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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife Rocha, Rafael Pires Educação e multiculturalismo / Rafael Pires Rocha - Recife: UPE/NEAD, 2011. 40 p. ISBN 1. Educação. 2. Cultura - Educação. 3. Multiculturalismo. 4. Sociologia educacional. I. Universidade de Pernambuco – UPE. II. Título. CDU 37.015.4 T266c U ni ve rs id ad e de P er na m bu co - U PE N EA D - N Ú CL EO D E ED U CA ÇÃ O A D IS TÂ N CI A REITOR Prof. Carlos Fernando de Araújo Calado VICE-REITOR Prof. Rivaldo Mendes de Albuquerque PRÓ-REITOR ADMINISTRATIVO Prof. José Thomaz Medeiros Correia PRÓ-REITOR DE PLANEJAMENTO Prof. Béda Barkokébas Jr. PRÓ-REITOR DE GRADUAÇÃO Profa. Izabel Christina de Avelar Silva PRÓ-REITORA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA Profa. Viviane Colares Soares de Andrade Amorim PRÓ-REITOR DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL E EXTENSÃO Prof. Rivaldo Mendes de Albuquerque COORDENADOR GERAL Prof. Renato Medeiros de Moraes COORDENADOR ADJUNTO Prof. Walmir Soares da Silva Júnior ASSESSORA DA COORDENAÇÃO GERAL Profa. Waldete Arantes COORDENAÇÃO DE CURSO Profa. Giovanna Josefa de Miranda Coelho COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA Profa. Maria Vitória Ribas de Oliveira Lima COORDENAÇÃO DE REVISÃO GRAMATICAL Profa. Angela Maria Borges Cavalcanti Profa. Eveline Mendes Costa Lopes Profa. Geruza Viana da Silva GERENTE DE PROJETOS Profa. Patrícia Lídia do Couto Soares Lopes ADMINISTRAÇÃO DO AMBIENTE Igor Souza Lopes de Almeida COORDENAÇÃO DE DESIGN E PRODUÇÃO Prof. Marcos Leite EQUIPE DE DESIGN Anita Sousa Gabriela Castro Rafael Efrem Renata Moraes Rodrigo Sotero COORDENAÇÃO DE SUPORTE Afonso Bione Prof. Jáuvaro Carneiro Leão EDIÇÃO 2010 Impresso no Brasil - Tiragem 180 exemplares Av. Agamenon Magalhães, s/n - Santo Amaro Recife / PE - CEP. 50103-010 Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664 EDUCAÇÃO E MULTICULTURALISMO Prof. Rafael Pires Rocha | 60 horas Objetivo geral Apresentação da disciplina Ementa Introdução ao estudo das temáticas que envolvem a educação e os processos de construção e de im- plementação da cidadania dos diferentes grupos raciais ou étnicos na sociedade brasileira. Compreender o multiculturalismo e suas formas de expressões nas sociedades globalizadas, visando à integração das mais diversas formas de expressões culturais. Hibridismo, diversidade étnica e racial, novas identidades políticas e culturais: esses são termos di- retamente relacionados ao rótulo multiculturalismo. Se a diversidade cultural acompanha a histó- ria da humanidade, o acento político nas diferenças culturais data da intensificação dos processos de globalização econômica que anunciam, segundo os analistas, uma nova fase do capitalismo, denominada por autores como Ernest Mandel de “capitalismo tardio” e por outros, como Daniel Bell, de “sociedade pós-industrial”. A despeito das querelas acerca das origens dessa nova fase, o fato é que as discussões acerca do multiculturalismo acompanham os debates sobre o pós-moder- nismo e sobre os efeitos da pós-colonização na cena contemporânea, o que se verifica de forma mais evidente a partir dos anos 1970, sobretudo nos Estados Unidos. A globalização do capital e a circulação intensificada de informações, com a ajuda de novas tecnologias, longe de uniformi- zar o planeta (como propalado por certas interpretações fatalistas), trazem consigo a afirmação de identidades locais e regionais, assim como a formação de sujeitos políticos que reivindicam, com base nas garantias igualitárias, o direito à diferença. Mulheres, negros (ou afro-americanos), homossexuais, populações latino-americanas (“hispanos” ou chicanos) e migrantes em geral se fazem presentes como atores políticos valendo-se da marcação de diferenças de gênero, culturais e étnicas. A cultura torna-se instrumento de definição de políticas de inclusão social - as “políticas compensatórias” ou as “ações afirmativas” - que tomam os mais diversos setores da vida social. Cotas para as minorias, educação bilingue, programas de apoio aos grupos marginalizados, ações antirracistas e antidiscriminatórias são experimentadas em toda parte1. 1http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete=3186 Figura 01 - Globalização Multicultural capítulo 1 7 Prof. Rafael Pires Rocha Carga Horária | 15 horas INTRODUÇÃO “A ‘torre de Babel’ não configura apenas a multiplicidade irredutível das línguas, ela exibe um não-acabamento, a impossibilidade de completar, de totalizar, de saturar, de acabar qualquer coisa que seria da ordem da edificação, da construção arquitetural, do sistema e da arquitetônica. O que a multiplicidade de idiomas vai limitar não é apenas uma tradução “verdadeira”, uma entre expressão (entre expression) transparente e adequada, mas também uma ordem estrutural, uma coerência do constructum. Jacques Derrida Muito se tem debatido sobre a natureza precária da noção e do conceito já comuns no vocabu- lário das ciências humanas, uma vez que esses dependem das mudanças verificadas no mundo, tanto no âmbito cultural quanto no político e no econômico. Como exemplo dessa transformação operada nas relações interculturais, o multiculturalismo passou a ser um dos alvos mais atingidos. Isso se deve, principalmente, ao esgotamento dos modelos de reconciliação e de aceitação de muitas culturas no interior da nação e à necessidade de substituição do conceito de diferença pelo de desigualdade, com vista a propiciar um sistema de troca que não fosse unilateral. Com a globalização tecnológica, quase todo o planeta entrou em interconexão simultânea, criando, assim, novas modalidades de diferenças e desigualdades. Diferentes, desiguais e desconectados refazem a trajetória dos estudos culturais, desloca conceitos e justifica a troca do termo multicultural pelo de intercultural, por admitir que o primeiro se pauta pela diversidade de culturas, “sublinhando sua diferença e propondo políticas relativas de respei- to, que frequentemente reforçam a segregação”. O segundo termo, intercultural e globalizado, “remete à confrontação e ao entrelaçamento, àquilo que sucede quando os grupos entram em OBJETIVOS ESPECÍFICOS • Compreender o significado do multicul- turalismo, percebendo as suas variações teóricas; • Analisar o multiculturalismo dentro da modernidade tardia; • Identificar as formas de manifestação desse multiculturalismo, dentro dos mais diversos segmentos das socieda- des. INTRODUÇÃO AO MULTICULTURALISMO capítulo 18 de contradições no seio do povo, entendidas como valores positivos no lugar de problemas, tais como falta de educação, cultura da pobre- za etc. Ainda dentro do pensamento de John Beverley, “um novo projeto para ‘trocar a vida’ seria a expressão política deste reconhecimen- to e da heterogeneidade e incomensurabilida- de do social, sem sentir a necessidade de re- solver as diferenças em uma lógica unitária e transculturadora”. É comum ainda vincular o multiculturalismo a uma série de desdobramentos das minorias, que vão da emergência de grupos sociais até então invisíveis, como as culturas indígenas na América, aos grupos minoritários que, a partir dos anos 1970, começam a adquirir voz e a buscar maior visibilidade. Problematiza-se, por conseguinte, a dimensão do termo cultura, pela desconfiança de atitudes hegemônicas e estatais, dos gastos preceitos de universalida- de e igualdade entre os povos e os cidadãos. O número de migrantes-multidões no mun- do aumenta de forma considerável, transfor- mando as metrópoles primeiro-mundistas em verdadeira babel de línguas e de etnias, modi- ficando a geografia das cidades, pelo descen- tramento contínuo dos lugares, antes distintos e controlados pela senha da inclusão e da ex- clusão sociais. O pensamento multiculturalista se inscreve igualmente combase na dissolução do modelo político do Estado-nação e da desconstrução de parâmetros iluministas, legados pela razão moderna. Questiona-se o poder estatal e en- tra em declínio a hegemonia do pensamento ocidental, um dos responsáveis pela defesa de valores universais de cultura. A soberania das instituições políticas é substituída por um con- junto mais amplo de instituições e de forças sociais. Com a produção de novas tecnologias, da informática e do inevitável crescimento do poder do mercado, se dimensionam as noções de tempo e espaço, assim como das múltiplas feições assumidas pela modernidade. A simul- taneidade temporal substitui o tempo teleo- lógico da modernidade, encurtando a distân- cia entre culturas e deslocando pontos fixos e imutáveis. Cria-se a ilusão de ser o mundo uma grande tela de TV, na qual convivem, de forma harmoniosa ou não, uma infinidade de povos, um sem número de olhares estranhos e relações e trocas. Ambos os termos implicam dois modos de produção do social: multicultu- ralidade supõe aceitação do heterogêneo; in- terculturalidade implica que os diferentes são o que são, em relações de negociação, conflito e empréstimos recíprocos” (CANCLINI, 2005). Embora esteja de acordo com a proposta de Canclini, ao entender que o multiculturalismo é uma ficção estatal tranquilizadora, enquanto o interculturalismo é a proposta de diversida- de projetada não do Estado, mas dos próprios atores dos movimentos sociais, retomo o ra- ciocínio de John Beverley, para quem o termo multiculturalismo pode ser também lido se- gundo o viés do interculturalismo. O que se conclui é a importância de considerar que os conceitos podem também ser reciclados e re- vistos com base nas diferentes posições dos te- óricos, sem a preocupação meio obsessiva de criar expressões que substituem outras. Acres- centaria que Beverley postula, dentro de sua posição de seguidor da teoria subalterna, que “A possibilidade radical do multiculturalismo está es- tritamente por insistência constitutiva em igualdade social. Para