Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Amanda Freitas—MED 5°P APG 17 1 @amandacfdias Definição A miastenia gravis (MG) é uma doença imunológica mediada por anticorpos direcionados contra antígenos alvo da porção pós-sináptica do receptor nicotínico de acetilcolina (AChR) na junção neuromuscular (JNM), com consequente redução numérica e funcional deles e que se caracteriza por fraqueza e fatigabilidade flutuantes da musculatura esquelética estriada. Epidemiologia A MG acomete principalmente mulheres entre 20 e 40 anos e homens entre 40 e 60 anos as mulheres são mais acometidas, na razão de 3:2, e a incidência aumenta com a idade. Fisiopatologia dos distúrbios da junção neuromuscular A JNM é composta pela porção terminal do neurônio motor, a fenda sináptica e a porção pós-juncional, do músculo efetor. » Na porção terminal do neurônio motor, terminações nervosas intramusculares formam uma região distal mais proeminente, denominada botão terminal. » O botão terminal constitui um local de intensa atividade metabólica, e é preenchido por uma série de proteínas do citoesqueleto, da mitocôndria e de numerosas substâncias químicas – principalmente vesículas repletas de acetilcolina – que migram do citoplasma para a membrana celular, onde se ligam em sítios de liberação primário ou zonas ativas. » As zonas ativas da membrana pré-sináptica se localizam em íntima relação e em situação diametralmente opostas às fendas sinápticas secundárias da membrana muscular pós- sináptica » A membrana pré-sináptica contém canais de cálcio voltagem-dependentes (CCVD). Em resposta à despolarização do nervo, esses canais permitem o influxo de cálcio no terminal pré-sináptico, o que facilita a liberação de neurotransmissores quando ocorre o impulso nervoso subsequente. » Após cada impulso nervoso, o cálcio difunde- se rapidamente fora do nervo terminal, em uma velocidade de 100 a 200 milissegundos. Impulsos nervosos repetitivos também aumentam a mobilização de vesículas de acetilcolina (ACh) em direção às zonas ativas da membrana pré-sináptica. » Como resultado, a contração muscular voluntária tem um efeito de facilitação transitória na liberação de neurotransmissores. » A porção terminal do neurônio motor é o local da síntese e armazenamento de acetilcolina. A acetilcolina (ACh), neurotransmissora natural da JNM, é sintetizada e armazenada em vesículas no neurônio motor. » Cada vesícula contém 5.000 a 10.000 moléculas de acetilcolina. » Quando ativadas, tais vesículas se fundem com a membrana pré-sináptica, despejando seu conteúdo de acetilcolina na fenda pré- sináptica. » O neurotransmissor liberado migra e une-se a receptores de acetilcolina (AChR) localizados na membrana pós-sináptica, produzindo um aumento transitório na permeabilidade dos canais de sódio e potássio. » A membrana muscular pós-sináptica é dividida por uma rede de fendas juncionais secundárias, que, por sua vez, são preenchidas por uma rica rede de moléculas receptoras de acetilcolina do tipo nicotínicos. Miastenia Gravis Amanda Freitas—MED 5°P APG 17 2 @amandacfdias » A região imunogênica principal (RIP) do receptor de acetilcolina é o lugar mais frequentemente atacado por autoanticorpos na maioria dos casos de miastenia gravis (MG). » Quando duas moléculas de ACh encontram um receptor, uma reação química ocorre, com abertura de canais de sódio na membrana pós-sináptica produzindo uma despolarização localizada, não propagada. » Essa despolarização produzida por apenas uma vesícula é conhecida como potencial da placa terminal em miniatura (PPTM).A soma de muitos PPTM produz uma despolarização localizada não-propagada na região da placa terminal referida como potencial de placa terminal (PPT). » Quando a soma de diversos PPT atinge o limiar de propagação, canais de sódio se abrem, gerando um potencial de ação do tipo “tudo ou nada”, que se propaga desencadeando um potencial de ação da fibra muscular. » A propagação do potencial de ação pela fibra muscular ocorre via túbulos T, com liberação de cálcio do retículo sarcoplasmático. » O cálcio une-se à troponina, levando a mudanças conformacionais nas proteínas miofibrilares (tropomiosina, actina e miosina), com consequente contração muscular. » A soma da atividade elétrica de centenas de milhares de potenciais de ação de fibras musculares produz o potencial de ação da unidade motora, que resulta na contração muscular visível. » O processo de transmissão neuromuscular é finalizado pela difusão da ACh por meio da sinapse e sua hidrólise pela acetilcolinesterase, um processo rápido que dura alguns milissegundos. » Defeitos