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Saúde mental. Texto da idade média?

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Luana de Castro Carvalho

A LOUCURA NA IDADE MÉDIA

 

A indústria farmacêutica tem colocado  no mercado uma infinidade de antidepressivos, criados a partir das mais variadas substâncias, com o objetivo de conter os transtornos mentais que se avolumam cada vez mais em todo o nosso planeta. A venda de tais medicamentos  tem sido uma fonte inesgotável de lucros para tal indústria. As pessoas estão se conscientizando de que o cérebro – como parte do corpo – também adoece, necessitando de tratamento como qualquer outro órgão. Assim, o estigma do transtorno mental aos poucos vem sendo derrubado, o que possibilita buscar tratamento o mais rápido possível, contendo-o ainda no seu nascedouro, sem que a pessoa venha a sofrer interminavelmente.

Nós, que hoje convivemos com os antidepressivos, não fazemos a menor ideia do sofrimento passado pelas pessoas com problemas mentais que viveram na Idade Média. Tal conhecimento leva-nos à observância de como foi grande o salto dado pela ciência médica e como vem se transformando a visão sobre os transtornos mentais e seus portadores nos nossos dias, ainda que não apenas nos rincões esquecidos de nosso triste Brasil ainda existam muito infortúnio e preconceito a ser desmitificado em relação às doenças do cérebro. Muito ainda se tem por fazer em prol de nossa gente.

Na Idade Média e princípio da Idade Moderna, os relatos sobre a vida das pessoas acometidas pelos transtornos mentais eram tenebrosos. Elas eram deixadas à mercê das correntezas da existência, sendo jogadas de uma cidade para outra, dentre as muitas maneiras de livrar-se delas. Na Europa, o sistema mais usado era o banimento dos doentes, tanto por barco quanto por terra, sendo levados de um lugar para outro na companhia de transportadores de mercadorias – uma espécie de tropeiros. Os mendigos, os errantes, os soldados licenciados e os aleijados também eram banidos .

As pessoas sem teto na Idade Média correspondiam a um número altíssimo, muitas vezes chegavam a 30% dos moradores das cidades. Como essas (as cidades) fossem protegidas por muralhas e fortificados portões, tornava-se fácil impedir a entrada dos grupos errantes que ali iam bater. Mesmo quando um sujeito mais sortudo conseguia adentrar-se numa vila ou cidade, acabava ferozmente banido, muitas vezes debaixo de chicotadas. Certa diferença era feita entre os aventureiros e os loucos, havendo um pouco de consideração para com os últimos. Uma vez constada a insanidade mental do indivíduo, um barqueiro ou um guia recebia o encargo de distanciá-lo da cidade, caso a ela não pertencesse. Era enviado para seu local de origem, ou deixado em qualquer outro lugar, sendo muitas vezes soltos nas estradas. A única preocupação dos citadinos era a de que jamais voltasse a aparecer.

Na Idade Média, o conceito de “louco” e o de  “pecador” – em razão da ignorância da época e do fervor religioso fanático e doentio – tinham definições similares. Aqueles que infringiam os mandamentos da lei de Deus – os chamados pecadores – e os portadores de transtornos mentais – os intitulados de loucos – encontravam-se no mesmo barco, pois tanto uns quanto outros não “reconheciam” o caminho que levava ao Paraíso, segundo as crenças de então. Os “pecadores” ainda tinham melhores chances de serem salvos. Religião e transtorno mental, portanto, faziam parte do mesmo balaio numa época de grande desconhecimento do funcionamento do corpo. Para a época, todo “pecador” era também um “louco”.

Os loucos, quando pertencentes a uma determinada cidade, eram tomados como propriedades dessa, não sendo expulsos, mas encarcerados em cadeias ou em casas de dementes, caso manifestassem um comportamento violento. O local era vigiado por um funcionário da cidade, detentor de uma baixa categoria. É bom que fique claro para o leitor que o local funcionava apenas como um depósito de pessoas, sem que os doentes recebessem qualquer tipo de tratamento. O mesmo acontecia às vítimas de outras doenças graves, tidas como incuráveis. O único tratamento era a crença depositada num milagre para lhes restituir a saúde. Embora isso possa parecer a nós, cidadãos do século XXI, um ato hediondo, havia motivos justificáveis para tanto, se observadas as lacunas da época:

• A ciência engatinhava, desconhecendo as causas de muitas doenças, incluindo as mentais.
• A religião direcionava a vida das pessoas, sendo tudo atribuído ao poder onipresente de Deus, sem a necessidade da interferência humana, pois Ele era o senhor da vida e da morte, o que ainda vemos hoje em dia em certas religiões.
• O sofrimento era inerente e necessário à vida, logo, o que importava era a outra vida no Céu, sendo a na Terra de pouca importância.

Se o doente não apresentava sinais de violência, ele vivia normalmente com a família, integrando-se a ela e à sociedade, pois sua doença era “mandada” por Deus e todos dependiam de suas graças. Contudo, se não tivesse quem cuidasse dele, era enviado para um asilo, ou melhor, para um depósito humano. Para as pessoas saudáveis, ajudar um demente propiciava-lhes uma boa ação aos olhos de Deus, pois as boas obras contribuíam para a salvação da alma. Os loucos eram, portanto, vistos como necessários porque ofereciam às pessoas uma oportunidade de – com suas boas ações – ganharem o reino dos céus.

Com a entrada da Idade Moderna, quando a Igreja Católica passou a perder sua unidade e força, as coisas mudaram, pois Lutero e seus reformadores passaram a apregoar que as boas obras não tinham valor algum para a entrada no reino dos céus. O que foi péssimo para as vítimas dos transtornos mentais dentre outros. Ajudar os loucos, mendigos e aleijados perdeu o valor religioso de antes, para infelicidade desses pobres sofredores. Assim, de necessários à salvação da alma de terceiros, eles passaram a ser indesejáveis e cruelmente segregados. Para retirá-los do seio da sociedade foram criados inúmeros asilos e prisões, onde se empilhavam doentes psíquicos, ladrões, mendigos e errantes. A reforma religiosa (protestante), portanto, em nada contribuiu para minorar o sofrimento dos necessitados, ao contrário, aumentou-o.

O uniforme do louco era muito conhecido, sendo usado pelo bobo da corte e em festas de Carnaval. Dele fazia parte sinos que deveriam tocar sempre que o demente movia-se. Eram representados com um espelho na mão ou com um cetro ou bengala. Muitas vezes o louco carregava uma crista de galo sobre o gorro ou orelhas de burro. O aloucado simbolizava a condição humana, fazendo parte do reino dos instintos e também do reino do espírito, pois todo indivíduo era, por natureza, um louco. Por volta de 1500 vários livros foram publicados sobre as vítimas da loucura. Hoje existe uma nova visão em relação àquele que é chamado de “louco”, não sendo mais visto como um “pecador”, incapaz de encontrar o caminho do céu, mas como alguém com um modo de ser diferente dos demais, necessitando de tratamento.

Nota: pormenor do quadro O Barco dos Loucos, de Bosch

Fontes de Pesquisa
Los secretos de las obras de arte/ Taschen

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