dizer isso em outras palavras, o subor- dinado é mais ênfase na desigualdade do que na diferença, mas também pretende verificar como a diferença é vivida como a desigualdade.” (BEVERLEY) Nesse sentido, ambos defendem os mesmos princípios. Acrescentaria que as categorias re- lativas ao povo e à multidão, seja conforme te- orização de Ernesto Laclau, La razón populista , seja de Paolo Virno, tornam-se imprescindí- veis para o entendimento da atualização des- sa desigualdade no âmbito do próprio sujeito, visto como internamente fissurado e hetero- gêneo. Trata-se de dimensionar a proliferação capítulo 1 9 como assim se expressou um deles. Dotados de um pensamento nômade e de experiência vital em permanente deslocamento, esses autores se apropriam da teorização aprendida pelos discursos hegemônicos para desconstruí-los. A maneira pela qual se rompe com teorias da modernidade se justifica pela emergência no entendimento de novas propostas que talvez contribuam para nortear as indagações do pre- sente. Ao termo pós-modernidade, de caráter geral e pertencente ao universo anglo-saxão, são apresentadas outras nomenclaturas, mais condizentes com o pensamento e a realidade de cada cultura enfocada. A pós-modernida- de, em toda a sua dimensão e abrangência, não poderá ser analisada sem a reflexão das várias vertentes que compõem o pensamento moderno. Os conceitos legados pelas culturas hegemônicas deverão ser revisitados e acom- panhar as transformações políticas e culturais do mundo globalizado. No próprio continente as ocorrências culturais e artísticas não se realizam de modo homo- gêneo. Jesus Martín-Barbero, teórico espanhol radicado na Colômbia, introduz, nos estudos da mídia, uma reflexão original – a moderni- dade descentrada – que responde pelas várias temporalidades existentes na recepção das culturas hegemônicas por parte das periféri- cas. Por isso, a referência às modernidades se faz no plural, pela existência de outro estatuto conceitual. O raciocínio pautado pelo princípio da homogeneidade é substituído pelo da he- terogeneidade. São alternativas de definição a respeito do termo pós-moderno, ao se pensar na atual situação da cultura na América Latina. A noção de atraso, por exemplo, se desvincula do teor negativo e se impõe como peça inte- grante da defasagem temporal, do tardio, do sinal de mais das regiões periféricas. A experi- espantados. No âmbito das relações culturais, o enfoque se torna mais transnacional que na- cional, não só pelo enfraquecimento da ordem estatal, como pelo fortalecimento de uma po- lítica de efeitos. As desigualdades sociais au- mentam, embora a hegemonia do econômico se revista do discurso igualitário entre os po- vos. A tolerância racial, o respeito às diferenças, o empenho pelo fim de preconceito entre os pa- res, a solidariedade como possível saída para os embates das crises pelas quais passam os países são argumentos utilizados pelo discurso político como forma de maquiar o multicultu- ralismo mediante o lema da diferença. O plu- ralismo exige condições rígidas de convivência, negociações e diálogos. No mesmo diapasão, a equivalência entre identidade e nação é, segundo Jesús Martín- Barbero, no ensaio “Globalização e Multicultu- ralismo”, o que a multiculturalidade da socie- dade atual latino-americana faz desmoronar. Por um lado, a globalização diminui o peso dos territórios e dos acontecimentos funda- dores que essencializavam o nacional, e, por outro, a revalorização do local redefine a ideia mesma de nação. Não se pode pensar, portan- to, que a identidade seja a expressão de uma só cultura homogênea. O monolinguismo e a uniterritorialidade os quais a primeira moder- nização reassumiu da colônia, esconderam a densa multiculturalidade de que está feito o latino-americano e o arbitrário das demarca- ções que traçaram o nacional. 1. MODERNIDADES TARDIAS O modelo ocidental e eurocêntrico das teorias sobre a modernidade foi, por muito tempo, aceito como único, sem que sua hegemonia fosse contestada. Outras experiências da mo- dernidade deverão ser observadas, conside- rando não só o descompasso temporal de sua atualização pelas distintas culturas, como as singularidades múltiplas e divergentes dessa vivência dentro das próprias culturas locais. Pensadores do considerado terceiro mundo têm se empenhado em apontar algumas possí- veis saídas para sair ou entrar na modernidade, capítulo 110 ência simultânea do tempo não significa que a realidade dos países periféricos seja similar aos outros, o importante é não pensarmos segun- do parâmetros causalistas e progressistas. Na perspectiva de Martín-Barbero, a simulta- neidade temporal aponta diferenças. E não se pauta por semelhanças que poderiam colocar a poética sincrônica imune a conotações de ordem contextual e histórica. Outras denomi- nações surgem como as modernidades tardias, com Fredric Jameson (1996), que trabalha com o capitalismo tardio, e Stuart Hall (1998), com as modernidades alternativas e o conceito de modernidades tardias. Outros preferem de- nominá-las de modernidades periféricas, mo- dernidades livres (at large), segundo o indiano Arjun Appadurai, em seu livro Modernity at large, ou, como Anthony Giddens, moderni- dades reflexivas. O lugar dos exilados indianos nos Estados Unidos é analisado por Appadu- rai para explicar o conceito de modernidades livres, ao serem construídas comunidades imaginadas que se identificam pelos meios de comunicação de massa, como o rádio, a tele- visão, o cinema, sem passar pela experiência das modernidades concebidas pelos órgãos oficiais. A passagem referente ao conceito de modernidade descentrada em Martín-Barbero (2002) é a que se segue: “O inacabado projeto da modernidade não pode, então, separar-se tão nitidamente da razão que ins- pira a modernização como pretende Habermas (O Discurso Filosófico). Daí que sua crise leva paraa pe- riferia elementos libertadores. Assim, a possibilidade de afirmar a “não-simultaneidade do simultâneo” (Rincón) - a existência em descompasso com a mo- dernidade que não são lixo puro, mas o anacronis- mo (no sentido essa noção tem para R. Williams em Marxismo e Literatura 144) não integrados de outra economia – que, ao perturbar a ordem sequencial do progresso modernizador, libera nossa ralação com o passado, com nossos diferentes passados, fazendo do espaço o lugar de onde se entrecruzam diversos tempos históricos, e pemitindo-nos, assim, recombi- nar as memórias e reapropriarmos criativamente de uma modernindade descentralizada.” Segundo o teórico, trata-se de uma “descon- tinuidade de modernidade não-contemporâ- nea”, em que a não contemporaneidade deve ser claramente distinta da ideia de atraso cons- titutivo, de atraso convertido em chave expli- cativa da diferença cultural. Seria uma ideia que se manifesta em duas versões. A primei- ra, apontando que a originalidade dos países latino-americanos, e da América Latina intei- ra, dependeu de fatores que se desvinculam da lógica do desenvolvimento capitalista. A segunda, entendendo a modernização como a recuperação do tempo perdido e, portanto, identificando o desenvolvimento com o aban- dono de identidades locais para nos tornarmos modernos. Essa descontinuidade estaria situada em outra chave, ao permitir que se rompa “tanto com um modelo a-histórico e culturalista quanto com o paradigma da racionalidade acumula- tiva em sua pretensão de unificar e subsumir num só tempo as diferentes temporalidades sócio-históricas”. RESUMO Neste capítulo, foi abordado o debate acerca do conceito de multiculturalismo e a comum vinculação do multiculturalismo a uma série de desdobramento das minorias, que vão da emergência de grupos sociais até então invi- síveis, como as culturas indígenas na Améri- ca, aos grupos minoritários que, a partir dos anos 1970, começam a adquirir voz e a buscar maior visibilidade. REFERÊNCIAS AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder so- berano e a vida nua. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. CANCLINI, Néstor Garcia. Diferentes, desiguais e desconectados. Trad. Luiz Sergio Henriques. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005. capítulo 1 11 DERRIDA, Jacques. Torres de Babel. Trad. Júnia Barreto. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich; SCOTT, Lash. Modernização reflexiva: Política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Editora UNESP, 1997. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-mo- dernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1998. JAMESON, Fredric. Pós-modernismo – a lógica cultural do capitalismo tardio. Trad. Maria Elisa Cevasco. São Paulo: Ática, 1996. LIVROS OLIVEIRA JUNIOR, José Alcebíades de. Faces Do Multiculturalismo. São Paulo: Editora: EDIURI, 2008. D’ADESKY, Jacques. Pluralismo Étnico e Multicul- turalismo: Racismo E Anti-Racismos No Brasil. São Paulo: PALLAS, 2001. SITES http://www.fundaj.gov.br/tpd/107.html Considerando o que estudamos neste 1º capítulo, responda: 1. Trace um paralelo entre multiculturalismo e interculturalismo. 2. Discorra sobre o modelo ocidental eurocên- trico de cultura e o seu reflexo para o mundo ocidental. 3. Descreva o problema da homogeneidade cultural sobre o mundo globalizado, funda- mentando sua resposta. 