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Faculdade de Direito de Varginha – FADIVA Fundação Educacional de Varginha – FUNEVA Decreto nº 68.179 de 08/02/1971 AS ESPÉCIES DE EMBRIAGUEZ E A GRADAÇÃO DA PUNIBILIDADE: A embriaguez como gatilho para o delito VARGINHA/MG 2020 RICARDO PATRÍCIO DE PAULA AS ESPÉCIES DE EMBRIAGUEZ E A GRADAÇÃO DA PUNIBILIDADE: A embriaguez como gatilho para o delito Monografia apresentada ao curso de Direito da Faculdade de Direito de Varginha - FADIVA, como requisito parcial, para a obtenção do grau Bacharel em Direito. Área de Concentração: Direito Penal Orientador: Professor: Paulo Henrique Castilho Amorim VARGINHA/MG 2020 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho primeiramente à Deus, pоr ser essencial еm minha vida, autor dе mеυ destino, mеυ guia, socorro presente nа hora dа angústia, Aos meus queridos pais, Márcio Antônio de Paula (in memorian) e Maria das Graças da Silva Paula, que me ensinaram os princípios básicos da vida: educação, respeito, perseverança, amor e acima de tudo, temor a Deus, como em João 8:32, “e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. À minha esposa Patrícia e nossos filhos, que puderam compreender e ajudar neste momento final do curso acadêmico. AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, Professor Paulão que, além de grande amigo e excelente profissional, caminhou junto aos estudos para a concretização deste trabalho. Aos companheiros de caserna, os quais agradeço as colaborações em trocas de serviço e adequações, na pessoa do Sr. Tenente Lombardi, incentivador e entusiasta dos estudos jurídicos. Aos colegas de classe e demais professores, sendo importantes nessa caminha de 5 anos. É a proporção entre nossas representações e a experiência, que assegura a racionalidade dos nossos pensamentos. (Olavo de Carvalho) RESUMO Desde os tempos mais remotos da civilização o consumo de bebidas alcoólicas está presente, seja por mero prazer em beber ou para se desinibir. Frente a isso, o consumo excessivo de álcool e substâncias de efeitos semelhantes se tornaram um desafio por parte de toda a sociedade, o que remonta aos problemas sociais e de saúde. No sistema penal pátrio, o ato de se embriagar não é considerado como crime, porém isenta o indivíduo de pena se não tiver condição de entender a ilicitude do ato praticado ou de determinar-se de acordo com isso. Neste estudo, em particular, será abordado os conceitos de embriaguez, as espécies e fases desse ato, bem como estudos dos impactos no meio jurídico com a teoria da actio libera in causa. Por fim, será feita análise da moderação da punibilidade frente aos delitos em estado de embriaguez com base no jus puniendi do Estado, asseverando que a embriaguez é um gatilho para o cometimento de um delito. Palavras-chave: Embriaguez. Entorpecentes. Punibilidade. Imputabilidade. ABSTRACT Since the most remote times of civilization, the consumption of alcoholic beverages has been present, whether for the sheer pleasure of drinking or to get out of it. In view of this, excessive consumption of alcohol and substances with similar effects has become a challenge for the whole of society, which goes back to social and health problems. In the national penal system, the act of getting drunk is not considered a crime, but it exempts the individual from punishment if he is unable to understand the illegality of the act performed or to determine himself accordingly. In this particular study, the concepts of drunkenness, the species and phases of this act will be addressed, as well as studies of the impacts on the legal environment with the theory of actio libera in causa. Finally, there will be an analysis of the moderation of punishment in relation to offenses in a state of intoxication based on the State's jus puniendi, asserting that intoxication is a trigger for the commission of an offense. Keywords: Drunkenness. Narcotic drugs. Punishment. Imputability. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.....................................................................................................................8 2. A EMBRIAGUEZ...............................................................................................................10 2.1. BREVE HISTÓRICO SOBRE O USO E CONSUMO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS ..............................................................................................................................................10 2.2. AS CONSEQUÊNCIAS DO USO E CONSUMO DO ÁLCOOL ...............................11 2.3. CONCEITOS DE EMBRIAGUEZ...............................................................................13 2.4. EMBRIAGUEZ X ALCOOLISMO.............................................................................15 2.5. SUBSTÂNCIAS DE EFEITOS ANÁLOGOS AO ÁLCOOL......................................16 3. ESPÉCIES DE EMBRIAGUEZ NA DOUTRINA PÁTRIA...........................................19 3.1. ESPÉCIES DE EMBRIAGUEZ................................................................................20 3.1.1.EMBRIAGUEZ NÃO ACIDENTAL.....................................................................20 3.1.2.EMBRIAGUEZ ACIDENTAL...............................................................................20 3.1.3.EMBRIAGUEZ PATOLÓGICA............................................................................22 3.1.4.EMBRIAGUEZ PREORDENADA.......................................................................23 3.2.FASES DA EMBRIAGUEZ........................................................................................24 3.2.1.FASE DE EXCITAÇÃO:........................................................................................24 3.2.2.FASE DE CONFUSÃO:.........................................................................................25 3.2.3. FASE SUPERAGUDA..........................................................................................25 3.3. FORMAS PROBATÓRIAS PARA COMPROVAR A EMBRIAGUEZ................26 4. A EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA E A TEORIA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA ......29 4.1. CRIME E CULPABILIDADE......................................................................................29 4.2. DOLO E CULPA...........................................................................................................31 4.3. RESPONSABILIDADE PENAL..................................................................................33 4.4. IMPUTABILIDADE PENAL.......................................................................................35 4.5. TEORIA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA....................................................................36 5. DA GRADAÇÃO DA PUNIBILIDADE NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA...............39 5.1. O DIREITO DE PUNIR DO ESTADO.........................................................................39 5.2. A GRADAÇÃO DA PUNIBILIDADE.........................................................................40 5.3. A APLICABILIDADE DA MODERAÇÃO DAS PENAS NOS DELITOS COMETIDOS NO ESTADO DE EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA......................................41 5.4. A EMBRIAGUEZ COMO GATILHO PARA O COMETIMENTO DE UM DELITO ..............................................................................................................................................44 6. CONCLUSÃO.....................................................................................................................47 7. REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................48 8 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho científico monográfico tem como tema: AS ESPÉCIES DE EMBRIAGUEZ E A GRADAÇÃO DA PUNIBILIDADE: a embriaguez como gatilho para o delito. A finalidade da defesa deste trabalho monográfico, visa a aprovação por banca examinadora tendo como grande intento a obtenção de grau de bacharel em Direito na Faculdade de Direito de Varginha - FADIVA. Sobre o tema em questão, o trabalho busca uma análise sobre as espécies de embriaguez trazidaspelo ordenamento jurídico pátrio, e como será efetuado a gradação e moderação da punibilidade por parte do Estado frente ao agente que cometeu o ilícito. O fator embriaguez e suas intercorrências com o Direito Penal no ordenamento jurídico pátrio. Será que a embriaguez pode ser considerada ato de execução do crime que o sujeito não previu? Foi realizado pesquisa nas doutrinas que citam e versam sobre o assunto, como por exemplo, os doutrinadores, Nelson Hungria, Damásio de Jesus, Cessare Beccaria, Rogério Greco, Fernando Capez, Guilherme de Souza Nucci, entre outros, bem como jurisprudências dos tribunais, trabalhos científicos e matérias de revistas da internet. Realizando uma análise no que tange a legislação que trata da embriaguez, que pode ser encontrada no Código Penal Brasileiro e na exposição de motivos do mesmo diploma legal, e como os doutos julgadores tratam da questão. No Capítulo 2, pode-se observar que os estudiosos vivem um dilema em conceituar o alcoolismo, entretanto, servem-se com a definição de embriaguez. Para estudar esse fato que diuturnamente está na vida dos indivíduos, é necessário a distinção de ambos, pois existem várias espécies de embriaguez e quanto ao alcoolismo sendo uma fase de moléstia na vida do indivíduo onde este se encontra em estado deplorável, com transtornos físicos, psíquicos e sociais. Será tratado, também, uma breve explanação sobre substâncias de efeitos análogos aos