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sociologia segundo zuckman

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Enai Rodrigues

A secularização é um dos fenômenos mais importantes da modernidade. Desde o contexto de seu surgimento, está relacionada com a racionalização da política e com a perda progressiva de valores religiosos da vida humana. Compreender esse fenômeno é essencial para o entendimento de importantes questões em nossa época, que envolvem conflitos e tensões mesmo em países democráticos. 

A seguir, compartilho com os leitores uma entrevista de Sam Harris com Phil Zuckerman, sociólogo e estudioso do tema. Zuckerman inicia traçando considerações conceituais e apontando diferenças e aproximações entre secularização, secularismo e ateísmo, fala do recuo da religião em várias partes do mundo, de como a religião ainda pode intervir de forma prejudicial na vida pública, citando exemplos dos Estados Unidos e responde a uma importante questão acerca de se é possível as religiões desaparecerem e ainda a criação de estilos de vida alternativos a ela.

Phil Zuckerman é professor de Sociologia e estudos seculares no Pitzer College, em Claremont, California. Ele é autor de Living the Secular LifeFaith no More e Society Without God. Ele também editou várias obras, incluindo Atheism and SecularitySex and Religion e The Social Theory of W.E.B. Du Bois. Zuckerman escreve em um blog para o site Psycology Today intitulado The Secular Life. Seu trabalho também foi publicado em revistas acadêmicas, como a Sociology CompassSociology of ReligionDeviant Behavior, and Religion, Brain, and Behavior. Em 2011, Zuckerman fundou o primeiro departamento de Estudos Seculares dos Estados Unidos. Obteve seu doutorado em Sociologia pela Universidade de Oregon, em 1998. Atualmente ele vive em Claremont, California, com sua mulher, Stacy e seus três filhos.

Harris: Seu livro mais recente é Living The Secular Life e você fundou o programa de Estudos Seculares no Pitzer College. Talvez devêssemos começar por esclarecer o que é “secularismo”, pois muitas pessoas o utilizam como sinônimo de “ateísmo”, o que não é verdade.

Zuckerman: Vou resistir à vontade de lançar mão de minhas anotações de aulas, pois este material é central para o que ensino e tenho muito a dizer aqui. Mas vou tentar ser o mais breve e conciso que puder. Temos três termos que estão intimamente relacionados, mas também distintos.

Primeiro, vamos começar com “secular”. Para mim, isso significa simplesmente não religioso. Em poucas palavras, eu diria que alguém é secular se: 1) ele ou ela não possui qualquer crença sobrenatural em deidades, espíritos ou vida depois da morte; 2) ele ou ela não se envolve em quaisquer rituais ou ritos e 3) ele ou ela não tem identificação ou filiação a grupo, denominação ou tradição religiosa.

Em seguida, vem “secularização”. Este termo refere-se a um processo histórico pelo qual uma determinada sociedade se torna menos religiosa ao longo do tempo: menos pessoas têm crenças religiosas, menos pessoas dão importância a rituais religiosos, menos pessoas se identificam como religiosas, poucas instituições existem sob a tutela religiosa e assim por diante.

Finalmente, o que você perguntou sobre “secularismo”. Para mim, o “ismo” é a chave aqui. Implica ideologia, movimento social, agenda política, como as coisas “deveriam” ser.

Nesse sentido, temos algo essencialmente bom, o secularismo Jeffersoniano à moda antiga, que nada mais é do que a ideologia ou a posição política de que Igreja e estado devem ser separados e o governo deve ser o mais neutro possível quando se trata de religião na esfera pública. Essa versão do secularismo é basicamente anti-teocrática. É uma ideologia que frequentemente é abraçada tanto por religiosos quanto por pessoas não religiosas. E isso definitivamente não é a mesma coisa que “ateísmo”. Neste caso, “secularismo” é uma posição política ou ideológica sobre a relação entre governo e religião (mantê-los separados!), enquanto que ateísmo é a ausência de crença pessoal em Deus.