na transmissão neuromuscular podem ocorrer em diversos pontos nesse processo. » As patologias da junção neuromuscular decorrem de disfunção pré-sináptica ou pós- sináptica, secundária à lesão no canal iônico ou no receptor, mediada por autoanticorpo. Etiopatogenia da miastenia gravis A patogênese da miastenia gravis (MG) envolve ataque imunológico mediado por anticorpos contra o receptor nicotínico de acetilcolina pós-sináptico (AcAChR) na junção neuromuscular (JNM). Esses autoanticorpos induzem disfunção ou mesmo destruição da membrana pós-sináptica na placa motora, mediada pelo complexo de ataque C5-C9, com redução de AChR numérica ou funcional. O AChR é uma proteína integral transmembrânica que funciona como ligante ao canal iônico. As células T auxiliares (Th) e as células B são envolvidas na resposta autoimune, porém o braço efetor da resposta imune é dado pelos AcAChR. Enquanto a célula Th tem papel crucial na gênese da doença, o ataque à membrana da JNM é feito pelos AcAChR. Os AcAChR induzem uma inflamação destrutiva da membrana pós-sináptica, com alterações morfológicas da placa terminal. Este evento é mediado pela via do complemento, com ativação do complexo de ataque da membrana e desenvolvimento da cascata inflamatória. Amanda Freitas—MED 5°P APG 17 3 @amandacfdias ❖ Papel dos autoanticorpos O receptor de acetilcolina é uma proteína transmembrana que possui cinco subunidades diferentes (duas alfa e uma subunidade beta, uma delta e uma gama), formando um canal iônico. Mesmo havendo anticorpos específicos para cada uma das subunidades do AChR, até 60% dos anticorpos estão direcionados contra um segmento extracelular da subunidade alfa, denominada região imunogênica principal. ❖ Anticorpos contra o receptor de tirosina cinase músculo-específico Alguns pacientes com MG soronegativos para anticorpos contra o receptor de acetilcolina podem apresentar anticorpos direcionados contra antígenos-alvo na superfície da membrana muscular, como, por exemplo, o receptor da tirosina cinase músculo específica (MuSK). Em contraste ao anticorpo contra o receptor de acetilcolina (AChR-Ac), no qual ocorre predominantemente ligação com subclasses de IgG (IgG1 e IgG3) com consequente fixação de complemento, o subtipo de anticorpos direcionados contra a proteína receptora de tirosina cinase músculo específica (MuSK) é do tipo IgG4, o subtipo de IgG que não ativa complemento. Durante a formação da junção neuromuscular, a proteína tirosina cinase músculo específica interage na formação e na agregação de receptores de acetilcolina, que é induzida por uma proteoglicana derivada do neurônio, denominadaagrina. MuSK, ou seja, a proteína tirosina cinase músculo específica, também é expressa na junção neuromuscular madura e é provavelmente importante para a sua manutenção. Autoanticorpos direcionados contra o domínio extracelular da MuSK inibem fortemente a sua função→ autoanticorpos contra MuSK inibem a formação de agregados de receptores de acetilcolina. ❖ Papel das células T As células T podem se ligar ao receptor de acetilcolina, estimulando a produção de anticorpos pelas células B. ❖ O timo e a origem da autoimunidade na miastenia As anormalidades imunológicas envolvem disfunção do timo. A maioria dos pacientes com MG soropositiva tem anormalidades tímicas, sendo descritas como hiperplasia tímica em 60 a 70% e timoma em 10 a 12%. O timo tem sido avaliado como possível fonte de antígeno para essa doença autoimune. A apresentação de antígenos por células tímicas via moléculas do complexo maior de histocompatibilidade classe II (MHC classe II) pode ser anormal em pacientes com miastenia. Dessa forma, as evidências indicam que o timo tem um papel na indução e na perpetuação do processo de dano imunológico na MG. Além disso, o timo é um órgão ligado ontogeneticamente às células T, tendo um papel importante nos mecanismos de tolerância de antígenos próprios que provavelmente estão desregulados nos pacientes miastênicos. ❖ O papel da genética Fatores genéticos também estão envolvidos na patogênese da MG. Certos subtipos de HLA têm sido associados com a MG, incluindo os subtipos HLA-B8, HLA- DRw3, DQw2. Por sua vez, as formas de MG MuSK positivas estão associadas com háplotipos DR14 e DQ5. Além disso, pacientes com MG frequentemente têm outras doenças imunomediadas, como lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatóide, doença de Graves e Amanda Freitas—MED 5°P APG 17 4 @amandacfdias tireoidite, bem como uma história familiar de doença autoimune. Caso clínico #1 Uma mulher de 25 anos de idade se apresenta com fala