4. A modernidade tardia, segundo os teóricos, é uma realidade latino-americana. Como essa comunidade latino-americana procura se inserir nessa modernidade? Explique. Saiba Mais: Atividades: capítulo 2 13 Prof. Rafael Pires Rocha Carga Horária | 15 horas INTRODUÇÃO O que significa o multiculturalismo? Em que medida ele é percebido de forma homogeneizada, ignorando-se suas abordagens plurais? Como se definem identidade e diferença, universalismo e relativismo, em suas diversas visões? Existiria alguma abordagem multicultural que superasse novas formas de universalismos, como aqueles ligados à ‘universalização dos particularismos’? Seria o multiculturalismo um campo de conhecimento ou apenas uma visão prática e política sobre formas de se lidar com as diferenças? Que desdobramentos no ensino podem assumir as visões multiculturais? O presente artigo, longe de fornecer respostas definitivas às questões acima, pretende levantar reflexões que possam problematizar mitos e visões essencializadas do multiculturalismo, buscan- do traçar um breve panorama de seus dilemas, desafios e complexidades, focalizando particu- larmente suas articulações com a educação. É importante observar que se cobra justamente da educação a formação de gerações nos valores de tolerância, de cidadania crítica, de valorização da pluralidade cultural, de flexibilidade e de abertura para novas possibilidades de construção de conhecimento e de solução de problemas. O argumento que defendemos é que, se o multiculturalismo pretende contribuir para uma edu- cação valorizadora da diversidade cultural e questionadora das diferenças, deve superar posturas dogmáticas, que tendam a congelar as identidades e desconhecer as diferenças no interior das próprias diferenças. Não procuramos fornecer receitas – mesmo porque o cerne do multicultura- lismo é o questionamento sobre verdades únicas e absolutas, narrativas mestras – mas, sim, bus- camos levantar questões e reflexões sobre possíveis olhares teóricos e caminhos de pesquisa para tentar viabilizar uma educação que questione o modelo único, branco, masculino, heterossexual e ocidental, que embasa discursos curriculares monoculturais, dominantes, sem, no entanto, cair em dogmatismos e em radicalismos que continuem a separar eu/outro, normalidade-diferença. OBJETIVOS ESPECÍFICOS • Compreender as abordagens teóricas acerca do multiculturalismo; • Analisar o binômio identidade e dife- rença nas relações entre os povos; • Perceber as implicações teóricas do multiculturalismo nas pesquisas e no esnsino realizadas nos tempos atuais. MULTICULTURALISMO E SEUS DILEMAS: UM ENFRENTAMENTO TEÓRICO capítulo 214 1. PENSANDO MULTICULTURALMENTE SOBRE EDUCAÇÃO: SIGNIFICADOS E ABORDAGENS O multiculturalismo é um termo que tem sido empregado com frequência, porém com di- ferentes significados. Dessa forma, seus críti- cos e defensores travam, muitas vezes, lutas e discussões em torno de um conceito que, na verdade, pode estar sendo entendido de for- ma diferente para os envolvidos em tais dis- putas. A começar pelo nome: alguns apontam que o interculturalismo seria um termo mais apropriado, na medida em que o prefixo ‘in- ter’ daria uma visão de culturas em relação, ao passo que o termo multiculturalismo estaria significando o mero fato de uma sociedade ser composta de múltiplas culturas, sem necessa- riamente trazer o dinamismo dos choques, re- lações e conflitos advindos de suas interações. Além dos termos que o definem, as perspec- tivas que informam o multiculturalismo tam- bém variam conforme temos apontado, desde uma visão mais folclórica ou liberal (valoriza- dora da pluralidade cultural, porém reduzindo as estratégias de trabalho com ela a aspectos exóticos, folclóricos e pontuais, como receitas típicas, festas, dias especiais – dia do Índio, por exemplo), até perspectivas mais críticas (tam- bém chamadas de multiculturalismo crítico ou perspectiva intercultural crítica, em que o questionamento da construção dos preconcei- tos e das diferenças é o foco do trabalho). Nesse sentido, críticas que atribuem ao mul- ticulturalismo à exaltação da pluralidade cul- tural, mas o acusam de se omitir com relação às desigualdades estão, na verdade, sendo dirigidas a um sentido de multiculturalismo – folclórico – que, certamente, não é o único. O multiculturalismo crítico ou perspectiva inter- cultural crítica busca articular as visões folclóri- cas a discussões sobre as relações desiguais de poder entre as culturas diversas, questionando a construção histórica do preconceito, da dis- criminação,da hierarquização cultural. Entre- tanto, o multiculturalismo crítico também tem sido tensionado por posturas pós-modernas e pós-coloniais, que apontam para a necessida- de de se ir além do desafio a preconceitos e buscar identificar, na própria linguagem e na construção dos discursos, a forma como as di- ferenças são construídas. Isso porque a visão pós-moderna, grosso modo, focaliza os pro- cessos pelos quais os discursos não só repre- sentam a realidade, mas são constitutivos dela. Isso significa que, para além das estratégias e visões do multiculturalismo crítico, a perspec- tiva pós-colonial e pós-moderna do multicul- turalismo busca “descolonizar” os discursos, identificando expressões preconceituosas (me- táforas e imagens discriminatórias), bem como marcas e construções da linguagem que este- jam impregnadas por uma perspectiva ociden- tal, colonial, branca, masculina etc. É importante assinalar que as diferenças entre as abordagens multiculturais acima relaciona- das remetem, em última análise, a questões de fundo quanto: a) à forma como a identidade e a diferença são concebidas; b) à relação en- tre universalismo e relativismo na abordagem dada ao real c) à compreensão do multicultu- ralismo como campo de estudos de caráter hí- brido. Analisaremos, a seguir, essas questões. 2. IDENTIDADE E DIFERENÇA Ao lidar com o múltiplo, o diverso e o plural, o multiculturalismo encara as identidades plurais como a base de constituição das sociedades. Leva em consideração a pluralidade de raças, gêneros, religiões, saberes, culturas, lingua- gens e outras características identitárias para sugerir que a sociedade é múltipla e que tal multiplicidade deve ser incorporada em currí- culos e em práticas pedagógicas. capítulo 2 15 No entanto, em uma visão essencializada, a identidade é vista como essência acabada. Se a abordagem multicultural é construída so- bre essa suposição, ainda que valorize a plu- ralidade de identidades, irá visualizá-las como entidades estanques: ‘o negro‘, ‘o índio’, ‘a mulher’, ‘o deficiente’ e assim por diante. É o caso, por exemplo, das perspectivas multi- culturais folclóricas e daquelas que se baseiam em certas vertentes do multiculturalismo críti- co, que ainda não incorporaram o caráter de construção das identidades nem se voltaram ao papel dos discursos nessa construção. Nessa perspectiva, ainda que questionem pre- conceitos e que trabalhem em prol de uma sociedade mais justa e menos discriminatória, superando o mero ‘exotismo’ que caracteriza o multiculturalismo folclórico, as estratégias multiculturais críticas ainda estariam traba- lhando com a ideia uniforme e acabada das identidades, sem considerar o dinamismo, o hibridismo, as sínteses culturais e o movimento constante que resulta em novas identidades. É o caso, por exemplo, em que se decide de- senvolver estratégias para desafiar o precon- ceito contra o índio, mas não considera a com- plexidade cultural das nações indígenas, com suas linguagens múltiplas, seus significados plurais etc. Ainda que a intenção seja crítica, a homogeneidade da categoria ‘índio’ assenta- se em uma visão da identidade como ‘essência acabada’, o que pode resultar em um congela- mento das identidades e das diferenças. Por outro lado, o multiculturalismo crítico pós- modernizado ou pós-colonial irá focalizar não só a diversidade cultural e identitária, mas tam- bém os processos discursivos pelos quais as identidades são formadas, em suas múltiplas camadas. Dessa maneira, tal visão de multicul- turalismo não se limita a constatar a plurali- dade de identidades e os preconceitos cons- truídos nas relações de poder entre elas. Vai, isso sim, analisar criticamente os discursos que ‘fabricam’ essas identidades e essas diferenças, buscando interpretar a identidade como uma construção, ela própria múltipla e plural. Des- sa maneira, a própria identidade é objeto de análise do multiculturalismo pós-moderno ou pós-colonial. A hibridização, ou hibridismo, é conceito central dessa perspectiva multicultu- ral: a construção da identidade implica que as múltiplas camadas que a perfazem a tornem híbrida, isto é, formada na multiplicidade de marcas, construídas nos choques e entrecho- ques culturais. Souza Santos (2001) alerta que o multicultu- ralismo crítico pós-colonial discute as “diferen- ças dentro das diferenças”, recusando a ideia de que as identidades plurais que constituem a sociedade sejam estáticas, unas, indivisíveis. De fato, nessa visão, não haveria tipos identi- tários ‘puros’: as sínteses culturais fazem que todos sejamos constituídos no hibridismo. Por exemplo, somos mulheres, negras, ocidentais e afrodescendentes. Em certas ocasiões, a mar- ca identitária negra pode prevalecer, mas em outras é a de gênero e assim por diante. Gon- çalves & Silva (2000), apontam, nessa linha, para a necessidade de os movimentos negros lidarem com a diversidade em seu interior, di- versidade esta marcada ora pela presença das mulheres negras em uma situação bastante di- ferenciada, ora por jovens que trazem a marca de seus próprios movimentos, de seus grupos de estilo e outros. Bauman (2005, p. 17), por sua vez, é eloquen- te ao considerar que o “‘pertencimento’ e a ‘identidade’ não têm a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bas- tante negociáveis e revogáveis”. O referido au- tor ilustra, por meio de sua própria biografia, sua identidade híbrida, recordando Agnes Hel- ler quando afirmava que “sendo mulher, hún- gara, judia, norte-americana e filósofa, estava sobrecarregada de identidades demais para uma só pessoa” (ibid., p. 19). Tais considera- ções podem ser aplicadas a grupos identitários diversos, evitando que se caia no erro de con- gelar e de homogeneizar identidades e dife- renças. Temos proposto três níveis pelos quais capítulo 216 as identidades podem ser trabalhadas: identi- dades individuais, coletivas e organizacionais. No primeiro caso, trata-se