do álcool, como por exemplo, os entorpecentes. No Capítulo 3, trará as espécies de embriaguez trazidas pela doutrina pátria: não acidental, acidental, patológica e preordenada, realizando um paralelo de como caracterizar cada uma delas e em que situações estará os quesitos: imputabilidade e inimputabilidade. Tudo isso com uma pequena amostra das fases de embriaguez, tratando por último, das formas probatórias para a comprovação da embriaguez após um delito. No Capítulo 4, apresentará a teoria da actio libera in causa, as conceituações e significados mais atuais adotados pela doutrina majoritária, a adequação e recepção ao ordenamento jurídico brasileiro, trazendo uma análise de sua aplicabilidade em torno das contradições aos preceitos 9 constitucionais. Contudo, irá traçar um paralelo entre crime e culpabilidade, dolo e culpa, responsabilidade penal no ordenamento jurídico brasileiro e a imputabilidade penal. E por fim, no Capítulo 5, a explanação sobre a gradação da punibilidade na legislação brasileira, trazendo à tona o direito de punir do Estado, a gradação da punibilidade e meios para aplicação das penas dos crimes cometidos em estado de embriaguez, e, ao final, a análise do fator embriaguez como um gatilho para o cometimento de um delito. Percebe-se que durante anos o ser humano cultiva frutos, transformando-os em bebidas alcoólicas, fermentadas ou não, e serve-se às visitas e familiares. Tornando-se um fato cultural e habitual. O uso e consumo de bebidas alcoólicas data-se desde o dilúvio com Noé, perpassando pelo Antigo Egito, Jesus Cristo, entre outros, chegando até nos dias atuais. Hodiernamente, esse consumo encontra-se mais frequente a cada dia, independentemente de sexo e idade, sendo responsável por várias questões sociais, como por exemplo uma perda moral, familiar e o limite da criminalidade. Ressalta-se que dependendo do estado de embriaguez do indivíduo, não excluirá a imputabilidade penal, como por exemplo, o descrito no artigo 28, inciso II do Código Penal Brasileiro, que como regra, será penalmente imputável a embriaguez voluntária e a culposa. Entretanto, existem espécies de embriaguez, que, em certo contexto será a exceção à regra, isentando o indivíduo de pena ou até mesmo reduzindo-a, como por exemplo, o descrito nos parágrafos 1º e 2º do inciso II do artigo 28 do mesmo diploma legal. Dependendo de uma embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, o agente for ao tempo da ação ou omissão, inteiramente capaz (isento de pena) ou plenamente capaz (redução de pena), de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Além disso, existe a possibilidade de agravar sua pena, a chamada embriaguez preordenada, que, com o instituto do dolo, o agente embriaga-se para cometer um delito, o que no Direito Penal Brasileiro trata-se como a teoria da actio libera in causa. O indivíduo, sem autoconfiança ou coragem, embriaga-se para que, com os efeitos da bebida alcoólica ou substâncias com efeitos análogos, aproveita-se desse fator encorajador para cometer certo tipo de crime. Enfim, importante a análise dos fatores referentes às espécies de embriaguez, bem como suas fases, que é determinante para a punibilidade do delito , imputando ou excluindo a penalização do indivíduo em questão. Com a presente pesquisa, pode ser observado que o delito cometido em estado de embriaguez completa não é suficiente para gerar punição legítima pelo Estado, em virtude do sistema jurídico-penal da forma atual, não tem a capacidade de propor soluções jurídicas sobre o caso sem incorrer na responsabilização objetiva. 10 2. A EMBRIAGUEZ 2.1. BREVE HISTÓRICO SOBRE O USO E CONSUMO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS Há de se pensar que o consumo de bebidas alcoólicas seja atual, pois durante a vida percebe- se várias pessoas em bares, restaurantes e boates, fazendo uso moderado e imoderado de bebidas alcoólicas. Na verdade, o consumo de bebidas alcoólicas acontece há milhões de anos, quando “um antepassado partilhado pelos seres humanos e pelos símios africanos desenvolveu uma enzima capaz de digerir rapidamente o álcool da fruta fermentada”1(CURRY, 2019). Pois bem, no livro do gênesis, contido na Bíblia sagrada, capítulo 9, versículos de 20 a 21, cita uma passagem de Noé, na qual narra uma situação de embriaguez: “e começou Noé a ser lavrador da terra, e plantou uma vinha; e bebeu do vinho, e embebedou- se; e descobriu-se no meio de sua tenda”2. Observa-se que Noé não sabia das propriedades da bebida. Os Gregos cultuavam deuses de acordo com a peculiaridade que haviam em sua mitologia, como por exemplo Dionísio, deus do vinho, que segundo a professora Daniela Diana3, “além de ter os conhecimentos de preparação do vinho, ele possuía o poder de criar drogas poderosas” e continua “a representação mais comum de Dionísio está associada ao vinho, onde muitas vezes ele aparece segurando numa mão um cálice e noutra um cacho de uva”. E na mitologia romana, Baco, também deus do vinho, que de acordo com Lidianne Porto4, “assim que chegou a idade adulta Baco descobriu como extrair o suco da uva e produzir o vinho”. Bebida esta, mais difundida nos dois impérios, sendo importante na vida social e religiosa. Em, 1967, o termo alcoolismo como doença foi inserido pela Organização Mundial de Saúde5 (OMS) à Classificação Internacional das Doenças, conforme CID-8, pois a Organização Mundial da Saúde tratava as consequências do alcoolismo como “transtornos de personalidade e de neuroses”. Atualmente, houve um aumento do uso de bebidas alcoólicas, especialmente por jovens. No Brasil, “aproximadamente 15% da população sofre deste mal”, e ainda segundo a Colunista Brasil Escola da UOL, Mariana Araguaia6, “Sob o efeito do álcool, o indivíduo pode ter comportamentos não convencionais em virtude da perda de inibição”. 1 CURRY, Andrew. A história do consumo do álcool ao longo dos tempos. National Geographic. 2019. 2 Bíblia sagrada, Livro do Gênesis Capítulo 9, nos versículos de 20 a 21. 3 DIANA, Daniela. Deus Dionísio. 2020. Deus Dionísio. Toda matéria. Disponível em https://www.todamateria.com.br/deus-dionisio/. 4 PORTO, Lidianne. Baco. Escola educação. 2020. Disponível em https://escolaeducacao.com.br/baco/. 5 Classificação Internacional das Doenças, CID-8.6 ARAGUAIA, Mariana. Alcoolismo. Brasil Escola. 2020. Disponível em https://brasilescola.uol.com.br/doencas/alcoolismo.htm. Acesso em 12 Jan. 2020. https://brasilescola.uol.com.br/doencas/alcoolismo.htm https://escolaeducacao.com.br/baco/ https://www.todamateria.com.br/deus-dionisio/ 11 Segundo o I Levantamento nacional sobre os padrões de consumo de álcool na população brasileira7 (2007): Segundo dados de 2004 da Organização Mundial de Saúde (OMS), aproximadamente 2 bilhões de pessoas consomem bebidas alcoólicas. Seu uso indevido é um dos principais fatores que contribui para a diminuição da saúde mundial, sendo responsável por 3,2% de todas as mortes e por 4% de todos os anos perdidos de vida útil. Quando esses índices são analisados em relação à América Latina, o álcool assume uma importância ainda maior. Cerca de 16% dos anos de vida útil perdidos neste continente, estão relacionados ao uso indevido dessa substância, índice quatro vezes maior do que a média mundial. (CARTILHA, 2007) Pode-se observar, que quando a OMS diz “uso indevido”, isso relaciona-se ao uso imoderado, de forma a ultrapassar os limites normais, tanto na quantidade, quanto na frequência (habitualidade). Ora, esses números aumentam absurdamente na América Latina, especialmente no Brasil, estudo esse realizado no ano de 2007, tendo ente número entre 2010 e 2017 diminuído o consumo no Brasil e aumentado entre jovens e idosos. Nesse sentido o álcool é responsável por grande parte de doenças, incapacidades e mortalidade. 2.2. AS CONSEQUÊNCIAS DO USO E CONSUMO DO ÁLCOOL O uso pernicioso de bebidas alcoólicas está contido num dos fatores responsáveis na maior parte pela mortalidade, morbidade e incapacidades em todo o mundo, “5,3% de todas as mortes”. Apesar de haver uma diminuição em nível global pelas mortes e morbidades relativas ao consumo de álcool, ainda há um número muito significativo de doenças atribuídas a ele. Segundo o site da CISA – Centro de informações sobre saúde e álcool8: No Brasil, o álcool esteve associado a 69,5% e 42,6% dos índices de cirrose hepática, a 36,7% e 23% dos acidentes de trânsito e a 8,7% e 2,2% dos índices de câncer – respectivamente, entre homens e mulheres em 2016. Especificamente sobre os transtornos relacionados ao uso do álcool, estima-se que 4,2% (6,9% entre homens e 1,6% entre mulheres) dos brasileiros preenchem critérios para abuso ou dependência. Nota-se, portanto, uma diminuição em relação a 2010, quando a prevalência estimada era de 5,6% (8,2% entre homens e 3,2% entre mulheres).As consequências do uso de álcool também 7 I Levantamento nacional sobre os padrões de consumo de álcool na população brasileira, 2007. 