Nestes casos judiciais, embora não devidamente valorizada, a palavra da criança tem uma real importância, visto que, em sua vivência infantil, utiliza uma linguagem que traduz as relações estabelecidas com os membros familiares e com seus pares no grupo social a que pertence. As palavras utilizadas revelam não somente o grau de maturidade psicológica da criança e a intensidade de sua compreensão da sexualidade humana, como também a estimulação social que recebe sobre tal temática. (ELOY, 2007. p. 64) A denominação dada pela criança ao referir-se aos órgãos genitais ou a atos eróticos e libidinosos evidencia as influências as quais foi exposta em sua narrativa possibilitando ao examinador discernir quanto a espontaneidade da mesma ou até evidenciar as construções adultas que influenciam, pressionam ou induzem o relato. Deve-se ressalvar o fato de que, embora a espontaneidade seja um fator característico 14 da infância, este aspecto vai sendo moldado pelas influências socioculturais conforme a criança avança em seu desenvolvimento. (ELOY, 2007). Deste modo, a incorporação de conceitos e representações sociais é um processo estritamente ligado a educação infantil que tende a limitar a expressividade com o aproximar-se da vida adulta. Reforça-se então a necessidade do preparo profissional e do conhecimento para a identificação dos fatores característicos de cada fase do desenvolvimento infantojuvenil para que se torne possível compreender e avaliar a que ponto esta educação influi sobre o relato da criança ou a que ponto este relato foi manipulado. (PELISOLI; DELL’AGLIO, 2011). Em concordância com esta premissa,Eloy (2007, p.63), fundamenta dizendo que, “há um longo caminho a percorrer antes que a linguagem se torne um verdadeiro instrumento do pensamento e o meio adequado de comunicação, utilizado de forma consciente, até chegar a uma completa conceitualização”. Esta afirmativa leva à reflexão quanto aos fatores cognitivos respectivos da infância fazendo-se necessária uma melhor compreensão dos mesmo ao se analisar o discurso infantil. Atentar-se para as referências presentes no discurso infantil que se arremetem ao contexto sociocultural no qual a criança está inseria é outro aspecto de suma importância na compreensão e no acolhimento da verdade subjetiva da vítima podendo ainda, através destes, identificar e discriminar os marcadores que diferem o discurso infantil de possíveis contaminações no relato. (ELOY, C. B. 2007). Outra premissa importante na análise do depoimento é a observação, estar atento ao comportamento não verbal da criança auxilia na compreensão total de sua fala bem como possibilita identificar respostas emocionais ou sofrimentos psíquicos latentes em seu discurso. Pelisoli e Dell’aglio (2014), salientam a importância do preparo profissional do avaliador e de suas habilidades e capacidades de estar sensível a avaliar o dano psíquico e o impacto emocional manifesto ou contido no relato durante a inquirição, uma vez que, dentro de sua individualidade as crianças, assim como todos os seres humanos, podem ser afetadas por eventos de violência e situações de vulnerabilidade de modo a não só demostrarem com ampla intensidade suas emoções, como também estão susceptíveis a reprimi-las em processo visa sua reestruturação psíquica. Considerando-se que o discurso infantil é desvalorizado pela vulnerabilidade em ser contaminado por expressões e conceitos dos adultos, faz-se necessária a 15 diferenciação entre a crença e o reconhecimento da palavra da criança pelos profissionais que a atendem. A crença seria de ordem religiosa e cultural, na qual a criança ocuparia um papel santificado, e por isso não humana e que fala sempre a verdade. (ELOY, C. B. 2007). Em contrapartida, o reconhecimento levaria em conta sua humanidade, suas fragilidades e a possibilidade de conduzir à responsabilização do acusado, como também para o acompanhamento da criança em suas dificuldades (Informação verbal). Sob tal aspecto, percebe-se que os sentidos formados no cotidiano podem levar a conceitos diferenciados e que a limitação entre o senso comum e a atuação profissional podem não estar tão às claras. (ELOY, C. B. 2007. p. 65). Em casos com suspeita de abuso sexual infantil, o examinador tende a aspirar que o relato da situação de violência possua em sua narrativa aspectos familiares aos casos nos quais a denúncia foi legitimada em experiências anteriores do profissional ou de terceiros. Esta conjectura compreendida como pensamento representativo pode influenciar a tomada de decisão ao atribuir ou não credibilidade ao oitiva do infante. (PELISOLI; DELL’AGLIO, 2011). Dentre os fatores elencados como emblemáticos nos casos de abuso sexual, cabe citar a presença de “famílias reconstituídas, antecedentes criminais do réu, características de negligência e/ou depressão maternas, dinâmica de segredo, barganhas e ameaças” (PELISOLI, DELL’AGLIO, 2011. p. 7). Neste enredo, é necessário ao profissional o preparo e as habilidades necessárias para adotar cuidados técnicos e metodológicos para impedir que ocorra a contaminação do relato por crenças ou sugestionabilidade involuntária do mesmo para