de se perceber as hibridizações presentes nas formas pelas quais as identidades são produzidas, nos indivíduos. No segundo caso, uma suspensão temporária da construção identitária é realizada em prol do reconhecimento de algum marcador mes- tre que confere o sentimento de pertença das identidades a grupos coletivos específicos, de modo a garantir seus direitos à representação nos espaços sociais e culturais. É o caso de identidades negras, homossexuais, indígenas, de mulheres e assim por diante. O desafio, nesse caso, é o de compreender a redução da identidade para fins definidos, de modo que não se dogmatize ou se congele a identidade valendo-se de um marcador específico, igno- rando sua mobilidade e hibridização, como dito anteriormente. Finalmente, argumentamos que as identida- des organizacionais ou institucionais – com- preendidas como aquelas que se caracterizam pela missão específica das organizações e das instituições, em articulação com a pluralidade cultural, étnica, racial e outras de seus atores, na busca de um clima institucional positivo, aberto à diversidade cultural e desafiador de pensamentos únicos – é aspecto central no es- tudo do multiculturalismo nos diversos espa- ços sociais, incluindo a escola e a universidade. O cerne do multiculturalismo crítico, em sua versão pós-colonial é, portanto, o desafio à naturalidade com que normas e diferenças se apresentam na sociedade. A desconstrução dessas normas e diferenças, nos discursos e nas linguagens, implica a necessidade de projetos que possam ir além de denúncias e que inclu- am estratégias no sentido de colocar ‘a nu’ o caráter de construção dessas noções, de for- ma a desafiá-las, rumo à construção de iden- tidades individuais, coletivas e organizacionais abertas à diversidade cultural e desafiadoras de preconceitos e dogmatismos que congelam aqueles percebidos como ‘os outros’. 3. UNIVERSALISMO E RELATIVISMO Uma outra questão que mobiliza as diferen- tes perspectivas multiculturaisé a tensão uni- versalismo x relativismo. Em linhas gerais, o universalismo implica que há um conjunto de valores que o indivíduo acredita serem univer- sais, ou seja: valores independentes das cultu- ras que constituem o tecido social, portanto universais, compartilhados por toda a huma- nidade. Por outro lado, no outro extremo do espectro, o relativismo remete a uma corren- te do pensamento que não crê na existência de um real, universalmente apreensível, ou de uma verdade absoluta, que seja independente dos valores culturais e visões de mundo que a constroem. A perspectiva universalista, afirma que certos princípios jurídicos e éticos devem ser válidos para toda a sociedade, não importando os valores culturais plurais dos grupos identitá- rios que a compõem. Em outra perspectiva, é assinalada que não há possibilidade de uma fundamentação universal que possa balizar atitudes com relação às identidades diversas: para ele, tal perspectiva universalizada implica o silenciamento de certas vozes e culturas, em nome de uma ‘pseudo’ universalidade que, na verdade, estaria construindo escalas nas quais se classificam como superiores aqueles valores correspondentes aos das classes hegemônicas na sociedade. No caso do multiculturalismo, alguns auto- res, tais como Bourdieu (1999), expressam o receio de que, sob o pretexto de defesa de identidades marginalizadas e, em muitos ca- sos, da visão relativista, tal visão poderia estar criando novos universalismos e novos essen- cialismos identitários. De fato, ao se referir às lutas identitárias, Bourdieu (1999) aponta que, para se opor ao que ele denomina de “univer- salismo hipócrita”, os movimentos de subver- são simbólica ligados a identidades coletivas capítulo 2 17 (compreendidos como sendo multiculturais), podem terminar por construir “guetizações” e “universalizar os particularismos” (p. 148). De modo a superar esse perigo, o referido au- tor propõe que o potencial subversivo do que ele denomina de “movimentos particularistas” (referindo-se, como exemplo, aos movimentos homossexual e feminista), coloquem “a serviço do universal, as vantagens particulares que [os] distinguem dos outros grupos estigmatizados” (p. 149). Acreditamos que a proposta do referido au- tor, ainda que não solucione o artificialismo de denominar os ‘universal’ conjuntos de va- lores que são, necessariamente, contingentes e referenciados a grupos de poder, tem o po- tencial de reforçar a tese do multiculturalismo pós-colonial e da hibridização identitária que defendemos anteriormente. De fato, o cerne da questão da crítica ao multiculturalismo é o de que ele é percebido muitas vezes de forma unívoca, quando, na verdade, como demons- tramos, trata-se de conceito polissêmico e po- lifônico por excelência. Assim, o conceito mais alargado de identidade que propomos, bem como sua visualização no contexto multicul- tural pós-colonial, traz, acreditamos, novo fô- lego a visões multiculturais, superando limites essencializantes em que o multiculturalismo pode recair. Isso porque tais visões justa- mente questionam a essencialização das dife- renças, propondo formas pelas quais as lutas de grupos identitários possam ser articuladas à busca de desafio a preconceitos e a congela- mento identitário, de forma ampla. Do mesmo modo, perceber que o relativismo total e a essencialização das diferenças não são traços de todas as visões multiculturalistas é importante, como temos procurado demons- trar. No caso da tensão entre universalismo e relativismo, ou entre universalismo e particula- rismo/diferencialismo, como alguns preferem, é também abordada por fundamentos de pro- postas anti-racistas. No caso do antirracismo que é proposto em uma perspectiva universalista, trata-se de pro- mover ‘respeito incondicional pelo direito à di- ferença’, como um postulado universal. Assim, esse tipo de postura antirracista compreende o antirracismo como exigência da humanidade comum. O referido autor aponta que, ao falar em nome da humanidade e de um direito uni- versal à diferença, tal perspectiva universalista antirracista reivindica, na verdade, o direito à semelhança, apagando as identidades coleti- vas que são vítimas específicas do racismo. Já em outro extremo, o antirracismo particula- rista absolutizaria “a diferenciação, a separa- ção, a expulsão, até mesmo a eliminação dos grupos diferentes, estranhos, que ameaçam a identidade comunitária própria”(ibid., 26). Em nossa visão multicultural, acreditamos que, mais do que pólos opostos, o que existe é uma relação tensa, dialética, que expressa, na ver- dade, um continuum entre o que se conven- cionou denominar de universalismo e relativis- mo. Tal visão avança no sentido de se perceber o caráter de construção da universalidade, que é, na verdade, sempre produzida por determi- nados grupos e, ao mesmo tempo, permite um instrumental que possa combater o relativismo exacerbado – que impede, no limite, que se estabeleçam padrões pelos quais se avança na produção do conhecimento multicultural. Concordamos com a teoria que, quando aponta para superar a dicotomia universalis- mo - relativismo, devemos trabalhar com a tensão entre ambas as perspectivas, por meio de diálogos que busquem caminhos que tra- duzam estratégias viabilizadoras de lógicas de negociação, de diálogo e de argumentação entre culturas, de modo a superar extremis- mos e enfrentar o racismo de forma efetiva e consistente. Acima de tudo, defendemos que as lutas das identidades individuais, coletivas e institucionais, em seus particularismos, se- jam, acima de tudo, ‘portas de entrada’ para a compreensão das formas reais e simbólicas pelas quais são construídas diferenças, invisibi- lidades identitárias e preconceitos, de modo a confrontá-los e superá-los. capítulo 218 4. MULTICULTURALIS- MO: PRÁTICA, POLÍTICA OU TEORIA? A polissemia, as visões epistemológicas dife- renciadas e as interpretações plurais no que tange ao universalismo e relativismo e às ca- tegorias identidade e diferença, conforme ex- posto anteriormente, permitem vislumbrar a complexidade do termo multiculturalismo. A tais dilemas acrescenta-se o questionamento sobre o que seria o multiculturalismo – prática, política, ou enfoque teórico? Mais uma vez, não se trata de produzir, no escopo dessa seção, resposta que se pretenda definitiva à questão. Reportamo-nos a Char- lot (2006), que defende o caráter “mestiço” da educação como teoria, para argumentar- mos que o multiculturalismo constitui-se, para além de suas facetas práticas e políticas, tam- bém em campo teórico híbrido ou ‘mestiço’, definido por Charlot (2006) como “um campo de saber... em que se cruzam, se interpelam e, por vezes, se fecundam, de um lado, co- nhecimentos, conceitos e métodos originários de campos disciplinares múltiplos e, de outro lado, saberes, práticas, fins éticos e políticos. O que [o] define... é essa mestiçagem, essa circulação” (p. 9). Tal visão, como argumenta o referido autor, certamente vai de encontro ao que ele denomina de “panelinhas teóricas”, mais interessadas em assegurar posições de poder institucionais travestidas como defesa de cânones científicos. Defendemos, assim, que os problemas que se apresentam, particularmente na área edu- cacional, no mundo complexo e contemporâ- neo, não podem reduzir-se a olhares que se fecham em campos disciplinares de fronteiras rígidas, mas, ao contrário, exigem respostas elas próprias complexas, mestiças, híbridas, que atravessam tais fronteiras, construindo redes que desafiam noções essencialistas de cientificidade. No caso do multiculturalismo, em que o objeto por excelência é o desafio a preconceitos, a visões essencializadas e homo- geneizadas das identidades e das diferenças e a discursos que as constroem, no âmbito das relações sociais e educacionais, certamente sínteses criativas com base em olhares plurais só têm a contribuir no caminho da constru-ção de alternativas educacionais propiciadoras da formação de gerações abertas à diversida- de cultural, e desafiadoras de congelamentos identitários e preconceitos. 