Harris: Sim, era o sentido Jeffersoniano do termo que eu tinha em mente e penso que é esse significado que é importante enfatizar. Secularismo, nesse sentido, não requer incredulidade. Ele simplesmente exige um compromisso de manter a religião fora da política. O secularismo é a única resposta viável ao pluralismo religioso – caso contrário, as religiões vão competir pelo domínio público. Secularismo, essencialmente, é uma condição de trégua permanente.

Zuckerman: Estou plenamente de acordo. Mas existe outra forma de manifestação do secularismo, uma que é menos focada na separação entre Igreja e estado. Ela diz respeito a atividade de pessoas e grupos que tentam dissuadir outras pessoas de seu envolvimento ou suas crenças religiosas. É um secularismo de crítica e combate à religião. Ele se baseia na visão de que a religião deve desaparecer, que as crenças religiosas devem ser desacreditadas, que a religião é algo nocivo à sociedade e que seria melhor se ela simplesmente desaparecesse. Pense no hit Dear God da década de 1980, de XTC. Essa música não estava defendendo a separação entre igreja e estado. Ao invés disso, ela estava tentando levar seus ouvintes a concordarem que crer em Deus é bobo ou absurdo. Ou pense em seu primeiro livro, The End of Faith [Em português, A Morte da Fé, editora Companhia das Letras],    que não é uma defesa detalhada da separação entre Igreja e estado, mas principalmente uma exposição sobre os aspectos irracionais, malévolos e nocivos da religião. Essa forma de secularismo, como exemplificado pela canção de XTC e seu primeiro livro não é definitivamente a mesma coisa que “ateísmo” per se, mas está muito próximo: a maioria dos secularistas que buscam ativamente fazer a religião desaparecer e dissuadir outras pessoas de suas crenças sobrenaturais são ateus.

Harris:  Você pode comentar a respeito do compromisso atual do Ocidente com o secularismo? Ele está aumentando?

Zuckerman:  Em algumas partes do Ocidente – particularmente na Europa, Austrália e Canadá – o secularismo está ganhando força. No entanto, em outros locais, incluindo os Estados Unidos, a situação é bem menos clara.

Em termos de secularismo político, vemos muitos casos em que os campos da religião e do governo estão se tornando mais claramente e fortemente divididos. Por exemplo, na Suécia a religião foi oficialmente separada do governo em 2000. Na Grã-Bretanha, os desafios com o envolvimento da religião nas escolas públicas estão crescendo. Em Israel, há uma oposição crescente ao apoio governamental a instituições religiosas e à capacidade de fundamentalistas religiosos de não participarem do serviço militar obrigatório. Na França, a separação entre Igreja e estado é amplamente celebrada e restrições à religião na esfera pública estão aumentando.

No entanto, aqui nos Estados Unidos, o muro da separação entre Igreja e Estado é cada vez menos seguro, especialmente à luz das decisões judiciais recentes. Estou pensando especificamente em algumas decisões judiciais tomadas em 2014: a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que corporações com fins lucrativos podem pedir isenção de leis que vão contra as crenças religiosas de seus proprietários. Ela também decidiu que iniciar sessões nas Câmaras municipais com orações cristãs explicitamente sectárias é constitucional. Até mesmo a Suprema Corte de Massachusetts declarou que a linguagem centrada em Deus usada por um professor do Pledge of Allegiance não era discriminatória contra crianças não teístas.

Em outros aspectos, no entanto, o tipo de secularismo que envolve o enfraquecimento da fé religiosa ou a diminuição da força, prestígio e penetração da religião na sociedade tem sido incrivelmente bem-sucedido no Ocidente, incluindo os Estados Unidos.

Não quero saturar você com números, mas as estatísticas são surpreendentes quando se trata de pessoas no Ocidente que estão abandonando a religião. Considere apenas esses exemplos: um século atrás, no Canadá, apenas 2% da população declarou não ter religião, enquanto hoje são quase 30% dos canadenses e aproximadamente uma em cada cinco pessoas não acredita em Deus.