com a criança tornando se imprescindível a cautela com os aspectos técnicos e metodológicos da inquirição. Conforme afirma Eloy (2007), o rapport e o acolhimento apropriado, livre de julgamentos e aliado ao incentivo para que a criança se expresse a sua maneira, expondo suas ideias, sentimentos e percepções são imprescindíveis para criar um espaço de segurança onde o infante possa manifestar-se de maneira livre, clara e coerente a seu próprio modo. Ainda que a criança disserte de modo difuso demonstrando pequenas contradições, deve-se considerar que sua estrutura cognitiva e sua organização psicológica diferem de modo fundamental entre as características e os aspectos de 16 personalidade apresentados da fase adulta. É necessário, portanto, policiar-se quantos as exigências de clareza, coerência e coesão equivalentes há um discurso adulto na oitiva infantil como é comumente exigido na concepção de “relato da verdade” almejada pelo sistema judiciário. Deste modo é possível valorizar a palavra da criança respeitando-a na qualidade de pessoa humana e propiciando-lhe um ambiente favorável a “um fluxo de comunicação com a justiça capaz de garantir seu direito de expressão livre da opressão” (ELOY, 2007. p. 65). Em situações nas quais uma criança é exposta a experiências adultas para as quais não possui maturidade física ou psicologia para compreender em sua plenitude, as denominadas situações de abuso, esta pode apresentar um impacto emocional intenso, o que pode influenciar no modo com que percebe os fatos conturbando assim, sua compreensão real da situação, principalmente quando há presença de vínculos ou sentimentos preceptores a situação de abuso. Em decorrência de circunstâncias estressoras e do fator emocional, o entendimento do infante pode apresentar conteúdos ambivalentes sofrendo induções do meio sejam elas intencionais ou não. (ELOY, 2007). Outro fator agravante para o qual a atenção do profissional deve ser voltada é a quantidade de intervenções e procedimentos aos quais a criança é exposta desde o momento da revelação do abuso, a denúncia e os processos de investigação que precedem o depoimento em juízo, pois estes podem influir sobre a lembrança dos fatos, haja vista que, a cada vez que se relata o ocorrido há um processo de revitimização e ressignificação dos mesmos em decorrência da situação original. (PELISOLI; DELL’AGLIO, 2011). A este respeito, Eloy (2007) esclarece que: Contudo a memória da criança também poderá ser afetada pelas intervenções dos diversos questionamentos e das reações dos familiares e pessoas próximas, o que, na área jurídica, é dada maior atenção em função da própria formação dos operadores do Direito. Nos estudos sobre vitimologia, são aventadas as possibilidades das falsas memórias, que se baseiam em sugestões e/ou sensações de haver experimentado algo que, na realidade, nunca vivenciou, e assim, pode confundir ou equivocar os julgadores, oferecendo com isto fundamentos para a defesa do criminoso autêntico. (ELOY, 2007. p. 65-67) Neste sentido o uso de instrumentos complementares que possam auxiliar na análise do depoimento infantil faz-se relevante para uma visão global do quadro, métodos como a ludoterapia, o desenho, dentre outros podem contribuir para uma melhor avaliação da denúncia. (PELISOLI; DELL’AGLIO, 2011). 17 A investigação e busca por indicadores que reforcem ou não o relato devem ser feitas de maneira cuidadosa e instrumentalizada. É importante que o inquiridor verifique outros recursos como documentos do processo, entrevistas com outras fontes, dentre outras medidas disponíveis para assegurar uma avaliação completa e dinâmica. Quanto à própria suspeita de abuso sexual, a decisão do profissional exprime as hipóteses levantadas pelo mesmo com base nos fatores anteriormente descritos, bem como outros aspectos passiveis de influir em seu julgamento. (PELISOLI; DELL’AGLIO, 2011). Nota-se, entretanto, que a literatura brasileira carece de aprofundamento e investigação dos indicadores presentes em relatos de violência sexual infantil para instrumentalizar o inquiridor e garantir os direitos fundamentais, sociais e individuais da criança em situação de vulnerabilidade uma vez que, os atuais recursos literários mostram-se precários e insuficientes para elucidaras nuances que circundam o depoimento infantil. (PELISOLI; DELL’AGLIO, 2011). 18 3. ASPECTOS QUE PODEM INFLUIR TOMADA DE DECISÃO QUANTO A FIDEDIGNIDADE DO DEPOIMENTO INFANTIL (DI) A investigação das denúncias de crime sexual contra infante tem como cerne a proteção do menor, a garantia de seus direitos e a prevenção de novas situações de abuso, mas para que tais medidas sejam adotadas é necessária uma importante decisão quanto a veracidade da denúncia. Neste ensejo Pelisoli e Dell’Aglio (2014), dilucidam dizendo que a tomada de decisão em âmbito judicial é um mecanismo que implica na ação do poder do estado através de um Juiz de direito na regulação da vida social. Para auxiliar o operador de direito nesta primordial decisão, diversas provas são apresentadas a fim de desmistificar os fatos e compor um quadro geral da denúncia tendo estas evidências poder de influir