5. IMPLICAÇÕES MULTICULTURAIS NO ENSINO E NA PESQUISA Embora a questão abordada seja complexa e extrapole os limites do presente texto, é im- portante ter em mente que os desafios do multiculturalismo, tanto em termos da sua compreensão como no campo teórico híbrido, como, também, com relação à construção das identidades e das diferenças e às formas pelas quais a tensão universalismo e particularismo é enfrentada, podem ter implicações diversas sobre currículos e posturas multiculturais em educação. Evidentemente, não se pode falar em perspec- tivas ‘puras’: as abordagens discutidas ante- riormente vêm, geralmente, imbricadas e são, elas próprias, hibridizadas. O importante, no entanto, é que se tenha consciência dos tipos de perspectivas pelas quais o multiculturalismo pode ser compreendido, bem como os objeti- vos multiculturais que se deseja alcançar. Ao mesmo tempo, nada impede que o professor multiculturalmente comprometido faça uso de estratégias plurais em suas práticas, desde aquelas vinculadas a perspectivas mais folcló- ricas àquelas associadas a perspectivas mais críticas do multiculturalismo. capítulo 2 19 Argumenta-se que, informando tais opções, deve haver um projeto mais amplo de multi- culturalismo, no qual o professor perceba os pressupostos e implicações desse tipo de tra- balho e as finalidades mais amplas que deseja alcançar: trata-se apenas de conhecer trajes, comidas e festas típicas? Ou esse tipo de ativi- dade será um meio para se atingir outros níveis de multiculturalismo, questionadores das dife- renças, dos preconceitos e dos racismos? Se essa última é a opção, o professor estará utili- zando estratégias e caminhos plurais, cônscio de que tais caminhos fazem parte de uma pro- posta de cidadania crítica, democrática e não apenas de apreciação da riqueza cultural. Podemos exemplificar o caso de um profes- sor que deseja trabalhar em uma perspectiva multicultural crítica pós-modernizada ou pós- colonial. Nesse caso, uma ideia de atividade seria, por exemplo, propor tarefas que exijam crítica cultural, em que os alunos tentem iden- tificar vozes silenciadas e/ou estereotipadas, em livros didáticos e outros materiais. Outras atividades são propostas por autores incluídos em estudo organizado por Trindade & Santos (1999). Alguns autores sugerem atividades tais como: pedir que meninos e meninas busquem a definição de mulher, de negro, de judeu e de outras identidades marginalizadas, no dicioná- rio, vendo estereótipos e/ou possibilidades de valorização dessas identidades aí presentes. Após (ou concomitantemente a) essas ativida- des de cunho multicultural crítico – que enfa- tizam as identidades coletivas de raça, gênero, etnia e outras silenciadas e marginalizadas – esse mesmo professor deseja ir além, de for- ma a sensibilizar os alunos para a hibridiza- ção identitária, para as diferenças dentro das diferenças, de forma a não dar uma ideia de homogeneidade e congelamento identitário em torno do ‘negro’, do ‘índio’, da ‘mulher’ e outras identidades. Nesse caso, dentro de sua perspectiva multicultural crítica pós-colonial, poderia buscar outras atividades, que dirijam a atenção dos alunos a aspectos que fazem par- te da construção de suas próprias identidades. Dentre algumas estratégias, uma, por exem- plo, foi desenvolvida por um professor que requisitava que os alunos construíssem uma ‘pizza’ de papel, colocando, nas fatias, influ- ências, fatores e marcas identitárias que con- sideravam centrais para a construção de suas identidades. Tal atividade era compartilhada no grupo, discutindo-se as camadas múltiplas que perfazem as identidades e sensibilizando- se os alunos, dessa forma, para a hibridização nas suas próprias construções identitárias. Em outra perspectiva, situações envolvendo racismos e outras discriminações podem ser apresentadas para discussões, levantando-se questões que desafiem qualquer congelamen- to identitário tanto das identidades oprimidas quanto das próprias identidades opressoras. Assim, por exemplo, questionar ondas de anti-islamismo, bem como de antissemitismo e antiamericanismo, pode ser um importante caminho, particularmente em aulas de história e outras em que os assuntos que têm assolado o mundo sejam trazidos à tona. O multiculturalismo crítico pós-modernizado ou pós-colonial traz, como mote, o compro- misso com a desconstrução dos discursos que, embora comprometidos com a justiça e o de- safio a preconceitos, ainda permanecem con- gelando identidades e demonizando o ‘outro’. Ideias referentes à avaliação da aprendizagem e à avaliação institucional multiculturalmente orientada, podem servir de inspiração para ati- vidades avaliativas, levando em conta a diversi- dade cultural e o desafio a preconceitos. Da mesma forma, sensibilizar alunos para for- mas plurais de dar significado ao mundo, se- gundo percepções culturais diversificadas, não significa cair em um vale-tudo, um relativismo total em que quaisquer valores sejam aceitos de forma a-crítica. Conforme argumentamos, a perspectiva multicultural que abraçamos implica que um diálogo seja estabelecido en- tre valores éticos, humanos de preservação da vida e de respeito à existência do ‘outro’ e aqueles valores plurais que são particulares a grupos e identidades específicas. capítulo 220 A partir do momento em que tais valores im- plicam a eliminação do outro, real ou sim- bólica, não podem ser aceitos. O professor poderia trabalhar essas questões de forma a conseguir um consenso a-posteriori, isto é: por intermédio do diálogo, das discussões, levar à compreensão de um vocabulário ético que possa impregnar a apreciação de valores de povos e grupos identitários plurais, sem que se incentive a aceitação de práticas cruéis, vol- tadas à eliminação da vida. Significa, também, que as estratégias multiculturais devem ser voltadas para a pluralidade cultural dentro da própria sala de aula, valorizando as culturas e significados plurais pelos quais se constroem as percepções dos alunos, bem como traba- lhando de forma a desafiar posturas racistas, antidiscriminatórias e homogeneizadoras das diferenças que circulam nos discursos presen- tes entre discentes e docentes. CONCLUSÕES O presente texto discutiu dilemas do mul- ticulturalismo em termos de seu objeto, de sua definição como campo teórico híbrido ou mestiço, bem como dos desafios das catego- rias identidade, diferença, universalismo e re- lativismo que se articulam às suas discussões, analisando, também, implicações nas práticas pedagógicas de abordagens multiculturais di- ferenciadas. Apontou para a necessidade de superação de posturas dogmáticas que, em- bora informadas por perspectivas voltadas à justiça social e ao desafio a preconceitos, ainda permanecem no campo dos binarismos que separam ‘eu-outro’, ‘branco-negro’ e as- sim por diante, desconhecendo as diferenças dentro das diferenças. Evidentemente, as ideias acima apresentadas, com relação ao multiculturalismo, são abertas a críticas, não sendo imunes a questionamen- tos e desafios. Na medida em que professo- res e alunos embarcam em caminhos de va- lorização da pluralidade cultural e desafio a preconceitos, certamente serão confrontados com dilemas e perplexidades referentes a essas questões. O importante é não nos atermos a fórmulas acabadas ou receitas pré-fabricadas. A conscientização acerca das abordagens que informam diferentes estratégias multiculturais, bem como sobre tensões a elas inerentes, de- vem servir de estímulo para que se continuem as discussões, de forma a desafiar verdades únicas e posturas que homogeneízam as iden- tidades e congelam as diferenças. RESUMO O multiculturalismo como horizonte de traba- lho docente não é um “adendo” ao currícu- lo: deve, aocontrário, impregnar estratégias, conteúdos e práticas normalmente trabalha- dos em aula pelo professor, como brevemente ilustrado anteriormente. Nesse sentido, mais uma vez, reforça-se o papel do professor como pesquisador constante de sua prática, cons- truindo, no seu cotidiano, perspectivas mul- ticulturais que resultem em discursos alterna- tivos, que valorizem as identidades, desafiem a construção dos estereótipos e recusem-se a congelar o “outro”. REFERÊNCIAS BAUMAN, Z. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. BOURDIEU, P. A Dominação masculina. Rio de Janeiro: BCD União de Editoras, 1999. CHARLOT, B. “A pesquisa educacional entre co- nhecimentos, políticas e práticas: especificidades e desafios de uma área de saber”, in: Revista Brasileira de Educação, V. 11, nº. 31, pp. 7-19, 2006. capítulo 2 21 GONÇALVES, L. A. de O. & SILVA, P. B. G. “Mo- vimento negro e educação”, in: Revista Brasi- leira de Educação, nº. 15, pp. 134-158, 2000. SOUZA SANTOS, B. “Dilemas do nosso tempo: globalização, multiculturalismo e conhecimen- to”, Educação e Realidade, v. 26, nº.1, pp. 13- 32, 2001. TRINDADE, A.L. da & SANTOS, R. (orgs.). Mul- ticulturalismo: mil e uma faces da escola. Rio de Janeiro: Ed. DP&A, 1999. LIVROS HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003. ASSIS, M. & CANEN, A. “Identidade negra e es- paço educacional: vozes, histórias e contribuições do multiculturalismo”, Cadernos de Pesquisa, V. 34, nº. 123, 2004.. SITES http://www.fundaj.gov.br/tpd/107.html Considerando o que estudamos neste capítulo, responda: 1. Analise as abordagens teóricas do multicul- turalismo. 2. O que seria identidade e sua influência na diferenciação dos povos? Explique. 3. Discorra sobre o universalismo e o relativis- mo sob a ótica multiculturalista. 