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Vimos, no terceiro argumento de Husserl contra o psicologismo, que a lógica não trata dos atos psíquicos, mas de seu conteúdo. É precisamente a ess...

Vimos, no terceiro argumento de Husserl contra o psicologismo, que a lógica não trata dos atos psíquicos, mas de seu conteúdo. É precisamente a esse ponto que Schérer se refere aqui: a subjetividade que é capaz de apreender a verdade em si não está em cada ato psíquico individual, mas nos atos intencionais, isto é, no ato considerado na medida em que se dirige a um conteúdo. Segundo Seron (2012), a originalidade de Husserl consiste justamente em interpretar essa oposição – entre ato psíquico e conteúdo lógico – nos termos da teoria da intencionalidade de Brentano. O conteúdo lógico do julgamento seria igual a seu conteúdo intencional. A psicologia e a lógica se aproximam por de fato tratarem ambas de atos psíquicos, e não do mundo objetivo, mas para Husserl também é necessário distinguir o conteúdo real do ato (o pensar, o julgar, as sensações), objeto da psicologia, do conteúdo intencional do ato (necessariamente irreal), objeto da lógica. Seron (2012) aponta quatro oposições importantes observadas nos Prolegômenos. Temos as distinções entre Psicologia e Lógica, entre leis vagas e leis exatas, entre o conteúdo real e as significações e entre objetos reais e objetos ideais. Tais conceitos relacionam-se proporcionalmente, e agora, considerando a teoria de Brentano, acrescenta-se a identificação entre a significação e o conteúdo intencional de certos atos mentais. Essa identificação, para Seron, permite a Husserl escapar da contradição que identificamos, afastando-se tanto das fundamentações empiristas quanto das interpretações platonistas da lógica. O conteúdo intencional, explica Seron (2012), é um momento dependente do ato de pensamento: quando imagino Zeus, por exemplo, ele não existe nem em mim nem em outro lugar – o único objeto assumido como existente é o próprio ato de imaginação. A existência das proposições, assim, está reduzida à existência dos atos psíquicos reais. É importante notar que as proposições, no entanto, não são os atos psíquicos. A distinção entre conteúdo real e conteúdo intencional coincide com a distinção entre real e ideal, e a verdade não é, portanto, uma simples propriedade das experiências reais, mas é uma propriedade das proposições ideais: uma verdade em si. Nesse sentido, Russell (2006, p. 16) afirma que o ser atribuído aos objetos ideais nas Investigações é compreendido como um “pertencer à esfera do absolutamente válido”. Enquanto a existência das proposições depende dos atos mentais, a verdade que portam está fundada na própria esfera da significação. A verdade em si não implica, assim, uma existência em si. Nem todos os comentadores, entretanto, veem a introdução da teoria da intencionalidade como solução suficiente para a questão levantada. Fréchette (2015) nota que, enquanto Husserl ainda hesitava entre considerar as proposições ou os estados de coisas como os portadores da verdade, grupos de fenomenólogos de Munique e Göttingen já tinham opiniões estabelecidas a esse respeito. Enquanto Bolzano, Reinach e os primeiros fenomenólogos de Munique compartilham a opinião Husserl a respeito da necessidade de correlatos objetuais para os atos de pensamento, desde o princípio da fenomenologia as opiniões passaram a divergir quanto à natureza desses correlatos. Enquanto Bolzano via as proposições como portadores da verdade de um julgamento, para Reinach e Pfänder, por exemplo, um julgamento não é correto porque expressa uma proposição verdadeira, mas porque o estado de coisas correspondente subsiste. Os três autores atribuem propriedades ontológicas diferentes para esses correlatos: para Bolzano, as proposições são independentes dos atos de julgamento, enquanto para Pfänder e Reinach, ao contrário, os julgamentos projetam estados de coisas, de forma que não podem existir estados de coisas sem julgamentos reais (FRÉCHETTE, 2015). O próprio Husserl, em suas obras posteriores, introduzirá o conceito de noema, incluindo o papel da consciência inatual ou potencial (BERNET; KERN; MARBACH, 1993, p. 95) e, assim, afastando ainda mais os objetos ideais de cada ato psíquico individual. Percebemos, assim, que o estatuto ontológico dos objetos ideais na fenomenologia envolve o conteúdo intencional dos atos mentais e sua natureza, pontos que variam não só na fenomenologia como um todo, mas na própria obra de Husserl, justificando-se um exame mais extensivo dessa questão.

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Consideracoes_sobre_o_conceito_de_identi
431 pág.

Psicologia Universidade Federal FluminenseUniversidade Federal Fluminense

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