diretamente no desfecho do processo. Dentre os diversos procedimentos de coleta de dados apresentados ao júri, Pelisoli, Gava e Dell’Aglio (2011) pontuam alguns dos recursos mais frequentes em auxílio a tomada de decisão: Num survey conduzido com profissionais que avaliam situações de ASI, os mais frequentes procedimentos e/ou indicadores de abuso foram operacionalizados como: (a) exames médicos; (b) relato da criança sobre a ocorrência do abuso; (c) informações obtidas a partir de procedimentos de avaliação incluindo bonecos, desenhos, fantoches, e casa de bonecas; (d) presença-ausência de comportamento hipersexualizado não-apropriado; e (e) dados obtidos de testes psicológicos aplicados na criança e no abusador alegado. (PELISOLI; GAVA; DELL’AGLIO, 2011. p. 6). Evidenciou-se em no estudo Pelisoli et. al. (2011), a preponderância do uso de informações complementares a prova testemunhal para a tomada de decisão. Recursos como o exame médico-legal e aparatos que possam oferecer evidencias mais concretas apresentam grande relevância neste processo. A convicção do Juiz de direito em relação à denúncia pragmaticamente baseia-se na busca objetiva pela “verdade real” do acontecimento alegado sendo esta indispensável para a aplicação das medidas necessárias sem que haja a violação dos direitos da criança ou do suposto abusador. (Pelisoli; Dobke; Dell’Aglio, 2014). Ressaltada a importância do parecer jurídico para o desfecho da denúncia é necessário compreender os processos cognitivos que influem no julgamento humano neste transcurso de deliberação. De acordo com Pelisoli, et. al. (2011) denúncias nas quais há suspeita de crimes sexuais contra crianças são transpassadas por uma 19 grande intensidade emocional exercendo considerável pressão sobre os profissionais envolvidos. A ausência de materialidade nestes casos culmina em situações de muitas incertezas. Nestas circunstâncias o julgamento humano é tendencioso à não respaldar-se em probabilidades estatísticas, mas em diretrizes heurísticas e pensamentos subjetivos podendo assim, ocasionar falhas sistêmicas. A heurística pode ser compreendida como um conjunto de regras gerais que assiste a tomada de decisões exigindo poucos esforços e tempo. (PELISOLI; GAVA; DELL’AGLIO, 2011). As heurísticas da representatividade e da disponibilidade podem se configurar como vieses cognitivos influenciando a tomada de decisão em situações de incerteza, que são características nos casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes. A heurística da representatividade pressupõe que o julgamento da probabilidade de um evento incerto é tomado de acordo com o quão similar ou representativo ele é da população da qual se origina e de acordo com o grau no qual ele reflete os aspectos proeminentes do processo pelo qual é gerado. (PELISOLI; GAVA; DELL’AGLIO, 2011. p. 7). Com esta premissa, pode-se considerar que experiências anteriores do Júri e do examinador apresentam poder denotativo na compreensão do relato do como verídico ou não. Em casos com suspeita de abuso sexual evidencia-se de maneira implícita a busca pela presença perspectiva de elementos similares a relatos anteriores nas quais a eventual denúncia foi efetivamente comprovada sendo este fenômeno chamado de pensamento representativo. (PELISOLI; GAVA; DELL’AGLIO, 2011). Em um estudo conduzido por Pelisoli et. al. (2011), identifica na obra de doze literatos alguns dos elementos representativos tendenciosos a comumente reforçar a credibilidade do relato de abuso sexual infantil listando-os como: a associação da vítima ao o gênero feminino como mais arremetido; a composição familiar reestruturada ou reconstruída com novos membros; histórico de violência ou antecedentes criminais do acusado; evidencias de negligencia, depressão materna e outras situações de vulnerabilidade; características comuns a dinâmica do segredo, coação, barganhas ou ameaças a vítima ou sujeitos de seu afeto. Neste enredo pode-se observar a busca tendenciosa por características que associem a vítima a um perfil já conhecido pelo avaliador, por exemplo, Pelisoli et. al. (2011) descreve em seu estudo que psiquiatras que obtiveram um maior grau de assertividade deferindo seu parecer em favor da vítima de sexo feminino ou em lar reestruturado, em situações similares nas quais os elementos apresentem-se difusos 20 podem ser influídos por suas experiências anteriores unilateralizando-se a repetir o padrão de decisões de modo a evidenciar uma predominância da experiência em relação ao conhecimento científico e teórico quanto as decisões em investigações de abuso sexual infantil. As crenças preexistentes, valores e moral pessoais em relação ao abuso sexual e sobre os aspectos da infância também podem inconscientemente reverberar na postura adotada pelo profissional durante a análise do depoimento em que existam dúvidas. Pelisoli et. al. (2011) evidencia em sua obra a controvérsia em relação a postura de profissionais e psicólogos que atuam no depoimento especial aos quais estes adotam uma postura maternal ou defensora da criança possivelmente vítima de abuso em agravo a outros papeis passiveis de serem desempenhados. Cabe