4. Que implicações o multiculturalismo oferece no ensino e pesquisa? Fundamente sua res- posta. Saiba Mais: Atividades: capítulo 3 23 Prof. Rafael Pires Rocha Carga Horária | 15 horas INTRODUÇÃO O reconhecimento de grupos minoritários, por meio da efetivação de seus direitos, é um tema de grande discussão na atualidade. Isso, sem sombra de dúvidas, pelo fato de as denominadas minorias constituírem, em verdade, maiorias em nossa sociedade. Não há como falar em proteção de grupos sem abordar aspectos referentes ao multiculturalismo e à democracia, pois tanto um quanto outro, no mais amplo sentido, são instrumentos em prol dos grupos minoritários. O multiculturalismo é uma forma de política social que visa ao reconhecimento de grupos infe- riorizados em nossa sociedade, seja por condições históricas, socioeconômicas, sexuais, raciais, dentre outras. No entanto, as políticas multiculturais terão mais êxito quando o Estado, por meio de políticas públicas, intervier nas políticas sociais com o objetivo de alcançar uma maior igualda- de material entre os cidadãos. Sob essa ótica, torna-se imprescindível fazer uma abordagem referente à democracia, uma vez que vivemos num Estado Democrático de Direito, e destarte, todo poder emana do povo, direta ou indiretamente. A democracia é como se fosse um pilar que dá sustento às políticas multicultu- rais, pois, por meio das mais diversas formas democráticas, qualquer cidadão poderá buscar seus direitos e, consequentemente, reivindicações. OBJETIVOS ESPECÍFICOS • Compreender como o novo conceito de democracia abarcou o multiculturalis- mo; • Analisar o pensamento dos teóricos a respeito da construção de uma demo- cracia multicultural; MULTICULTURALISMO E DEMOCRACIA: UMA REFLEXÃO TEÓRICA capítulo 324 1. MULTICULTURALISMO, MINORIAS E RECONHECIMENTO O Multiculturalismo é um conceito amplo que inclui a diversidade de grupos sociais, que na sociedade democrática vivem relações de con- flito, oposição e consenso. Esses grupos sociais lutam por reconhecimento social, afirmando suas particularidades com fundamento na plu- ralidade de valores e diversidade cultural. Na verdade, a noção de multiculturalismo po- derá mudar de um lugar para outro. Algumas pessoas verão multiculturalismo como uma fi- losofia antirracista, outras como uma maneira de reforma educacional, outras como prote- ção da diversidade cultural e dos direitos das minorias, ou com uma neutralidade, achando ser, apenas, o sinônimo de pluralidade cultu- ral. O multiculturalismo para pessoas diferen- tes pode significar coisas diferentes. No entan- to, não importa o modo de vê-lo, mas sim de efetivá-lo como um fim social que está sempre em prol dos direitos de certos grupos. Conforme McLaren (1997), podemos identi- ficar quatro possíveis tendências de multicul- turalismo: o multiculturalismo conservador, o multiculturalismo humanista liberal, o multi- culturalismo liberal de esquerda e o multicul- turalismo crítico ou de resistência ou ainda re- volucionário. O multiculturalismo conservador defende a construção de uma cultura comum, unitária e nacional, privilegiando a assimilação da cul- tura tradicional ou majoritária pelas minorias, como mecanismo de integração. Essa concep- ção afirma a superioridade da cultura tradicio- nal branca frente às demais culturas. O multiculturalismo humanista liberal parte do pressuposto da igualdade entre os seres humanos, afirmando que uma cultura não é superior a outra, mas que todas devem convi- ver de forma harmoniosa, cada uma podendo manifestar a sua diferença. Enfim, acreditam numa humanidade comum, universal e neutra, em que as pessoas conquistam o seu espaço em função de seus próprios méritos. O multiculturalismo liberal de esquerda en- contra-se mais atento aos modos de operar do poder e enfatiza as diferenças culturais ditadas por questões relacionadas à classe, ao gêne- ro e à sexualidade. Acredita que o discurso da igualdade serve para mascarar as diferenças culturais existentes. Finalmente, o multicultu- ralismo crítico ou de resistência afirma que as representações de classe, gênero e raça são o resultado das lutas sociais ampliadas. Defende a transformação das próprias condições sociais e históricas que naturalizam os sentidos cultu- rais. Segundo alguns teóricos, o modelo de multi- culturalismo que realmente se adapta ao reco- nhecimento é o multiculturalismo crítico, uma vez que este busca uma sociedade pluralista e sem preconceito, fazendo com que todos te- nham direitos e oportunidades iguais. O reco- nhecimento pressupõe políticas sociais e uma ação afirmativa e positiva do Estado, tendo como postulados os princípios da igualdade material e o respeito à diferença, bem como a valorização dos grupos minoritários em suas identidades e, por fim, a superação ou aboli- ção dos mecanismos ou processos de discrimi- nação e exclusão social. Aliás, o multiculturalismo é um processo que teve a sua origem na necessidade ou na exi- gência de reconhecimento, e que se faz sentir, sob determinadas formas, mais ou menos liga- das às ações em nome de grupos minoritários ou subalternos. Nessa linha de raciocínio, o multiculturalismo está relacionado à política das diferenças e com o surgimento de lutas sociais contra as sociedades racistas, sexistas e classistas. Sob essa análise, o multiculturalismo crítico surgiu como modelo de políticas sociais, visando à proteção da diversidade cultural, ao amparo e ao reconhecimento de grupos minoritários. capítulo 3 25 Frise-se que a definição dos grupos minoritá- rios depende muito da sociedade e da época histórica em que se contextualiza, pois é um conceito intimamente ligado à cultura de cada povo. Andréa Semprini (1999, p. 44), ao falar sobre uma interpretação de multiculturalismo, define assim as minorias: Ela concentra sua atenção sobre as reivindica- ções de grupos que não têm necessariamente uma base ‘objetivamente” étnica, política ou nacional. Eles são movimentos sociais estru- turados em torno de um sistema de valores comuns, de um estilo de vida homogêneo, de um sentimentode identidade ou pertença co- letivos, ou mesmo de uma experiência de mar- ginalização. Com freqüência é esse sentimento de exclusão que leva os indivíduos a se reco- nhecerem, ao contrário, como possuidores de valores comuns e a se perceberem como um grupo à parte. No dizeres de Freire, em sua brilhante obra, “A Pedagogia do Oprimido”, observamos a importância dos movimentos sociais para a li- bertação dos oprimidos. Esses grupos não são capazes, muitas vezes, por si só, de se liber- tarem, pois enquanto tocados pelo medo da liberdade, se negam a apelar a outros e a escu- tar o apelo que se lhes faça ou que se tenham feito a si mesmos, preferindo a gregarização à convivência autêntica (FREIRE, 1991, p. 19). Da necessidade de superar a existência de gru- pos oprimidos, o multiculturalismo implica em conquistas e reivindicações, para fins de evitar as mais diversas formas de opressão, exclusão e dominação. Este modelo de multiculturalis- mo, segundo Boaventura Souza Santos (2003, p. 36), denomina-se emancipatório, o qual se baseia no reconhecimento da diferença e no direito à diferença, bem como na coexistência ou construção de uma vida em comum, apesar das diferenças. Esse conceito de emancipação proposta por Santos busca o reconhecimento das diferenças culturais, bem como a igualda- de material dos grupos culturais. Enfim, o multiculturalismo, no mais amplo sentido, é um grande instrumento teórico em prol do reconhecimento dos direitos inerentes aos grupos minoritários ou subalternos, uma vez que o reconhecimento torna-se para eles o principal critério de justiça nas sociedades modernas. 2. DEMOCRACIA E MULTICULTURALISMO 2.1. DEFINIÇÃO DE DEMOCRACIA E AS MINORIAS O eixo central da democracia é a ideia de sobe- rania popular. A democracia visa uma partici- pação igualitária de todos independentemente de raça, sexo, ou condição social. Já o multi- culturalismo busca fazer com que essa efeti- vação seja realizada igualmente para todos os grupos, involuntariamente de serem ou não minoritários. A democracia baseia-se nos princípios do go- verno da maioria, associado à proteção das minorias. Assim, a democracia, embora respei- te a vontade da maioria, protege, escrupulosa- mente, os direitos fundamentais das minorias. Ademais, constata-se que a democracia seria muito mais uma necessidade de direitos para as minorias do que para as maiorias, vez que por meio das mais diversas formas democrá- ticas é que muitos grupos minoritários conse- guem efetivar seus direitos. Para alguns teóricos, a democracia é confir- mada na valorização da maioria, sem o des- prezo da minoria. Quando falamos em Estado Democrático de Direito, falamos da vontade majoritária, mas não da ditadura da maioria. No primeiro caso, há prestígio da vontade ma- joritária, com consideração das mais variadas correntes minoritárias. No segundo, não se en- contra uma preponderância da maioria, mas apenas a consideração desta, com desprezo pela minoria. capítulo 326 Em nossa sociedade, para ocorrer uma forma de democracia igualitária é necessária uma concreta efetivação dos direitos humanos de todos os grupos minoritários. Assim, para Bo- bbio (2004, p. 1), os “direitos do homem, de- mocracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direito do homem reconhecidos e protegidos não há democracia; sem democracia não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos”. Ainda, segundo Bobbio (2004, p. 21), “a de- mocracia é a sociedade dos cidadãos, onde os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais”. Nesse contexto, não há sombra de dúvidas de que existe uma simbiose entre multiculturalis- mo e democracia, pois o multiculturalismo se torna realidade através da efetivação dos di- reitos do homem, e esta efetivação, por sua vez, se viabiliza em grande parte por meio das formas democráticas, exercidas através de po- líticas públicas ou sociais. Portanto, trata-se, pois, de ver a questão de- mocrática não apenas em seu sentido