arrastada recorrente que piora quando ela continua a falar. Ela apresenta problemas de deglutição, que pioram quando continua a comer, e visão dupla, que piora quando costura, lê ou assiste TV. Ela relata que sua cabeça é pesada e difícil de manter erguida. Seus sintomas têm piorado progressivamente nos últimos 6 meses. Ela apresenta fraqueza intermitente em pernas e braços. Ela tem medo de cair, em virtude de suas pernas fracas, e tem problemas para pentear o cabelo e colocar desodorante. Ela relata uma sensação de fadiga generalizada e, ocasionalmente, dispneia. Manifestações Clínicas A característica cardinal de MG é a fraqueza da musculatura esquelética flutuante, além da fadiga muscular. Embora o início da doença costume ser insidioso, o distúrbio algumas vezes é desmascarado por uma infecção concorrente, que leva à exacerbação dos sintomas. Exacerbações também podem ocorrer na gestação ou antes do período menstrual. Os sintomas podem ser piorados por quinina, quinidina, procainamida, propanolol, fenitoína, lítio, tetraciclina e antibióticos aminoglicosídeos que, portanto, devem ser evitados nesses pacientes. Segue uma evolução lenta e progressiva. Os pacientes apresentam ptose, diplopia, dificuldade na mastigação ou deglutição, fala anasalada, dificuldades respiratórias ou fraqueza nos membros. Esses sintomas costumam apresentar oscilações de intensidade durante o dia, e esta variação diurna algumas vezes é sobreposta com recaídas espontâneas de prazos mais longos e remissões que podem durar semanas. ❖ Exame O exame clínico confirma a fraqueza e a fadiga fácil nos músculos afetados. A fraqueza não está confinada à distribuição de qualquer nervo, raiz nervosa ou nível do sistema nervoso central isolado. Em mais de 90% dos casos, os músculos extraoculares estão envolvidos, frequentemente levando a paralisias oculares e ptoses assimétricas. As respostas pupilares não estão afetadas. A característica do distúrbio é que a atividade mantida dos músculos afetados leva a uma fraqueza temporariamente aumentada. Assim, um olhar para cima mantido durante dois minutos pode levar a um aumento da ptose, sendo que a força dos músculos envolvidos melhora depois de um breve descanso. Nos casos avançados, pode haver um grau leve de atrofia dos músculos afetados. A sensibilidade é normal e geralmente não há alterações dos reflexos. Amanda Freitas—MED 5°P APG 17 5 @amandacfdias Classificação Classe I: qualquer fraqueza da musculatura ocular; possível ptose; força muscular normal em todos os outros músculos Classe II: fraqueza leve de outros músculos; pode ocorrer fraqueza da musculatura ocular de qualquer intensidade • IIa: predominantemente em músculos dos membros e/ou axiais • IIb: predominantemente em músculos orofaríngeos e/ou respiratórios Classe III: fraqueza moderada de outros músculos; pode ocorrer fraqueza da musculatura ocular de qualquer intensidade • IIIa: predominantemente em músculos dos membros e/ou axiais • IIIb: predominantemente em músculos orofaríngeos e/ou respiratórios Classe IV: fraqueza intensa de outros músculos; pode ocorrer fraqueza da musculatura ocular de qualquer intensidade • IVa: predominantemente em músculos dos membros e/ou axiais • IVb: predominantemente em músculos orofaríngeos e/ou respiratórios; uso de sonda alimentar sem intubação Classe V: intubação necessária para manutenção de vias aéreas Diagnostico das doenças neuromusculares ❖ Miastenia gravis História Clínica Os aspectos típicos são fraqueza e fatigabilidade dos músculos esqueléticos, com distribuição característica. Pode se apresentar nas formas ocular, orofaríngea ou generalizada. Os pacientes podem referir: ptose, diplopia, disartria, disfagia, paresia facial, fraqueza muscular e dispneia. Exame físico • Observar a distribuição da fraqueza muscular: se é localizada ou generalizada; • Observar presença de ptose palpebral: solicita-se que o paciente olhe para cima e anotar o tempo que a ptose se desenvolve; • Observar sinais de comprometimento dos músculos faciais e orofaríngeos: sorriso achatado ou transversal, voz nasalada e dificuldade na mastigação e deglutição; • Pedir ao paciente para manter os braços estendidos→ observar força; • Pode haver comprometimento respiratório na MG grave. Espaço para anotações... Amanda Freitas—MED 5°P APG 17 6 @amandacfdias Espaço para anotações... Amanda Freitas—MED 5°P APG 17 7 @amandacfdias Espaço para anotações... Amanda Freitas—MED 5°P APG 17 8 @amandacfdias Diagnóstico diferencial Referências Bibliográficas Clínica Médica USP v.6 Neurologia Clínica Greenberg Robbins Patologia Básica
Compartilhar