ressaltar a necessidade de o profissional estar apito a exercer seu papel com sabedoria e imparcialidade em todo o processo de inquirição a fim de ater-se a justiça com todos os envolvidos no processo. A prova testemunhal é um recurso importante na investigação de possíveis situações de abuso, contudo é imprescindível lembrar que este tipo de coleta de dados pode variar de acordo com as habilidades do inquiridor possibilitando assim uma variação no procedimento dentre os diferentes grupos de profissionais e no diálogo entre os mesmo, como por exemplo, a nítida divergência dos olhares do psicólogo em detrimento ao operador de direito. Deste modo a escolha do inquiridor pode refletir na decisão final do júri. (PELISOLI; DELL’AGLIO, 2014). Corroborando esta afirmativa Eloy (2007), esclarece que a técnica utilizada pelo inquiridor, o rapport e o vínculo estabelecido com a testemunha também podem influir no parecer tanto do avaliador quando do Júri. Um examinador hábil pode exprimir uma maior quantidade de informações, sejam estas verbais ou não. Em contra partida um profissional inapto pode inibir, sugestionar ou interpretar de maneira equivocada o relato da vítima de modo causar a impugnação do mesmo. Deve-se considerar que o conteúdo das entrevistas realizadas no contexto da justiça fornece informações concretas proporcionadas tanto pela vítima, quanto pelo interlocutor, seja este profissional de qualquer área. Portanto, não apenas o que é dito verbalmente aponta caminhos para esclarecer as dúvidas ou as suspeitas, mas também o comportamento não verbalizado e o estilo da linguagem utilizada. A qualidade do relacionamento estabelecido entre a vítima e o interlocutor durante as entrevistas é fundamental para uma comunicação com amplitude e interação.(ELOY, 2007. p. 83). 21 Outro aspecto evidenciado como sectário na postura de análise quanto a veracidade da oitiva infantil é o gênero do avaliador, seja este o inquiridor ou o juiz de direto. Segundo Pelisoli et. al. (2011), as profissionais do sexo feminino, usualmente, mostram-se tendenciosas ao rigor para com o acusado no que tange denúncias de crimes contra crianças. Em casos em que há suspeita de abuso sexual infantil estas costumam manifestar crenças mais concretas em relação a fidedignidade do relato da vítima em relação aos homens que avaliam “a credibilidade do réu em níveis significativamente mais altos do que as juradas mulheres”. O trabalho atenta-se ainda para a influência do gênero em relação a concepção de desejo ou contribuição involuntária da vítima para a ocorrência do crime atribuindo o júri masculino “níveis mais altos de responsabilidade para a vítima, comparados às mulheres”. (PELISOLI; GAVA; DELL’AGLIO, 2011. p. 8). Ainda conforme as autoras, este mesmo estudo ressalta a influência da área de atuação no profissional no processo de decisão do caso. Psiquiatras, assistentes sociais e psicólogos que trabalham com vítimas de assedio ou abuso sexual de alguma natureza frequentemente atribuem mais credibilidade ao relato da criança em detrimento aos operadores de direito e profissionais da área da saúde aos quais lidam com idosos ou sujeitos que apresentam outros sofrimentos pós-traumáticos. (PELISOLI et. al. 2011). Em se tratando do processo de investigação da denúncia, devido a frequente ausência de provas materiais dos casos, profissionais de diversas áreas do conhecimento são chamados a contribuir com o mesmo e necessitarão tomar uma decisão quanto veracidade da denúncia em alguma instancia, seja para proferir uma sentença, solicitar uma medida de proteção ou posicionar-se através de pareceres técnicos e laudos. Deste modo a atividade pericial e a participação ativa neste processo requerem não só um amplo conhecimento no assunto, como também habilidades para discernir e aptidão para a tomada de decisão. (FINNILÄ-TUOHIMAA et al., 2009). Ao lançar olhar apara a pluralidade de profissionais envolvidos no processo investigativo e no desfecho do mesmo, salienta-se a divergência e elementar do conceito de verdade presente em cada área do saber. No âmbito judiciário, encontra- se a primazia da verdade real ou objetiva em detrimento da verdade subjetiva 22 perscrutada pelo psicólogo fazendo-se necessária a busca por uma linguagem comum a ambas as áreas. Neste ensejo, as abordagens cognitivas tem apresentado maior respaldo na produção de evidencias mais próximas a compreensão de verdade objetiva corroborando assim, com a psicologia forense na dicotomia psicologia-direito. (PELISOLI; DOBKE; DELL’AGLIO, 2014) Partindo de tal compreensão, Pelisoli et. al. (2014), reforçam que a postura adotada por juízes de direito inclina-se à desvalorização de relatos vagos ou com conteúdo ambíguo reafirmando a postura que descreve em sua obra de 2011, na qual Pelisoli et. al. relata a frequência com a qual os laudos de avaliação psicológica são desprezados no judiciário por não contemplarem provas materiais da violência. Entretanto, esses profissionais não se mostraram da mesma maneira sensíveis a outros componentes que podem influenciar a entrevista, como presença de ameaças e recompensas, que podem fazer com que o entrevistado