jurí- dico-formal, mas num processo jurídico de permanente e efetiva conquista dos direitos enunciados na lei, bem como num processo de objetivação de novos direitos numa socie- dade plural. Enfim, para efetivar os direitos enunciados em lei e objetivar novos direitos é necessário o reconhecimento, e para tanto, a sociedade é dependente dos movimentos sociais democráticos e das normas benéficas oriundas do processo democrático. A Consti- tuição de 1988 foi um marco essencial para o nosso Estado, pois transitamos de um Estado autoritário, intolerante, ou até mesmo violen- to, para um Estado Democrático de Direito. Ao longo desses vinte anos de Constituição, tivemos bons retratos de uma sociedade con- fortável, onde predominam, como nunca, as regras da democracia em nossas relações so- ciais e política. A democracia pode ser vista sobre vários as- pectos. De acordo com alguns autores, a de- mocracia invoca um conceito aberto, dinâmico e plural, em constante processo de transfor- mação. Na acepção formal, pode-se afirmar que a democracia compreende o respeito à legalidade, constituindo o chamado governo das leis, marcado pela subordinação do poder ao Direito. Por outro lado, na acepção mate- rial, pode-se sustentar que a democracia não se restringe ao primado da legalidade, mas também pressupõe o respeito aos Direitos Hu- manos. Nesse sentido, não há democracia sem o exercício dos direitos e liberdades fundamen- tais, ou seja, a democracia deve estar em con- sonância com os preceitos constitucionais. A democracia exige, assim, a igualdade no exercício de direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais. Nos dizeres de Paulo Bonavides (2003, p. 17), a democracia é aque- la forma de exercício da função governativa em que a vontade soberana do povo decide, direta ou indiretamente, todas as questões do governo, de tal sorte que o povo seja sempre o titular e o objeto, a saber, o sujeito ativo e o sujeito passivo de todo poder legítimo. Nesse sentido, Alain Touraine (1995, p. 345), buscando definir democracia em tempos mo- dernos, afirma que: A democracia é antes de tudo o regime político que permite aos atores sociais formar-se e agir livremente. São os seus princípios constitutivos que comandam a existência dos próprios atores sociais. Só há atores sociais se combinar a consciência interiorizada de di- reitos pessoais e coletivos, o reconhecimento da plu- ralidade dos interesses e das idéias, particularmente dos conflitos entre dominantes e dominados, e enfim a responsabilidade de cada um a respeito de orienta- ções culturais comuns. Isso se traduz na ordem das instituições políticas, por três princípios: o reconheci- mento dos direitos fundamentais, que o poder deve respeitar; a representatividade social dos dirigentes e da sua política; a consciência de cidadania, do fato de pertencer a uma coletividade fundada sobre o direito. A democracia no Estado Democrático de Di- reito é um grande instrumento constitucional em prol dos grupos minoritários, cujo principal capítulo 3 27 objetivo é alcançar a participação de todos nos processos de condução de nosso Estado. Por meio das diversas formas democráticas, pode- mos buscar o reconhecimento dos direitos de todos os grupos que, muitas vezes, de per si só não conseguem alcançar. Isso se viabilizará por meio de movimentos sociais quando hou- ver uma efetiva participação de todos, ou seja, quando preexistir uma forma de democracia social juntamente com uma democracia repre- sentativa efetiva. 2.2. DEMOCRACIA, CIDADANIA E RECONHECIMENTO A democracia corresponde a uma efetiva par- ticipação de todos os indivíduos, através do exercício de direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais, além dos direitos de solidariedade. Na verdade, é um mecanismo em prol dos cidadãos, para, no exercício de seus direitos, participarem das decisõesde nosso Estado.Para preexistir um Estado Demo- crático de Direito, é necessário que haja um maior número possível de atores buscando o reconhecimento de seus direitos e a inclusão social do outro. Para tanto, é imprescindível uma participação igualitária dos direitos de cidadania. Lafer (1988, p. 22), quanto à igual- dade de participação, afirma que [...] a cidadania é o direito a ter direitos, pois a igual- dade em dignidade e direitos dos seres humanos não é um dado. É um construído da convivência coletiva que requer o acesso ao espaço público. É este acesso ao espaço público que permite a construção de um mundo através de um processo de asserção dos direi- tos humanos. Em princípio, perante as democracias indiretas, asseguradas por nossa Constituição Federal, o direito à participação é garantido a todos, sem discriminação de raça, grupo étnico, classe ou sexo, buscando-se, assim, prevenir a exclusão das minorias. Diante da democracia epresenta- tiva, os cidadãos elegem representantes, cuja participação nas diversas instituições governa- mentais garante a defesa de seus interesses, tendo por base principal a soberania popular. Nesse sentido, o Estado desempenha um pa- pel central na constituição da democracia, so- bretudo, nas sociedades multiculturais. No entanto, muitas vezes, as minorias subordi- nam-se às imposições da maioria, ou até mes- mo ocorre dos grupos inferiores serem priva- dos de seus direitos políticos, ou ainda, devido à falta de efetivação dos direitos humanos a democracia acaba carecendo de efetivação. Nos dias de hoje acredita-se que com o avanço das teorias de cidadania, percebe-se a existên- cia de uma tradição política que tem identi- ficado uma cidadania homogênea, através de um processo de exclusão sistemática, em que grupos minoritários são excluídos da definição de cidadãos na maioria das sociedades. O estudo das teorias de democracia, enquan- to efetiva identificação de princípios de uma democracia de poder, participação e represen- tação numa legítima política de sistema demo- crático, tem sido incapaz de evitar o sistema de exclusão em grandes segmentos de cidadania. Assim, uma democracia formal se difere drasti- camente do substantivo democrático. A democracia formal diz respeito, precisa- mente, à forma de governo, enquanto que a democracia substancial refere-se ao conteúdo desta forma, ou seja, à participação política do povo nos negócios públicos. A democracia substancial desenvolve-se segundo uma práti- ca que objetiva a realização dos fins democrá- ticos, essencialmente o alcance da igualdade jurídica, social e econômica entre os indiví- duos, capaz de gerar oportunidades iguais de desenvolvimento para toda a população inde- pendentemente de classe social. Dessa forma, poderíamos dizer que a democracia substan- cial terá mais ênfase quando precedida pelos movimentos sociais. A forma representativa, no entanto, não é ba- seada em um conceito de igual representação, equidade e igualdade. A maneira de explicar capítulo 328 este determinado fator pode ser o seguinte: o capitalismo exige representação diferencia- da em poder e política, bem como favorece a iniquidade através de hierarquias e interesses competitivos, e a desigualdade, através de um sistema de busca do lucro. Em suma, as raí- zes da democracia representativa baseiam-se nos princípios fundamentais que articulam as sociedades capitalistas. Deste modo, a demo- cracia, muitas vezes, gira em torno de lógicas pregadas pelo capitalismo. No sistema representativo, os cidadãos enca- minham suas demandas e preocupações atra- vés de sujeitos coletivos e modalidades de ação não convencionais, que assumem integralmen- te suas reivindicações e tornam factível sua participação direta. Isso traz como resultado a redução da política a modos informais e des- conectados de lutas e decisões, gerando uma repolitização do social em moldes diversos do modo tradicional de fazer política. Essa praxe faz com que se fortaleçam as políticas sociais, ou as políticas multiculturais, a fim de buscar direitos específicos de determinados grupos. Essas políticas sociais são um novo estilo de democracia radicalmente aberta, indetermina- da e incerta, em que, através dessa, se busca promover o reconhecimento dos direitos e a extensão da cidadania, democratizando rela- ções sociais específicas. Nesse contexto, as minorias, ao serem eiva- das de sua participação democrática passam a ser discriminadas, toleradas, ou até mesmo, tidas como inexistentes. Nesse sentido, para Lafer (1988, p. 22), “o ser humano, privado de seu estatuto político, na medida em que é apenas um ser humano, perde as suas quali- dades substanciais, ou seja, a possibilidade de ser tratado pelos outros como um semelhan- te, num mundo compartilhado”. A população vive tempos de insegurança, em virtude da crise e impotência que passam as instituições clássicas, a exemplo da fragilidade do sistema representativo e da ausência de uma cidada- nia efetiva. Estes fatores impulsionam o cres- cimento e fazem emergir a necessidade dos movimentos sociais ou das políticas multicul- turais, que procuram reordenar a vida societá- ria e redefinir os rumos políticos da sociedade como um todo, para fins de alcançar uma so- ciedade livre, justa e solidária. Assim, a participação dos grupos minoritá- rios e da sociedade civil em todas as formas de manifestação e organização societária, nos grupos e instituições sociais e públicas, é uma questão central a ser enfrentada pelas políticas sociais e públicas. Nota-se aí a importância da existência de po- líticas sociais em uma sociedade multicultural democrática, pois, por meio da democracia, poder-se-á buscar a realização do multicultu- ralismo, que se dará com o reconhecimento das minorias. Este reconhecimento só ocorrerá quando forem efetivadas todas as prerrogati- vas sem as quais não se possa conviver com um mínimo de dignidade humana, ou seja, quando forem concretizados os Direitos Hu- manos. Contudo, podemos verificar que a sociedade