Um século atrás,  na Austrália, menos de 1% da população declarou não possuir identidade religiosa, mas hoje cerca de 20% dos australianos afirmam isso. Um século atrás, na Holanda, cerca de 10% da população declarou não ter filiação religiosa; hoje são mais de 40%. Na Grã-Bretanha, recentemente quase metade das pessoas declarou não ter nenhuma identidade religiosa. O mesmo ocorre na Suécia.

Além disso, 61% dos tchecos, 49% dos estonianos, 45% dos eslovenos, 34% dos búlgaros e 31% dos noruegueses não acreditam em Deus. E 33% dos franceses, 27% dos belgas e 25% dos alemães não acreditam em Deus ou em qualquer outro tipo de força espiritual universal.

No Oriente, a pesquisa mais recente realizada no Japão demonstra a extensão da secularização ao longo do século passado. Sessenta anos atrás, 70% da população japonesa alegou ter crenças religiosas pessoais, mas hoje esse número está abaixo de 20%. Tais níveis de ateísmo, agnosticismo e descrença geral são simplesmente extraordinários, para não dizer que são historicamente sem precedentes.

Tenho apenas os últimos dados da América Latina: 37%  das pessoas no Uruguai, 18% na República Dominicana, 16% no Chile, 11% na Argentina e 8% no Brasil não são religiosos. Esses níveis de secularidade são todos sem precedentes. Na Jamaica, atualmente 20% não são religiosos! Gabão e Suazilândia são 11%. (Embora isso possa parecer pequeno, tenha em mente que somente 8% das pessoas no Alabama não são religiosas).

O secularismo está crescendo em virtualmente todas as nações sobre as quais temos dados; até mesmo o mundo muçulmano, que contém as sociedades mais religiosas da Terra, tem um crescimento de pessoas seculares (muitos dos quais, infelizmente, devem manter sua secularidade bem escondida por causa do perigo de prisão ou morte se vierem a declarar sua falta de fé).

A proporção de americanos que se afastam da religião tem continuado a crescer, de 8% em 1990 para algo entre 20% e 30% hoje. A secularidade é marcadamente mais forte entre os jovens americanos: 32% das pessoas com menos de 30 anos não possuem filiação religiosa. E algo entre um terço e metade de todos aqueles que respondem “nenhuma” quando perguntados sobre qual a sua religião, são ateus ou agnósticos – desse modo, a ascensão da irreligiosidade significa uma ascensão simultânea do ateísmo e do agnosticismo.

Além disso, a grande maioria dos americanos não religiosos está satisfeita com sua identidade atual; entre aqueles que afirmam agora “nenhuma” como sua religião, cerca de 90% diz não ter interesse em procurar uma religião que poderia ser boa para eles.

É claro que uma chave em tudo isso são as taxas de natalidade. As pessoas religiosas têm mais filhos do que as pessoas seculares. Então, demograficamente, o futuro é incerto.

Harris: Muitos de nós já reconhecemos que, embora a “substituição da religião” possa não ser uma meta apropriada, a religião não oferece às pessoas muitas coisas que elas querem na vida – e são coisas que a maioria dos ateus também quer. Queremos boas instituições que funcionem como espaços dedicados à reflexão e à celebração. Queremos comunidades fortes. Queremos rituais e ritos de passagem para marcar transições importantes na vida – nascimentos, casamentos, mortes. Apenas não queremos mentir para nós mesmos sobre a natureza da realidade para termos essas coisas. Isso representa um verdadeiro desafio, porque uma vez que nos livrarmos da religião, ficamos sem uma tradição estabelecida para atender a essas necessidades e a alternativa é muitas vezes fragmentada e insatisfatória. Como você vê que possamos resolver o problema da criação de instituições fortes e seculares e tradições que não sejam piegas?

