O trecho a seguir foi retirado da canção O que será que será? (À Flor da Terra), composta por Chico Buarque em 1976 em ocasião do filme Dona Flor e Seus Dois Maridos, baseado no romance homônimo de Jorge Amado.

O que será, que será?

Que vive nas idéias desses amantes

Que cantam os poetas mais delirantes

Que juram os profetas embriagados

Que está na romaria dos mutilados

Que está na fantasia dos infelizes

Que está no dia a dia das meretrizes

No plano dos bandidos dos desvalidos

Em todos os sentidos...

Será, que será?

O que não tem decência nem nunca terá

O que não tem censura nem nunca terá

O que não faz sentido…

O que será, que será?

Que todos os avisos não vão evitar

Por que todos os risos vão desafiar

Por que todos os sinos irão repicar

Por que todos os hinos irão consagrar

E todos os meninos vão desembestar

E todos os destinos irão se encontrar

E mesmo o Padre Eterno que nunca foi lá

Olhando aquele inferno vai abençoar

O que não tem governo nem nunca terá

O que não tem vergonha nem nunca terá

O que não tem juízo…”

 O QUE SERÁ QUE SERÁ? (À FLOR DA TERRA): Chico Buarque. Meus Caros Amigos. Disponível em: . Acesso em 16 ago. 2019.

Em entrevista à Revista Nossa América, em 1989, Chico Buarque revela ter achado curiosa a interpretação que os censores fizeram da canção, afirmando que "acho que eu mesmo não sei o que existe por trás dessa letra e, se soubesse, não teria cabimento explicar" (BUARQUE, 1989). Analise as afirmações a seguir.

1. No trecho apresentado, o uso dos advérbios interrogativos têm dupla função: a primeira, baseada apenas na leitura, indica a função de pergunta como no verso “Por que todos os risos vão desafiar”, que poderia ser grafado como “Por que todos os risos vão desafiar?”; a segunda, baseada na oralização da música, indica a função de “por que” como advérbio causal, o que na grafia seria “O que será, que será? / Que todos os avisos não vão evitar / Porque todos os risos vão desafiar”.
2. Baseando-se nas premissas do formalismo russo, de que a interpretação da obra também depende um diálogo com o leitor, é possível pensar que haverá uma compreensão diferente dos versos “O que será, que será? / Que todos os avisos não vão evitar” por um leitor em determinado momento histórico. Este fato indica a insustentabilidade de uma crítica que não leva em consideração o aspecto social, como o formalismo orgânico formularia anos depois dos postulados pelo autor de A arte como procedimento.
3. Um dos aspectos acústicos amplamente utilizados pela canção é o recurso da rima e da repetição, o que possibilita um efeito em que cada adição de um novo verso aumenta o ritmo e a complexidade da questão inicial, que abre a estrofe. Assim, em “Será, que será? / O que não tem decência nem nunca terá / O que não tem censura nem nunca terá / O que não faz sentido…”, podemos compreender que “o que não faz sentido” também “não tem censura nem nunca terá” e também “não tem decência nem nunca terá”.
4. O trecho apresentado não pretende oferecer uma resposta a “o que será que será”. Mas sim, há a metonimização da questão em um movimento de descrever esta pergunta em outras perguntas. Desta forma, é possível pensar que “o que será que será” é aquilo “que vive nas idéias desses amantes” e assim por diante.

 Pensando a respeito das características da literariedade em uma obra, assinale a alternativa que possui apenas afirmações corretas em relação às possibilidades de interpretação da canção.

• I, II e III, apenas.
• I, II e IV, apenas.
• I e II, apenas.
• I, II, III e IV.
• I, III e IV, apenas.

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