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-19 no Brasil não tem sido fácil, e para uma parcela dos brasileiros a dificuldade é ainda pior, são tantas as diferenças nas estratégias de sobrev...

-19 no Brasil não tem sido fácil, e para uma parcela dos brasileiros a dificuldade é ainda pior, são tantas as diferenças nas estratégias de sobrevivência que seria mais condizente chamar a pandemia do coronavírus de pandemia do contraste. Um contraste que ultrapassa as nuances dos tons de pele, chegando nas diversas camadas sociais e nas palavras que as abraçam, pois no momento como esse nomear o isolamento social de retiro particular, só pode mesmo retratar grandes contrastes.
Na pandemia do contraste os sons das sirenes das ambulâncias e dos gritos de dor daqueles que perderam um ente querido para o vírus são abafados diariamente pelas “lives” da moda. As bicicletas, pouco a pouco, substituem os carros nas ruas, mas não se enganem, não é pelo meio ambiente! Os novos desempregados viram na “bike, na bag e no app” uma forma de sobreviver.
Dentre os mais diversos personagens desse trágico show, temos um governo desgovernado, que não joga a favor dos brasileiros mas pede torcida, que não contribui para a redução de mortos no Brasil, e comemora com um placar da vida, escondendo as mortes e exaltando as recuperações que pouco dizem sobre o estado real da pandemia no país. Pois é, o populismo venceu por aqui, e o autoritarismo ganha força todos os dias, ocultando de nós a realidade. Com ele os discursos inflamados validam-se e tornam-se mais forte, deixando o ódio mais presente.
Na pandemia do contraste, há contraste até no que deveria ser essencial. Com nitidez, se percebe que o essencial para mim, enquanto mulher, negra e moradora da Baixada Fluminense, não é o mesmo da elite branca carioca moradora da Zona Sul. Meu essencial resume-se ao mercado, lá o essencial engendra: caminhada na orla, faxina em dia (pelas mãos da diarista, claro), salões de beleza e academia. Preocupados com nossa saúde preferimos seguir regras nos mantendo em casa, enquanto os mais pobres preocupam-se em como irão ganhar dinheiro para se alimentar, e a elite se preocupa muito mais em como não deixar de o ganhar, defendendo com pulsos firmes e carreatas, a reabertura do comércio.
Por falar em saúde, o sistema já colapsou, faltam leitos públicos para quem precisa, enquanto sobram leitos de luxo. Pois é, foi nesse momento em que me dei conta que no Rio de Janeiro existem hospitais com refeições cinco estrelas, assinadas por chefs de cozinha de renome, como se o sabor da alimentação num momento de pandemia fosse fazer tanta diferença. Da mesma forma, em que existem hospitais em condições tão precárias que as equipes de saúde se protegem do Covid-19 com sacos de lixo que improvisam a falta de equipamentos de proteção individual. Mas a saúde privada não deveria ser complementar? Sim, e o que deveria ser complemento nessa crise, só complementa as desigualdades desta nação. São tantos contrastes! Tantos que cansam o senso comum e o dia a dia, mas que exigem da psicologia muitas reflexões e intervenções.
Em meio a todo esse caos, entre as oposições existentes, nesse desolador jogo de palavras, temos: coronavírus e gripezinha, abre e fecha, retiro e isolamento, branco e preto, racismo e antirracismo, emprega e desemprega, e, assim, a divergência entre o claro e o escuro se sobressai. A diferença entre o preto e o branco grita nessa pandemia, salta aos olhos, lota as ruas, os meios de transporte e, infelizmente, cemitérios e caixões.
Sabemos que não é de hoje que a população negra sofre por aqui, mas foi observando atentamente essa pandemia vimos que o sofrimento se intensificou e golpeou até mesmo aqueles que permaneceram em casa. Foram diversas as fotografias que circularam nas mídias mostrando a dura realidade das diferenças de classes e de cores desse país. Evidências foram noticiadas derrubando o mito da miscigenação e trazendo a tona o racismo à brasileira. E com isso retomo a uma das primeiras palavras desse texto questionando-a: retiro pra quem?
Essas questões atravessaram de tal forma a estudante que lhes escreve, fazendo-a refletir sobre sua atuação como profissional de psicologia. E até mesmo, refletir e escrever como faço agora, são privilégios de quem pode viver esta fase com o mínimo de conforto e segurança, apesar de todas as angústias envolvidas no processo. Não sabemos ainda como será o depois, mas como numa aposta, para o depois tenho estudado e percebido que caminho que devo trilhar na psicologia é árduo, porém atingível.
Um caminho que poderá começar, agora mesmo, com até mil palavras, mas que independente disso, deve ser percorrido utilizando a psicologia como um instrumento de mudança dessa realidade contrastante. Pois entre os ditos e não ditos, fazem-se necessárias palavras e vozes pretas para que possamos, assim, elaborar as diferenças, testemunhar e compreender nossa história, para partir de então, desenhar novos trajetos.
Dessa forma, numa visão bem ínfima e particular, as reflexões sobre as práticas da psicologia na pandemia, ultrapassam a pandemia. Fazendo dela um local de observação e estudo, um momento de luto e de lutas que nos façam refletir sobre o mundo pós pandemia, um mundo que ainda trará as várias nuances da nossa história, mas que precisa aprender a valorizar seus diversos tons.

Essa pergunta também está no material:

ebook_expressoes aap4
748 pág.

Gestão Hospitalar

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