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23/08/2021 1 CONFERÊNCIA XVI PSICANÁLISE E PSIQUIATRIA FREUD PROF. DR. SÉRGIO LUIZ RIBEIRO CURSO DE PSICOLOGIA – UNIP BAURU ◦ Pretende apresentar a visão psicanalítica do fenômeno das neuroses. ◦ Apresenta um caso para ilustrar este entendimento. ◦ Um jovem oficial, em breve licença em casa, pede-lhe que tratasse suas sogra. Esta embora em situações felizes estava amargurando sua própria vida e de seus parentes com uma ideia absurda. ◦ A senhora tinha 53 anos e narrou sua história: ◦ Era casada e o marido diretor de uma fábrica, tinham bom relacionamento, casado por amor e nunca haviam tido discórdia por nenhum motivo ou ciúme. 1 2 23/08/2021 2 ◦ Os filhos estavam bem casados e o marido não pensava em aposentar- se. ◦ Um ano antes recebera carta anônima acusando seu marido de um caso amoroso com uma jovem. Mesmo de forma inesperada para ela mesma, imediatamente acreditou na carta e passou a se sentir muito infeliz. ◦ Ela tinha uma empregada doméstica com quem costumava ter conversas íntimas. ◦ Esta empregada tinha muita inveja de uma colega de escola, que ao invés de trabalhar em serviços domésticos, tinha conseguido concluir um curso comercial e trabalhava na fábrica onde o marido era diretor e alcançara uma posição de destaque no trabalho. ◦ A senhora conversou com a empregada um dia sobre um homem que se sabia não estar vivendo com a esposa e ter um caso amoroso com outra mulher. Disse para a empregada “A coisa mais terrível que poderia acontecer-me era eu saber que meu querido esposo também estivesse tendo um caso”. ◦ No dia seguinte recebeu a carta anônima com este conteúdo, com letra disfarçada e concluiu que havia sido escrita pela empregada. ◦ Apesar disto e saber tratar-se da intriga da empregada com sua colega, acreditou neste fato, chamou o marido e acusou-o de traição. 3 4 23/08/2021 3 ◦ O marido chamou o médico da família para tranquilizar a esposa e depois, de forma sensata, a doméstica foi demitida e a colega da fábrica não. ◦ A senhora ficou tranquila por alguns períodos, acreditando ter esquecido da situação, porém nunca definitivamente. Bastava ouvir o nome da jovem ou vê-la para desencadear novo ataque de desconfiança, dor e acusações. ◦ Mesmo sem muita experiência psiquiátrica, percebe-se que a senhora estava dissimulando e que jamais deixara de acreditar na acusação da carta anônima. ◦ Que atitude um psiquiatra adotará em um caso de doença como este? ◦ Provavelmente afirmando que o sintoma desta senhora parece ser uma questão irrelevante à princípio. ◦ Mas este é acompanhado de intenso sofrimento subjetivo e objetivamente ameaça a vida conjugal. ◦ O psiquiatra procurará caracterizar este sintoma por meio de algum aspecto essencial. ◦ Esta não possuía nenhum motivo para acreditar nesta situação a não ser pela carta. 5 6 23/08/2021 4 ◦ Mesmo a carta não tinha nenhum valor como prova e havia uma explicação razoável para ter sido feita e enviada a senhora. ◦ Mas apesar destas provas de realidade continuava sofrendo. ◦ Para a Psiquiatria ideias deste tipo, inacessíveis a argumentos lógicos da realidade são descritos como delírios (alteração do juízo). ◦ Ou seja, a senhora estaria tendo delírio de ciúme. ◦ Deste modo, o delírio não provém da realidade. De onde virá? ◦ A Psiquiatria tem a resposta, pouco convincente, que os delírios aparecem em pessoas nas quais alterações psíquicas semelhantes já tenham ocorrido repetidamente – uma transmissão genética. ◦ Mas será esta a única coisa a contribuir para esta doença? ◦ A Psiquiatria não saber lançar mais luz sobre um caso como este, contenta-se com um diagnóstico e um prognóstico incertos. ◦ Como a Psicanálise entenderia este caso? 7 8 23/08/2021 5 ◦ Detalhe importante é que de certo modo a própria senhora provocou a produção da carta anônima, dando apoio ao seu delírio. ◦ Ela incute na empregada a ideia de enviar a carta anônima (e poder levar a demissão da colega). ◦ O delírio adquire certa independência da carta, já estava presente na senhora sob a forma de medo ou era um desejo? ◦ Foi atendida duas vezes. Mostrou-se bastante não-cooperativa quando após contar sua história Freud perguntou por seus outros pensamentos, ideias e lembranças. ◦ Dizia que não lhe ocorria nada à mente, que já havia dito tudo e depois de duas sessões declarou que já se sentia bem e estava segura que seu ciúme patológico não retornaria. ◦ Naturalmente isto se devia a sua resistência e ao receio de continuar sua análise. ◦ Apesar disto, Freud fez algumas observações que permitiram uma interpretação especial sobre o delírio de ciúme – esta estava apaixonada por um home mais jovem, o seu próprio genro que pedira para ele atende-la. ◦ Ela pouco sabia desta paixão, pois no relacionamento familiar era fácil essa afeição apaixonada disfarçar-se de afeição inocente. 9 10 23/08/2021 6 ◦ Estando apaixonada deste modo essa coisa monstruosa e impossível não poderia tornar-se consciente – permaneceu existindo inconscientemente e exercendo grande pressão em seu psiquismo. ◦ Para ter algum alívio a resposta mais fácil surgiu por meio do deslocamento. ◦ Se ao menos não somente ela, mas também seu marido idoso estivesse apaixonado por alguém mais jovem sua consciência se aliviaria do peso de sua infidelidade. ◦ A fantasia da infidelidade do esposo foi como uma compressa fria em sua ferida ardente. ◦ O amor que sentia não se tornou consciente mas seu reflexo especular e possibilitou a expressão da obsessão e do delírio. ◦ Por isso nenhum argumento em contrário poderia surtir efeito, pois era dirigido contra a imagem especular e não ao sentimento original que permanecia oculto e inconsciente. ◦ O que a Psicanálise trouxe sobre este caso: 1) O delírio deixou de ser absurdo ou inteligível – tinha um sentido e motivos na experiência emocional da paciente. 11 12 23/08/2021 7 2) O delírio era necessário como reação a um processo mental inconsciente, levando a resistência a todo ataque lógico e realista. Era uma espécie de consolação. 3) O fato de ser um delírio de ciúme, e não de outro tipo, estava determinado pela experiência que estava por trás da doença. Comparação Psiquiatria e Psicanálise ◦ Psiquiatria não emprega os métodos técnicos da Psicanálise, toca superficialmente qualquer inferência ao conteúdo do delírio ao apontar a hereditariedade (ou o ambiente) como etiologia geral ao invés das causas mais próximas e específicas. ◦ No futuro uma Psiquiatria bem fundamentada não será possível sem um sólido conhecimento dos processos inconscientes da vida mental. 13 14 23/08/2021 8 Referências ◦ FREUD, S. Conferências Introdutórias sobre Psicanálise - Conferência XVI: Psicanálise e Psiquiatria. Edição Standard das Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, vol. XVI, 1996. 15