8 CISA – Centro de informações sobre saúde e álcool 12 oneram a sociedade, de forma direta e indireta, potencializando os custos em hospitais e outros dispositivos do sistema de saúde, sistema judiciário, previdenciário, perda de produtividade do trabalho, absenteísmo, desemprego, entre outros. Ainda, em todo o mundo, nota-se que as faixas etárias mais jovens (20-49 anos) são as principais afetadas em relação a mortes associadas ao uso do álcool, traduzindo como uma maior perda de pessoas economicamente ativas. (CISA – Centro de informações sobre saúde e álcool) Como diz o estudo, o consumo de álcool gera um custo para o Estado, onerando a sociedade em todo o sistema público, bem como na vida privada das pessoas. O alcoolismo está entre os fatores que mais contribuem para o cometimento de suicídio, por isso o alcoolismo deve ser tratado, com campanhas e orientações, de acordo com Delton Croce e Delton Croce Júnior9: A profilaxia do suicídio deve ser orientada por parte do Estado visando ao reajustamento social, representado por justiça social, combate à crescente taxa de desemprego, proteção à família e educação eficaz sexual, para o trabalho e religiosa, encetando, também, periodicamente, campanhas contra o alcoolismo e demais toxicomanias exógenas e aprimorando a assistência aos alienados em tratamento ambulatorial e aos doentes mentais internados em estabelecimentos dotados de características hospitalares ou em hospitais psiquiátricos. (CROCE; CROCE JÚNIOR, 2012, p.458). E cita ainda que “O alcoolismo dos pais pode ser causa de deficiência mental dos filhos”10 Em 2007, o Governo Federal, baixou o decreto Decreto n. 6.117, aprovando a Política Nacional sobre o Álcool11, dispondo sobre as medidas para redução do uso indevido de álcool e sua associação com a violência e criminalidade, e dando as providências sobre o assunto, tendo como objetivo descrito em seu anexo I, item 1: A Política Nacional sobre o Álcool contém princípios fundamentais à sustentação de estratégias para o enfrentamento coletivo dos problemas relacionados ao consumo de álcool, contemplando a intersetorialidade e a integralidade de ações para a redução dos danos sociais, à saúde e à vida causados pelo consumo desta substância, bem como as situações de violência e criminalidade associadas ao uso prejudicial de bebidas alcoólicas na população brasileira. (Decreto n. 6.117, de 22 de maio de 2007). Destarte o governo viabilizou as políticas públicas contra o uso nocivo do álcool para prevenir e reduzir os danos à saúde, bem como as situações de violência e criminalidade ligadas ao 9 CROCE JÚNIOR, Delton; CROCE, Delton; Manual de Medicina Legal.8ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 458. 10 Ibidem, p. 634. 11 Decreto n. 6.117, 22 de maio de 2007, aprovando a Política Nacional sobre o Álcool. 13 consumo de bebidas alcoólicas pela população brasileira. Entretanto a repercussão do uso e consumo de bebidas alcoólicas e substâncias com efeito análogos, cria no indivíduo uma falsa percepção de liberdade, o sujeito encontra-se preso sem perceber isso. Na maioria dos casos, além disso, o álcool com destemperança, é um gatilho para o uso de outras substâncias que tem o efeito análogo, especialmente entorpecentes. O consumo desenfreado do álcool, pode levar o indivíduo ao alcoolismo, e, por via de consequência, a perda dos valores morais, afastando-se de si e da família, depressão, entre outras doenças. Percebe-se, que, quando o indivíduo chega ao estágio de alcoolismo, isto é, patológico, esse indivíduo necessita de ajuda. A embriaguez não é sinônimo de alcoolismo, porém àquela pode levar a está. Quando o indivíduo começa a ingerir a bebida alcoólica ele pode chegar ao estágio de embriaguez, se persiste diuturnamente nessa embriaguez, chega-se a doença chamada alcoolismo. Visto isso, percebe-se que o uso de bebidas alcoólicas irá repercutir, também no sistema jurídico, o que faz-se necessário a análise de conceitos sobre o alcoolismo, embriaguez e sua repercussão no meio jurídico. 2.3. CONCEITOS DE EMBRIAGUEZ São vários os estudiosos e entidades de saúde que definem a embriaguez, desde às definições no âmbito da medicina, à tratamentos no ordenamento jurídico pátrio e estrangeiro, tentando, além de conceituar e chegar a um ponto comum, entender a embriaguez e situar os problemas causados, bem como os derivados dessa embriaguez, especialmente no âmbito jurídico. Etimologicamente, a origem da palavra embriaguez vem do latim ebriacus, ou seja estar em estado de ebriedade ou embriagado. A Organização Mundial da Saúde (OMS), através da Classificação Internacional de Doenças12 (CID) Nº 10, define embriaguez como: […] sendo toda forma de ingestão de álcool que excede ao consumo tradicional, aos hábitos sociais da comunidade considerada, quaisquer que sejam os fatores etiológicos responsáveis e qualquer que seja a origem desses fatores, como por exemplo, a hereditariedade, a constituição física ou as alterações fisiopatológicas adquiridas. ( Classificação Internacional de Doenças (CID) Nº 10). 12 ClassificaçãoInternacional das Doenças, CID-10. 14 Nesse liame, pode-se observar que o conceito defendido pela Organização Mundial da Saúde fixa o sentido de a embriaguez ligada ao alcoolismo, este resultante da condição de dependência compulsiva na ingestão de bebidas alcoólicas, ora interpretada como doença, outrora como vício. O Decreto n. 6.117, de 22 de maio de 2007, que versa sobre a política nacional sobre o álcool13, no anexo I, item 5, traz o conceito de bebida alcoólica para os fins do decreto: Para os efeitos desta Política, é considerada bebida alcoólica aquela que contiver 0.5 grau Gay-Lussac ou mais de concentração, incluindo-se aí bebidas destiladas, fermentadas e outras preparações, como a mistura de refrigerantes e destilados, além de preparações farmacêuticas que contenham teor alcoólico igual ou acima de 0.5 grau Gay-Lussac. (Decreto n. 6.117, de 22 de maio de 2007). Já no entendimento dos causídicos penalistas brasileiros, como o professor Damásio de Jesus, que cita Manzini, a “Embriaguez é a intoxicação aguda e transitória causada pelo álcool, cujos efeitos podem progredir de uma ligeira excitação inicial até ao estado de paralisia e coma.”.14 Então, para o saudoso Professor Damásio, a embriaguez se evidencia em fases, que diante dessas fases, pode-se interferir na situação da punibilidade do agente, como será apresentado em capítulo próprio. Fato público e notório, que o consumo de bebidas alcoólicas e substâncias análogas a tal, interfere no estado físico, mental, causando alterações no humor, forma de agir, agressividade entre outras. No Dicionário on-line de Português, embriaguez é o “Estado provocado pelo consumo e ingestão de bebidas alcoólicas; condição da pessoa que se encontra bêbada”15. Pode-se considerar então, que a embriaguez é um tipo de intoxicação intensa produzida pelo álcool ou por substâncias de efeitos semelhantes no organismo humano, que abala a capacidade do indivíduo a entender o caráter ilícito do fato, cessando o efeito dessas substâncias de acordo como elas são eliminadas do organismo. Neste diapasão que pode-se perceber a relação intrínseca entre a embriaguez e o alcoolismo. 13 Decreto n. 6.117, 22 de maio de 2007, aprovando a Política Nacional sobre o Álcool. 1 4 Damásio p.553. Apud Manzini, Trattato di diritto penale, 1950, v. 2, p. 140. 15 Dicionário on-line de português. 2019. Disponível em https://www.dicio.com.br/embriaguez/. https://www.dicio.com.br/embriaguez/ 15 2.4. EMBRIAGUEZ X ALCOOLISMO Enquanto a embriaguez é a forma de ingestão de bebidas alcoólicas que excedem o consumo tradicional, segundo a Sociedade Beneficente Israelita Brasileira, Hospital Albert Einstein16, o alcoolismo é: Caracterizado pela vontade incontrolável de beber, falta de controle ao tentar parar a ingestão, tolerância ao álcool (doses cada vez maiores para sentir os efeitos da bebida) e dependência física, que se manifesta com sintomas físicos e psíquicos nas situações de abstinência alcoólica. (SOCIEDADE BENEFICENTE ISRAELITA BRASILEIRA, 2019). Para a instituição, o diagnóstico de alcoolismo “não tem relação com o tipo e quantidade da substância ingerida pela pessoa, mas sim à capacidade em controlar o consumo de bebida”, a relação, entretanto, está em fatores hereditários como “predisposição genética para a dependência” e outros fatores como angústia, depressão, ansiedade, entre outros. Por isso, de acordo com Croce e Croce Júnior17, cita o conceito de alcoólatra segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS): A Organização Mundial de Saúde define o alcoólatra “como o bebedor excessivo, cuja dependência chegou ao ponto de lhe criar transtornos em sua saúde física, ou mental, nas relações interpessoais e na sua função social e econômica e que, por isso, necessita de tratamento”. (CROCE; CROCE JÚNIOR, 2012, p. 118). Neste mesmo estudo, eles citam que o alcoolismo “é termo que designa as anomalias clínicas resultantes de intoxicações exógenas pelo consumo excessivo e prolongado de bebidas alcoólicas”18. Segundo esse estudo, não se sabe na verdade a real causa do alcoolismo, sendo que o indivíduo pode ter uma predisposição ao alcoolismo, pois nem todos que fazem a ingestão de bebida alcoólica se tornam ou são alcoólatras. Guilher de Souza Nucci19, parafraseando Altavila, distingue também, embriaguez de 16 Notícias de saúde. Alcoolismo. Sociedade Beneficente Inraelita Brasileira. Albert Einstein. 2019. Disponível em https://www.einstein.br/doencas-sintomas/alcoolismo. 17 CROCE; CROCE JÚNIOR, op. Cit., p. 118. 18 CROCE; CROCE JÚNIOR, op. Cit., p. 118. 