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vidar, nào me é fácil ver que argumento pode ele apre­ sentar para obrigar-me a acreditá-lo. É certo que, se ele for meu soberano, pode obrigar-me...

vidar, nào me é fácil ver que argumento pode ele apre­ sentar para obrigar-me a acreditá-lo. É certo que, se ele for meu soberano, pode obrigar-me à obediência, impedindo-me de declarar, por atos ou palavras, que não o acredito, mas nào pode obrigar-me a pensar de maneira diferente daquela de que minha razão me convence. M as alguém que não tenha sobre mim tal auto­ ridade e pretenda o mesmo nao terá nada capaz dc impor seja a crença, seja a obediência. Porque dizer que Deus falou a alguém nas Sagradas Escritu ras não 6 o mesmo que dizer que Deus lhe falou imediatamente, e sim através da mediação dos profetas, ou dos apóstolos, ou da Ig re ja , da mesma maneira como fala a todos os outros cristãos. D izer que Deus lhe falou em sonhos não é mais do que dizer que sonhou que Deus lhe falou, o que nao é de força a conquistar a crença de ninguém que saiba que os sonhos cm sua m aioria são naturais, e podem ter origem nos pensamentos anteriores, e que sonhos como esse não passam da m ani­ festação de uma alta estima de si mesmo e de uma insensata arrogância, assim como dc uma falsa opinião sobre sua própria piedade, ou outra virtude pela qual ju lga ter merecido o favor de uma revelação extraordinária. D izer que teve uma visão , ou que ouviu uma voz, é o mesmo que dizer que sonhou entre o sono c a vig ília , pois efetivamente acontece muitas vezes alguém assim tomar seu sonho por uma visão , por nào ter reparado bem que estava dormitando. D izer que fala por inspiração sobrenatural é o mesmo que dizer que sente um ardente desejo de fa la r, ou alguma alta opinião de si mesmo, para os quais não consegue encontrar uma razão natural e suficiente. D c modo que, embora Deus possa falar a alguém através dc sonhos, visões, voz e inspiração , ele nao obriga ninguém a acreditar que efetivamente assim fez a qualquer um que tenha essa pretensão. Porque, sendo um homem, pode estar enganado e, o que é m ais, pode estar mentindo. Com o pode então aquele a quem Deus nunca revelou imediatamente sua vontade (a nao ser por intermédio da razão natural) saber quando deve ou nào deve obedecer à palavra dos que pretendem ser profetas? Dos quatrocentos profe­ tas aos quais o rei de Israel pediu conselho, a respeito da guerra que fazia contra Ramoth G ilcad , só M iquéias era um verdadeiro profeta. O profeta que foi envia­ do para profetizar contra Jcroboam . embora fosse um verdadeiro profeta, e mediante dois milagres feitos em sua presença mostrasse ser um profeta enviado por Deus, foi apesar disso enganado por outro velho profeta, que o persuadiu a comer e beber com ele. como se tosse uma ordem dada pela boca de Deus. Se um profeta foi capaz de enganar outro, que certeza pode haver de conhecer a vontade de Deus por um caminho que nào seja o da razão? Ao que respondo, baseado nas Sagradas Escritu ras , que há dois sinais que em conjunto, mas não separada­ mente. permitem identificar o verdadeiro profeta. Um deles é a realização de milagres, o outro é não ensinar qualquer religião que nào a já estabelecida. Separadamente, conforme disse, nenhum deles é suficiente. Se entre vós se erguer um profeta, ou um sonhador de sonhos, que pretenda realizar um milagre, e o milagre acontecer; se ele disser para seguirdes deuses estranhos, aos quais não conheçais, nào lhe dareis ouvidos, etc. E esse profeta ou sonhador de sonhos deve scr condenado à morte, pois vos disse para vos revoltardes contra Deus vosso Senhor. Nestas palavras há duas coisas a salientar. Em primeiro lugar, que Deus nào aceita que os milagres bastem como argumentos para aceitar a vocação dc um profeta; como c o caso no terceiro versículo , eles servem para experimentar a constância de nossa dedicação a Deus. Porque as obras dos feiticeiros egípcios, embora nào fossem tão grandes como as de Moisés, mesmo assim eram g-andes milagres. Em segundo lugar. que. por maior que seja o milagre, se ele tender a provocar a revolta contra o rei. ou contra aquele