decida por não abordar determinados assuntos (quando algum tipo de ameaça por parte do entrevistador se coloca) ou a investir e desenvolver algum tópico (quando recompensado). Esses autores observaram também que, quando não há transcrição da entrevista, os profissionais tendem a confiar que seus colegas não fizeram uso de questões sugestivas e acabam por não considerar isso como uma preocupação. Um importante resultado encontrado neste estudo foi uma associação positiva entre experiência clínica, competência científica e perícia autoavaliada com a sensibilidade para perguntas sugestivas. Dessa forma, fica demonstrado que quanto mais experiência e competência tem o profissional, mais ele percebe a sugestionabilidade de entrevistas com crianças. (PELISOLI; GAVA; DELL’AGLIO, 2011. p. 5) Em contra partida Santana e Rios (2013) apontam a relevância do relatório psicossocial no processo jurídico defendendo a efetividade da ação dos profissionais psicólogos e assistentes sociais no desfecho concreto da investigação e sua influência junto aos envolvidos. A tomada de decisão quanto uma denúncia de abuso é ponderada e embasada através de um processo de construção da verdade factual do ocorrido. Por permear diversas crenças culturais e tabus sociais estigmas e ressalvas acompanham as dúvidas neste processo. Todos os dias, inúmeras decisões errôneas equivocadas são tomadas a respeito da veracidade de crimes sexuais contra crianças e adolescentes resultando por vezes na impunidade e propagação de situações de vulnerabilidade ao menor. Evidencia-se, nestes casos, a preponderância do júri a proferir sentenças em desfavor penal quando não compreende as evidencias e relatos como suficientes para esclarecer a denúncia, pois, teme-se a violação de direitos do acusado. (BALBINOTTI, 2009. p. 13.) 23 4. COMPREENDENDO A IMPORTÂNCIA DO DEPOIMENTO ESPECIAL (DE) O Depoimento Especial (DE) também chamado de “Depoimento Humanizado” é um recurso, e acima de tudo um direito, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) normatizado e organizado através da Lei 13.431 de 4 de Abril de 2017. O depoimento especial é um dispositivo legal que visa assegurar uma escuta especializada para crianças e adolescentes possivelmente vítimas ou testemunhas de violência de quais quer natureza, de modo a compor mecanismos para coibir e prevenir a violação dos direitos fundamentais do infante enquanto pessoa humana. (PELISOLI; DELL’AGLIO, 2016.). De acordo a Lei 13.431/2017 art. 7° o Depoimento Especial consiste em um procedimento de entrevista no qual a criança ou adolescente pode relatar a situação de violência mediante a um órgão de proteção, atendo-se estritamente aos dados necessários para sua finalidade. Deste modo Coimbra (2017), ressalta que esta Lei também estabelece os devidos parâmetros para a realização do depoimento especial sendo: [...] as propostas e práticas para a tomada de depoimento de crianças e adolescentes giram em torno dos seguintes itens: que ocorra uma única vez; o mais cedo possível; em sala diferenciada e pelo intermédio de profissionais capacitados – principalmente psicólogos ou assistentes sociais – a fim de que sejam feitas perguntas de forma mais adequada ao depoente. (SANTOS; COIMBRA, 2017. p. 596). Conforme salientam Pelisoli e Dell’Aglio (2016), os crimes e delitos sexuais comumente são acometidos pela não materialidade dos fatos resultando em diversas vezes na palavra da vítima como principal meio de apuração dos fatos. Neste enredo o depoimento especial manifesta-se como uma ferramenta primordial na investigação e na proteção dos direitos fundamentais infantojuvenil. Corroborando esta premissa Brito e Pereira (2012), argumentam que os delitos sexuais, assim como outros crimes de cunho moral, tem como cerne uma natureza clandestina tornando a palavra da vítima um fator preponderante para combater a impunidade. Deste modo o Depoimento Especial surge como uma possibilidade de substituição do depoimento infantil em uma audiência tradicional, na qual a possível vítima experienciaria um processo de revitimização em seus relatos quanto a situação de violência, podendo ser exposta à presença do agressor. É necessário esclarecer 24 que o depoimento especial não evita que a revitimização aconteça, mas proporciona um espaço adequado para a mesma ocorra de modo a atenuar os percalços de processo. Assim sendo, o depoimento especial atribuium certo grau de humanização do processo de escuta infantojuvenil. (BRITO; PEREIRA, 2012). Aprofundando um pouco mais a natureza do caráter de humanização do depoimento especial Pelisoli et. el. (2014), aponta a estrutura do mesmo com produto de um esforço de diversos países à proteção e cuidado da vítima durante o processo investigativo. [...] tem sido realizado um esforço, em diversos países, para que a vítima seja menos prejudicada possível com as intervenções que ocorrem ao longo do processo legal. Uma das estratégias que buscam minimizar o sofrimento e diminuir a quantidade de momentos que a vítima precisa falar sobre o evento traumático é a tomada de Depoimento Especial. Durante a instrução do processo, a coleta de dados com a vítima deve