19 NUCCI, Guilher de Souza, p. 197, apud ALTA-VILLA, Psicologia judiciária, v. 1, p. 284. https://www.einstein.br/doencas-sintomas/alcoolismo 16 alcoolismo: Este último é uma embriaguez crônica, que é caracterizada por um “abaixamento da personalidade psicoética”, tornando o enfermo lento nas suas percepções ou levando-o a percepções ruins, a ponto de ter “frequentes ilusões”, fixando mal as recordações e cansando-se ao evocá-las, ao mesmo tempo em que “a associação das ideias segue por caminhos ilógicos” (NUCCI, p.197 apud ALTA-VILLA, p. 284). Percebe-se que o fato de embriagar-se, por si só, não quer dizer que o indivíduo é alcoólatra ou alcoolista, pois a embriaguez crônica ou o alcoolismo é uma moléstia grave, que deve ser tratada, já a embriaguez é o ato de ingestão desenfreada de bebidas alcoólicas, fugindo da normalidade. O alcoolismo é doença, e possui características bem comuns, sendo que “os sinais e sintomas classicamente associados à dependência de substâncias são falta de controle sobre o uso, tolerância cada vez maior e manifestações de síndrome de abstinência”, o indivíduo não quer, não pensa e não sabe parar de beber. Além da dependência, o alcoolismo pode desencadear diversas doenças, “Quando utilizado por tempo prolongado, tem ação tóxica sobre diversos órgãos”20. Dessa relação em essência entre o alcoolismo e a embriaguez que há a necessidade de analisar as espécies de embriaguez, bem como as fases que o indivíduo perpassa ao consumir bebidas alcoólicas. 2.5. SUBSTÂNCIAS DE EFEITOS ANÁLOGOS AO ÁLCOOL As substâncias de efeitos análogos ao álcool, assim como o álcool, produzem efeitos a reduzirem a capacidade psicomotora do sujeito que as consomem. Na sociedade, existem substâncias lícitas e ilícitas, substâncias essas que possuem características distintas que causam várias reações no indivíduo. Essas substâncias também são chamadas de entorpecentes, tóxicos, drogas, psicoativos, narcóticos entre outras nomenclaturas. Sendo lícitas, o indivíduo pode além de comercializar, também fazer seu uso, como por exemplo remédios, álcool e, sendo ilícitas, jamais podem ser comercializadas, fato este, tratado como ilícito penal. 20 Notícias de saúde. Alcoolismo. Sociedade Beneficente Inraelita Brasileira. Albert Einstein. 2019. Disponível em https://www.einstein.br/doencas-sintomas/alcoolismo. https://www.einstein.br/doencas-sintomas/alcoolismo 17 Conforme o entendimento de Croce e Croce Júnior21, sobre o que são drogas tóxicas: Drogas tóxicas “são substâncias químicas naturais ou sintéticas, que têm a faculdade de agir sobre o sistema nervoso central, com tendência ao tropismo pelo cérebro que comanda o corpo, alterando a normalidade mental ou psíquica, desequilibrando a conduta e a personalidade”.(CROCE; CROCE JÚNIOR, 2012, p. 661). Ressalta-se que a dependência do indivíduo por substância entorpecentes leva em consideração a dosagem, pela sua periodicidade que é repetida diversas vezes, e na falta da droga ocorre a dependência, seja por fatores físicos ou psíquicos. O indivíduo cria uma tendência em aumentar a dosagem pela necessidade invencívelpor consumi-la, pois os seus efeitos, embora agradável ao seu usuário, são devastadores na saúde deste indivíduo. Ainda, vale-se muito citar esse entendimento confirmado por Croce e Croce Júnior22, onde relata os casos de independência e a síndrome de abstinência: Dependência a uma droga é o condicionamento do indivíduo a ela. Quando o dependente escravizado à droga, por qualquer motivo, sofre supressão da substância tóxica, desencadeia-se nele a síndrome ou reação de abstinência. Esta, desatada pela supressão brusca da droga tóxica leva o usuário a tomar nova dose, cada vez mais frequentemente e em maior quantidade, instalando a total e irremediável dependência da qual sairá submetendo-se a rigoroso tratamento médico especializado, sem, contudo, propiciar que as consequências orgânicas já estabelecidas regridam. (CROCE; CROCE JÚNIOR, 2012, p. 661). Assim, a denominação correta usada para designar o indivíduo que está sob o poder obscuro da droga é dependente, sendo que a palavra drogado e a palavra viciado caiu em desuso segundo a OMS. Destarte, é de bom alvitre ressaltar que as substâncias ditas “entorpecentes” estão no rol da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Nos ensinamentos de Fernando Capez23 pode- se observar: No caso da Lei de Drogas, contrariamente, se a substância deixou de integrar o rol do Ministério da Saúde, é porque, posteriormente, veio a entender-se que ela não causava 21 CROCE; CROCE JÚNIOR, op. Cit., p. 661. 2 2 Idem. 23 CAPEZ, Fernando; Curso de Direito Penal, Vol.1, Parte Geral.16ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 29. 18 dependência física ou psíquica. Ora, se não causa agora, não é razoável supor que antes provocava; logo, o material jamais poderia ter sido algum dia considerado entorpecente. Não havia nenhum caráter de temporariedade na enumeração do Ministério da Saúde. A proibição não era dirigida a um período específico, como no caso do tabelamento. A Lei de Drogas não diz “é crime consumir droga durante um determinado período”, mas simplesmente “se a substância for considerada entorpecente, é crime consumi-la”. Por essa razão, opera-se a retroatividade. A estrutura típica é modificada e desaparece a elementar “substância entorpecente ou que determina dependência física ou psíquica”. (CAPEZ, 2012, p. 79). Portanto se a substância não está prevista no rol da ANVISA, logo não é considerada entorpecente, entretanto, se essa substância integrava o rol da ANVISA e posteriormente foi retirada por entender que ela não ocasionava dependência física ou psíquica, essa substância, sob nenhuma condição poderia ser um entorpecente. Por fim, após o estudo de alguns conceitos e algumas considerações sobre embriaguez, alcoolismo e substâncias de efeitos análogos, é extremamente importante o estudo das espécies e fases da embriaguez, bem como os meios de comprovação da embriaguez diante de um delito cometido. 19 3. ESPÉCIES DE EMBRIAGUEZ NA DOUTRINA PÁTRIA Segundo o ordenamento jurídico brasileiro, admite-se algumas modalidades de embriaguez, que influenciarão na gradação da punibilidade, aplicando ou não aos indivíduos pela prática do delito de acordo com cada tipo de embriaguez. São elas: embriaguez não acidental, embriaguez acidental, embriaguez patológica e embriaguez preordenada. Existem também, algumas fases de embriaguez que, são conhecidas no meio forense como fase de excitação (macaco), fase de confusão (leão) e a fase superaguda (porco). Observa-se que nas fases da embriaguez vão detectar certo tipo de comportamento do indivíduo a partir da quantidade de bebida alcoólica ingerida por ele, da sobriedade ao sono. Enquanto que as espécies, irão determinar a ação e vontade do indivíduo de efetuar a ingestão da substância alcoólica, fatores determinantes para a análise minuciosa sobre o ato de se embriagar e o cometimento do delito. A embriaguez pode ser dar de forma completa ou incompleta. Na forma completa, podendo ser chamada de total ou plena, é aquela embriaguez que já perpassou pela fase de excitação, chegando as fases de confusão ou à fase comatosa, já a incompleta, essa, geralmente, para na fase de excitação. A embriaguez também se divide em voluntária e involuntária ou culposa. A embriaguez voluntária é, a priori sem relevância para o direito penal, visto que não isenta o réu de pena, nem a atenua. Apenas na embriaguez involuntária completa exclui a culpabilidade, nos demais outros casos, o autor é, em princípio, culpável e punível. Entretanto, há questionamentos que pairam sobre a ótica jurídica. Como pode-se tratar de maneira a isonômica o comportamento de um sujeito que por características fisiológicas, como a compleição física, a idade, o sexo, quantidade que ingeriu, isto é, fez uso e consumo de bebidas alcoólicas, da mesma bebida com o mesmo teor alcoólico? Mormente, o ser humano possui características menos ou mais resistentes ao álcool, de certa forma o Direito Penal, como um direito material, deve ser o norteador dos entendimentos junto a esses assuntos, junto às Supremas cortes e aos doutrinadores. Nesse ínterim, se faz necessário o estudo sobre as espécies de embriaguez existentes no ordenamento jurídico penal brasileiro, bem como as fases de embriaguez, com ênfase no direito penal e medicina legal. 20 3.1. ESPÉCIES DE EMBRIAGUEZ 3.1.1.EMBRIAGUEZ NÃO ACIDENTAL Esta espécie de embriaguez se divide em voluntária e culposa. Diz o artigo 28, inciso II do Código Penal, que “não excluem a imputabilidade penal, a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos”. Na embriaguez voluntária, o indivíduo, conscientemente, quer fazer a ingestão de bebida alcoólica, com intenção de embriagar-se, mas sabendo que tal ingestão pode causar-lhe embriaguez, sem nenhum obstáculo. Pode-se ainda ser completa ou incompleta conforme o artigo 28, inciso II do Código Penal. Na embriaguez culposa, o sujeito deseja fazer o uso da bebida alcoólica sem a vontade de embriagar-se, mesmo que esse consumo seja espontâneo e consciente. No entendimento Alexandre Salim e Marcelo André de Azevedo24, no livro Direito Penal, Vol.1, parte geral: Nos termos do art. 28, II, do CP não fica excluída a imputabilidade penal pela embriaguez, voluntária ou culposa, decorrente do álcool ou de substâncias de efeitos análogos. A embriaguez voluntária se dá quando o agente ingere bebidas alcoólicas com a intenção de embriagar-se. A culposa, quando o agente se embriaga de forma imprudente, sem a devida intenção.(SALIM E ; AZEVEDO, 2017,p.307) Portanto, ao analisar este pensamento, percebe-se que o indivíduo conscientemente ingeriu a bebida alcoólica, sendo que em um dos casos chega ao estado de embriaguez, voluntariamente, com o acinte em embriagar-se. No caso da culposa, o sujeito não tem a intenção de embriagar-se, porém ingere a bebida de forma exacerbada, imprudente. 3.1.2.EMBRIAGUEZ ACIDENTAL Nessa espécie de embriaguez, existe a fortuita que é quando o sujeito ingere a bebida 24 SALIM, Alexandre; AZEVEDO, Marcelo André de; Direito Penal.Vol.1.Parte Geral.Coleção Sinopses para Concursos .7ª edição Bahia: Juspodivm, 2017, p. 307. 