que governa em virtude da auto­ ridade do rei. deve pensar-se apenas que quem realizou tal milagre foi enviado para pôr à prova a fidelidade do povo. Porque as palavras vos revoltardes contra Deus vosso Senhor são neste lugar equivalentes a vos revoltardes contra vosso rei. Com efeito. Deus havia se tornado seu rei por um pacto celebrado no sopé do monte S in a i, c Deus governava-os unicamente por intermédio de M oiscs, pois só esto fa lava com Deus. c de vez em quando com unicava ao povo os mandamentos dc Deus. De maneira semelhante. C risto nosso Salvador, depois dc ter feito os discípulos reconhecerem-no como o Messias (quer d izer, como o ungido dc Deus. que a nação dos judeus dia após dia esperou como seu rei, mas recusou quando ele chegou), não deixou de avisá-los contra o perigo dos milagres. Surgirão, disse ele, fa lso s Cristos e fa lso s profetas, e fa rão grandes maravilhas e milagres, capa zes até de seduzir (se tal fo sse possível) os próprios eleitos. O que mostra que OS falsos profetas podem ter o poder de fazer m ilagres, e mesmo assim não devemos aceitar sua doutrina como a palavra dc Deus. A lém disso, São Paulo disse aos G álatas que, se ele mesmo, ou um anjo do céu, lhes pregasse um outro Evangelho, diferente do que ele pregara, que ele fo sse amaldiçoado. Esse Evangelho dizia que C risto era rei. de modo que toda pregação contra o poder do rei reconhecido, em consequência destas palavras, é amaldiçoada por São Paulo . Pois suas palavras eram dirigidas àqueles que. devido a sua pregação, já tinham reconhecido Jesus como o C risto , quer d izer, como rei dos judeus. T a l como os milagres sem a pregação da doutrina estabelecida por Deus são argumento insuficiente de uma revelação imediata, assim também o é a pregação da verdadeira doutrina sem a realização de milagres. Porque se um homem que não ensina falsas doutrinas viesse pretender ser um profeta sem mostrar qualquer milagre, de modo algum sua pretensão deveria ser aceite, como é evidente cm D l 18,2 Is : Se perguntais em vosso coração como saber que a palavra (do profeta) não é aquela que Deus proferiu ; se o profeta tiver fa lado em nome do Senhor, e se tal não fo r verdade, essa é a palavra que o Senhor não proferiu, e o profeta pro- feriu-a com o orgulho de seu coração: não o temais. Mas poderia aqui também perguntar-se: quando o profeta prediz uma co isa , como podemos saber se ela virá O u nào a ocorrer? Porque ele pode predizer uma coisa que só virá a acontecer de­ pois de muito tempo, mais do que o tempo dc vida de um homem, ou poüe dizer, dc maneira indefinida, que tal virá a ocorrer em qualquer momento, c neste caso esse sinal do profeta c inútil. Portanto os milagres que nos obrigam a acreditar num profeta devem ser confirmados por um acontecimento imediato, c nào adia do por muito tempo. F ica assim manifesto que o ensino da religião estabelecida por Deus. juntamente com a realização imediata de um milagre, foram os únicos sinais aceites pelas Escrituras como próprios de um verdadeiro profeta, quer d izer, como impondo o reconhecimento dc uma revelação imediata, c que ne­ nhum deles por si só é suficiente para obrigar alguém a aceitar o que ele diz. Portanto, dado que agora nào se produzem mais milagres, não resta qual quer sinal que permita reconhecer as pretensas revelações ou inspirações dc qual­ quer indivíduo. E não há obrigação alguma de dar ouvidos a qualquer doutrina, para além do que é conforme às Sagradas Escritu ras , que desde o tempo ce nosso Salvador substituem c suficientemente compensam a falta de qualquer outra pro­ fecia. e a partir das quais, mediante sábia e douta interpretação e cir.dadoso raciocín io , podem facilmente scr deduzidos todos os preceitos e regras necessá­ rias para conhecer nosso dever, para com Deus c para com os homens, sem entu siasmo ou inspiração sobrenatural. E é destas Escritu ras que vou extra ir os p rin ­ cípios dc meu discurso

Essa pergunta também está no material:

Hobbes - Coleção os Pensadores
444 pág.

Filosofia Faculdade Carlos Drummond de AndradeFaculdade Carlos Drummond de Andrade

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