ser realizada sob a vigência dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Trata-se do depoimento da vítima no contexto processual, o que difere do contexto pré- processual, onde não há ainda a garantia do devido processo legal por não estarem vigentes os princípios antes referidos. (PELISOLI; DOBKE; DELL’AGLIO, 2014, p. 27). Dentre as diversas vantagens que a escuta especializada atribui, pode-se salientar a redução do número de entrevistas e/ou entrevistadores envolvidos na coleta de dados, além de produzir uma entrevista documental completa através de recursos de áudio-vídeo que preservam o relato inicial da vítima. Além disto, a diminuição do número de operadores intervindo no relato do infante reduz a probabilidade de sujestionabilidade do mesmo, embora estes agentes da lei não percam a oportunidade de revisar e analisar os dados coletados. (PELISOLI, C. e DELL’AGLIO, D. D. 2016.). No Brasil o depoimento especial é realizado através do sistema CCTV, que coleta depoimentos por meio de um circuito fechado de televisão e de videogravação. (PELISOLI; DOBKE; DELL’AGLIO, 2014). Deste modo, o mesmo também pode ser utilizado pelo entrevistador para revisar ou relembrar o testemunho da possível vítima antes de prestar seu próprio testemunho em uma audiência, além do fato de que a exibição da entrevista em áudio-vídeo possui maior poder de persuasão do que o relato do entrevistador sobre o que a criança disse. (PELISOLI, C. e DELL’AGLIO, D. D. 2016.). Estudos anteriores também apontaram resultados positivos do uso do CCTV como o fato de as crianças estarem mais relaxadas e proverem depoimentos mais detalhados e completos (Goodman et al., 1998). É provável que o fato de não encontrar o perpetrador atue como um importante aspecto, uma vez 25 que este é o maior medo de crianças vítimas. (PELISOLI; DOBKE; DELL’AGLIO, 2014, p. 29). Outro benefício plausível de obtenção através do depoimento especial é a melhoria da qualidade da comunicação interdisciplinar que surge junto a obrigatoriedade de sua existência implícita na metodologia de ação do mesmo. Uma vez que, a presença de uma entrevista gravada pode ser analisada por múltiplos profissionais possibilitando um maior número de reuniões dentre eles a fim de analisar, ponderar e contribuir com a compreensão geral dos fatos. (PELISOLI; DOBKE; DELL’AGLIO, 2014). Neste enredo o Depoimento Especial ocupa um lugar complexo, mas primordial na interação e interlocução dentre as diversas áreas do saber atuantes do sistema judicial e em suas decisões que reverberam de maneira significativa sobre a vítima e seus familiares, do agressor e da busca de justiça em si. (PELISOLI; DOBKE; DELL’AGLIO, 2014). Embora a Lei 13.431/2017, Brasil (2017), garanta a obrigatoriedade de um local adequado e um entrevistador capacitado para a coleta de dados, a literatura aponta o Depoimento Especial como um mecanismo em construção na justiça brasileira apresentando falhas ainda passiveis de serem sanadas. (PELISOLI; DELL’AGLIO, 2016.). Dentre as desvantagens assinaladas neste processo, diversos autores apontam anomalias na infraestrutura como um dos aspectos contraproducentes para eficácia da escuta especializada. Irregularidades como vídeos de baixa qualidade ou a técnica do entrevistador podem não deixar os dados claros tornando-se motivo de contestação ou impugnação do depoimento infantojuvenil. (CONTE, 2008; PELISOLI E DELL’AGLIO, 2011; PELISOLI E DELL’AGLIO, 2016). [...] dentre os aspectos desfavoráveis, foram encontrados: (a) igualdade entre inquirição e escuta psicossocial, o que seria um desrespeito à ética do psicólogo e do assistente social; (b) privilégio da busca de provas para a punição do agressor, transformando o direito da criança em depor em obrigação; (c) evidenciaria o discurso da criança e ignoraria a possibilidade de falsas denúncias; (d) desconsideraria outros danos e colocaria a criança como corresponsável pela sanção do acusado; e, por último, (e) a ocorrência em outros países não significa sucesso (Brito & Parente, 2012). (PELISOLI; DOBKE; DELL’AGLIO, 2014, p. 33-34). Outras inconsistências também podem surgir deste processo como a inibição, desconforto ou a mudança de discurso ou comportamento da vítima por estar sendo 26 filmadas podendo influir na confiabilidade dos dados. (CONTE, 2008; PELISOLI E DELL’AGLIO, 2011; PELISOLI E DELL’AGLIO, 2016). O Depoimento Especial, embora um avanço nas práticas jurídicas, ainda é um mecanismo em construção e por tanto, está sujeito a trabalhadores que o realizam para aperfeiçoamento e execução. Vários profissionais podem ser chamados a realizar e contribuir oferecendo um atendimento mais humanizado e que possibilite o exercício da cidadania e da dignidade da pessoa humana. (PELISOLI; DELL’AGLIO, 2016.) O Depoimento Especial, portanto, constitui-se como espaço também complexo, de interação e interlocução entre essas áreas, mas onde a Psicologia pode contribuir com seu saber para a formação da convicção do juiz a respeito do caso sob julgamento e este, por sua vez, vai tomar decisões que afetam a todos os envolvidos: vítima, agressor, familiares, sempre na busca do melhor interesse da