21 alcoólica ou substância análoga, sem o seu consentimento, não prevendo e não desejando. Nessa fase ocorre o erro e a ignorância, pois o sujeito desconhece os efeitos da substância, e também, que é um exemplo bem esdrúxulo, o sujeito cai em um barril de vinho, causando a embriaguez fortuita. De acordo com Cléber Masson25, o agente não assimila que fora influenciado pela bebida alcoólica, seja por efeitos não sabidos, seja por desconhecimento de uma questão fisiológica que o acometeu, e cita exemplos plausíveis: No caso fortuito, o indivíduo não percebe ser atingido pelo álcool ou substância de efeitos análogos, ou desconhece uma condição fisiológica que o torna submissoàs consequências da ingestão do álcool. Exemplos: (1) o sujeito mora ao lado de uma destilaria de aguardente, e aos poucos acaba embriagado pelos vapores da bebida que inala sem perceber; e (2) o agente faz tratamento com algum tipo de remédio, o qual potencializa os efeitos do álcool. (MASSON, 2019, p.678). Outrossim, existe nessa fase a embriaguez forçosa, que tem origem da força maior, ou seja, o agente é obrigado a ingerir a substância, embora que tenha noção dos seus efeito, não conseguindo esquivar-se da ingestão. Será inimputável o sujeito se a perda da razão se der de forma completa, e atenuará a pena se for de forma incompleta em ambos os casos. Nesse entendimento, Cléber Masson26, em seu Código Penal parte geral, cita o sujeito que é obrigado a ingerir a bebida alcoólica, ou aquele que precisa permanecer em recinto onde há álcool, e confere exemplos: Na força maior, o sujeito é obrigado a beber, ou então, por questões profissionais, necessita permanecer em recinto cercado pelo álcool ou substância de efeitos análogos. Exemplos: (1) o agente é amarrado e injetam em seu sangue elevada quantidade de álcool; e (2) o indivíduo trabalha na manutenção de uma destilaria de aguardente e, em determinado dia, cai em um tonel cheio da bebida. (MASSON, 2019, p.678) De acordo com Alexandre Salim e Marcelo André de Azevedo27, no livro Direito Penal, Vol.1, parte geral: 25 MASSON, Cleber; Direito Penal parte geral. 13ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 678. 26 Ibidem, p. 678. 27 SALIM, Alexandre; AZEVEDO, Marcelo André de, op. Cit., p. 305. 22 o agente se embriagou completamente após ingerir bebida sob coação física irresistível (força maior). Nessa situação, mesmo que venha praticar um fato típico e ilícito, não haverá culpabilidade se era, ao tempo da conduta, inteiramente incapaz de entender o caráter-ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (AZEVEDO, 2017, p.305). Portanto nessa espécie, pode-se observar fator determinante se completa, exclui o crime, se incompleta, há uma diminuição de pena. 3.1.3.EMBRIAGUEZ PATOLÓGICA Nessa espécie de embriaguez, o agente embriaga-se de forma ininterrupta, não conseguindo alcançar seu estado de sobriedade. Nesse tipo de situação de embriaguez, o agente possui seu organismo deformado, por causa das propriedades tóxicas das substâncias que o agente ingere. Como já dito anteriormente, isso é considerada como uma doença. Segundo o saudoso professor damásio de Jesus28, essa embriaguez “pode concorrer com uma doença mental ou perturbação da saúde mental, ou provocar uma anormalidade psíquica”, nos dois casos, quando “há exclusão da capacidade intelectual ou volitiva, aplica-se o disposto no art. 26, caput; se há redução dessas capacidades, aplica-se o que se contém no art. 26, parágrafo único”(JESUS, 2011, p.559). São causas de isenção de pena, ou também, diminuição desta, segundo o artigo 26 do Código Penal29: Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Na embriaguez patológica, existem quatro tipos: A embriaguez agressiva e violenta, embriaguez excitomotora, embriaguez convulsiva e a embriaguez delirante, onde o indivíduo com pequenas doses consegue chegar rapidamente ao estado de fúria, são “extremamente perigosos, pois 28 JESUS, Damásio, op. Cit., p. 559. 29 BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940. Art. 26, Parágrafo único. 23 são neles comuns os impulsos em que agridem, produzindo toda sorte de lesões corporais, e matam, agindo inopinadamente com terrível violência”30. Ainda segundo Croce31: Dessarte, é de se reconhecer-lhes a inteira incapacidade de entender o caráter criminoso do fato, o que os torna irresponsáveis por sua conduta. Provado o fato tipificado como ilícito e autoria, mas demonstrado, no laudo psiquiátrico, ter o patiens cometido o delito em estado de embriaguez patológica, deve, por isento de pena (art. 26, caput, do CP), ser absolvido com base no art. 386, VI, do CPP, com imposição de medida de segurança, consistente em internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou, à falta, em outro estabelecimento adequado (art. 96, I, do CP). (CROCE; CROCE JÚNIOR, 2012, p. 124) Neste caso, é de suma importância a perícia médica, com o laudo psiquiátrico para a comprovação da embriaguez como patológica. 3.1.4.EMBRIAGUEZ PREORDENADA Nessa espécie, o agente embriaga-se com o intuito de encorajar-se para o cometimento de determinado ato ilícito, nas sábias palavras de Damásio de Jesus, essa espécie de embriaguez se dá “quando o sujeito se embriaga propositadamente para cometer um crime”32 (JESUS, 2011, p.554). Neste caso, não se considera excludente de culpabilidade, muito pelo contrário, isso se torna um agravante, como é esculpido no artigo 61, inciso II, alínea “l”, do Código Penal33 pátrio: Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: II - ter o agente cometido o crime: l) em estado de embriaguez preordenada. Nesse ínterim, na embriaguez preordenada, “não há exclusão da imputabilidade. O agente responde pelo crime, incidindo sobre a pena uma circunstância agravante, prevista no art. 61, II, l, do CP”34.(JESUS, 2011, p.560). 30 CROCE; CROCE JÚNIOR, op. Cit., p. 124. 31 CROCE; CROCE JÚNIOR, op. Cit., p. 124. 32 JESUS, Damásio, op. Cit., p. 554. 3 3 Código Penal, op. Cit., Art 61, II, l. 34 JESUS, Damásio, op. Cit., p. 560. 24 É notável caso em que o sujeito coloca-se propositadamente em situação de inimputabilidade para a prática de crimes, dizendo assim que o sujeito bebeu “umas doses de coragem” para a prática delituosa. Portanto, neste caso de espécie de embriaguez, Aplica-se, nessas hipóteses, a teoria da actio libera in causa integralmente, pois, a embriaguez preordenada além de não excluir a imputabilidade, agrava a pena. Teoria esta, tema do próximo capítulo. 3.2.FASES DA EMBRIAGUEZ A doutrina majoritária descreve a embriaguez em três fases, usando uma lenda árabe para fazer essa distinção. A primeira é a fase de excitação, chamada de fase do leão, a segunda a fase de confusão, chamada de fase do macaco e a terceira a fase superaguda, denominada fase do porco. Segundo Alexandre Salim e Marcelo André de Azevedo35, no livro Direito Penal, Vol.1, parte geral: A embriaguez é uma intoxicação causada pela ingestão de álcool. Possui três fases, a saber: 1. excitação; 2. depressão; 3. sono. Durante a primeira fase a embriaguez é considerada incompleta, ao passo que nas demais será completa.(SALIM; AZEVEDO, 2017, p.305). Com isso, há de certa forma um caminho a seguir pelo ébrio, começando na voluntariedade, e quando este indivíduo não consegue controlar essa vontade, seja por doença ou voluntariedade, chegando ao sono profundo. 3.2.1.FASE DE EXCITAÇÃO: Também chamada de ebriedade subaguda ou incompleta, onde o indivíduo comporta de forma irrequieta, mas ainda há freios morais. Segundo o Professor Fernando Capez36: estado eufórico inicial provocado pela inibição dos mecanismos de autocensura. O agente 35 SALIM, Alexandre; AZEVEDO, Marcelo André de, op. Cit., p. 305. 36 CAPEZ, Fernando, op. Cit., p. 341. 25 torna-se inconveniente, perde a acuidade visual e tem seu equilíbrio afetado. Em virtude de sua maior extroversão, estafase denomina-se “fase do macaco”. (CAPEZ, 2012, p.341) É muito comum, pessoas que bebem, em tese, “socialmente”, como uma maneira de interagir com outra pessoa, geralmente em festas. Apesar de as vezes se encontrar inconveniente, nesta fase o indivíduo traz pouco perigo para o cometimento de um delito, isso não quer dizer que não possa cometê-lo. Como é percebido, o indivíduo fica mais extrovertido, bem-humorado, audacioso, e de acordo com Delton Croce e Delton Croce Júnior, nessa fase “o indivíduo possui, ainda, consciência do que faz , repelindo-se, obviamente, a arguição de irresponsabilidade penal”37 (CROCE; CROCE JÚNIOR, 2012, p. 123). 3.2.2.FASE DE CONFUSÃO: Nessa fase, há uma confusão, depressão ou agitação, também conhecida como aguda, onde o indivíduo está mais agressivo, que segundo Fernando Capez, “passada a excitação inicial, estabelece-se uma confusão mental e há irritabilidade, que deixam o sujeito mais agressivo. Por isso, denomina-se fase do leão”38(CAPEZ, 2012, p.341). Percebe-se que, nesta fase, o sujeito aumenta sua periculosidade, onde há uma predisposição para a prática de um ilícito, onde geralmente pode haver a ocorrência da embriaguez preordenada. É nesta fase que o indivíduo “abre o seu coração”, torna-se eventualmente nocivo, com insolência, “(...)empregando desconexa linguagem de baixo calão, falando insultuosamente imaginárias infidelidades e prevaricação da esposa e recriminações e ofensas morais a terceiros(...)” 39(CROCE; CROCE JÚNIOR, 2012, p. 123). Há também, mudanças repentinas de humor, por um momento está abraçando e interagindo com as pessoas, em outro mostra-se agressivo ou insinuante com as mesmas pessoas. 3.2.3. FASE SUPERAGUDA Conhecida também como fase do sono, completa, comatosa, superaguda, e segundo 37 CROCE; CROCE JÚNIOR, op. Cit., p. 123. 