Zuckerman: Você me colocou numa saia justa aqui. A religião oferece muito para as pessoas em termos de capital social, os rituais do ciclo da vida e assim por diante e, se desaparecesse, a maioria das pessoas experimentaria um sério vazio. É verdade que alguns eremitas não querem nenhuma das coisas que a religião oferece, mas eles são muito raros. A maioria das pessoas quer e aproveita pelo menos algumas das coisas que a religião tem para oferecer, mesmo se elas não compram todas as bobagens do sobrenatural.

Então, aqui estão as opções, até onde posso apontá-las:

Primeiro, secularizar a religião. Com isso quero dizer manter os rituais, as festas, os templos, os cultos, os objetos sagrados, mas deixe as crenças sobrenaturais murcharem e desvanecer-se. Um exemplo disso que me vem à mente é o Judaísmo Reformado. A maioria dos judeus americanos gosta do Judaísmo – as cerimônias, os feriados, o sentimento de pertença, as conexões entre várias gerações, oportunidades para a caridade – ainda que tenham abandonado as crenças sobrenaturais. Muitas congregações episcopais liberais também podem ser incluídas aqui, assim como as reuniões Quaker e a maioria dos escandinavos, com sua forma moderna de Luteranismo nórdico. Eles observam feriados religiosos tradicionais e participam de vários rituais cíclicos, frequentam de vez em quando a igreja e até se “sentem” cristãos – e eles ainda fazem ostensivamente todas essas coisas religiosas sem uma centelha de fé no sobrenatural.

Pessoalmente, acho que seria ótimo ter Catolicismo, Islamismo, Judaísmo, Hinduísmo etc. existindo aqui e ali, mas castrados de sua confusão sobrenatural. Sei que isso pode parecer contraditório e absurdo, mas acredito que é possível.

A segunda opção é criar congregações humanistas, como a Assembleia de domingo. A desvantagem aqui é que você está basicamente partindo do nada, o que é um pouco estranho – não há tradição, nenhuma sensação de algo que aproxime as gerações. Não há muito para as crianças. Eu curto a Assembleia de domingo. Acho que as possibilidades para tais grupos são fortes. Obviamente, eles não apelam para a maioria das pessoas seculares, mas para aquelas que querem o melhor da afiliação religiosa sem todo o sobrenaturalismo, é uma opção viável.

Uma terceira possibilidade é encontrar meios seculares que forneçam, pelo menos, algumas das coisas que as religiões podem oferecer. Estou pensando, por exemplo, em esportes. Futebol. Meu futebol no domingo de manhã me satisfaz plenamente: me faz sentir vivo, me conecta com amigos que de outra forma eu nunca conheceria ou veria, marca o fim de semana, etc. Ou a música. O amor de minha filha pela música oferece muito: um sentido existencial, um sentido de comunidade através de links com outros fãs, rituais sob a forma de concertos e assim por diante. O envolvimento de minha filha mais nova com o balé tem uma função similar, proporcionando auto-aperfeiçoamento, responsabilidade, camaradagem, desempenho. Outros podem encontrar pelo menos algumas coisas que a religião oferece pela comunhão com a natureza, ou sendo criativos, pelo engajamento político ou meditando.

Aprendi em minha pesquisa que a grande maioria das pessoas que se afastam da religião não deixa de encontrar várias formas de viver uma vida significativa, através do trabalho, da família, dos amigos, da arte, do sexo, da Filosofia, teatro, caça, trabalhando com carros, dança e assim por diante.

É claro que, de tudo o que eu disse, a religião não pode ser substituída facilmente e o fato de o secularismo estar fortemente relacionado ao individualismo pode se tornar um problema no caminho.

Harris: Está provado que mover-se para além da religião pode ser um enorme desafio e aprecio muito suas contribuições nesta frente. Um dos principais empecilhos para a difusão do secularismo tem sido a crença amplamente difundida, mesmo entre os não religiosos, de que a religião sempre está conosco, como se a persistência do repertório atual de ideias sobrenaturais fosse uma lei da natureza. Espero que as pessoas que lerão o seu livro aprendam mais sobre o que a transição para o secularismo parecerá. Obrigado por dedicar seu tempo para falar comigo.

Fontesamharris.org

 

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