criança (ECA, 1990) e da garantia dos direitos humanos (CF, 1988). (PELISOLI; DOBKE; DELL’AGLIO, 2014, p. 31). Psicólogos, conselheiros tutelares, assistentes sociais, médicos, enfermeiros, policiais e outros operadores da lei podem atuar como entrevistadores na escuta especializada para qual, além da capacitação adequada, é esperado que este profissional seja dotado de empatia e sensibilidade para realizar uma escuta acolhedora as crianças e adolescentes que venham a necessitar deste recurso. (PELISOLI, C. e DELL’AGLIO, D. D. 2016.). Conforme a Lei no 13.431/2017 (Brasil, 2017), o depoimento especial é uma ferramenta para fomentar a qualidade da escuta criança e amenizar efeitos negativos, desta forma a mesma prevê que a coleta de informações sejam realizadas em horários flexíveis, adequados e convenientes ao menor garantindo assim os direitos sociais e individuais dos mesmos. 4.1 A IMPORTÂNCIA DO PSICOLOGO NO DEPOIMENTO ESPECIAL (D.E.) Quando abordamos a atuação do profissional psicólogo como sujeito ativo no processo de coleta de dados através do depoimento infantil, várias controvérsias fazem-se presentes de modo a emergir um debate quanto aos valores éticos e morais desta classe que, por sua vez, podem mostrar-se conflitantes com os objetivos do Depoimento Especial. (PELISOLI; DELL’AGLIO, 2016). Este embate nasce em meio a obscuridade quanto ao papel do psicólogo enquanto agente de mudança social e defensor dos direitos humanos que visa 27 promover a saúde do indivíduo. Pelisoli (2016), ao citar Conte e o Conselho Federal de Psicologia, compreende que a escuta infantil no depoimento especial embora, seja apresentada como um direito da criança, esta pode atribuir um caráter de obrigatoriedade em revelar a “verdade”. Neste sentido, o papel do psicólogo seria fornecer amparo a uma escuta comprometida com a realidade psíquica da criança fomentandoos mecanismos de simbolização e resiliência do evento traumático. “Para Conte (2008), insistir no relato objetivo (realidade factual) pode causar dano psíquico, enquanto somente a escuta (da realidade psíquica) possibilita a recomposição simbólica”. (PELISOLI; DELL’AGLIO, 2016. p. 3). De acordo com o Concelho Federal de Psicologia os profissionais psicólogos estão presentes em todos os pontos da rede de proteção infantil podendo realizar a escuta psicológica em qualquer um destes ambientes desde que, observe as normas éticas da categoria, “respeitando a legislação profissional e marcos teóricos, técnicos, éticos e metodológicos da psicologia como ciência e profissão”. (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2018 p. 5). Quanto ao Depoimento Especial enquanto parte da rede de proteção infantil não pode ser compreendido como um processo de escuta psicológica uma vez que, seu foco principal é a inquirição e a produção de provas que sustentem ou não o caso, a escuta psicológica por outro lado visa a elaboração dos fatos por parte do sujeito e a promoção da saúde psíquica. [...] o Conselho Federal de Psicologia entende que o DE “ignora a função do psicólogo” (p.10) e afirma que o psicólogo é usado para punir o maltratante, que tem relação de afeto com a criança (Conselho Federal de Psicologia, 2008). Afirma ainda que a metodologia é “supostamente humanizada”, tendo em vista que o profissional não é chamado a realizar uma intervenção, mas a atuar como mediador para o inquiridor (juiz). É importante considerar, entretanto, que os textos publicados, em sua maioria, retratam opiniões técnicas e não necessariamente dados empíricos. Neste tema, há uma carência evidente de estudos que possam lançar luz a essa questão e contribuam para a resolução dessas ambiguidades. (PELISOLI; DELL’AGLIO, 2016. p. 3) Os questionamentos das autoridades judiciárias acerca da possibilidade da criança evitar o abuso sexual revelam o desconhecimento das estratégias do agressor no processo abusivo que paralisam a criança. É imprescindível que a criança encontre no atendimento judicial um ambiente que favoreça a explicitação das ameaças, chantagens, subornos ou terror que vivenciou durante o processo abusivo, pois assim, 28 conforme preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente, será tratada como um sujeito de direitos. (ELOY, 2007. p. 41). 29 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A investigação das denúncias de crime sexual contra infante tem como cerne a proteção do menor, a garantia de seus direitos e a prevenção de novas situações de abuso, mas para que tais medidas sejam adotadas é necessário um parecer jurídico quanto a veracidade da denúncia. Contudo, a baixa credibilidade atribuída ao depoimento infantil tem se mostrado um agravante não só dentro do âmbito familiar, como também no sistema legal. No decorrer deste trabalho foi possível identificar alguns dos critérios e parâmetros que podem nortear a tomada de decisão quanto a fidedignidade desta prova testemunhal, bem como: a coerência do relato da vítima, a observação dos princípios de consistência e plausibilidade, as palavras utilizadas e a denominação dada pela criança ao referir-se aos órgãos genitais ou a atos eróticos e libidinosos no decorrer do