é dependente de políticas sociais. Há também que se ressaltar a importância da cidadania na forma democrática representativa, pois seria difícil a convivência de indivíduos e culturas em um Estado aristocrático, onde teria “meia dúzia” de elite ou classe nobre, governando. Seria, dessa forma, um massacre às culturas, principalmente, às minorias. Assim, a conclu- são é lógica: é necessário apoiarmos as polí- ticas sociais e implantarmos políticas públicas em prol das minorias. E, mesmo que a demo- cracia indireta não atinja a participação efetiva de todos os membros de uma sociedade, seria esta a melhor maneira, para de alguma forma, todos participarem das decisões do Estado De- mocrático de Direito. capítulo 3 29 3. RECONHECIMENTO, DEMOCRACIA E MULTICULTURALISMO A sociedade multicultural deve reconhecer o valor do diferente enquanto diferente, ou seja, fazer com que o fato das diferenças existentes sirva como pressuposto para estabelecer metas de tratamentos diferenciados a grupos sociais diferentes, bem como para aceitar a existência do outro enquanto diferente. Charles Taylor (1994, p. 58) nos ensina que um indivíduo ou um grupo de pessoas podem sofrer um verda- deiro dano, uma autêntica deformação se as pessoas ou a sociedade que os rodeiam lhes demonstrarem como reflexo uma imagem li- mitada, degradante ou depreciada sobre eles. Assim, de acordo com Taylor (1994 p. 64), para aqueles que têm desvantagens ou mais necessidades, é necessário que sejam destina- dos maiores recursos ou direitos do que para os demais. Não dar um reconhecimento iguali- tário a alguém, pode ser uma forma de opres- são. Nesse sentido, a ideia de reconhecimento, como também a luta pelo reconhecimento de- vem ser um dos elementos fundamentais para a consolidação e para a ampliação da demo- cracia. Isso significa dizer que as lutas por re- conhecimento oriundas de políticas sociais ou públicasnão são concernentes a apenas certos indivíduos ou grupos, mas a todo o corpo so- cial, e, principalmente, ao Estado. A questão do reconhecimento dos direitos e da identidade de grupos minoritários, marcados por estigmas e desprezo social, é fundamental para a realização da democracia e a ampliação da igualdade entre nós. Reconhecer, em sínte- se, é efetivar o princípio da igualdade material e concretizar a justiça social. Notamos que igualdade é pressuposto tanto para o reconhecimento quanto para demo- cracia. Joaquim B. Barbosa Gomes (2009) nos ensina que: A noção de igualdade, como categoria jurídica de pri- meira grandeza, teve sua emergência como princípio jurídico incontornável nos documentos constitucio- nais promulgados imediatamente após as revoluções do final do século XVIII. Com efeito, foi a partir das experiências revolucionárias pioneiras dos EUA e da França que se edificou o conceito de igualdade pe- rante a lei, uma construção jurídico-formal segundo a qual a lei, genérica e abstrata, deve ser igual para todos, sem qualquer distinção ou privilégio, deven- do o aplicador fazê-la incidir de forma neutra sobre as situações jurídicas concretas e sobre os conflitos interindividuais. Concebida para o fim específico de abolir os privilégios típicos do ancien régime e para dar cabo às distinções e discriminações baseadas na linhagem, no “rang”, na rígida e imutável hierarqui- zação social por classes (“classement par ordre”), essa clássica concepção de igualdade jurídica, meramente formal, firmou-se como idéia-chave do constitucio- nalismo que floresceu no século XIX e prosseguiu sua trajetória triunfante por boa parte do século XX. O autor comentou, acima, a respeito da igual- dade formal, que foi e continua sendo fun- damental para a construção de um Estado constitucional. Todavia, é com o postulado substancial da igualdade que iremos concre- tizar uma democracia econômica e social. Logo, a sua aplicação torna- se fundamental. Não se pode interpretar o princípio da igual- dade como um princípio estático, indiferente à eliminação das desigualdades, e o princípio da democracia econômica como um princípio dinâmico, impositivo de uma igualdade mate- rial. A igualdade material postulada pelo prin- cípio da igualdade é também a igualdade real veiculada pelo princípio da democracia econô- mica e social. O princípio da igualdade material ou substan- cial tornou-se um dos pilares da democracia oderna. É evidente que a democracia em nosso Estado será concretizada na medida em que todos sejam tratados iguais. Destarte, o reco- nhecimento se viabilizará por meio do multi- culturalismo, enquanto política social, se este servir de pressuposto para a existência de polí- ticas pública de parte do Estado. capítulo 330 Nessa linha de raciocínio, e conjugando-se ao fato de vivermos num Estado Democrático, as próprias minorias (negros, índios, mulheres, portadores de necessidades especiais, dentre outros) são capazes de buscar o seu reconhe- cimento. Isto ocorre, por exemplo, quando os grupos elegem seus representantes políticos para lutar por seus direitos. Muitas vezes, as políticas sociais se concretizam, em tese, por normas benéficas oriundas do processo legis- lativo, que é exercido pelos cidadãos de for- ma indireta, e que tem por finalidade buscar o reconhecimento de determinados grupos, que vêm sendo discriminados ao longo dos tem- pos, buscando compensar aqueles que herda- ram condições desvantajosas. Um exemplo concreto da efetivação das po- líticas multiculturais, através das ações afir- mativas, oriundas da forma democrática re- presentativa, seria a elaboração de leis que tratam de cotas raciais em Universidades Fe- derais. Não nos restam dúvidas que essas leis foram resultaram de políticas sociais, que se viabilizaram concretamente após terem sido positivadas pelo Estado, por meio de um pro- cesso democrático. Com efeito, o processo de reconhecimento faz com que ocorra uma imensa correlação entre democracia e multi- culturalismo, pois este não deixa de ser uma forma de democracia social que visa assegurar a igualdade material entre os grupos sociais, para que, destarte, ocorra sem discriminação a democracia indireta, para fins de viabilizar o multiculturalismo por meio das ações afir- mativas, à medida que sejam concretizados os direitos fundamentais. Portanto, tanto a democracia quanto o multi- culturalismo têm por objetivo propiciar o re- conhecimento que, na maioria das vezes, se dará por meio de políticas sociais e ações afir- mativas. As políticas afirmativas são resultados de uma sociedade democrática que almeja a inclusão social, e, principalmente, a justiça social, com base em programas apresentados pelo Estado, cujo objetivo é observar o respei- to ao princípio da igualdade. Seria esta uma maneira de reconhecimento exercida indiretamente por meio dos direitos de cidadania. CONCLUSÃO Com o presente trabalho, buscamos fazer uma análise do multiculturalismo, da democracia e do reconhecimento dos grupos minoritários. Abordamos com ênfase o multiculturalismo crítico, uma vez que este busca dar dignidade para as minorias, defendendo-as e asseguran- do o reconhecimento de seus direitos. A democracia foi um tema de grande debate, isto sem sombra de dúvidas pelo fato de viver- mos num Estado Democrático de Direito que exige participação igualitária para fins de um efetivo reconhecimento dos direitos inerentes às minorais. A democracia, é de se saber, impli- ca a participação de todos, sem discriminação de raça, sexo, condição social, dentre outras. Assim, foi visto que multiculturalismo se torna- rá realidade por meio das mais diversas formas democráticas e também que a democracia tem o condão de impulsionar as políticas multicul- turais visando o reconhecimento. As minorias, em uma sociedade democrática, devem ser reconhecidas como portadoras dos direitos universais e, ao mesmo tempo, com direitos à luta pela afirmação e defesa da sua identidade. A democracia, a cidadania e os direitos estão sempre em processo de construção, devendo, assim, a sociedade, por meio de movimentos sociais reivindicatórios, e o Estado, através das políticas públicas, buscarem uma readequação para fins de reconhecimento e inclusão social. Por fim, é necessário frisar que falta aos cida- dãos a veiculação de sua força democrática para a realização dos mais diversos movimen- tos sociais em prol dos direitos das minorias. Contudo, as minorias serão contempladas em seus direitos quando houver a efetivação dos direitos humanos que, em grande parte, se viabilizará por meio do multiculturalismo e das capítulo 3 31 ações afirmativas, embasados numa partici- pação democrática igualitária e numa política multicultural de cidadania. RESUMO Neste capítulo iremos trabalhar o multicultu- ralismo e a democracia enquanto instrumento de proteção e reconhecimento das chamadas minorias. O multiculturalismo é uma forma de política social que visa efetivar os direitos fun- damentais das minorias. A democracia, por sua vez, é entendida como um regime fundado na cidadania e soberania popular e que respeita os direitos e garantias dos grupos sociais. En- fim, o multiculturalismo e a democracia busca- rão o reconhecimento, para assegurar a todos a liberdade, a dignidade e o valor da pessoa humana. REFERÊNCIAS BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho; apresentação de Cel- so Lafer. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. BONAVIDES, Paulo. Ciência política. São Paulo: Malheiros, 2005. CORRÊA, Darcísio. A construção da cidadania: reflexões históricas-políticas. Ijuí: Unijuí, 2000. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. GOMES, Joaquim B. Barbosa. O debate cons- titucional sobre as ações afirmativas. In: La- boratório de Políticas Públicas. Disponível em: <http://www.lppuerj.net/olped/documentos/ ppcor/0049.pdf>. Acesso em: 3 maio 2009. LAFER, Celso. A reconstrução
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