38 CAPEZ, Fernando, op. Cit., p. 341. 39 CROCE; CROCE JÚNIOR, op. Cit., p. 123. 26 Fernando Capez40: Na sua última fase, e somente quando grandes doses são ingeridas, o agente fica em um estado de dormência profunda, com perda do controle sobre as funções fisiológicas. Nesta fase, conhecida como “fase do porco”, evidentemente, o ébrio só pode cometer delitos omissivos. (CAPEZ, 2012, p. 341). Nessa fase, há o comprometimento da capacidade motora e sensorial, há perda de consciência, o indivíduo anda escorando nas paredes, com riscos altíssimos de sofrer queda, até chegar ao sono, “constitui perigo apenas para o ébrio, que, caído, chafurda resmoneando, inconsciente cochino, mergulhando em sono profundo (…), incapaz de delinquir”(CROCE; CROCE JÚNIOR, 2012, p. 124). 3.3. FORMAS PROBATÓRIAS PARA COMPROVAR A EMBRIAGUEZ A embriaguez em suas diversas fases já estudadas, “não se presume (ebrietas non presumitur, onus probandi incumbit alleganti); diagnostica-se”41. (CROCE; CROCE JÚNIOR, 2012, p. 125). E, esse diagnóstico, para comprovar o estado de ebriedade, temos a pesquisa bioquímica, a prova por meio testemunhal e o exame clínico, efetuado através de uma perícia médico-legal. Na análise bioquímica para a aferição da quantidade de álcool presente no organismo do indivíduo, geralmente é feita com amostras de saliva, de urina, do liquor, da expiração do ar ou pelo sangue, que é o meio mais eficaz e preciso para constatar a quantidade de álcool no organismo. Há uma variação na absorção do álcool pelo organismo, isso se dá por diversos fatores, como a flora estomacal, a compleição física do sujeito, a hereditariedade, a periodicidade de ingestão, o teor alcoólico da bebida, a habitualidade em beber, o sono, o cansaço, o emocional da pessoa. Consequentemente, esses fatores variam de sujeito para sujeito, onde a intensidade com que a bebida é ingerida, na mesma dosagem, fará mais ou menos efeitos de pendendo de cada indivíduo, e do momento em que fez tal ingestão. Existem sujeitos que são tolerantes ao álcool, apesar de apresentarem taxas elevadas de concentração no sangue, sem possuir características de uma pessoa que esteja embriagada, enquanto 40 CAPEZ, Fernando, op. Cit., p. 341. 41 CROCE; CROCE JÚNIOR, op. Cit., p. 125. 27 outras pessoas, são mais suscetíveis aos efeitos da bebida alcoólica, ficando extremamente intoxicadas com doses ínfimas de álcool. Por isso não há o que se falar e determinar de maneira absoluta e incontestável os limites da embriaguez. A forma mais apropriada para comprovar o estado de embriaguez é o exame clínico, permitindo ao médico legista aferir de forma concreta os efeitos do álcool na capacidade de autodeterminação e capacidade de julgamento do sujeito, condição necessária e indispensável para classificar mais precisamente a espécie de intoxicação. De acordo com Croce42, no manual de medicina legal: A observação detalhada do comportamento do embriagado ao tempo do evento criminoso tem mais valor do que o registro simples de uma cifra qualquer indicada por análise bioquímica. Pois há etilistas com alcoolemia superior a 2ml por litro de sangue que se mostram em estado de normalidade. Por isso é que, com referência à embriaguez, se obriga o julgador a conjugar os elementos químico-periciais a circunstâncias constantes nos autos, pois que, como no exemplo, nem sempre a alcoolemia determinada é, só por si, suficiente para o diagnóstico, razão por que se admite sobre ela se sobreponham o exame clínicoe, especialmente, a prova testemunhal. (CROCE; CROCE JÚNIOR, 2012, p. 125). Consequentemente, como pode-se observar, além do exame clínico realizado no sujeito, a prova testemunhal se sobrepõe, ou melhor, se soma à análise bioquímica, pois essa análise por si só, não é fator determinante para indicar a embriaguez do indivíduo em relação ao ato criminoso, visto que há fatores importantes a destacar no comportamento do indivíduo, visto que o sujeito pode ter ingerido quantidade ínfima de dosagens alcoólicas e apresentar-se com visíveis sinais de embriaguez, em contrapartida pode o sujeito ingerir grandes dosagens e não apresentar sinal algum, justamente por fatores subjetivos determinantes. No caso da embriaguez ao volante, acordo com o Anexo II da Resolução nº 432/13 do CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito)43, designa elementos que precisam ser considerados concluindo a análise da alteração da capacidade psicomotora e relacionam em cinco grupos:quanto à aparência, se o condutor apresenta sonolência, olhos vermelhos, vômito, soluços, desordem nas vestes e odor de álcool no hálito. Quanto à atitude, se o condutor apresenta agressividade, arrogância, exaltação, ironia, se está falante ou se apresenta dispersão. Quanto à orientação, se o condutor sabe onde está, sabe a data e a hora. Quanto à memória, se o condutor: sabe seu endereço e lembra dos atos cometidos, e por fim quanto à capacidade motora e verbal, se o condutor apresenta: dificuldade no equilíbrio, fala alterada. 42 CROCE; CROCE JÚNIOR, op. Cit., p. 125. 43 Resolução nº 432/13 do CONTRAN, anexo II. 28 Insta salientar que a confirmação do estado de embriaguez é de suma importância para a análise do crime. Após aferido o estado de embriaguez, bem como sua espécie, análise esta determinante para a aplicação dos integrantes penais, apenação ou exclusão da pena, sua diminuição ou agravação, cerne da gradação da punibilidade. Como pode ser observado, há várias maneiras tecno-científicas para aferir o estado de embriaguez. A questão é, a análise de duas situações distintas que envolvem o uso e consumo de bebidas alcoólicas. Em um primeiro momento, deve-se imaginar um sujeito que no seu dia de folga desloca até um bar, e consome bebida alcoólica até embriagar-se, após durante uma discussão com outro sujeito, o primeiro embriagado desfere uma garrafa de cervejaem seu oponente o qual falece. Destarte percebe-se que é uma embriaguez voluntária, onde o indivíduo teve a vontade livre em beber. No segundo momento, deve-se imaginar um sujeito que, de forma premeditada planeja o homicídio de um desafeto, sai de sua casa rumo ao bar e embriaga-se para criar coragem, ou melhor, encorajar-se para cometer o homicídio outrora planejado. Neste caso, entende-se que o primeiro sujeito teve a livre vontade de embriagar-se, ele assim faz, preordenadamente a fim de cometer o delito. Em ambos os casos, o indivíduo foi livre para o consumo da bebida alcoólica. A diferença é que no segundo caso houve a embriaguez para encorajar-se e cometer o delito, já no primeiro caso, o indivíduo não tinha o dolo em cometer o delito, porém ao se deparar com tal situação, talvez somente para repelir injusta agressão, decerto este indivíduo nunca cometeria tal delito se o segundo indivíduo não o provocasse. Nestes casos, verifica-se que a bebida alcoólica, apesar das circunstâncias e momentos, ativa uma espécie de gatilho que é acionado, não para o crime, mas, após a fase de excitação, para que o indivíduo se torne mais agressivo, sendo em potencial, possível autor de um delito. Portanto é de suma importância o entendimento sobre o estudo do crime, as facetas entre o dolo e a culpa, bem como da imputabilidade penal, já que são indispensáveis para o estudo sobre a responsabilidade penal e os casos que envolvem os crimes em estado de embriaguez, bem como a apreciação de análises sobre a ação livre na causa, chamada teoria da actio libera in causa. 29 4. A EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA E A TEORIA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA 4.1. CRIME E CULPABILIDADE As ciências jurídica é dinâmica, conforme a sociedade evolui há a necessidade de se amoldar as carências existentes para a tutela dos bens jurídicos demandados. O conceito de crime é discutido entre os doutrinadores, visto que a legislação penal pátria vigente traz no art. 1° da Lei de Introdução do Código Penal44: Art. 1º. Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.(decreto-lei n. 2.848, de 7- 12-1940). Nesse ínterim, o Código Penal brasileiro não existe a conceituação expressa sobre o crime, trazendo em discussão perante a doutrina de vários aspectos sobre o seu conceito, aspectos estes sobre uma ótica formal, material ou analítica. De certo modo, crime em um aspecto formal é a conduta de um agente que vai na contramão da lei, ou seja, “tudo aquilo que o legislador descrever como tal, pouco importando o seu conteúdo”45(CAPEZ, 2012, p.125). Existe uma ação que é prevista na lei como contrária as normas penais. Sobre o aspecto material, o professor Damásio de Jesus46 leciona: O conceito material do crime é de relevância jurídica, uma vez que coloca em destaque o seu conteúdo teleológico, a razão determinante de constituir uma conduta humana infração penal e sujeita a uma sanção. É certo que sem descrição legal nenhum fato pode ser considerado crime. Todavia, é importante estabelecer o critério que leva o legislador a definir somente alguns fatos como criminosos. É preciso dar um norte ao legislador, pois, de forma contrária, ficaria ao seu alvedrio a criação de normas penais incriminadoras, sem esquema de orientação, o que, fatalmente, viria lesar o jus libertatis dos cidadãos. (JESUS, 2013, p.194). 44 Lei de Introdução do Código Penal, Art. 1º. 45 CAPEZ, Fernando, op. Cit., p. 125. 46 JESUS, Damásio, op. Cit., p. 194. 