discurso, as referências ao contexto sociocultural presentes na fala e a observação do comportamento não verbal e as respostas emocionais ou sofrimentos psíquicos manifestos ou latentes na fala infante. Deste modo, a capacitação e as habilidades profissionais, bem como o conhecimento básico dos processos de desenvolvimento infantil que englobam estas áreas são indispensáveis na identificação destes marcadores. Compreendeu-se a importância do Depoimento Especial enquanto ferramenta jurídica de coleta de dados, humanização e garantia de direitos salientando a melhoria da qualidade da comunicação interdisciplinar uma vez que, a entrevista gravada através do sistema CCTV favorece a análise por múltiplos profissionais sem que haja uma nova inquirição. Deste modo reduz-se a probabilidade de sujestionabilidade ou contaminação do relato e contribui com a melhor compreensão geral dos fatos. Constatou-se entretanto, a preponderância de informações complementares à prova testemunhal na atribuição de credibilidade ao depoimento infantil e na tomada de decisão quanto a denúncia. Exames médicos, dados obtidos de testes psicológicos aplicados na criança e no possível abusador, informações obtidas a partir de procedimentos de avaliação incluindo bonecos, desenhos, fantoches, e casa de bonecas, marcadores sociais como famílias reconstituídas, antecedentes criminais do réu, características de negligência e/ou depressão maternas, presença-ausência de 30 comportamento hipersexualizado não-apropriado bem como, documentos do processo e entrevistas com outras fontes. Destaca-se a influência de processos psicológicos como a heurística, pensamentos representativo, experiências anteriores, crenças e valores, bem como questões relativas ao gênero e a profissão do avaliador como fatores que reverberam de forma indireta em seu julgamento quanto a credibilidade do testemunho infantil. Verificou-se a atribuição de maior credibilidade a oitiva infante e a validação da denúncia por jurados e inquiridores do sexo feminino e aos profissionais Psiquiatras, assistentes sociais e psicólogos que trabalham com vítimas de assedio ou abuso sexual de alguma natureza. Ressalta-se a ressalva masculina em relação a “contribuição” da vítima para situação relatada em denúncia e a atuação tendenciosa de algumas inquiridoras, psiquiatras e psicólogos como defensor da criança reafirmando a necessidade de capacitação adequada para o exercer desta função. Evidenciou-se no presente trabalho à escassez de pesquisas especificas sobre os parâmetros de análise quanto a credibilidade do depoimento infantil em detrimento a crescente demanda do dilema. Deste modo compreende-se que a literatura brasileira carece de aprofundamento e investigação dos indicadores presentes em relatos de violência sexual infantil para instrumentalizar os profissionais que permeiam o âmbito jurídico a discernir quanto necessidade de proteção dos direitos fundamentais, sociais e individuais de crianças em situação de vulnerabilidade não sendo os objetivos desta revisão alcançados de forma abrangente e satisfatória para contemplar as necessidades da temática. 31 6. REFERÊNCIAS BALBINOTTI, C. A violência sexual infantil intrafamiliar: a revitimização da criança e do adolescente vítimas de abuso. Direito e Justiça, v. 35, n. 1, p. 5-21, 2009. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente, Câmera dos Deputados, Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. DOU de 16/07/1990 – ECA. Brasília, DF. BRASIL. Lei Nº 13.431, de 4 de abril de 2017. Estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência e altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Diário Oficial da União. BRITO, L. M. T. & PEREIRA, J. B. Depoimento de crianças. Psico-USF, Bragança Paulista, v. 17, n. 2, p. 285-293, 2012. CONTE, B. S. Depoimento sem dano: A escuta da psicanálise ou a escuta do direito? Psico, 219-223, 2008. ELOY, C. B. A credibilidade do testemunho da criança vítima de abuso sexual no contexto judiciário. Universidade Estadual Paulista. ASSIS, 167p. 2007. PELISOLI, C. & Dell’Aglio, D. D. A Humanização do Sistema de Justiça por meio do Depoimento Especial: Experiências e Desafios. Psico-USF. Bragança Paulista, v. 21, n. 2, p. 409-421, mai./ago. 2016. PELISOLI, C., E DELL’AGLIO, D. D. As contribuições da Psicologia para o sistema de justiça. Psicologia: Ciência e Profissão, 34(4), 916-930. 2014. PELISOLI; DOBKE; DELL’AGLIO, Depoimento Especial: Para Além do Embate e pela Proteção das Crianças e AdolescentesVítimas de Violência Sexual. Temas em Psicologia, vol. 22, núm. 1, abril, 2014, pp. 25-38. 32 PELISOLI, C. DELL’AGLIO, D. D. Psicologia Jurídica em situações de abuso sexual: possibilidades e desafios. Boletim de Psicologia, 2014, Vol. LXIII, Nº 139: 175-192. PELISOLI, C., GAVA, L. L., DELL’AGLIO, D. D. Psicologia jurídica e tomada de decisão em situações envolvendo abuso sexual infantil. Psico-USF, v. 16, n. 3, p. 327-338. 2011. SANTOS, A. R. & COIMBRA, J.C. O Depoimento Judicial de Crianças e Adolescentes entre Apoio e Inquirição. Psicologia: Ciência e Profissão. v. 37 n°3, p. 595-607. 2017.
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