30 Seguindo o raciocínio, Capez47 traz o ensinamento do aspecto analítico do crime: É aquele que busca, sob um prisma jurídico, estabelecer os elementos estruturais do crime. A finalidade deste enfoque é propiciar a correta e mais justa decisão sobre a infração penal e seu autor, fazendo com que o julgador ou intérprete desenvolva o seu raciocínio em etapas. Sob esse ângulo, crime é todo fato típico e ilícito. Dessa maneira, em primeiro lugar deve ser observada a tipicidade da conduta. Em caso positivo, e só neste caso, verifica-se se a mesma é ilícita ou não. Sendo o fato típico e ilícito, já surge a infração penal. A partir daí, é só verificar se o autor foi ou não culpado pela sua prática, isto é, se deve ou não sofrer um juízo de reprovação pelo crime que cometeu. Para a existência da infração penal, portanto, é preciso que o fato seja típico e ilícito. (CAPEZ, 2012, p.125). No ordenamento jurídico pátrio, foram adotadas duas teorias para a conceituação de crime, uma é a teoria bipartida, e a outra tripartida. Na teoria tripartida, para que haja crime, basta que para isso o fato seja típico, ilícito (ou antijurídico) e culpável, faltando um desses elementos o crime não há crime. Por sua vez, na teoria bipartida “a culpabilidade não integra o conceito de crime”48. (CAPEZ, 2012, p.125). Neste contexto, com relação a introdução do dolo e culpa no fato típico, a culpabilidade perdeu sua função primordial, exercendo somente um papel valorativo, amoldando apenas para a aplicação da pena. Deste modo, de acordo com a teoria bipartida, só se afasta o crime se o fato for atípico ou sobre ele incidir uma das das excludentes de ilicitude. Como na teoria bipartida a culpabilidade não é parte integrante, passa-se ao estudo desta. Conforme Damásio de Jesus49, adepto da teoria bipartida: Culpabilidade é a reprovação da ordem jurídica em face de estar ligado o homem a um fato típico e antijurídico. Reprovabilidade que vem recair sobre o agente, ensinava Aníbal Bruno, porque a ele cumpria conformar a sua conduta com o mandamento do ordenamento jurídico, porque tinha a possibilidade de fazê-lo e não o fez, revelando no fato de não o ter feito uma vontade contrária àquela obrigação, i. e., no comportamento se exprime uma contradição entre a vontade do sujeito e a vontade da norma3. Como vimos,a culpabilidade não é requisito do crime, funcionando como condição de imposição da pena. (JESUS, 2012, p. 197). Portanto, a culpabilidade realiza uma função de Princípio no direito penal brasileiro. Neste segundo encargo da culpabilidade, atribui a característica de limite dosador de justiça, atuando 47 CAPEZ, Fernando, op. Cit., p. 125. 4 8 Idem 49 JESUS, Damásio, op. Cit., p. 197. 31 como equilíbrio entre o jus puniendi do Estado e a necessidade de sanção justa e adequada ao infrator. Neste liame, a culpabilidade possui três aspectos essenciais, Imputabilidade, Potencial Consciência da Ilicitude e Exigibilidade de Conduta Diversa. Neste caso, perde o dolo e a culpa como elementos. 4.2. DOLO E CULPA Uma das principais diferenças entre dolo e culpa, é entender que são atitudes voluntárias do sujeito que ocasionam um ato ilícito, sendo que a mais marcante, a atitude, que pode ser de maneira intencional ou descuidada. No direito penal a necessidade de se definir se houve dolo ou culpa se é determinada por uma atenuante ou agravante da pena, e como via de consequência, para caracterizar a responsabilidade civil do agente e seu dever de indenizar, caso haja. No caso do dolo, de acordo com Nelson Hungria50, “O agente deve ter querido livremente a ação ou omissão e o resultado” (HUNGRIA, 1978, p. 25). Outrossim, Bitencourt51, conceitua: Dolo é a consciência e a vontade de realização da conduta descrita em um tipo penal, ou, na expressão de Welzel, “dolo, em sentido técnico penal, é somente a vontade de ação orientada à realização do tipo de um delito”. (BITENCOURT, 2020, p.793). Portanto, se o sujeito exclusivamente comete o ato ilícito por animus próprio, como por exemplo, o agente que tem a finalidade de ceifar a vida de outrem e meramente comete o crime. No artigo 18, inciso I do Código Penal, destaca-secomo crime “doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. Percebe-se que existem dois tipos, o dolo direto e o dolo eventual, “elemento essencial da ação final, compõe o tipo subjetivo”52 (BITENCOURT, 2020, p. 794). Enfim, conforme as conceituações, pode-se perceber que o dolo possui dois elementos, um cognitivo, que é o conhecimento ou consciência de que o fato seja uma ação típica, e o volitivo, que é a vontade de realizar esta ação, Hungria diz que “Dolo é, ao mesmo tempo, representação e 50 HUNGRIA, Nélson; Comentários ao Código Penal. 5ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 25. 51 BITENCOURT, Cezar Roberto; Tratado de Direito Penal parte geral 1. 17ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 793. 52 Ibidem, p. 794. 32 vontade”53. (HUNGRIA, 1978, p.114). O inciso II, do artigo 18 do Código Penal, cita como crime “culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”54. Segundo a doutrina de Bitencourt, a “culpa é a inobservância do dever objetivo de cuidado manifestado numa conduta produtora de um resultado não querido, mas objetivamente previsível”55. (BITENCOURT, 2020, p. 825). Destarte, a culpa é caracterizada quando o agente opera o mesmo ato ilícito, depois de ter uma conduta voluntária, todavia, não se atenta que causou dano a terceiro ou motivou o ato ilegal. Assim, ato ilícito vincula-se pela atitude do sujeito de praticá-lo, seja por negligência, imprudência ou imperícia, onde para a consumação da culpa, faz-se imprescindível entender a diferença destas três ocorrências. Nos ensinamentos de Nelson Hungria56: Tanto na imprudência quanto na negligência ha inobservância das cautelas aconselhadas pela experiência comum em relação a prática de certos atos ou emprego de certas coisas; mas, enquanto a imprudência tem caráter militante ou comissivo, a negligência e o desleixo, a inação, a torpidez. (HUNGRIA, 1978, p. 203). Nesse ínterim, a negligência, é a falta de cuidado ou de aplicação numa determinada situação, sendo sinônimo de descuido ou desleixo, como por exemplo, o indivíduo que deixa uma arma de fogo ao alcance de uma criança. Enquanto a imprudência é, quando o sujeito conhece o risco da atividade, mas mesmo assim confia que há a possibilidade para a realização sem prejuízo a outrem, como por exemplo, conduzir um veículo sem a atenção necessária, com velocidade incompatível com a via, em alta velocidade. Na imperícia, “não é mais do que uma forma especial de imprudência ou de negligência”57. (HUNGRIA, 1978, p.204). Diante dos ensinamentos de Damásio de Jesus58: Imperícia é a falta de aptidão para o exercício de arte ou profissão. O químico, o eletricista, o motorista, o médico, o engenheiro, o farmacêutico etc. necessitam de aptidão teórica e 53 HUNGRIA, Nélson, op. Cit., p. 114. 54 Código Penal, art. 18, II. 55 BITENCOURT, Cezar Roberto, op. Cit., p. 825. 56 HUNGRIA, Nélson, op. Cit., p. 203. 57 Ibidem, p. 204. 58 JESUS, Damásio, op. Cit., p. 343 33 prática para o exercício de suas atividades. É possível que, em face de ausência de conhecimento técnico ou de prática, essas pessoas, no desempenho de suas atividades, venham a causar dano a interesses jurídicos de terceiros. Fala-se, então, em imperícia. De observar que se o sujeito realiza uma conduta fora de sua arte, ofício, profissão, não se fala em imperícia, mas em imprudência ou negligência. A imperícia pressupõe que o fato tenha sido cometido no exercício desses misteres. ( JESUS, 2013, p. 343). Portanto, para exemplificar essa questão observa-se um médico que é especializado na área de oncologia, e que não tem conhecimentos de cirurgias plásticas, quando realiza este tipo de operação. No caso, não é perito na área, não há o conhecimento técnico específico para realizar tal feito. E finalmente, de acordo com Bitencourt, “toda conduta que não for orientada pelo dolo ou pela culpa estará na seara do acidental, do fortuito ou da força maior, não podendo configurar crime, situando-se fora, portanto, do alcance do Direito Penal material”59. (BITENCOURT, 2020, p.716). O dolo e a culpa também são fatores determinantes para se caracterizar a responsabilidade subjetiva do agente. 4.3. RESPONSABILIDADE PENAL A responsabilidade penal é o dever de raiz jurídica em que o sujeito é imputado de responder por delitos por ele cometido, podendo se apresentar de forma objetiva ou subjetiva. A responsabilidade penal objetiva segundo Noronha60: De feito, no estado presente do direito penal, ela é incompreensível. Representa um retrocesso a tempos primitivos, em que o homem pagava pelo que fizera, sem quaisquer preocupações com o elemento subjetivo. Era o resultado, o dano causado, a clamar sempre por uma pena, que nada mais era que vingança. A responsabilidade só pode ter por fundamento a vontade humana. Infelizmente, o que o art. 18 proclama não é observado. Assim no tocante. embriaguez, à emoção e à paixão (art. 28), onde o elastério dado à teoria da actio libera in causa é inadmissível, caindo-se na responsabilidade objetiva. (NORONHA,, 2004, p.148). Assim, tem-se que a responsabilidade objetiva, não leva em consideração a intenção ou até mesmo a vontade do agente, levando em conta apenas aspectos objetivos e materiais do crime. 59 BITENCOURT, Cezar Roberto, op. Cit., p. 716. 60 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal Vol.1. 38ª edição. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 148. 34 Hodiernamente incompreensível aos olhos do Direito Penal. O Código Penal brasileiro, incorporou ao seu cerne a teoria da responsabilidade penal subjetiva, pois, mesmo havendo “erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.”61(art. 20, Código Penal). Portanto, mesmo que pelo erro sobre o elemento, o agente será punido a título de culpa, quando o tipo penal admitir, pois os elementos subjetivos do crime, o dolo e a culpa, estão inseridos no fato típico, ou seja, na conduta. Segundo os ensinamentos do Professor Rogério Sanchez Cunha, “O princípio da responsabilidade subjetiva ensina não bastar que o faro seja materialmente causado pelo agente, ficando a sua responsabilidade (penal) condicionada à existência da voluntariedade, leia-se dolo ou culpa”62(CUNHA, 2016, p. 96). Portanto, nessa teoria, quando um ato é considerado típico o sujeito teria que praticá-lo por livre e espontânea vontade, e com o propósito de lograr com êxito o resultado que ocorreu ou, então, que tenha dado causa ao resultado por descumprimento do dever objetivo de cuidado. Deste modo, mesmo que o resultado não tenha sido almejado pelo sujeito, poderá ser punível se caso fosse esperável ou conseguisse, ser evitado. Portanto, refere-se o princípio pelo qual o sujeito somente será capaz de ser responsabilizado pelos fatos subjetivamente próprios, vedada a imputação pelos fatos de terceiros, casuais, fortuitos ou imprevisíveis. De acordo com André Estefam63: É preciso ressaltar, por fim, que não se deve confundir a imputabilidade penal com a responsabilidade jurídico-penal. Por responsabilidade jurídico-penal entende-se a obrigação de o agente sujeitar-se às consequências da infração penal cometida. Nada tem que ver, portanto, com a capacidade mental de compreensão e autodeterminação (imputabilidade). Tanto é assim que um inimputável por doença mental (CP, art. 26, caput), embora desprovido de condições psíquicas de compreender a ilicitude do seu ato e de se determinar conforme essa compreensão, será juridicamente responsável pelo ato delitivo praticado, pois ficará sujeito a uma sanção (a medida de segurança). (ESTEFAM, 2018, p. 326). Portanto, não pode-se confundir a imputabilidade penal com a responsabilidade penal, pois, enquanto aquela, o agente está sujeitando-se às consequênciasdo ato delituoso praticado, não possuindo nenhuma ligação com a capacidade de compreensão e autodeterminação. 61 Código Penal, Art. 20. 62 CUNHA, Rogério Sanchez; Manual de Direito Penal, Parte Geral Volume Único. 4ª edição. Niterói: Juspodivm, 2016. p. 96. 63 ESTEFAM, André; Direito Penal parte geral. 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 326. 35 4.4. IMPUTABILIDADE PENAL A imputabilidade, é um dos elementos essenciais da culpabilidade, junto à potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. De acordo com Fernando Capez64, a imputabilidade: É a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. O agente deve ter condições físicas, psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal. Mas não é só. Além dessa capacidade plena de entendimento, deve ter totais condições de controle sobre sua vontade. Em outras palavras, imputável é não apenas aquele que tem capacidade de intelecção sobre o significado de sua conduta, mas também de comando da própria vontade, de acordo com esse entendimento. Exemplo: um dependente de drogas tem plena capacidade para entender o caráter ilícito do furto que pratica, mas não consegue controlar o invencível impulso de continuar a consumir a substância psicotrópica, razão pela qual é impelido a obter recursos financeiros para adquirir o entorpecente, tornando-se um escravo de sua vontade, sem liberdade de autodeterminação e comando sobre a própria vontade, não podendo, por essa razão, submeter-se ao juízo de censurabilidade. (CAPEZ, 2012, p. 335). Deste modo, a imputabilidade é necessariamente a capacidade de imputação, isto é, a capacidade de atribuir ao sujeito, a responsabilidade de ter ele praticado uma infração penal. De acordo com Rogério Sanchez Cunha65, existem dois elementos presentes na imputabilidade, o elemento intelectivo (intelectual, cognoscivo) e o elemento volitivo ( de vontade): São dois os elementos que devem se tàzer presentes para que haja imputabilidade: intelectivo, consistente na higidez psíquica que permita ao agente ter consciência do caráter ilícito do fato; e volitivo, em que o agente domina sua vontade, ou seja, exerce controle sobre a disposição surgida com o entendimento do caráter ilícito do fato, e se determina de acordo com este entendimento. (CUNHA, 2016, p. 287). No Direito Penal, para responder penalmente por um delito praticado, existirá a imputabilidade (capacidade penal), capacidade esta que não é só caracterizada pela possibilidade de entendimento e vontade, outrossim, para a prática de todos os atos na esfera processual, nesse sentido a imputabilidade penal é a capacidade penal e a inimputabilidade (incapacidade penal), no artigo 228 da Constituição da República Federativa do Brasil, “são penalmente inimputáveis os 64 CAPEZ, Fernando, op. Cit., p. 335. 65 CUNHA, Rogério Sanchez; op. Cit., p. 287. 36 menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”66 (Art. 228, CF), no mesmo sentido, corrobora o artigo 27 do Código Penal Brasileiro. Nesse ínterim, Fernando Capez67 cita que em regra Todo agente é imputável, a não ser que ocorra causa excludente da imputabilidade (chamada de causa dirimente). A capacidade penal é, portanto, obtida por exclusão, ou seja, sempre que não se verificar a existência de alguma causa que a afaste. Dessa constatação ressalta a importância das causas dirimentes. (CAPEZ, 2012, p.337). Desta forma, as causas dirimentes que afastam, ou melhor, excluem a imputabilidade penal são quatro: doença mental, desenvolvimento mental incompleto, desenvolvimento mental retardado (Art. 26, do Código Penal) e a embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior (art.28, II, §1º, do Código Penal). 4.5. TEORIA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA A embriaguez, isto é, o ato de se embriagar sempre foi uma ação reprovável nos tempos antigos, onde prevaleciam, cada legislação em sua época, a lei de Pitaco na Grécia antiga, o Direito Romano, o Direito Canônico, entre outros. Prevalecia a tese em que o indivíduo, mesmo estando em estado de embriaguez e praticasse algum ato delituoso, respondia tanto pela infração em questão, quanto pela embriaguez. Hodiernamente, o instituto da actio libera in causa no Direito Penal: Na precisa definição de Narcélio de Queiroz, devemos entender por actio libera in causa “os casos em que alguém, no estado de não imputabilidade, é causador, por ação ou omissão, de algum resultado punível, tendo se colocado naquele estado, ou propositadamente, com a intenção de produzir o evento lesivo, ou sem essa intenção, mas tendo previsto a possibilidade do resultado, ou, ainda, quando a podia ou devia prever”68. (GRECCO, 2008, p.171. apud QUEIROZ, p. 37). 66 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. Art. 228. 67 CAPEZ, Fernando, op. Cit., p. 337. 68 GRECO, Rogério; Curso de Direito Penal, Parte Geral Vol. 1. 10ª edição. Niterói: Impetus, 2008. p. 171, apud QUEIROZ, p. 37. 37 Segundo André Estefam69, que também salienta: Por actio libera in causa ou alic entende-se a situação em que o sujeito pratica um comportamento criminoso sendo inimputável ou incapaz de agir, mas, em momento anterior, ele próprio se colocou nesta situação de ausência de imputabilidade ou de capacidade de ação, de maneira propositada ou, pelo menos, previsível. ( ESTEFAM, 2018, p. 334). Assim, o agente é livre na causa, não teve pressões por parte de outrem, o que faz parte de um livre arbítrio, fez por que quis. Faz-se necessário, também, analisar os ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci70 sobre o tipo subjetivo no momento da conduta: Leva-se em consideração que, no momento de se embriagar, o agente pode ter agido dolosa ou culposamente, projetandose esse elemento subjetivo para o instante da conduta criminosa. Assim, quando o indivíduo, resolvendo encorajar-se para cometer um delito qualquer, ingere substância entorpecente para colocar-se, propositadamente, em situação de inimputabilidade, deve responder pelo que fez dolosamente – afinal, o elemento subjetivo estava presente no ato de ingerir a bebida ou a droga. Por outro lado, quando o agente, sabendo que irá dirigir um veículo, por exemplo, bebe antes de fazê-lo, precipita a sua imprudência para o momento em que atropelar e matar um passante. Responderá por homicídio culposo, pois o elemento subjetivo do crime projeta-se do momento de ingestão da bebida para o instante do delito. (NUCCI, 2017, p. 198). Tendo em vista a análise da culpabilidade, que pode ser analisada no instante em que o sujeito faz a ingestão da substância e não no instante da ocorrência do delito. Portanto, a teoria da actio libera in causa é aplicada para a embriaguez preordenada, quando o sujeito embriaga-se para o cometimento do delito, na embriaguez voluntária, quando o sujeito tem o objetivo de se embriagar e na embriaguez culposa, quando o sujeito não tem o objetivo de embriagar-se, mas tão somente beber, e para os demais estados de inconsciência. Salienta-se que essa teoria não é aplicada nos casos de embriaguez acidental ou fortuita, uma vez que o indivíduo não tinha a intenção de fazer a ingestão ou não de bebida alcoólica ou substância de efeito análogo, pois neste caso, se for completa, há exclusão da imputabilidade penal e se for incompleta, há a diminuição de pena. Finalmente, de acordo com os entendimentos doutrinários, não há a necessidade da presença de vontade ao longo de todo prosseguimento do crime, sendo suficiente que a imputabilidade se 69 ESTEFAM, André, op. Cit., p. 334. 70 NUCCI, Guilher de Souza, op. Cit., p. 198. 38 ache existente em qualquer fase deste
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